democracia

Míriam Leitão: A dilacerante dor dos brasileiros

CPI foi o desabafo do país, de todos os que discordam dos rumos aviltantes do governo

Míriam Leitão / O Globo

Nem nos mais pessimistas cenários esse número apareceu. Nem nos piores pesadelos o país imaginou que poderia perder 600 mil vidas na pandemia. Se tentássemos escrever uma distopia, algum enredo de horror político, o presidente seria assim como o que governa o Brasil. Não visitaria hospitais, não consolaria as vítimas, proibiria as medidas de precaução, induziria o uso de um remédio ineficaz e impediria que seus ministros e assessores socorressem a população. E mentiria todos os dias. O que nós vivemos não estava escrito, previsto ou calculado. As marcas ficarão. Como disso o cantor e compositor Criolo, “a pandemia nunca vai acabar para quem perdeu um ente querido.” Ele perdeu a irmã.

Há quem diga que a CPI não dará em nada, que se perdeu, que poderia ter pensado em outra estratégia. Falta nessa análise tanto a visão global quanto a dos detalhes. A CPI foi o desabafo do país, de todos os que discordam dos rumos aviltantes do governo. Nos detalhes, a Comissão revelou um mundo de informação que apenas intuíamos e que agora estão expostas, irrefutáveis. Se isso vai se transformar em alguma punição contra os culpados não depende da Comissão Parlamentar. Se autoridades policiais, políticas e dos órgãos de controle fingirem não ver, serão cúmplices. Se o procurador-geral da República, Augusto Aras, continuar inerte e sinuoso, será cúmplice. Diante de todos os que falham neste momento dilacerante do Brasil estará uma lápide com 600 mil nomes.

Há inúmeros fatos que o país não sabia e que ficou sabendo durante as sessões dos últimos seis meses da Comissão Parlamentar. Havia suspeita, mas agora há certeza de que o governo colocou em prática a tese criminosa da imunidade de rebanho. O presidente sempre insistiu em provocar aglomerações, desacreditar as medidas de proteção e sabotar as vacinas. Antes, tudo podia ser entendido como erros de avaliação e de gestão. Soube-se na CPI que era mais que isso, aquele comportamento delinquente era um projeto. Bolsonaro queria que o número máximo de brasileiros fosse contaminado porque testava em nós a teoria perversa de que se mais gente adoecesse mais rapidamente o país estaria imunizado. Bolsonaro conspirou contra a saúde dos brasileiros em gabinete paralelo, com o apoio de empresários negacionistas, ministros sabujos e invertebrados.

A CPI iluminou o que se passava dentro do Ministério da Saúde. Não era apenas um caso de incompetência. Era roubo. Havia rivalidades entre grupos no comando do Ministério, mas todos tinham o mesmo propósito: obter vantagens financeiras na negociação da vacina. Por isso fechavam as portas à Pfizer, sabotaram a Coronavac e eram atenciosos com os atravessadores e suas propostas mirabolantes. O presidente foi informado das tramoias, admitiu que suspeitava do seu líder na Câmara, mas nada fez e nem tirou o líder. Institutos bolsonaristas, como o Força Brasil, financiado pelo empresário Otávio Fakhoury, difundiam fake news contra vacina enquanto tentavam vender imunizantes para o Ministério da Saúde. Luciano Hang mostrou ser ainda mais abjeto do que se pensava.

O presidente teve o conluio de pelo menos dois planos de saúde, alguns médicos, alguns empresários, do Conselho Federal de Medicina, de generais submissos, dos políticos da base, para mentir e levar brasileiros à morte. Milhares de mortes teriam sido evitadas se o governo fosse outro. A Prevent Senior se transformou em campo de experimentação e extermínio, e a Agência Nacional de Saúde Suplementar, que tem o dever de fiscalizar os planos, soube disso apenas pela CPI. Bolsonaro e seus cúmplices tentaram mudar a bula da cloroquina e foram impedidos pela Anvisa. A vacinação ocorreu no país pela pressão da imprensa, pela luta do pessoal da Saúde, pelo esforço de governos estaduais, principalmente o de São Paulo, e ganhou velocidade por causa da CPI.

A lista das revelações da Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada no Senado é enorme. O país parou para ver o trabalho dos senadores e das senadoras. Atrás de cada pergunta havia estudo, apuração e a dedicação dos assessores. Os méritos da CPI superam em muito os erros cometidos durante as investigações. A CPI nos deu clareza num tempo de brumas, nos entregou verdades na era das mentiras oficiais. Os resultados são matéria-prima para o próprio Congresso, o Ministério Público e a Justiça. Principalmente a CPI honrou os nossos 600 mil mortos.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/dilacerante-dor-dos-brasileiros.html


Cidadania age para firmar federação e candidatura à presidência

Em entrevista ao CB. Poder, Roberto Freire deu detalhes sobre os planos para solidificar a candidatura

Denise Rothenburg / Gabriela Chabalgoity / CB Poder / Correio Braziliense

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, trabalha com dois projetos no horizonte. O primeiro, é consolidar a pré-candidatura do senador Alessandro Vieira (SE) à Presidência da República — embora admita que, faltando aproximadamente um ano para a corrida eleitoral, há tempo suficiente para se trabalhar várias alternativas no campo da chamada “terceira via”. O segundo é construir uma federação de partidos em torno da legenda, que busca partidos com os quais tenha afinidades — como Rede e PV — para viabilizar aquilo que pode ser o embrião de uma nova agremiação. A seguir, confirma os principais pontos da entrevista que Freire concedeu ao CB.Poder, uma parceria entre o Correio Braziliense e TV Brasília, que foi ao ar ontem.

O que fará o Cidadania diante de regras mais rígidas de sobrevivência para 2023?
A federação precisa ser entendida não como uma alternativa à coligação. Tem uma outra característica: ela é muito mais embrião de futuro partido do que mera coligação. Na coligação, acabou a eleição, cada um vai para o seu lado. Na federação, não — é um partido durante, pelo menos, a legislatura. Isso é processo de fortalecer partidos, até porque a pulverização nas casas legislativas é excessiva — isso dificulta governos, dificulta a própria atividade legislativa. Embora o Cidadania tenha superado a cláusula de desempenho de 2018, ela vai aumentar. Então, precisamos ter um certo cuidado.

Ou seja, a federação de partidos é feita durante a eleição e continua valendo durante toda aquela legislatura?
Sim. Não pode haver separação, então vai ter que ter muito mais convergência do que divergência. Você não aguenta quatro anos se não houver um movimento, uma sinergia, de integração. Não pode ser algo que vai aos trancos e barrancos porque você pode perder, inclusive, respeito diante da sociedade. Não é a cláusula de desempenho que tem que indicar qual é o meu caminho. Meu caminho tem que ser de construção de uma alternativa política. Por isso, o Cidadania só admite discutir federação com quem tem identidade com o Cidadania.

Sobre a discussão do Cidadania em relação à federação com a Rede e o Partido Verde, já tem alguma decisão nesse sentido?
Nós conversamos, um tempo atrás, sobre a possibilidade de uma fusão com a Rede, até mesmo antes da eleição, e com o PV. O PV não quis e nem conversou. Com a Rede, quase tivemos uma fusão, lá em 2018. Não me parece que a Rede tenha mudado de posição, acho que quer continuar tentando sobreviver como partido, independentemente de superar ou não a cláusula de barreira. Mas, o PV, que não quis a fusão, já olha com outro olhar. Como federação, imagina que pode ser uma alternativa.

O Cidadania já lançou uma pré-candidatura à Presidência da República, para 2022, o senador Alessandro Vieira (SE). Ele vai ser candidato mesmo ou é um nome que está ali para discutir mais à frente?
Desde o lançamento o compromisso do Cidadania é de trabalhar pela unidade. É chamada a alternativa do campo democrático e que a imprensa usa muito com o nome de “terceira via”. Ótimo se essa unidade estiver em torno do Alessandro. Mas se tiver outro nome que agregue mais, o Cidadania não será nenhum obstáculo em relação a isso. Não é apenas para derrotar Bolsonaro ou Lula.

É possível vencer a polarização?
Claro, estamos muito distantes da eleição. Há de se diminuir as surpresas porque parece que o recuo que (o presidente Jair) Bolsonaro teve que fazer acalmou aquela ânsia de agredir os Poderes da República. O cenário não está definido.

O PSDB dificilmente deixará de ter candidato à Presidência. Gilberto Kassab que afirmou que o PSD também terá. Ciro Gomes (PDT) falou que a candidatura está certa. Como fica a união do centro?
Mais de um ano antes das eleições há um movimento de partidos políticos discutindo uma candidatura única. Em nenhuma outra sucessão presidencial teve isso. O bloco democrático está tentando discutir um salto para o futuro. Essas duas forças políticas que se polarizam (Bolsonaro e Lula) são duas forças que não compreendem a nova realidade.

O país passa por uma crise grave na economia e o senhor vê alguma saída a curto prazo?
O Congresso atuou bem na pandemia, juntamente com governadores e prefeitos. Se não fosse por eles, teríamos vivido uma tragédia ainda maior do que essa que está aí. É importante salientar que, há algum tempo, nós do Cidadania defendemos o impeachment. Mesmo que (o vice-presidentre Hamilton) Mourão não seja nenhuma grande alternativa, para fazer a transição seria muito melhor do que a continuidade que está se anunciando com Bolsonaro.

* Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4953735-cidadania-age-para-firmar-federacao-e-candidatura-a-presidencia.html


Oposição a Bolsonaro mostra força, e "frente ampla" engatinha

Atos levaram milhares às ruas em todo o país. Partidos variados participaram da organização, mas em São Paulo esquerda se destacou

DW Brasil

Os protestos de rua realizados neste sábado (02/10) em diversas cidades do país e do exterior contra Jair Bolsonaro, a exatamente um ano das eleições de 2022, mostraram que a oposição ao governo segue capaz de levar pessoas para a rua, mas que uma "frente ampla" substantiva contra o presidente ainda está distante.

A pauta dos atos deu ênfase à crise econômica e social do país, com menções aos preços da gasolina e do gás de cozinha, à fome e ao desemprego. Na Avenida Paulista, uma estrutura inflável em frente ao Museu de Artes de São Paulo (MASP) representava um grande botijão de gás, com o preço de R$ 125.

Também eram presentes faixas e palavras de ordem pelo impeachment do presidente, apesar de faltarem as condições objetivas para isso no momento. Bolsonaro segue com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a quem cabe deflagrar o processo de impeachment, e de parte significativa do Congresso e do Centrão.

Organização diversa, público nem tanto

Os atos deste sábado tiveram um arco de organizadores mais amplo do que as manifestações antibolsonaristas que vinham sendo convocados pela centro-esquerda e esquerda desde maio, puxados inicialmente pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo e pelo PSOL e que depois ganharam o apoio do PT e outras legendas.

Neste sábado, participou ativamente da organização, por exemplo, o Solidariedade, que apoiou o impeachment de Dilma Rousseff e chegou a indicar pessoas para cargos de segundo escalão no governo Bolsonaro, mas agora sinaliza apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. A legenda é presidida pelo deputado federal Paulinho da Força (SP), que também é presidente licenciado da Força Sindical. Além do PT, do PSOL e do Solidariedade, estavam na organização dos atos deste sábado PC do B, PSB, Cidadania, PV, Rede e PDT.

As manifestações também tiveram o apoio do grupo Direitos Já!, criado em 2019 e que reúne dezenove partidos à esquerda e à direita, incluindo o PSDB, o PSL e o Novo. O movimento Acredito!, uma das iniciativas de "renovação da política", participou do ato. No carro de som, discursos ressaltaram a importância de ter "pessoas de todas as cores" contra o governo.

Protestos tiveram muitas críticas à crise econômica e referências à inflação

"Temos muitas divergências, mas temos uma unidade. Não queremos mais Bolsonaro governando este país", afirmou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, de cima do caminhão de som. "O grito de hoje não é um ponto final, mas o início de uma caminhada que une os diferentes contra um desgoverno que quer restringir liberdades", disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS), em mensagem gravada reproduzida em São Paulo.

O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), enviou mensagem reproduzida no ato em São Paulo. "Esse Brasil exige união de todos os democratas. O lado certo é o lado da resistência, da denúncia dos desmandos do atual governo", afirmou. O ex-senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) também enviou um vídeo com sua fala.

A participação de siglas à direita, porém, foi fragmentada e restrita a algumas pessoas. Lideranças importantes desse campo, como o governador paulista João Doria, do PSDB, não compareceram – ele estava fazendo campanha das prévias do PSDB em Minas Gerais. O Livres, movimento liberal suprapartidário, tampouco foi aos atos.

Márcio Moretto, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, foi ao ato da Paulista fazer uma pesquisa de campo e relatou à DW Brasil que havia nove caminhões de som na avenida, dos quais oito tinham uma clara orientação à esquerda.

No carro de som central, em frente ao MASP, ele notou um "esforço grande" dos organizadores para compor uma frente ampla de oradores, "mas os manifestantes não estavam tão abertos a essa amplitude toda". Ciro Gomes, do PDT, foi bastante vaiado durante a sua fala, assim como Paulinho da Força.

No Rio, um grande boneco inflável representava o ex-presidente Lula

Em termos de comparecimento, as manifestações deste sábado foram significativamente mais amplas do que as de 12 de setembro, quando os grupos de direita Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua, que haviam convocado atos para aquela data, tentaram atrair setores da esquerda mas não encheram as ruas . Naquela oportunidade, não houve envolvimento direto de partidos na organização, e esquerdistas evitaram engrossar atos que tinham originalmente o mote "Nem Bolsonaro, nem Lula" – que foi retirado pelo MBL na véspera.

Mas, na Avenida Paulista, a impressão de Moretto é que o ato não superou o número de apoiadores de Bolsonaro que foram ao local ouvir o presidente no feriado de 7 de setembro. Na ocasião, os bolsonaristas adotaram como estratégia concentrar os protestos em São Paulo e em Brasília, em vez de se dispersar em cidades variadas, e a Polícia Militar estimou um público de 125 mil pessoas na capital paulista.

Segundo o portal G1, neste sábado foram registrados atos em 84 cidades do país, incluindo as 27 capitais. A Polícia Militar de São Paulo calculou um público de 8 mil pessoas na Avenida Paulista, enquanto os organizadores estimaram o público em 100 mil pessoas.

"Abaixo da expectativa"

O cientista político Bruno Bolognesi, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), avalia que os atos deste sábado ficaram abaixo da expectativa que havia sido criada pelas legendas em torno de uma suposta capacidade de mobilização da "frente ampla", e não foram capazes de oferecer uma "resposta satisfatória" diante dos atos bolsonaristas de 7 de setembro. "Não foi o suficiente para botar pressão e dizer 'somos maiores, temos mais gente'", diz.

Ele é cético quanto à tentativa de criação de uma "frente ampla" contra Bolsonaro comandada por partidos, que no Brasil, diz, em geral não refletem de forma orgânica as suas bases nem têm capacidade de mobilização de militantes.

Manifestantes pediam o impeachment de Bolsonaro

"É uma ilusão achar que uma frente com 15 partidos vá mobilizar, pois não estamos em um país onde os partidos fazem sentido para seus militantes. O que mobiliza no Brasil são líderes carismáticos", diz. Bolognesi nota que a eventual ida de Lula ao ato poderia alavancar a participação de mais pessoas, mas o petista não tem ido às manifestações "por questões estratégicas de sua campanha".

Ele considera a tentativa de "frente ampla" "capenga", pois "o que aparece nas ruas não é frente ampla, é a esquerda, pois a direita e a centro-direita não conseguem mobilizar".

Bolognesi acrescenta que outro motivo para os atos deste sábado não terem sido mais cheios é que a pauta do impeachment de Bolsonaro perdeu força, pois "institucionalmente não há nenhuma vontade de fazer isso acontecer", o que teria um efeito desmobilizador.

"Diante das circunstâncias, um sucesso"

A cientista política Márcia Ribeiro Dias, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), tem uma avaliação diversa e diz que, diante de desafios atuais para levar a oposição a Bolsonaro às ruas, os atos deste sábado tiveram resultados muito positivos.

Entre esses desafios, ela menciona que o campo de oposição ao presidente está dividido entre um polo em torno de Lula e um polo de centro-direita que não aceita o ex-presidente como um possível líder de uma "frente ampla".

Além disso, Dias afirma que a prática de realizar protestos em finais de semana, segundo ela introduzida pela direita durante os atos pelo impeachment de Dilma, acabou sendo adotada pela esquerda, mas desfavorece esse campo. "A tradição da esquerda era fazer manifestação de dia de semana, para o trabalhador ir depois do expediente, para atrapalhar e chamar a atenção. É outra coisa mobilizar durante o final de semana", diz.

A professora da UniRio acrescenta que há pessoas que fazem oposição a Bolsonaro que ainda preferem não ir às ruas por causa da pandemia, e que mesmo assim as manifestações foram muito maiores do que as do dia 12 de setembro, convocadas por MBL e Vem Pra Rua. Ela também considera os protestos deste sábado mais significativos que os atos bolsonaristas de 7 de setembro, considerando a amplitude nacional. "Acho que foi um sucesso", diz.

O momento do governo Bolsonaro

O presidente enfrenta a sua pior aprovação popular desde o início do governo. Pesquisa realizada pelo PoderData em 27 a 29 de setembro mostra que 58% dos brasileiros consideram seu governo ruim ou péssimo, maior taxa desde que ele tomou posse. É a terceira pior marca para um presidente neste momento do mandato, e só perde para Michel Temer e José Sarney.

A alta na sua desaprovação ocorre em um momento de crise econômica no país, que vê a inflação anual se aproximar de 10%, com alta no preço de alimentos e da energia, como gasolina, gás e eletricidade – este último, em função da crise hídrica – e mais de cinco meses de uma CPI no Senado expondo má gestão e suspeitas de irregularidades na condução da pandemia de covid-19, que se aproxima da marca de 600 mil mortos.

A taxa de desemprego atingiu seu recorde da série histórica no trimestre encerrado em abril, em 14,7%, e recuou para 13,7% no trimestre encerrado em junho, mas ainda atinge 14,1 milhões de pessoas. Em abril, havia cerca de 27,7 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, o equivalente a 13% da população, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas divulgada em setembro – em 2017, essa taxa era de 11,2%.

O auxílio emergencial, transferência de renda mensal criada em abril de 2020 para amparar as famílias mais pobres afetadas pela pandemia, está programado para terminar neste mês de outubro. Bolsonaro chegou a anunciar que o substituiria por um novo programa Bolsa Família, com maior valor e para mais beneficiados, mas dificuldades orçamentárias e políticas do Planalto reduziram as chances de isso ocorrer. O governo estuda prorrogar o auxílio emergencial por mais alguns meses.

Por outro lado, além do prestígio junto ao presidente da Câmara, que protege Bolsonaro de um impeachment, a parcela da população que avalia sua gestão como boa ou ótima está estável há vários meses em cerca de um quarto da população. Quando Dilma foi afastada do cargo de presidente, 13% consideravam seu governo ótimo ou bom, e Fernando Collor deixou o Palácio do Planalto com essa taxa em 9%.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/oposi%C3%A7%C3%A3o-a-bolsonaro-mostra-for%C3%A7a-e-frente-ampla-engatinha/a-59387543


Conselheiros da FAP defendem fortalecimento da democracia

Paulo Baía, Elimar Nascimento, Sérgio Buarque e Cristovam Buarque foram alguns dos expositores de reunião conjunta

João Rodrigues, da equipe da FAP

Integrantes de vários segmentos da sociedade – como movimento negro, mulheres e academia -, participaram de reunião online em 25 de setembro, onde destacaram que o fortalecimento da democracia exige responsabilidade, envolvimento e renúncia de exigências meramente partidárias para criar uma ampla frente democrática.
Veja a íntegra da reunião conjunta dos Conselhos Curador, Fiscal, Consultivo, Diretoria Executiva e convidados em: https://youtu.be/py-c3lLCstU

Confira abaixo alguns trechos de depoimentos do cientista político Paulo Baía, do sociólogo Elimar Nascimento, do economista e consultor Sérgio Buarque e do professor emérito da UnB Cristovam Buarque.




Senadores dos EUA alertam para ameaças à democracia no Brasil

Departamento de Estado deve condicionar apoio ao país à preservação da democracia, defendem parlamentares

DW Brasil

Membros da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano alertaram nesta terça-feira (29/09) que o relacionamento dos Estados Unidos com o Brasil estará em risco, caso o presidente Jair Bolsonaro desrespeite as regras democráticas nas eleições de 2022.

Eles temem que alegações infundadas de fraude eleitoral por parte de Bolsonaro possam gerar atos de violência semelhantes à invasão à sede do Congresso americano, no dia 6 de janeiro, quando centenas de apoiadores do ex-presidente Donald Trump tentaram impedir a formalização da vitória democrata nas eleições americanas.

Na carta, endereçada ao secretário de Estado, Antony Blinken, senadores do Partido Democrata afirmam que perturbação da ordem democrática no Brasil poderia colocar em risco a fundação das relações entre as duas nações mais populosas do Hemisfério Ocidental.

"Pedimos que o senhor deixe claro que os Estados Unidos apoiam as instituições democráticas do Brasil e que um rompimento antidemocrático da atual ordem constitucional terá graves consequências”, afirma o documento assinado pelo presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, Bob Menendez, juntamente com os senadores Dick Durbin, Ben Cardin e Sherrod Brown.

A preocupação dos senadores diz respeito aos questionamentos feitos pelo presidente brasileiro ao sistema de votação do país, que resultaram na tentativa frustrada de impor uma reforma eleitoral, barrada no Congresso.

Bolsonaro sinalizou em várias ocasiões que poderá, inclusive, não aceitar uma virtual derrota nas urnas no ano que vem, o que também seria uma espécie de manobra para insuflar sua base de apoio.

"Linguagem irresponsável"

"Esse tipo de linguagem irresponsável é perigosa para qualquer democracia, mas é especialmente imerecida em uma democracia de um calibre como a do Brasil, que por décadas se demostrou capaz de viabilizar transições pacíficas de poder”, afirmam os senadores. "A deterioração da democracia brasileira teria implicações no hemisfério e além.”

As preocupações dos senadores se justificam, uma vez que Bolsonaro vem se envolvendo em constantes atritos com as instituições democráticas brasileiras. Além da controvérsia envolvendo o sistema eleitoral, o presidente costuma lançar fortes ataques ao Supremo Tribunal Federal, além de ter criticado diversas vezes a atuação do Congresso.

Os senadores pediram ao secretário de Estado para tornar o apoio à democracia brasileira "uma prioridade diplomática, inclusive em discussões bilaterais relacionadas à participação do Brasil em organizações como a OCDE e a Otan".

Sem o apoio americano, o Brasil não teria chances de atingir sua ambição de se tornar membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, chamada de o "clube dos países ricos”.

O governo do presidente Joe Biden adota uma postura cautelosa e evita entrar em confronto direto com Bolsonaro. Na ocasião da Assembleia-Geral da ONU, na semana passada, Blinken se reuniu com o ministro brasileiro do Exterior, Carlos França.

Uma fonte do Departamento de Estado disse que o objetivo principal do encontro era tentar encorajar o governo brasileiro a aumentar suas ambições climáticas, antes da Conferência do Clima da ONU em novembro, em Glasgow. O Brasil é considerado um ator fundamental na defesa do meio ambiente, em meio à crescente preocupação internacional com a preservação a Amazônia e outros biomas.

A passagem de Bolsonaro por Nova York, durante a Assembleia-Geral, atraiu bastante atenção nos EUA, mas não do modo como desejavam os aliados do governo. Ele reforçou a imagem de negacionista, por ser o único líder dos países do G20 a não estar vacinado contra a covid-19, e por não utilizar máscaras em várias ocasiões.

Em seu discurso na ONU, ele criticou medidas preventivas adotadas por vários países para conter as transmissões do coronavírus, e ainda defendeu o tratamento precoce, que se baseia em medicamentos comprovadamente ineficazes contra a doença.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/senadores-dos-eua-alertam-para-amea%C3%A7as-%C3%A0-democracia-no-brasil/a-59345917


Luciano Hang presta depoimento à CPI da Pandemia

Investigações apontam que o bolsonarista foi membro atuante do grupo de aconselhamento a Bolsonaro durante a pandemia

Victor Fuzeira e Marcelo Montanini / Metrópoles

Com foco na ação do “gabinete paralelo”, a CPI da Covid-19 ouve, na manhã desta quarta-feira (29/9), o empresário Luciano Hang. As investigações apontam que o bolsonarista foi membro atuante do grupo de aconselhamento ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a pandemia da Covid-19.

A ida de Hang ao colegiado também faz parte do esforço concentrado dos senadores para apurar irregularidades que envolvem a operadora de saúde Prevent Senior.

Hang chegou ao Senado pouco depois das 10h e falou com a imprensa. Ele afirmou que, ao contrário de outros depoentes, chega ao colegiado sem um habeas corpus que lhe concede o direito de não responder perguntas durante a oitiva.

“Hoje aqui estou sozinho, como um brasileiro normal, um comerciante. Tenho a certeza que estou com Deus e com milhões de brasileiros que querem um Brasil melhor e é por isso que eu luto”, disse.

Aliado de Bolsonaro, o empresário, que assumiu a alcunha de Veio da Havan dada por críticos, é suspeito de ter financiado a disseminação de fake news em blogs bolsonaristas e o grupo de consultores informais do presidente Jair Bolsonaro.

A Prevent Senior tem ligação com o “gabinete paralelo”, como revelou o Metrópoles, por meio do virologista Paolo Zanotto, que integrava o grupo e levava dados da empresa para o governo federal.

Outra situação que envolve Hang e a operadora de saúde é o caso da possível alteração na certidão de óbito da mãe dele, Regina Hang, supostamente a pedido do próprio empresário. A advogada Bruna Morato, que representa ex-médicos da Prevent Senior, confirmou, nessa terça-feira (28/9), em depoimento à CPI, que a mãe do empresário usou medicamentos sem comprovação de eficácia para a Covid-19 e teve a certidão de óbito alterada.

Profissionais de saúde da Prevent Senior, representados por Bruna Morato, elaboraram um dossiê entregue à comissão com denúncias de uso indiscriminado, nos hospitais da empresa, de medicamentos sem comprovação de eficácia para o tratamento da Covid-19 e coação de médicos para adotarem esse protocolo.

Outra acusação que pesa sobre a empresa é a de alterar atestados de óbitos para ocultar morte de pacientes por Covid-19, com orientação para os médicos mudarem os prontuários.

Às vésperas do depoimento, o empresário divulgou vídeo, nas redes sociais, algemado, provocando a comissão. Hang disse que vai depor com “o coração aberto”. “Se não aceitarem o que vou falar, já comprei uma algema para não gastarem dinheiro. Vou entregar uma chave para cada senador. E que me prendam”, ironizou.

Há uma expectativa de depoimento tenso. Contudo, o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), contemporizou: “Ele é um depoente como qualquer outro e nós já tivemos um triste espetáculo de depoente que se utilizou das prerrogativas de parlamentar, que é o caso do deputado Ricardo Barros [líder do governo Bolsonaro na Câmara], para tentar tumultuar, [mas] o senhor Hang não tem imunidade parlamentar. Então, eu espero que ele se comporte conforme reza o Código de Processo Penal”, afirmou o parlamentar.

“As algemas, a mim não me incomodaram. Se ele está tão obcecado pelo uso assim, é uma escolha dele”, alfinetou.

Fake news

Além do “gabinete paralelo” e da Prevent Senior, outro assunto que os senadores querem apurar é a disseminação de fake news relativas à pandemia, e Hang é um dos alvos. Documentos obtidos pela CPI, e divulgados pela TV Globo na semana passada, relevam que o empresário teria financiado o blogueiro Allan dos Santos por intermédio do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro.

Allan dos Santos é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos inquéritos que apuram disseminação de fake news e atos antidemocráticos.

Seguindo a linha de investigação sobre a disseminação de fake news e a ligação com o governo federal, a comissão ouvirá outro empresário bolsonarista, Otávio Fakhoury, que é vice-presidente do Instituto Força Brasil. Ele também é investigado pelo STF no inquérito das fake news.

Assista:



Fonte: Metrópoles / Agência Senado
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/cpi-da-covid-luciano-hang-depoimento


Luiz Carlos Azedo: Mil e uma noites no poder

Ninguém pense que Bolsonaro está jogando a toalha. Apesar das dificuldades eleitorais, não se sente estrategicamente derrotado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Os 1.000 dias do governo Bolsonaro foram comemorados pelo governo sem muita pompa, não houve nenhuma entrega espetacular para marcar a data. Afinal, são 600 mil mortes por covid-19, 14 milhões de desempregados e 35 milhões de brasileiros na miséria. “Nada não está tão ruim que não possa piorar”, disse o presidente Jair Bolsonaro, agourento, durante a efeméride no Palácio do Planalto. Diante de ministros e parlamentares, arrematou: “Alguém acha que eu não queria a gasolina a R$ 4? Ou menos? O dólar R$ 4,50 ou menos? Não é maldade da nossa parte. É uma realidade. E tem um ditado que diz: ‘Nada não está tão ruim que não possa piorar’. Nós não queremos isso.”

Lembrei-me de uma passagem de um clássico da literatura universal, As Mil e Uma Noites (Editora Brasiliense), uma coletânea de histórias de origem persa narradas por sua principal personagem, a princesa árabe Xerazade, esposa do rei Xariar. “Você vai morrer!”, disse o monarca, “você morreria nem se fosse apenas para eu ouvir sua cabeça falar depois de separada do corpo”.

Suspeito de espionar, o médico Dubane fora condenado à morte, porém, antes da execução, desafiou o monarca a ler um livro que faria sua cabeça decapitada falar. O rei caiu na armadilha e começou a ler as páginas do livro, molhando o dedo na própria saliva para separá-las. A cabeça amaldiçoada esperou o veneno fazer efeito e, antes do rei o morrer, declamou:

Eles julgaram a seu modo
E se acumpliciaram nesse trabalho
Dentro em pouco, seu poder parecerá que
nunca existiu
Poderiam ter permanecidos justos e puros
mas abusaram do poder
e o mundo por seu turno os oprimiu
assim como a adversidade e a provação
Ei-los vivendo na miséria. Seu presente
É tão-somente o fruto do seu passado.
Quem censurará o mundo
Por tratá-los assim.

O poema ajuda a entender a derrocada de governos, regimes e até civilizações. Não é o caso ainda do governo Bolsonaro, ao completar 1.000 dias, mas é o seu rumo atual. Na última sexta-feira, o preço médio da gasolina era R$ 6,09, mesmo subsidiada pela Petrobras. Ontem, o dólar estava cotado a R$ 5,37. O Imperador brasileiro Dom Pedro II soube bem o que é isso. Foi o primeiro a traduzir diretamente As Mil e Uma Noites para o português, com rigor raro para a época. Aos 62 anos, pouco antes da Abolição e da Proclamação da República, começou o trabalho. O último registro de texto traduzido é de novembro de 1891, um mês antes de sua morte em Paris, no exílio. Não conseguiu concluir a obra.

Ao passado

Entretanto, ninguém pense que Bolsonaro está jogando a toalha. Apesar das dificuldades eleitorais, não se sente estrategicamente derrotado. O seu discurso de ontem, ao se referir à facada que levou na campanha de 2018, constrói um cenário imaginário no qual a eventual vitória de seu adversário principal nas eleições de 2018, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT), faria com que a situação fosse muito pior: “É só imaginar quem estaria no meu lugar. O perfil dessa pessoa, o seu alinhamento com outros países do mundo, em especial aqui na América do Sul. Onde nós estaríamos agora?”, indagou. Obviamente, a comparação é com a Venezuela: “Você já sabe qual o filme do futuro porque você viveu 14 anos passados esse filme. E pode ter certeza, não serão apenas mais 14 anos. Serão no mínimo 50. É isso que queremos para a nossa pátria?”

Bolsonaro administra mal o próprio tempo, o recurso mais escasso de seu mandato. Governa para os seus, olhando sempre para trás. Constrói um cenário político que lembra um pouco a disputa de 1950, na qual Getulio Vargas voltou à Presidência pelo voto. Naquela campanha, o líder da UDN, Carlos Lacerda, que mais tarde seria governador da antiga Guanabara, dizia que Vargas não poderia ser candidato; se fosse candidato, não deveria ganhar; se ganhasse, não deveria tomar posse; se tomasse posse, deveria ser derrubado.

Lacerda foi um opositor implacável, mas sofreu um atentado, na Rua Tonelero, em Copacabana, onde morava, sendo ferido na perna. No episódio, morreu o major Rubens Vaz, seu amigo, que cuidava da sua segurança. O envolvimento de Gregório Fortunato, chefe da segurança pessoal do presidente, no crime, e de Benjamin Vargas, seu irmão, encurralou e levou Vargas ao suicídio, em 24 de agosto de 1954. A analogia serve para mostrar que a atual polarização política não se resolverá na eleição. Deixou de ser eleitoral: é mais profunda e, tudo indica, veio para ficar.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-mil-e-uma-noites-no-poder

Professora aposentada da USP conta saga familiar e luta pela democracia em livro

Dina Lida Kinoshita participará de webinar sobre a obra Um tijolo para uma construção grandiosa, de sua autoria, no dia 27 de setembro

Cleomar Almeida, da equipe FAP

Militante na luta pela redemocratização no Brasil e filha de judeus, a professora aposentada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) Dina Lida Kinoshita, de 74 anos, registra a saga de sua família, atingida por epidemias, guerras, revoluções e mortes, em novo livro editado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). A obra será lançada, na segunda-feira (27/9), a partir das 19h, em webinar da entidade.

Com o título Um tijolo para uma construção grandiosa: memórias de Dina Lida Kinoshita (344 páginas), a obra reúne 48 textos da autora, abordando assuntos como o quase centenário Partido Comunista Brasileiro (PCB), assim como a anistia e a divisão da oposição. O livro também tem relatos sobre a redemocratização, a primeira eleição presidencial direta desde 190 e os governos Collor, Itamar e FHC.

Assista!



O evento de lançamento online do livro será transmitido em tempo real, no portal da FAP, na página da entidade no Facebook e no canal dela no Youtube. Além autora, também confirmaram participação no webinar o sociólogo José Claudio Berghella, prefaciador da obra; o físico e consultor Laurindo Junqueira e a doutora em ciências sociais Esther Kuperman.

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Dina mudou-se com os pais para o Brasil ainda nos primeiros anos de vida dela, com lembranças de seus antepassados. “Meu avô faleceu numa epidemia de tifo que grassou no fim da Primeira Guerra Mundial, e minha mãe, Frania Lida, nascida em 1917, mal se lembrava dele. Acabou sendo educada por sua mãe e por dois irmãos mais velhos, Alter e Israel Lida”, relata.

livro Um tijolo para uma construção grandiosa
Professora aposentada da USP Dina Lida Kinoshita
Dina Lida Kinoshita mudou-se para o Brasil ainda criança
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Anos depois, com a invasão nazista no dia 1º de setembro de 1939, conforme escreve a autora, as pessoas que ficaram na Polônia tiveram o mesmo fim de toda a comunidade judaica do país do leste europeu. Diversos familiares da autora morreram. “Não conheci avós, irmãos, tios e primos de primeiro grau”, conta ela, na obra.

https://youtu.be/f8CO0wX6U1U

“No pós-2ª Guerra, viemos para o Brasil, onde me criei, estudei, trabalhei, constituí uma família, mas não tive uma vida comum”, lembra. Ela militou no PCB, desde os 14 anos de idade, durante a maior parte do tempo no partido considerado clandestino e ilegal por causa da ditadura.

Além disso, Dina participou da luta pela redemocratização e acompanhou as grandes mudanças ocorridas no mundo, no limiar do século 21. Elas acarretaram uma nova formação política do PCB, com o Partido Popular Socialista (PPS), que mais tarde viria a se tornar o Cidadania.

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A autora também militou no movimento estudantil secundarista, ainda durante o governo de João Goulart (1961-1964), e durante a ditadura de 1964-1985, em condições muito adversas no movimento estudantil universitário. Em 1971, foi contratada como docente na USP, pouco depois das aposentadorias compulsórias de grandes mestres.

“O ar na universidade era irrespirável”, afirma. Após 1975, ela ajudou na reorganização do núcleo de professores e teve uma grande participação na Associação dos Docentes da USP (Adusp).

Com a ascensão de Ronald Reagan e Margareth Tatcher ao poder, nos anos 1980, acirrou-se a escalada da Guerra Fria, e ela passou a militar mais diretamente, no campo da esquerda, em nível nacional e internacional, assumindo maiores responsabilidades e cargos.

Decorreu daí o seu trabalho, durante vinte anos, na Cátedra Unesco de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância. Durante 16 anos, colaborou com a FAP, criada no ano 2000, em Brasília.

“Penso ter contribuído com um tijolo para uma construção grandiosa que depende de milhões de homens e mulheres que lutaram, lutam e lutarão por um mundo melhor. Não estou desistindo e continuarei, dentro de minhas possibilidades, a dar o melhor de mim por este maravilhoso objetivo”, ressalta.

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Prefaciador do livro, o doutor em sociologia pela UPS José Claudio Berghella observa que “as memórias de Dina não são tão somente a narrativa de episódios de uma vida ou de um tempo”. “É, acima de tudo, a encarnação daquilo que é ser militante. Não a comparo aos quadros profissionais do Partido, de antes ou de hoje. Estes são quadros do aparelho”, pondera.

“Miro uma vida que abraça uma ideologia que, de per si, vai na contramão do status quo, que carrega o fardo da luta por liberdade e igualdade, enfrentando o peso da reação, a incompreensão, a repressão e, porque não, os desatinos não pouco frequentes dos seus dirigentes”, continua Berghella. “Miro aquele que é capaz de entender seus erros e ter a coragem de fazer e assumir, na prática, a autocrítica”, assevera.

Evento online de lançamento nacional livro

Título: Um tijolo para uma construção grandiosa: memórias de Dina Lida Kinoshita

Autora: Dina Lida Kinoshita

Editora: Fundação Astrojildo Pereira

Data do webinar: 27/9/2021

Transmissão: das 20h às 21h30

Onde: Portal e redes sociais (Facebook e Youtube)

Realização: Fundação Astrojildo Pereira


Bruno Carazza: Muita água a passar por debaixo da ponte

Pesquisas a um ano das eleições dizem muito pouco

Bruno Carazza / Valor Econômico

Em 4/12/1988, Fernando Collor sequer aparecia nas pesquisas para as eleições presidenciais que iriam se realizar no ano seguinte. Nesse dia o Datafolha apontava Brizola na liderança, seguido de perto por Lula ou Silvio Santos, a depender do cenário.

A um ano da disputa de 1994, Lula ocupava confortavelmente a primeira colocação (31%), com quase o dobro das intenções de voto de José Sarney (16%). Fernando Henrique àquela altura amargava o quinto lugar, com 7%, atrás ainda de Maluf (12%) e Brizola (8%).

Com a emenda da reeleição aprovada, FHC surfava na onda do Plano Real e apareceu, em setembro de 1997, com ampla folga em relação a Lula: 37% a 22%. Maluf tinha 13%, Sarney 11% e o estreante Ciro Gomes apenas 5%.

Quatro anos depois Lula já surgia com chances de finalmente vencer uma eleição presidencial: com 30%, o petista estava bem à frente de Ciro (14%), Roseana (12%), Itamar (11%) e Garotinho (9%). Serra, que seria derrotado por Lula no segundo turno um ano depois, tinha apenas 7% da preferência dos entrevistados.

Como todos sabem, Lula chegou ao Planalto em 2003, mas em 23/10/2005 ele vivia seu inferno astral. No auge do escândalo do mensalão, sua popularidade despencou a ponto de ficar tecnicamente empatado com Serra (30% a 27%), causando a impressão de que sua reeleição estaria ameaçada. No fim das contas, Serra não disputou o pleito de 2006, e Lula acabou derrotando Geraldo Alckmin (que àquela altura tinha 16% nos levantamentos do Datafolha).

Sem Lula no páreo, em dezembro de 2009 as pesquisas indicavam a liderança de Serra (37%), bem à frente de Dilma (23%), Ciro (13%) e Marina (8%). Deu Dilma.

E quando a petista foi buscar um novo mandato, sua liderança a um ano da campanha de 2014 era bastante sólida. Com 40% em média nas pesquisas, tudo indicava que ela bateria com facilidade Marina (que tinha em torno de 30%), Serra (20 a 25%) ou Aécio (20%), e Eduardo Campos (15%). Ninguém imaginava que a disputa do ano seguinte seria tão equilibrada nos dois turnos - sem falar no trágico acidente que vitimou o então governador pernambucano.

Para completar o quadro, faltando um ano para as eleições de 2018, o Brasil vivia a indefinição jurídica se Lula poderia ou não se candidatar, pois estava preso em Curitiba. Traçando oito cenários diferentes (!), o Datafolha indicava que a vitória ficaria entre o petista (se ele pudesse concorrer) ou, em caso alternativo, com Marina Silva. Naquele momento, 1/10/2017, em todos os prognósticos Bolsonaro já despontava como presença provável no segundo turno, com quase 20% de apoio.

Bolsonaro surpreendeu ao chegar ao poder com um partido nanico e poucos segundos de propaganda eleitoral, sem alianças nos Estados e com uma arrecadação baixíssima para os padrões brasileiros.

A principal conclusão dos números acima é que as pesquisas de intenção de votos, realizadas com um ano de antecedência, não servem como guia confiável para o resultado definitivo das urnas.

Parafraseando os panfletos de aplicações financeiras, desempenho passado não é certeza de ganho futuro. Pesquisa eleitoral é fotografia de momento. Além da estratégia, carisma, propostas e alianças de cada candidato, uma série de outros fatores podem afetar a dinâmica das campanhas, do desempenho da economia à eclosão de escândalos de corrupção, sem falar na contribuição do imponderável.

Nos últimos tempos, vários balões de ensaio foram testados buscando replicar aquilo que seria “o novo normal” da política brasileira pós-Bolsonaro 2018. Sergio Moro, Luciano Huck, Luiza Trajano e agora Datena - todos foram cogitados como alternativa de fora da política, se valendo de popularidade nas redes sociais para alavancar intenção de voto; e aparentemente nenhum deles se viabilizou.

Há um ano das eleições, o quadro vai se consolidando no sentido de que não teremos nenhuma surpresa na urna eletrônica em 2022. Todos já sabemos quem é Bolsonaro, suas ideias e seu modo de governar. Como alternativa, o eleitor deverá contar com Lula, Ciro e um tucano (Doria ou Eduardo Leite). Os demais nomes colocados, todos também advindos da política tradicional, aparecem mais como opções para compor as chapas dos anteriores; parece ser o caso de Simone Tebet, Mandetta, Pacheco, Alessandro Vieira, entre outros.

Mas se engana quem acredita que as pesquisas citadas acima não enviam mensagens para o futuro.

Bolsonaro inicia o ano final de seu mandato com a mais baixa intenção de voto entre todos os presidentes que se reelegeram - FHC tinha 37% em 2001, Lula em torno de 30% em 2009 e Dilma possuía uma média de 40% em 2013, frente aos 25% do atual presidente. A depender de como seu governo vai lidar com a grave crise econômica e a ameaça de apagão, suas chances de chegar competitivo em 2022 podem estar ameaçadas.

Lula, por sua vez, posiciona-se como candidato pela sétima vez (se contarmos com 2018, quando ele foi impedido de disputar) e nunca teve um percentual tão alto de preferência do eleitor nesta altura do campeonato. Seus mais de 40% de agora, portanto, estão mais para teto do que para piso, ainda mais porque Lula ainda não foi confrontado pela imprensa a explicar os escândalos de corrupção e a crise econômica deixados pelas administrações petistas.

Da parte de Ciro, seu desafio é o mesmo desde quando ele se colocou como aspirante a um lugar no Palácio do Planalto pela primeira vez, em 1998: superar a barreira dos 10% das intenções de voto e se mostrar realmente competitivo.

Por fim, resta a opção tucana. A ideia de marcar prévias inéditas constitui a última chance de fazer algum de seus postulantes à Presidência ganhar projeção e se mostrar viável no ano que vem. Ao se mostrarem nacionalmente nos próximos dois meses, digladiando em debates transmitidos pela TV e pela internet, Doria ou Eduardo Leite tentarão repetir a façanha de FHC em 1993 ou Serra em 2001 - sair de um dígito a um ano do pleito e alcançar pelo menos o segundo turno na hora do vamos ver. Mas sem Plano Real.

A se fiar pelas pesquisas das últimas oito eleições, tudo ainda pode acontecer - inclusive nada.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/muita-agua-a-passar-por-debaixo-da-ponte.ghtml


Mathias Alencastro: Três lições da Alemanha

Sucessão de Merkel mostra caminhos para democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita

Mathias Alencastro / Folha de S. Paulo

Terminou a campanha eleitoral na Alemanha e, pela primeira vez, o partido que sair na frente terá de encontrar pelo menos dois outros aliados para formar o governo. O processo de formação de um novo governo deve se prolongar por alguns meses, mas um cenário de impasse a longo prazo, como nas vizinhas Holanda e Bélgica, parece descartado.

popularidade de Olaf Scholz, apontado em todas as sondagens como o mais preparado para assumir o cargo, assim como o desejo de alternância depois de 16 anos de governo CDU, confere um ascendente à SPD nas negociações com potenciais aliados. O resultado do pleito também traz ensinamentos para todas as democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita.

A primeira é a resiliência da centro-esquerda. A SPD defendeu o programa mais progressista das últimas décadas, mas apresentou um candidato sóbrio e pragmático, que foi vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças nos últimos anos.

pandemia, que muitos esperavam ser um prato cheio para os populistas, acabou reforçando as credenciais dos candidatos versados na administração do Estado. Dada como morta depois da debacle do Partido Socialista francês em 2017, a centro-esquerda está voltando a contar na Europa, com governos da Península Ibérica à Escandinávia, passando agora, provavelmente, pela Alemanha.

A segunda é a dificuldade da direita tradicional diante da emergência da extrema direita. A toda-poderosa CDU não conseguiu recuperar o eleitorado perdido para a AfD, que se manteve acima dos 10% e consolidou sua presença em nível regional. Exceção feita ao Reino Unido, onde Boris Johnson conseguiu federar as direitas em torno do brexit, o campo conservador parece irremediavelmente dividido nas democracias liberais.

Muito se fala do drama da renovação da esquerda, mas a origem da crise de governabilidade europeia tem sua origem no outro lado do espectro ideológico.

A terceira dinâmica é a emergência da crise climática como tema de campanha. De acordo com todos os cenários, os Verdes devem se afirmar como a terceira maior força política e regressar ao governo, depois da experiência bem-sucedida dos anos 1998-2005 liderada pelo lendário Joschka Fischer, àquela altura ministro das Relações Exteriores.

Vencedor destacado na população abaixo de 50 anos, o partido está bem posicionado para encabeçar o governo nos próximos dez anos.

Para o Brasil especificamente, o surgimento da SPD e dos Verdes deve reforçar o ativismo internacional nas questões democráticas e ambientais da Alemanha, sempre muito contida nos tempos de Merkel.

Martin Schultz, um dos principais quadros da SPD e forte candidato a assumir uma pasta ministerial em uma eventual coalizão liderada pelo partido, foi até Curitiba para encontrar o ex-presidente Lula na cadeia. Quanto aos delinquentes neonazistas que Bolsonaro recebeu no Alvorada, eles continuarão sendo irrelevantes no futuro Parlamento.

Esses pequenos sinais também devem ser levados em conta na hora de especular sobre a reação da comunidade internacional em caso de contestação do resultado das presidenciais brasileiras em 2022.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mathias-alencastro/2021/09/tres-licoes-tiradas-da-eleicao-da-alemanha.shtml


A CPI encontrou os documentos, fez a conta e descobriu o CPF dos culpados

As provas que a comissão da pandemia recolheu não vão embora

Celso Rocha de Barros / Folha de S. Paulo

A CPI da Pandemia, que se aproxima de seu fim, provou a ocorrência do maior crime da história republicana brasileira. Encontrou os documentos certos, fez as contas certas e descobriu o CPF dos culpados.

A CPI provou, com documentos, que Jair Bolsonaro se recusou a comprar as vacinas oferecidas pela Pfizer e pelo Instituto Butantan, e que só comprou metade da oferta do consórcio Covax Facility.

Tudo documentado.

Com esse número de vacinas não compradas e os documentos que provam as datas em que elas poderiam estar disponíveis, os cientistas foram trabalhar. Eles sabem o quanto o número de mortes costuma cair conforme a vacinação progride.

Na conta do epidemiologista Pedro Hallal, feita a pedido da Folha, só as vacinas da Pfizer e do Butantan teriam salvado cerca de 90 mil pessoas. Bolsonaro matou essa gente só com duas decisões.

Por sua vez, o jornal O Estado de S. Paulo calculou que, só com as vacinas recusadas do Butantan, todos os idosos brasileiros teriam sido imunizados com duas doses até o fim de fevereiro, estando, portanto, todos imunizados a partir do meio de março. Entre o meio de março e o momento em que a reportagem foi publicada (27 de maio), 89 mil idosos morreram de Covid. Supondo que a mortalidade pós-vacinação de idosos fosse igual à do Chile (20% dos doentes), Bolsonaro matou, com uma única decisão, cerca de 70 mil idosos só entre o meio de março e maio deste ano.

Todas essas contas, que ainda não usam os números de vacinas que Bolsonaro se recusou a comprar do consórcio Covax Facility, foram apresentadas à CPI. O Ministério da Saúde tem gente que saberia refutá-las, se elas estivessem erradas. Ninguém se pronunciou.

A CPI também descobriu o que Bolsonaro estava fazendo em vez de comprar vacina: mandando os trabalhadores brasileiros para a rua para adoecer, mentindo que haveria remédio caso eles ficassem doentes.

A CPI documentou a existência de um gabinete paralelo de médicos estelionatários que, por dizerem o que Bolsonaro queria ouvir, tornaram-se mais influentes do que os técnicos do Ministério da Saúde. Foram eles que promoveram os tratamentos com remédios como a cloroquina, muito depois da ciência ter demonstrado que eles eram ineficazes.

Mais recentemente, veio à luz o caso da Prevent Senior, que executou experimentos em pacientes inocentes com o protocolo bolsonarista de cloroquina e similares. O tratamento fracassou, os pacientes morreram, mas os dados foram falsificados para que não se soubesse que os pacientes haviam morrido de Covid.

Finalmente, a CPI descobriu que o governo Bolsonaro se esforçou para que uma, e só uma, vacina específica fosse aprovada: a Covaxin, que ofereceu suborno à turma do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara. O negócio foi denunciado antes de ser efetivado, mas não por iniciativa de Bolsonaro.

Em resumo, a CPI provou que Bolsonaro matou mais de cem mil brasileiros, mentiu para eles que haveria remédio caso adoecessem, e acobertou gente de seu governo que tentava roubar dinheiro de vacina.

As revelações da CPI terão algum efeito político? Tem gente poderosa trabalhando para que não. Mas as provas que a CPI recolheu não vão embora. Ficarão lá, à espera de um Brasil que volte a ter instituições que não se vendam nem tenham medo do próprio Exército.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2021/09/a-cpi-encontrou-os-documentos-fez-a-conta-e-descobriu-o-cpf-dos-culpados.shtml


Fernando Gabeira: Brasil de bolsonaro mostra o dedo para o mundo

O jornal alemão Frankfurter Allgemeine disse que o Brasil mostrou o dedo para o mundo

Fernando Gabeira / O Globo

Era uma alusão à posição negacionista de Bolsonaro, que não apenas recusa a vacina, como quebrou o código de honra da ONU, que esperava um encontro de imunizados. Na verdade, a manchete era uma síntese da atitude de Bolsonaro com a do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que mostrou o dedo para manifestantes contrários ao governo.

A primeira coisa que me ocorreu é que durante muito tempo falamos do brasileiro como um homem cordial. É uma visão idealizada. No entanto jamais poderíamos suspeitar que uma delegação brasileira “mostrasse o dedo para o mundo na ONU”e que isso se transformasse na manchete de um dos principais jornais alemães.

Quando Bolsonaro defendeu a hidroxicloroquina, dizendo que a História e a ciência fariam justiça ao tratamento precoce da Covid-19, lembrei-me de seu esforço no Congresso para aprovar uma pílula contra o câncer, desenvolvida por um pesquisador de São Paulo. Bolsonaro tinha pela fosfoetanolamina a mesma empolgação e é incapaz de se perguntar hoje para quem a ciência e a História deram razão.

Tenho a impressão de que sua confiança na cura mágica cresce com a complexidade do nome do remédio. Certamente se interessou pela proxalutamida.

Dois dias depois do espetáculo de realidade paralela que ofereceu na ONU, Bolsonaro aparece com seis dedos na mão, numa imagem em suas redes sociais. Realmente, falam com os dedos, e essa linguagem foi bem captada dentro da van que levava Marcelo Queiroga. Ele mostrou o dedo médio, numa escolha claramente pornográfica. O chanceler Carlos Alberto França, diplomaticamente, optou pelos dois dedos que simulam uma arma, símbolo permanente do bolsonarismo.

Os seis dedos de Bolsonaro afirmam apenas como ele é mentiroso. Os dedos de Queiroga e do chanceler apontam para a essência da proposta bolsonarista: vulgaridade e violência.

Mas há algo que talvez os jornais estrangeiros não tenham captado. Embora Bolsonaro tenha sido eleito com a maioria dos votos, hoje seu governo é rejeitado por quase 70% da população.

Bolsonaro se orgulha de não ser vacinado. No entanto o Brasil, segundo algumas pesquisas, é o país com mais adesão popular à vacina.

Não vou cair na tentação de reafirmar pura e simplesmente a tese do homem cordial, mas o Brasil, na realidade, não pode ser confundido com o governo. A maioria dos brasileiros, longe de mostrar o dedo para o mundo, estende a mão para a humanidade. Sempre fomos um país solar, e alguns estrangeiros, cativados pela alegria de nossas festas populares, achavam até que a felicidade era um fator associado ao Brasil.

Certamente esgotaria meu espaço discorrer sobre as causas dessa transformação ou mesmo descrever como se gestou o ovo dessa serpente.

O impacto da passagem de Bolsonaro pela ONU me fez lembrar Peter Sellers no filme “Dr. Strangelove”. Bolsonaro falava de vacina, mas uma espécie de força estranha o levava a defender tratamento precoce e a combater passaportes sanitários. Havia um discurso feito para ele, e o braço rebelde que se levantava contra o consenso mundial, o pária que precisa comer pizza no passeio porque não pode entrar no restaurante.

Peter Sellers intepretava um personagem no filme de Stanley Kubrick com essa força contraditória em suas atitudes. De vez em quando, perdia o controle do braço e fazia uma saudação nazista. Se me lembro bem, em determinado momento, ele se levanta da cadeira de rodas e diz: “Mein Führer, posso andar”.

Não quero dizer com isso que Bolsonaro seja nazista. Seria banalizar uma grande tragédia da humanidade.

Seu novo espasmo numa entrevista a extremistas de direita da Alemanha:

—Algumas pessoas com Covid tinham comorbidade. Morreriam de qualquer jeito, dias ou semanas depois.

Mein Führer, consigo andar.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/mostrando-o-dedo-para-o-mundo.html