democracia
Coleção Astrojildo Pereira é recomendada, ao vivo, para mais de mil internautas
João Vítor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
O professor e escritor José Paulo Netto elogiou a Coleção Astrojildo Pereira, editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Boitempo. Durante uma live com mais 1 mil pessoas assistindo simultaneamente à transmissão ao vivo do canal da Opera Mundi no YouTube, ele disse que as obras são “interessantes”.
“Dentre os seis livros na caixa, o Crítica Impura recomendo a todos”, disse José Paulo Netto, destacando a última obra publicada de Astrojildo Pereira e editada, originalmente, em 1963. A entrevista foi realizada pelo jornalista e fundador do Opera Mundi, Breno Altman, no dia 16 de maio.
Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras
Durante a conversa, José Paulo Netto, que também é estudioso do marxismo, discutiu democracia e revolução. Ao final do webinar, ele também destacou elogios ao livro O revolucionário cordial, biografia de Astrojildo Pereira escrita por Martin Cezar Feijó. “Não é boa não. É excelente a biografia escrita por Cezar Feijó”, afirmou.
Além de ser mencionado na biografia do fundador do Partido Comunista Brasileiro (PCB), José Paulo Netto teve um prefácio de sua autoria publicado no livro Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos. “Escrevi esse prefácio 30 anos atrás e alguém foi lá e o recuperou. Eu fiquei muito feliz com essa publicação”, destacou.
Em comemoração aos 100 anos do PCB, a Fundação Astrojildo Pereira e a Boitempo lançaram uma caixa especial da coleção, com seis obras. São novas edições de todos os livros do intelectual brasileiro, revistas e ampliadas.
Confira debate sobre Astrojildo Pereira no 7º Salão do Livro Político
Veja vídeo de lançamento da Coleção Astrojildo Pereira, em Brasília
Obras
A coleção tem os seguintes títulos:
- URSS Itália Brasil (1935);
- Interpretações (1944);
- Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos (1959);
- Formação do PCB: 1922-1928 (1962);
- Crítica impura (1963);
A biografia O revolucionário cordial, de Martin Cezar Feijó, completa o conjunto, que sai com desconto especial.
Autor de livros como O que é marxismo (2017) e Karl Marx: uma biografia (2020), José Paulo Netto nasceu em Minas Gerais, graduado em serviço social e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
As eleições como forma superior de luta
Luiz Werneck Vianna, Horizontes democráticos
Será que o Brasil é isso mesmo, indiferente diante da injustiça, chapado sem erguer um dedo em sinal de protesto aos males que lhe são infligidos, engolindo ofensas calado, anômico, abúlico, e que estivemos redondamente enganados quando o imaginávamos, não há muito tempo, pleno de energia e animado para grandes realizações? Quando perdemos os elos que nos vinculavam a nossos maiores e seus feitos exemplares, como os de Mario Andrade, Drummond, Bandeira, Villalobos, Portinari, Niemeyer, Rondon, os tenentes de 22, a Coluna de 24, os do Teatro de Arena, com o Guarnieri e o Vianinha, e com todos aqueles que deixaram em seus rastros a promessa de aqui iria florescer uma sociedade justa e solidária?
Algo de muito grave ocorreu aqui para que nos encontremos na miserável situação do regime Bolsonaro, inimigo do nosso passado, de suas tradições e instituições, que não só quer aviltá-las como erradicar a sua memória para cujo sinistro desígnio já conspira para sua perpetuação. Tal resultado malévolo não é fruto apenas das circunstâncias desafortunadas que nos viram nascer como nação marcada pelo estigma do latifúndio e da escravidão, que ainda nos atormenta, pois ao longo da nossa história, inclusive recentemente, contamos com oportunidades de buscar alternativas benfazejas, que perdemos por incúria.
As eleições já ao alcance da mão nos fornecem mais uma oportunidade para que, dessa vez, afastemos o passivo que continua a nos assombrar abrindo passagem ao que há de novo na nossa sociedade que forças obscurantistas se esforçam em reprimir. O cenário à frente, diversamente dos idos de 1964, inscritos como estamos na geopolítica americana, apresenta possibilidades para que uma coalizão de forças democráticas encontre sua hora e sua vez e enfrente com êxito a fronda reacionária em plena articulação. O embate entre elas transcorre no campo da política, principalmente eleitoral, terreno mais promissor às oposições democráticas do que para seus adversários, que procuram, conscientes disso, levá-lo para outras esferas como evidente em suas arremetidas contra o processo eleitoral e suas instituições.
Nesse sentido, o foco central dos democratas consiste em criar condições para garantir a preservação do calendário eleitoral e se apresentar nas eleições com candidaturas capazes de ampliar nos limites do possível alianças que lhes facultem o sucesso nas urnas, e, mais que isso, por sua envergadura, afastar as eventuais tentativas de impedir a sua conclusão. A aliança entre Lula e Alckmin certamente é um bom começo para esse fim, mas não basta, a gravidade dos riscos a que estamos expostos exige a incorporação de todas as forças vivas da sociedade, dos sindicatos aos movimentos sociais, não podendo faltar as agremiações de estudantes, universitários e secundaristas, fermento sempre presente em nossas lutas libertárias, capazes de evocar em suas manifestações o que fez do Brasil Brasil.
*Texto publicado originalmente no blog Horizontes democrático, de Alberto Aggio
Revista online | Charge de JCaesar
* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de maio/2022 (43ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Revista online | Veja lista de autores da edição 43 (Maio/2022)
*Marco Aurélio Marrafon é o entrevistado especial da edição 43 da revista Política Democrática online. Advogado, professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos doutorais na Università degli Studi Roma Tre (Itália). É membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).
*Luis Quesada é autor do artigo Os Índios atravessaram a Ponte!, artista visual multimídia, docente e doutor em Artes pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). É licenciado em Belas Artes pela Universidade de Granada (Espanha) e mestre em Produção e Investigação em Artes pela mesma universidade. Sua obra e pesquisa se desenvolvem sobre a perspectiva do hibridismo cultural e o estudo da identidade/alteridade com foco nas demandas político-artísticas socioambientais de criações que se envolvem com comunidades indígenas.
*Alberto Aggio é autor do artigo O caminho da América Latina é a democracia . Mestre e doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professor titular em História da América pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália). Dedica-se à história política da América Latina Contemporânea, em especial à história política do Chile. É o diretor do Blog Horizontes Democráticos.
* Mariana Valentim é autora do artigo Conquistas e desafios na luta contra a LGBTfobia no Brasil. Arquiteta, urbanista e empresária. Ativista trans, ocupa o cargo de vice-diretora executiva do Lola (Ladies of Liberty Association) Brasil e de conselheira do Movimento Livres.
*Lilia Lustosa é autora do artigo Novidades para o Oscar 2023. Será que agora vai? Crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne (UNIL), Suíça.
*Sérgio Denicoli é autor do artigo Twitter, Musk e a economia da atenção. Pós-doutor em Comunicação pela Universidade do Minho (Portugal) e Westminster University (Inglaterra) e pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor dos livros TV digital: sistemas, conceitos e tecnologias, e Digital Communication Policies in the Information Society Promotion Stage. Foi professor na Universidade do Minho, Universidade Lusófona do Porto e UFF. É sócio-diretor da AP Exata, empresa que atua na área de big data e inteligência artificial.
*Beatriz Rodrigues Sanchez é autora do artigo Por que ainda precisamos do feminismo? Pós-doutoranda vinculada ao Programa Internacional de Pós-Doutorado (IPP) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). É formada em Relações Internacionais pela mesma Universidade. É pesquisadora do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do CEBRAP. Desde a graduação vem estudando temas relacionados às teorias feministas e à representação política das mulheres.
*Henrique Brandão é jornalista e autor do artigo Uma ficção bem real.
*Ivan Alves Filho é autor do artigo Um historiador cordial. Historiador licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Os mais recentes de suas dezenas de livros publicados são Os nove de 22: o PCB na vida brasileira e Presença negra no Brasil: do século XVI ao início do século XXI.
*José Luis Oreiro é autor do artigo A economia brasileira à deriva. Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília
* A Fundação Astrojildo Pereira detém os direitos da reportagem especial da edição 43: O desafio de um país que trata cultura com descontinuidade política.
Revista online | Um historiador cordial
Ivan Alves Filho*, especial para a revista Política Democrática online (43ª edição: maio/2022)
Em debate recente com o historiador Martin Cezar Feijó, em Niterói, por ocasião das comemorações do centenário da fundação do Partido Comunista, tive a oportunidade de dizer publicamente que o considerava o intelectual mais preparado de minha geração. Não disse isso por razões de amizade, apesar da grande estima que tenho por ele. Pensei justamente na sua belíssima contribuição à cultura brasileira, por intermédio de uma obra capital: O revolucionário cordial, uma biografia política daquele que Afonso Arinos de Melo Franco considerava a maior aventura intelectual de seu tempo, o crítico literário Astrojildo Pereira.
O livro de Martin é extremamente bem construído. E está sendo reeditado em boa hora pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e a Editora Boitempo, com prefácio de Sérgio Augusto e em novo formato. Esta obra é um ensaio, uma aula magna, sem dúvida um exemplo de como se deve construir um estudo de caráter histórico-biográfico. Pois tudo se encontra lá: a fluência do texto, a pesquisa rigorosa, a qualidade teórica, a exata compreensão do papel do indivíduo na História.
Foi um prazer poder reler esse clássico, cuja primorosa reedição realça o livro como objeto. Astrojildo Pereira marcou, como poucos, nossa trajetória nacional. Se não, vejamos. Gráfico de profissão, foi secretário geral da Central Operária Brasileira (COB), em 1913. Em 1917 e 1918, lideraria importantes greves no Rio de Janeiro, sendo barbaramente espancado na cadeia. Fundou, em 1922, a Seção Brasileira da Internacional Comunista - Partido Comunista. Percebendo o papel crescente das camadas médias no país, buscou aproximar o movimento comunista brasileiro dos militares revoltosos - foi ele quem trouxe Luiz Carlos Prestes para o PCB - e da própria intelectualidade - Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti, participantes da Semana de Arte Moderna, os quais ingressaram no partido ainda nos primórdios da agremiação. Com isso, rompia com a chamada política de classe contra classe, revelando visão mais sofisticada da nossa realidade.
Autor de vários livros, e posso citar Machado de Assis e Formação do PCB, Astrojildo criou também inúmeras publicações teóricas, com destaque para a revista Estudos Sociais, que circularia entre 1958 e 1964. Nessa revista seminal, apresentaria valores como Armênio Guedes e Leandro Konder, para ficarmos apenas nesses dois nomes. No plano internacional, integrou a Executiva da Internacional Comunista, fundada por Vladimir Lenin, sendo, aos 39 anos de idade, um dos líderes da revolução mundial. Não era para qualquer um. Em Moscou, dividiu um apartamento com ninguém menos do que o revolucionário, político, escritor, poeta e jornalista vietnamita Ho Chi Minh, figura central das lutas pela emancipação do homem no século XX.
Oriundo do anarquismo, de extração libertária, portanto, Astrojildo Pereira talvez tenha trazido para o PCB visão mais rica do papel da sociedade civil entre nós, sempre maior do que o Estado. O PCB só ganharia com isso. Este revolucionário cordial, na feliz expressão de Martin Cezar, conviveu com homens como Lima Barreto, Oscar Niemeyer, Hélio Silva, Otto Maria Carpeaux, Graciliano Ramos, Heitor Ferreira Lima, Nelson Werneck Sodré e Luiz Carlos Prestes. Ou seja, com o que o Brasil tinha de melhor e mais plural.
Com apenas 17 anos, protagonizou um encontro com Machado de Assis, eternizado em uma crônica de Euclides da Cunha, intitulada A última visita. O cineasta Zelito Vianna reconstituiu historicamente esse episódio, a partir de um argumento do próprio Martin Cezar. Astrojildo Pereira foi um brasileiro raro.
E um democrata exemplar. Escrevendo de Moscou em 1925, reconheceu que "a democracia, ainda que burguesa, era vista como um bem pelas massas". Era preciso ter coragem política para escrever isso naquele momento no país dos soviéticos. Astrojildo sempre estivera à frente de seu tempo. No rastro dos dirigentes históricos - e pensamos em Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lenin, Rosa Luxemburgo, Antônio Gramsci, Palmiro Togliatti, Georgi Dimitrov, György Lukács, Karol Kosik, Adam Schaff e José Carlos Mariátegui -, Astrojildo unira dialeticamente pensamento e ação. Era a filosofia da práxis ambulante. Também não era para qualquer um.
Conheci-o em nossa casa, no Rio de Janeiro, logo após sua saída da prisão, em 1965. Astrojildo era companheiro de meu pai, Ivan Alves, gráfico, jornalista e comunista como ele. Eu ficara impressionado com seu estado de saúde: o velho revolucionário, então com 75 anos, tinha sofrido um infarto na cadeia, de onde saíra ainda com os dois pulmões contaminados pela tuberculose, após os interrogatórios torturantes a que fora submetido pelos esbirros da ditadura. Meu pai me confidenciou, já na década de 1980, que Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, se empenhara em sua soltura. A sobrinha de Astrojildo, Norma Dias, me diria a mesma coisa, há cerca de 15 anos. Indiquei, certa vez, que Astrojildo Pereira foi o primeiro herói da minha vida. E nem poderia ser de outra forma.
Em uma de suas visitas ao saudoso historiador marxista Nelson Werneck Sodré, este, ao se despedir de Martin Cezar, já à porta de seu apartamento em Botafogo, disparou: "Você tem a responsabilidade de resgatar para nós a atuação do maior intelectual brasileiro do século XX".
Meu querido amigo Martin Cezar Feijó cumpriu à risca determinação de Werneck Sodré. Astrojildo Pereira, onde quer que esteja, pode se orgulhar disso.
Sobre o autor
*Ivan Alves Filho é historiador licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Os mais recentes de suas dezenas de livros publicados são Os nove de 22: o PCB na vida brasileira e Presença negra no Brasil: do século XVI ao início do século XXI.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (43ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
Leia mais
Revista online | Uma ficção bem real
Revista online | Por que ainda precisamos do feminismo?
Revista online | Twitter, Musk e a economia da atenção
Revista online | Novidades para o Oscar 2023. Será que agora vai?
Revista online | Conquistas e desafios na luta contra a LGBTfobia no Brasil
Revista online | Os Índios atravessaram a Ponte!
Revista online | O caminho da América Latina é a democracia
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Revista online | O caminho da América Latina é a democracia
Alberto Aggio*, especial para a revista Política Democrática online (43ª edição: maio/2022)
A América Latina nasceu com o advento da modernidade e sempre esteve vinculada à sua dinâmica histórica, suas crises e destino. É a experiência do “moderno” como um paradigma que nos faz pensar sobre nossas identidades e nossas relações com o mundo. Diversas formulações fizeram-nos cultivar a utopia de uma unidade latino-americana construída pelo antagonismo a um inimigo externo. Essa visão empobrecida e envelhecida não contempla as diversas experiências históricas do continente bem como o conjunto de problemas comuns determinados quer pelo desenvolvimento da formação econômica mundial, que dá sentido unitário a uma época, quer pelas diferenciações internas e conexões que se estabelecem em diversas dimensões da vida.
Esse debate intelectual é permanente, embora tenha estado mais vivo no momento da transição do autoritarismo para a democracia que abarcou a maioria dos países latino-americanos a partir da década de 1980. Hoje, imersos na complexidade da vida democrática, temos boas razões para retomá-lo. Isso coincidiu com o fim da URSS bem como da Guerra Fria. Buscar um caminho exclusivo tendo como perspectiva o “sul do mundo”, como foi praticado pelo chavismo e outras correntes similares, mostrou-se uma tentativa limitada e, por fim, pouco exitosa. É preciso continuar a pensar em termos globais.
Em comparação com aquele período, o cenário atual não é de otimismo, e há fortes reminiscências. Condenada à “tradutibilidade” do que não lhe é original, a América Latina sempre foi pensada a partir de alguns modelos. O primeiro deles foi o europeu, visto como algo a ser atingido e, paradoxalmente, como responsável pelos históricos problemas que assolam a região. A partir do século XX, essa referência ganhou a companhia e a concorrência do paradigma norte-americano, que passou a cumprir até com maior rigor a sina de adesão calorosa e repugnante rechaço. Recentemente, o modelo oriental alcançou um inaudito prestígio. Com o deslocamento do eixo econômico para o Pacífico, a China passou a ser o novo Graal, sendo cotidianamente mobilizada como modelo diante dos dilemas de inserção competitiva enfrentados pelas economias latino-americanas.
Haveria também formulações alternativas, autoproclamadas antagônicas ou de resistência. No coração delas assenta-se a ideia de uma “segunda independência” para o continente. Com maior ou menor profundidade, isso fez emergir um mosaico de nacionalismos, em geral, débeis e breves. A Revolução Cubana de 1959 avançou por esse sendero, e seu regime tornou-se, na América Latina, o epicentro de um nebuloso projeto de ruptura com a modernidade.
Tal fabulação alimentou a reiteração de estratégias terceiro-mundistas de resultados cada vez menos auspiciosos e hoje francamente obsoletos diante de uma realidade marcada pela mundialização e por uma mudança tecnológica acelerada. O fracasso das guerrilhas inspiradas em Cuba, os pífios resultados econômicos, além de um autoritarismo cada vez mais abjeto, acabaram por ensejar a abertura de uma reflexão crítica sobre o regime cubano, até então identificado como o paradigma consagrado dessas perspectivas alternativas. Nesse novo cenário, o imaginário da revolução perdeu energia e vitalidade, mesmo na roupagem do bolivarianismo ou do “socialismo del buen vivir”.
Galvanizando enormes esperanças, o recente processo político chileno que se inicia em 2019 produziu a vitória da esquerda, com Gabriel Boric, e o estabelecimento de uma Convenção Constituinte, autônoma e paritária, que em breve apresentará ao país um novo texto constitucional para ir a plebiscito, em setembro. As notícias não são animadoras em relação à aprovação do novo texto. De qualquer forma, o Chile mostra-se, no conjunto da América Latina, como um ponto avançado, mas também limite, no processo de democratização latino-americano. Há muita expectativa, muita esperança, mas também muita crítica e até frustração frente ao percurso e aos resultados parciais já definidos pela Constituinte chilena.
De qualquer forma, a conquista da democracia, das liberdades e do pluralismo facultou as condições para que os latino-americanos pudessem pensar em construir coletivamente o seu futuro. Na quadra em que estamos, trata-se de retomar o debate em novos termos, compreendendo a identidade latino-americana como uma construção em aberto, sustentada em diferenciações específicas e em cinco séculos de diálogo com o mundo. A recente experiência democrática torna-se assim o principal ativo da América Latina para que postule um lugar neste mundo que se transforma aceleradamente. Ela não pode perder esse ativo e não pode se deixar perder por visões anacrônicas, próprias ou externas, que não respondem mais à contemporaneidade e ao futuro.
Sobre o autor
*Alberto Aggio é mestre e doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professor titular em História da América pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália). Dedica-se à história política da América Latina Contemporânea, em especial à história política do Chile. É o diretor do Blog Horizontes Democráticos. É autor de Democracia e socialismo: a experiência chilena (São Paulo: Unesp, 1993; Annablume, 2002, Appris, 2021 – no prelo); Frente Popular, Radicalismo e Revolução Passiva no Chile (São Paulo: Annablume/Fapesp, 1999); Uma nova cultura política (Brasília: Fap, 2008); Um lugar no mundo – estudos de história política latino-americana (Brasília/ Rio de Janeiro: Fap/Contraponto, 2015) e Itinerários para uma esquerda democrática (Brasília: Fap, 2018). É autor e organizador de Gramsci: a vitalidade de um pensamento (São Paulo: Unesp, 1998), e coorganizador de Pensar o Século XX – problemas políticos e história nacional na América Latina (São Paulo: Editora Unesp, 2003) e Gramsci no seu tempo (Brasília/Rio de Janeiro: Fap/Contraponto, 2010).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de maio de 2022 (43ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
Leia mais
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Nas entrelinhas: Quando a liberdade de expressão é um subterfúgio
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O pensamento liberal no Brasil muitas vezes é traduzido com segundas intenções. Por exemplo, na Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, o direito à propriedade privada não foi adotado para favorecer o florescimento de uma economia capitalista como as que se desenvolviam na Europa e nos Estados Unidos, mas para proteger o regime escravocrata.
O dogma liberal era invocado sempre que se falava de abolição, pois os escravos eram considerados propriedade inalienável. Ou seja, um fundamento das revoluções burguesas serviu a três gerações de escravocratas, até 1888. Hoje, o racismo estrutural, a causa de muitas das nossas desigualdades, é um mal invisível, que ninguém confessa, como a inveja.
De igual maneira, a nossa legislação trabalhista surgiu durante a Carta Magna de 1937, a constituição fascista do Estado Novo. Nem todos os seus dispositivos estavam a serviço do regime autoritário, mas toda a parte que envolvia os direitos coletivos, como greves, sindicatos, convenção coletiva e mesmo a Justiça do Trabalho, serviam ao corporativismo estatal inspirado na Carta del Lavoro, fascista. Entretanto, o engessamento da legislação trabalhista e sindical não impediu o posterior desenvolvimento dos direitos dos trabalhadores nem o avanço nas relações sociais.
Não é de se estranhar que o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, no confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF), a propósito do chamado inquérito das fake news, esgrimam o princípio da liberdade de expressão contra o Estado democrático de direito. No caso do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que desafia o STF, se invoca o princípio da liberdade de expressão com a mesma esperteza que os senhores de escravos defendiam o direito à propriedade privada.
A liberdade de expressão é uma conquista de toda a humanidade, faz parte dos direitos fundamentais das pessoas, nas legislações da ONU, convenções internacionais e países democráticos. No Brasil, esse conceito dá suporte à democracia, pois afasta a ideia de censura que marca os governos autoritários. Soberania, cidadania, dignidade humana, valores do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político estão associados à liberdade individual. A filósofa Hanna Arendt dizia que o pensar e o agir politicamente são o fundamento da condição humana, que não pode ser dissociada da liberdade de opinião.
Obama e Rússia
O Art. 5º, IV da Constituição Federal diz: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Entretanto, é assegurado o direito de resposta aos prejudicados, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem (inciso V). No Art. 200, a lei diz: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
Porém, há limites para esse direito, em especial quando é utilizado para violar ou negar garantias fundamentais estabelecidas pela Constituição. Por exemplo, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
No Brasil, a lei não admite censura, mas há responsabilização, inclusive punitiva. O Estado democrático não restringe informações e ideias, mas deve responsabilizar o cidadão que não respeite o direito dos demais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o ex-presidente Barack Obama faz autocrítica de não ter se preocupado com as fakes news como deveria.
Agora, promove um debate sobre o funcionamento das redes sociais e sua utilização para influenciar o resultado das eleições. Acusa a Rússia de favorecer a eleição de Donald Trump “trolando” as redes sociais norte-americanas. O The Washington Post, recentemente, dedicou um editorial ao tema, a propósito dos questionamentos de Obama, que fez um apelo para que as empresas de tecnologia se “redesenhem” para proteger o público da polarização de falsidades on-line. Em um longo discurso na Universidade de Stanford, localizada no coração do Vale do Silício, Obama falou sobre as maneiras pelas quais as plataformas de tecnologia ajudaram a dividir o público, espalhar desinformação e corroer a confiança nas instituições democráticas, levando à ascensão de autocratas e mortes desnecessárias pelo coronavírus.
“As pessoas estão morrendo” por causa da desinformação nos serviços de mídia social, disse ele. As empresas não estão sendo transparentes com o público sobre como seus algoritmos — o software que usam para espalhar conteúdo em seus serviços — funcionam.
Obama afirmou que, quando era presidente, não percebeu “como nos tornamos suscetíveis a mentiras e teorias da conspiração, apesar de ter passado anos sendo alvo de desinformação”, dizendo que ainda guarda arrependimentos até hoje. A desinformação refere-se a uma campanha coordenada por líderes políticos, corporações ou outras figuras para espalhar falsidades prejudiciais e narrativas enganosas.
Marco Antonio Villa: "Desafio do Brasil é crescimento econômico com democracia"
João Rodrigues, da equipe da FAP
Eleições 2022, guerra na Ucrânia e os desafios para a democracia brasileira. Esses são alguns dos temas da edição 42 da revista Política Democrática online, lançada nesta semana pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). Conduzida pelo diretor-geral da FAP, Caetano Araújo, e pelo embaixador André Amado, com a participação do diplomata Paulo Roberto de Almeida, a entrevista especial foi realizada com o historiador Marco Antonio Villa.
Nesta edição especial, o podcast Rádio FAP analisa diversos pontos da conjuntura política a partir de bate-papo realizado com o professor Villa. Docente aposentado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ele é youtuber, colunista da Istoé, comentarista Jornal da Cultura e do portal UOL. No fim de 2021, lançou o livro Um País Chamado Brasil – que apresenta panorama sobre a formação econômica, política e cultural nacional.
O avanço da extrema direita no mundo, os desafios para crescimento econômico com democracia e a polarização política entre o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro estão entre os principais temas do programa. O episódio conta com áudios da BBC News e do Roda Viva.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Anchor, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
RÁDIOFAP
O centenário do PCB 2022 e a questão democrática no Brasil
Antônio Fernando de Araújo Sá* | Observatório da Democracia
Dentro do Ciclo de Debates (2022) do Observatório da Democracia (UFS), a organização, pelo Grupo de Pesquisa História Popular do Nordeste (UFS/CNPq), de mesa redonda sobre o centenário do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a questão democrática, serve de ponto de partida para se pensar as batalhas memoriais e políticas no Brasil contemporâneo, especialmente após as transformações advindas da crise do socialismo real, no final da década de 1980. Foram convidados professores e militantes, com perfis diferenciados, para discutir as comemorações do Partido Comunista Brasileiro, nesse ano: Osvaldo Maciel, professor/pesquisador na Universidade Federal de Alagoas, do Rio de Janeiro, Ivan Alves Filho, historiador, e o militante político sergipano Marcélio Bomfim.
Em um momento em que o discurso político da extrema direita tem associado o nazismo como ideologia de esquerda e o colocado no mesmo patamar do comunismo, pensamos ser oportuno discutir os limites da democracia no Brasil ao longo de um século de existência do PCB, que passou praticamente sua vida política na clandestinidade. Por outro lado, a mesa destacou a contribuição para o debate historiográfico por parte de intelectuais vinculados ao partido, bem como na edição de periódicos, livros e jornais, além da presença no cinema, teatro, literatura e artes visuais.
Dois momentos do processo de desestalinização no século XX incidiram na reescrita da história do PCB, como no caso do relatório de Nikita Kruschev apresentado no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, e no quadro da glasnost e da perestroika, com o governo Gorbachev. As disputas memoriais nesses dois momentos significaram conflitos que resultaram em cisões políticas internas e revisões na historiografia (POLLAK, 1989: p. 4-5).
Para o historiador Michel Pollak,
Toda organização política, por exemplo - sindicato. partido etc. -, veicula seu próprio passado e a imagem que ela forjou para si mesma. Ela não pode mudar de direção e de imagem brutalmente não ser sob risco de tensões difíceis de dominar, de cisões e mesmo de seu desaparecimento, se os aderentes não puderem mais se reconhecer na nova imagem, nas novas interpretações de seu passado individual e no de sua organização. O que está em jogo na memória é também o sentido da identidade individual e do grupo (POLLAK, 1989: p. 10).
No Brasil, nesses dois momentos de desestalinização, rupturas políticas resultaram, em um primeiro momento, na constituição do Partido Comunista do Brasil (PC do B), no início dos anos 1960, e, no segundo, na extinção do PCB, por parte dos setores ligados a Roberto Freire, que, em 1992, fundaram o Partido Popular Socialista (PPS), que depois se transformou no Cidadania, em 2019. Mas, apesar de minoritário à época, um grupo convocou uma Conferência Extraordinário de Reorganização do partido, conseguindo posteriormente resgatar a sigla (SECCO, 2022).
Todos esses agrupamentos políticos vão disputar e defender o passado comunista, com diferentes versões e visões sobre a estratégia e a tática do partido para a definição de um programa socialista e em torno da democracia interna. Não podemos esquecer ainda de setores próximos ao trotskismo, que também disputam essa tradição política no Brasil.
A construção da memória do PCB refundado pode ser identificada em escritos de intelectuais e militantes a ele vinculados, que defendem o projeto político revolucionário na conjuntura atual. Para Ivan Pinheiro, “não se tratava apenas de preservar o partido, como se fosse uma peça de museu, mas de mudar radicalmente sua política e seu caráter, no processo que chamamos de Reconstrução Revolucionária” (PINHEIRO, 25/01/2022. Endereço eletrônico: https://pcb.org.br/portal2/28341. Acesso em 03/04/2022).
Osvaldo Maciel, inspirando-se no pensador comunista Antônio Gramsci, colocou que escrever a história política de um partido não apenas se está realizando um trabalho historiográfico, mas se está contando a história de um país, por meio de um ponto de vista monográfico.
Marcélio Bomfim estabeleceu uma revisão de sua trajetória histórica, de modo crítico, identificando equívocos e acertos, inclusive adotou uma postura autocrítica de ter participado da construção do Partido Popular Socialista (PPS) como vereador do município de Aracaju (SE). Para ele, no tempo presente, há a necessidade do fortalecimento para a reconstrução do PCB em uma perspectiva revolucionária, reivindicando este agrupamento político como “legítimo herdeiro do movimento”, em continuidade à política oficial do PCB. Nesse sentido, “resgatar a história do PCB é recuperar a memória de um Brasil insurgente, que, no combate permanente às imposições do modo de produção capitalista e do imperialismo, comprova que só pode fazer futuro quem tem lastro no passado” (https://pcb.org.br/portal2/28298. Acesso em 03/04/2022).
Já o historiador Ivan Alves Filho, em Os Nove de 22: O PCB na vida brasileira (2021), pela Fundação Astrogildo Pereira, estabeleceu uma linha genealógica que remonta aos nove militantes que fundaram o partido, passando pelas suas transformações políticas que resultaram no PPS e, depois, no Cidadania. Para o autor, “Não se trata de retornar ao passado, (...) mas de imaginar que determinados elementos desse passado possam se incorporar ao presente, humanizando mais a vida”. Na proposta de interligar o passado e o presente, Alves Filho afirmava não ser possível escrever a história do Brasil do século XX sem o PCB e, mesmo com todas as divisões e dos equívocos cometidos, “ainda tem muito a nos ensinar, conforme Roberto Freire, Francisco Inácio de Almeida e Cristóvão Buarque têm apontado. Que o seu legado continue a influir na vida brasileira pelos próximos cem anos” (ALVES FILHO, 2021: p. 257 e 268).
Apesar do transformismo de ex-comunistas, como Roberto Freire, vemos que o Cidadania, como um partido “de centro com um programa neoliberal ‘progressista’ que manteve a Fundação Astrojildo Pereira”, tem insistido em “disputar a memória pecebista” (SECCO, 2022).
Por outro lado, o Partido Comunista do Brasil (PC do B) também disputa essa memória, construindo uma narrativa que tem como marco fundador a reunião dos dias 25, 26 e 27 de março de 1922, na cidade de Niterói (RJ). Os documentos “Cinquenta anos de luta” (1972) e de “PCdoB: 90 anos em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo” (2012), aprovados pelo Comitê Central, conformaram a base do documento lido por Renato Rebelo “PCdoB: um século de lutas em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo”, aprovado por unanimidade, na reunião da Comissão Política Nacional do partido, no dia 18 de março de 2022. Esses documentos reiteram um acerto de contas contra as posições reformistas e revisionistas de Prestes à frente do PCB, no período de 1956 a 1962, especialmente a Declaração de Março de 1958 e a luta política no 5º Congresso do Partido (1960), quando houve o afastamento do Comitê Central de lideranças como João Amazonas, Maurício Grabois e Diógenes Arruda (https://pcdob.org.br/noticias/pcdob-um-seculo-em-defesa-do-brasil-da-democracia-e-do-socialismo/. Acesso em 03/04/2022).
A presença dos trotskistas no centenário do PCB foi rememorada, por Michel Goulart da Silva, pela participação de João Pimenta, delegado no congresso do PCB em 1922, como “um dos fundadores da primeira organização trotskista no Brasil”, além da adesão ao partido de nomes “centrais do trotskismo, como Lívio Xavier e Mario Pedrosa”, por volta de 1924 e 1925”. Entretanto, a tônica é de crítica à trajetória do PCB, que motivou a ruptura dos trotskistas, “devido às debilidades da direção do partido, ao oportunismo de parte de sua direção e à influência da burocracia stalinista”. O articulista comentou a disputa dessa memória, por parte do atual PCB, do PCdoB e dos grupos herdeiros do prestismo, não estabeleceu “um balanço sério sobre os crimes e as traições de Stalin e dos burocratas que o apoiaram e sobre a degeneração teórica e política que representou o stalinismo” (SILVA, 25/03/2022. Endereço eletrônico: https://www.marxismo.org.br/o-centenario-do-pcb-e-o-lugar-dos-trotskistas/#_ftnref2 Consultado em 02/04/2022).
A construção da memória do centenário do PCB demonstra, de modo cabal, que a cada vez que há “uma reorganização interna, a cada reorientação ideológica importante reescrevera-se a história do partido e a história geral. Tais momentos não ocorrem à toa, são objeto de investimentos extremamente custosos em termos políticos e em termos de coerência, de unidade, e portanto de identidade da organização” (POLLAK, 1992: p. 206).
Vemos que, desde a década de 1980, a crise do modelo clássico de comemoração, marcado pela soberania impessoal e afirmativa da Nação, da República, do Estado, resultou em batalhas memoriais em partidos, sindicatos e associações que assumiram a organização das comemorações, evidenciando todos os conflitos internos e as contestações inevitáveis, como aqui demonstrado, mas que também representam um processo de democratização e laicização dos eventos comemorativos (NORA, 1997: p. 4688).
Apesar do revival do comunismo, em parte puxado pela renovação do PCB e a tentativa de ampliação da ação em sindicatos e movimentos sociais, em parte como fenômeno das redes sociais com youtubers e outras personalidades, fica a pergunta se a preocupação obsessiva em torno da memória nessas comemorações do centenário do PCB, por setores da esquerda comunista, não seria um “prêmio de consolo” frente à sua fragilidade política na história do Brasil contemporâneo?
[1] O debate O Centenário do PCB (2022) e a questão democrática no Brasil foi realizado, no dia 4 de abril de 2022, pelo Grupo de Pesquisa História Popular do Nordeste (UFS) e Observatório da Democracia (UFS), no Canal YouTube do Departamento de História (UFS). Agradeço o apoio ao evento e a leitura crítica do texto do Chefe deste Departamento, Prof. Dr. Carlos Malaquias.
REFERÊNCIAS
ALVES FILHO, Ivan. Os nove de 22. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2021.
NORA, Pierre. L’ ére de la commémoration. In: NORA, Pierre (dir.). Les Lieux de Mémoire (Les Frances). v. 3. Paris: Gallimard, 1997.
PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL. PCdoB: Um século em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo. https://pcdob.org.br/noticias/pcdob-um-seculo-em-defesa-do-brasil-da-democracia-e-do-socialismo/. Acesso em 03/04/2022.
PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO. 2022: o ano do Centenário do PCB. Endereço eletrônico: https://pcb.org.br/portal2/28298. Acesso em 03/04/2022.
PINHEIRO, Ivan. O dia em que o PCB não morreu: 25 de janeiro de 1992: 30 anos do “racha”. 25/01/2022. Endereço eletrônico: https://pcb.org.br/portal2/28341. Acesso em 03/04/2022.
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992. Endereço eletrônico: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1941/1080
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989. Endereço eletrônico: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278/1417
SECCO, Lincoln. O centenário do PCB. A Terra é Redonda. 26/3/2022. Endereço eletrônico: https://aterraeredonda.com.br/o-centenario-do-pcb/ . Acesso em 03/04/2022.
SILVA, Michel Goulart da. O centenário do PCB e o lugar dos trotskistas. 25/03/2022. Endereço eletrônico: https://www.marxismo.org.br/o-centenario-do-pcb-e-o-lugar-dos-trotskistas/#_ftnref2 Consultado em 02/04/2022.
Prof. Dr. Antônio Fernando de Araújo Sá
Departamento de História
Universidade Federal de Sergipe
*Publicado originalmente no Observatório da Democracia
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
Editoriais
O Estado de S. Paulo
Imunidade parlamentar não inclui agredir a democracia e o livre funcionamento das instituições republicanas, reafirmam PGR e STF. A condenação do bolsonarista é pedagógica
Ao condenar o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de reclusão, pelos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi pedagógico. Não existe liberdade de expressão para atacar a democracia. Não existe imunidade parlamentar para impedir o livre funcionamento das instituições republicanas.
Por 10 votos contra 1, o plenário do STF entendeu que a conduta de Daniel Silveira foi criminosa, isto é, que se enquadra naquelas hipóteses em que, ao atingir bens essenciais de uma sociedade, a lei prevê a imposição de uma pena. Os oito anos e nove meses de prisão não são desproporcionais, mas estrita aplicação da legislação a que todos os cidadãos estão sujeitos.
No processo, nada houve de perseguição política. Foi apenas o Estado, por meio de suas instituições, cumprindo seu papel de impedir que condutas consideradas criminosas pela lei fiquem impunes. Ao contrário do que os bolsonaristas dizem, não foi o Supremo que, num rompante autoritário, investigou, denunciou e puniu Daniel Silveira. A acusação contra o deputado bolsonarista não foi apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, e sim pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Foi ela quem primeiro entendeu que a atuação de Daniel Silveira havia sido criminosa.
É sintomático que o bolsonarismo, tão afeito ao punitivismo – sua retórica é sempre de aumento da pena –, tenha se mobilizado, de forma tão intensa, pela impunidade de Daniel Silveira. Não era apenas que “um dos nossos” estava sendo julgado por sua conduta tresloucada. Foi a própria tática política do bolsonarismo, de agressão contra as instituições, que estava no banco dos réus. Daí a importância do julgamento de quarta-feira passada: o Estado Democrático de Direito, por meio de suas instituições, reconheceu que a política também está sujeita a regras e a limites. Não é um vale-tudo, não é um mundo sem lei.
A atividade parlamentar dispõe de prerrogativas constitucionais. Como é próprio de um regime democrático, “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (art. 53 da Constituição). No entanto, ameaçar e agredir não é uma opinião: é crime. E não cabe usar a imunidade parlamentar como “escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas”, lembrou Alexandre de Moraes.
Eis a confusão que o bolsonarismo deseja instaurar. Para seus atos, almeja irrestrita impunidade. Tudo estaria dentro de um amplíssimo conceito de liberdade, para fazer e dizer o que bem entender, num cenário de completa irresponsabilidade. Para os outros, a liberdade seria inteiramente diferente, muito mais limitada. A mera crítica ao presidente da República já foi motivo para que o governo Bolsonaro solicitasse a instauração de inquérito policial contra opositores. É tudo uma grande incoerência. O mesmo deputado bolsonarista que gostaria que seus crimes estivessem protegidos pela imunidade parlamentar defende a edição de um novo AI-5, justamente o ato da ditadura que suspendeu importantes garantias constitucionais.
Há liberdade no País e, precisamente para que possa continuar havendo liberdade, é preciso ter lei. “A liberdade de expressão existe para a manifestação de opiniões contrárias, para opiniões jocosas, para sátiras, para opiniões inclusive errôneas, mas não para imputações criminosas, para discurso de ódio, para atentados contra o Estado de Direito e a democracia”, afirmou Moraes.
Além de pedagógico sobre os limites da liberdade, esse processo judicial põe por terra uma falácia bastante difundida entre bolsonaristas. O que se tem no País hoje não é uma disputa entre STF e Jair Bolsonaro, como se o Supremo perseguisse politicamente o bolsonarismo. O Congresso autorizou a prisão preventiva de Daniel Silveira. A PGR denunciou o deputado. Até o ministro André Mendonça votou por sua condenação. Não é perseguição política, é aplicação da lei. E quem está isolado é o bolsonarismo, não o STF.
N. da R. – Com este texto já na página, Bolsonaro anunciou o indulto do deputado, mostrando uma vez mais a falta de pudor do bolsonarismo em usar o poder para acobertar os crimes dos amigos.
Bom para os partidos, ruim para o País
O Estado de S. Paulo
Inapetência de grandes legendas pela Presidência decorre de um arranjo que dá ao Legislativo acesso inaudito ao Orçamento sem a devida responsabilização
Diante dos olhos de todos, grandes partidos políticos, como PSDB, MDB e União Brasil, têm demonstrado, diariamente, enorme dificuldade para indicar pré-candidatos à Presidência da República que mostrem ser alternativas viáveis aos dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto: o ex-presidente Lula da Silva (PT) e o incumbente, Jair Bolsonaro (PL). A seis meses da eleição, o cenário de disputas fratricidas, traições e sabotagens internas no seio do chamado centro democrático sobressalta todos aqueles que receiam ver o País entregue a um dos dois projetos populistas iliberais ora em destaque. E está-se falando de muita gente. A depender do instituto de pesquisa, algo entre 25% e 30% do eleitorado afirma não querer votar nem em Lula nem em Bolsonaro.
Em um regime presidencialista, é natural supor que a chegada ao topo do Poder Executivo federal seja o objetivo maior dos partidos políticos, o gran finale de uma trajetória marcada pela construção de uma identidade ideológica e programática, pela ampliação da presença nacional das legendas e, enfim, pela elaboração de um projeto de governo que represente as ideias e os valores de segmentos significativos da sociedade. Evidentemente, nenhum partido político, seja grande ou pequeno, está obrigado a lançar candidatura própria à Presidência da República a cada quatro anos. Mas há muito tempo não se via no Brasil tamanha inapetência das grandes legendas – que são grandes justamente por serem as que bem trilharam aquela trajetória – para lançar uma candidatura competitiva ao Palácio do Planalto. Há uma razão muito evidente para isso: o Congresso jamais teve tanto acesso a recursos do Orçamento da União como tem agora. E sem prestar contas do que faz com tanto dinheiro.
Desde a aprovação das chamadas emendas impositivas, tanto as individuais como as de bancada, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o Congresso vem ampliando a fatia do Orçamento da União sob seu controle. Nas democracias representativas, é esperado que deputados e senadores tenham algum grau de participação na destinação final dos recursos públicos, mas o que se vê aqui não tem paralelo no mundo. O Estadão teve acesso a um estudo elaborado pelo economista Marcos Mendes (Insper) para o Instituto Millenium que revela que a captura de recursos públicos por meio de emendas parlamentares no País é até 20 vezes maior do que nas nações que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), instituição da qual o Brasil deseja fazer parte.
De acordo com o estudo, as emendas parlamentares representam 24% das despesas dos Ministérios e dos investimentos previstos para este ano. A título de comparação, nos Estados Unidos apenas 2,4% da despesa total vem das emendas parlamentares. “O que o Brasil faz é uma aberração que acaba comprometendo muito a própria democracia”, disse ao Estadão a diretora executiva do Instituto Millenium, Marina Helena Santos.
A “aberração” se materializa na quantidade absurda de emendas individuais e de bancada que são apresentadas ao Orçamento da União. Aberrantes são as emendas de relator, base do “orçamento secreto”. Indecentes são os valores bilionários dos fundos públicos que despejam dinheiro fácil nas contas dos partidos, como o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral. Como o quinhão desses fundos que cabe a cada legenda está relacionado ao tamanho de suas bancadas, os caciques partidários têm cada vez menos estímulos para investir em campanhas para a Presidência. Optam pelas eleições proporcionais, sobretudo para a Câmara dos Deputados. Ademais, o atual arranjo representa o melhor dos mundos para as legendas: muito dinheiro e nenhuma responsabilização por seu uso ou pela falta de projetos majoritários para o País.
Enquanto isso, parcela expressiva dos eleitores segue sem representação política, à mercê de dois projetos de poder rigorosamente personalistas. É este, por enquanto o resultado da bagunça interna e do descaso com o País de partidos políticos outrora dignos de sua inscrição na história nacional.
A inflação agora preocupa todos
O Estado de S. Paulo
Alta intensa e persistente dos preços agora é percebida por praticamente toda a população
A inflação está se acelerando desde o início do ano passado, e a cada mês afeta mais o orçamento das famílias, mas a percepção das pessoas de que os preços de bens rotineiramente comprados por elas estavam subindo não era muito nítida. Agora é. O impacto da inflação foi sentido por 95% da população, de acordo com pesquisa patrocinada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e realizada pelo Instituto FSB Pesquisa. Em novembro do ano passado, 73% dos brasileiros diziam ter sentido o aumento médio dos preços.
O indicador subiu 22 pontos de porcentagem em seis meses. Nesse período, o ritmo da inflação não se alterou muito. Em novembro, a alta acumulada de 12 meses foi de 10,7%. Em março de 2022, com alta de 1,62%, a maior para o mês desde o lançamento do Plano Real, em 1994, o acumulado de 12 meses alcançou 11,30%, apenas 0,6 ponto maior do que o resultado de novembro.
Por isso, talvez mais do que a aceleração, é a persistência da inflação em nível alto que tem feito mais pessoas perceberem seu impacto. Essa percepção afeta decisões importantes, inclusive no plano político, pois a inflação pode ter peso expressivo, se não decisivo, na escolha do candidato à Presidência da República.
A expectativa das pessoas consultadas é de que não haverá melhora no curto prazo. Em novembro, 54% dos entrevistados consideravam que os preços aumentariam nos seis meses seguintes. Na pesquisa mais recente, o porcentual passou para 66%.
Esse sentimento combinado de que os preços sobem muito e continuarão subindo nos próximos meses, mais intenso na pesquisa recente do que na anterior, deveria afetar também de maneira mais intensa sua programação financeira, mas, curiosamente, não foi isso que se constatou. Em novembro, 74% dos entrevistados disseram que tinham feito algum corte nos gastos familiares nos seis meses anteriores; em abril, 64% disseram ter reduzido alguma despesa.
A avaliação do impacto do aumento dos preços sobre a situação financeira, de sua parte, não mostrou variação expressiva entre uma pesquisa e outra. Em novembro, 75% dos entrevistados diziam que suas finanças tinham sido afetadas pela inflação; o índice passou para 76% em abril. Mas aumentou (de 45% para 54%) a parcela dos que afirmaram ter tido suas finanças muito afetadas pelo aumento dos preços.
Itens de despesas que mais pesam nos orçamentos das famílias de baixa renda estão entre os mais citados entre os que ficaram mais caros nos últimos meses. Dos entrevistados, 59% mencionaram o aumento da conta de luz; seguem-se, pelo número de citações, gás de cozinha, arroz e feijão, conta de água, combustível, frutas e verduras, carne vermelha e remédios.
Por isso, a percepção de que os preços aumentaram muito é mais intensa nas famílias com renda de até um salário mínimo (90%) do que nas com renda maior do que cinco salários mínimos (83%). Da mesma forma, é maior no Nordeste (93%) do que no Sul (76%). Mas, qualquer que seja a faixa de renda ou a região, a inflação é um mal cuja percepção é generalizada.
Tortura, mancha que não se apaga da história nacional
Valor Econômico
A lei da anistia conteve os democratas, mas o revanchismo parece vir hoje dos radicais de direita, estimulados pelo Planalto
O golpe militar de 1964 abriu um período nefasto da história republicana, com a destruição da democracia, a perseguição política, torturas e assassinatos. Ainda sob a ditadura, em 1979, uma lei de anistia assegurou impunidade a torturadores e aos responsáveis pelos órgãos de repressão que os comandavam. Prevaleceu até hoje a solução contemporizadora, fruto do jogo tenso das forças políticas da época, até que chegou à Presidência o capitão reformado Jair Bolsonaro (“mau capitão”, segundo o ditador Ernesto Geisel), que vê no regime militar a época de ouro que gostaria de reviver. Não está sozinho nesse desejo.
O episódio da revelação de fitas gravadas no Supremo Tribunal Militar entre 1975 e 1985 pela jornalista Miriam Leitão, de “O Globo” - torturada quando grávida -, comprovou mais uma vez que houve uso da violência contra presos indefesos e que o tribunal militar tinha conhecimento delas. Torturas estão descritas em áudios do almirante Júlio de Sá Bierrenbach, o general Rodrigo Octávio, os ministros Amarilio Salgado e Waldemar Torres da Costa, brigadeiro Faber Cintra e outros.
Parte de compilação realizada pelo historiador e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Fico, as fitas vieram à tona para desmentir insinuações hediondas de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, sobre o que ocorreu nos porões da ditadura com Miriam. Mais do que documentar fatos bárbaros e adicionar detalhes cruéis, os áudios reavivaram ou revelaram os piores instintos de militares com posições de poder na República. O vice-presidente Hamilton Mourão, questionado sobre a necessidade de apurar os fatos descritos, sorriu e disse: “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô”. Para ele, isso faz parte de um passado no qual “houve excesso de parte a parte”.
Pior fez o presidente do Supremo Tribunal Militar, general Luís Carlos Gomes Mattos, que qualificou documentos históricos da Corte que preside de “notícia tendenciosa” e entrou no túnel do tempo para afirmar que sua divulgação era uma conspiração para atingir as Forças Armadas. “Não estragou a Páscoa de ninguém”, completou. Para o general, “só varrem de um lado, não varrem o outro”.
Como deputado, e depois presidente da República, Jair Bolsonaro não se cansa de louvar os trabalhos do torturador Carlos Brilhante Ustra, a quem dedicou, inclusive, seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff. Eleito, Bolsonaro buscou para a chefia do Gabinete de Segurança Institucional o general Augusto Heleno, ajudante de ordem do general Silvio Frota, expoente da linha dura do regime militar, botinado por Geisel por tentar torpedear o processo de abertura política controlada.
O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, cotado para vice na chapa de Bolsonaro para a reeleição, qualificou o golpe de 31 de março como “um marco histórico da evolução política brasileira” em ordem do dia alusiva à data. Seu legado, segundo Braga, foi de “paz, de liberdade e de democracia”.
O imaginário bolsonarista é habitado por fardas e demonstrações de força e poder contra inimigos, entre eles, frequentemente, a democracia. Eduardo Bolsonaro disse, por exemplo, em vídeo gravado em julho de 2018: “Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não”.
Bolsonaro atraiu ao seu redor a ala radical das Forças Armadas, que justifica o rompimento da ordem legal sob alegações ideológicas diversas, que usualmente não guardam relação com a realidade. Há outra ala, legalista, que respeita a Constituição, que também se abriga na cúpula militar. Ela vê o despreparo e a incompetência de Bolsonaro como um desserviço aos fins últimos do corpo armado do Estado.
Ao colocar milhares de militares na administração pública, Bolsonaro deu visibilidade a casos gritantes de inadequação para o cargo em um momento trágico da vida nacional, como foi a passagem do general Eduardo Pazuello pelo Ministério da Saúde. Ex-militares ou militares da reserva estiveram envolvidos em escândalos de corrupção no caso das vacinas, desmoralizando a imagem que o Exército tem perante a população.
Mais importante, com sua gritaria sobre a possibilidade de fraude nas eleições, Bolsonaro busca arregimentar adeptos para seus sonhos radicais. A lei da anistia conteve os democratas, mas o revanchismo parece vir hoje dos radicais de direita, estimulados pelo Planalto.
Brasil não consegue sair da série B da economia mundial
O Globo
Para os brasileiros, o último Panorama Econômico Global com as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia mundial traz dois recados. Primeiro, o PIB do Brasil deverá crescer neste ano raquítico 0,8%, e em 2023 apenas 1,4%. Segundo, esse é um crescimento ainda mais medíocre quando comparado ao dos demais países emergentes.
É verdade que a guerra na Ucrânia freou a recuperação mundial depois dos piores momentos da pandemia. A previsão é de inflação alta e de desaceleração no crescimento global (de 6,1% em 2021 para 3,6% em 2022 e 2023). Mas o que está ruim ainda pode piorar. No rol das incertezas estão a ampliação do conflito armado na Europa e a desaceleração maior na China em razão do fracasso na estratégia de Covid-19 zero.
Nesse ambiente conturbado, o melhor que o governo federal poderia fazer é exatamente o contrário do que tem feito. Seria o tempo de preparar o país para o vendaval que se avizinha. Não na visão do presidente Jair Bolsonaro. Ele dá repetidas provas de não se importar com o estado da economia depois das eleições de outubro. Faria bem se moderasse o ímpeto gastador e parasse de corroer o arcabouço fiscal que garante a gestão sensata da dívida pública.
Não é um acaso que as estimativas de crescimento do PIB brasileiro em 2022 e 2023 sejam desproporcionalmente menores que as da Índia (8,2% e 6,9%) ou da China (4,4% e 5,1%). Os números para a América Latina (2,5% e 2,5%) e para o México (2% e 2,5%) não chegam às alturas, mas são bem mais respeitáveis que os brasileiros.
Desgraçadamente, isso não é novidade. Com ou sem guerra, com muita ou pouca incerteza, o desempenho do Brasil tem sido sofrível com regularidade espantosa. Não há consolo ao olhar para outros lugares. Desde 2014, o Brasil registra desempenho pior que as médias global e dos países emergentes e em desenvolvimento. Só crescemos mais que o México em dois anos.
O debate aqui é prejudicado por uma miopia crônica. Segundo uma visão deturpada, nossas vantagens comparativas em bens primários são um limitador ao desenvolvimento industrial. Na verdade, como diz o economista Samuel Pessôa, faltam evidências convincentes de que a valorização do câmbio provocada pela venda de commodities seja grande empecilho à competitividade da indústria. Os maiores problemas são outros, a começar pelo ambiente protegido. Em vez de maldição, o setor primário, aberto para o mundo, tem sido a salvação.
Reformar as leis que condenam o Brasil ao atraso deveria ser a prioridade do próximo governo. Mas nenhum dos líderes nas pesquisas de opinião parece ter muita noção do momento histórico. Bolsonaro se tornou refém de demandas corporativas e de interesses os mais variados. E o ambiente internacional atual em nada se parece com o que o ex-presidente Lula encontrou durante seus dois mandatos. O discurso prisioneiro dos interesses locais, da agenda do funcionalismo e da ideia de um Estado indutor do crescimento já foi testado antes e não deu certo. Insistir nesses erros equivalerá a continuar vendo a corrida global dos últimos lugares, com desemprego alto e renda baixa.
PF precisa levar até o fim as investigações contra Jair Renan
O Globo
Já ficou claro que o bolsonarismo se manifesta em pelo menos duas variantes, para usar o termo em voga. A primeira poderia ser chamada de “ideológica” ou “intelectual”. São os bolsonaristas que se acreditam em guerra contra a esquerda, o “marxismo cultural”, o “politicamente correto” ou qualquer outra fabulação da extrema direita. A segunda variante tem um caráter mais material. É um bolsonarismo, por assim dizer, de resultados, mais voltado para negócios. É o bolsonarismo das rachadinhas do Queiroz, dos pastores pedindo propina no MEC, das negociatas no Ministério da Saúde, das estrepolias com o Centrão.
Os filhos Zero Dois (Carlos) e Zero Três (Eduardo) do presidente Jair Bolsonaro são expoentes da primeira variante. O primeiro está vinculado à campanha vitoriosa de 2018 e à desinformação nas redes sociais. O segundo, discípulo do finado guru Olavo de Carvalho, articula alianças estratégicas com a extrema direita global. O filho Zero Um (Flávio), protagonista do escândalo das rachadinhas, pode ser considerado um espécime da segunda variante. A ela também parece pertencer o Zero Quatro (o caçula Jair Renan), envolvido agora numa história rocambolesca de tráfico de influência, em que é acusado de abrir a porta do governo a empresários, em troca de mimos para seu escritório no estádio Mané Garrincha, em Brasília.
Num depoimento de quatro horas à Polícia Federal, Jair Renan negou irregularidades. Os indícios, porém, são comprometedores. Em 2020, ele se reuniu no Espírito Santo com empresários interessados em negócios com o governo. Dois meses depois, as portas do Ministério do Desenvolvimento se abriram a um deles, numa reunião com a presença do Zero Quatro, de sua arquiteta e do personal trainer com quem se associou em vários negócios.
Mensagens obtidas pela PF revelam que esses dois últimos buscavam patrocínio para pagar obras no escritório do Zero Quatro, identificadas como “bolsa móveis e bolsa reforma”. “Já já sai na mídia. Filho de presidente pede Bolsa Móveis”, dizia uma delas. Uma das patrocinadoras do projeto recebeu R$ 25,4 milhões em contratos para fornecer poltronas, cadeiras e mesas ao governo. De acordo com Jair Renan, as doações que recebeu das empresas seriam pagas na forma da veiculação de publicidade nas redes sociais.
É até possível que não haja ligação entre os contratos com o governo e a proximidade do filho do presidente. Mas casos do tipo sempre deixam uma mancha. Todo presidente da República precisa zelar pela imagem de seus parentes, que muitas vezes usam essa relação familiar para catapultar negócios. Bolsonaro não é o único a enfrentar o problema. Várias denúncias atingiram filhos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O mexicano Andrés Manuel López Obrador está às voltas com acusações cabeludas envolvendo seu filho mais velho. Em todos os casos, cabe às autoridades apurar tudo. A PF deve levar as investigações até o fim. E Bolsonaro, como todo bom pai, não deveria passar a mão na cabeça de seus filhos — de qualquer variante.
Desastres no MEC
Folha de S. Paulo
Com 5ª nomeação para a pasta, Bolsonaro patrocina gestão ruinosa da educação
O presidente Jair Bolsonaro (PL) nomeou Victor Godoy Veiga como seu novo ministro da Educação. É o quinto indicado ao MEC em 40 meses. A rotatividade, contudo, constitui o menor dos problemas da pasta cuja importância estratégica esteve sistematicamente rebaixada nesta administração.
Godoy Veiga não é mais que um burocrata. Formou-se em engenharia de redes de comunicação de dados pela Universidade de Brasília (UnB) em 2003 e só tem cursos de especialização na Escola Superior de Guerra e na Escola Superior do Ministério Público —nenhum deles relacionado com educação.
Ocupava a secretaria-executiva do MEC, após 16 anos como auditor na Controladoria-Geral da União (CGU). Fora indicado pelo antecessor Milton Ribeiro, que deixou o ministério no escândalo da intermediação de verbas por pastores.
Parece haver mais automatismo que ironia na escolha do especialista em propinas de órgão de fiscalização do governo para suceder um investigado. Bolsonaro repete indicações recentes de subalternos inexpressivos para o primeiro escalão, e até Ribeiro os desvios notórios no MEC eram ideológicos, não de dinheiro público.
A sucessão de desastres começou com Ricardo Vélez Rodríguez, filósofo e teólogo indicado ao MEC por Olavo de Carvalho, falecido guru da direita tresloucada. Vélez ficou 99 dias no cargo, tempo suficiente só para reconhecer-se sua nulidade.
Quando não parecia possível relegar o MEC a nível mais inferior, Bolsonaro nomeou Abraham Weintraub, economista da Unifesp. Seguiram-se 14 meses de destempero por um ideólogo tosco, cujo feito mais famoso foi vociferar em reunião ministerial que "colocaria todos esses vagabundos na cadeia, começando no STF".
O passo seguinte na degradação, em 2020, se deu com o professor de finanças Carlos Alberto Decotelli —que nem chegou a tomar posse, renunciando pouco depois de nomeado, após descobrirem-se um doutorado fictício e sinais de plágio na sua tese de mestrado.
Em comum entre Vélez, Weintraub e Ribeiro encontra-se a inoperância na missão de recuperar o ensino público no país. O que já era problemático, em termos de aprendizado e proficiência, caminha para revelar-se uma tragédia sob o golpe triplo da conturbação pandêmica, da incompetência e do aparelhamento sob Bolsonaro.
Isso sem falar, claro, nos indícios de corrupção e mau uso do dinheiro público por operadores do centrão que proliferam na pasta.
Chegou-se no Brasil ao ponto em que o melhor que se pode dizer do novo ministro da Educação está em não ser, aparentemente, um militante ideológico ou religioso. É muito pouco, pouco demais.
Covid acima de zero
Folha de S. Paulo
China se debate para manter controle rígido do vírus, afetando a economia global
Berço da pandemia do Sars-CoV-2, a China passou os dois primeiros anos da pandemia sendo admirada pela eficácia de seu programa de combate à disseminação do vírus que já matou mais de 6,2 milhões de pessoas no mundo inteiro.
Aplicando uma política rígida de lockdowns em grandes áreas urbanas, Pequim logrou registrar apenas cerca de 4.700 mortes oficiais na porção continental do país, com meras 3 vítimas para cada milhão de habitante —um milésimo do observado no Brasil ou nos EUA.
Tal brilho sempre foi alvo de contestação devido à opacidade típica de estatísticas em uma ditadura comunista, mas especialistas concordam que os chineses conseguiram um sucesso sanitário único.
Ato contínuo, o feito virou peça de propaganda do regime ante a suposta ineficiência das democracias liberais em lidar com o vírus.
Foi assim até agora. A abordagem conhecida como Covid zero começou a ser colocada à prova com a emergência da variante ômicron, que varreu o globo neste ano.
Em Hong Kong, região semiautônoma que não integra os números chineses da peste, houve uma explosão de casos que evidenciou dois problemas graves: o relaxamento da cobertura vacinal entre os mais idosos e o fato de que os imunizantes do país, de tecnologia mais tradicional, são menos eficazes contra a nova cepa.
De forma inédita, duas megacidades, Xangai (26 milhões de habitantes) e Shenzhen (17 milhões) foram fechadas. Tão inaudito quanto isso, moradores passaram a furar o bloqueio da internet para protestar contra as regras draconianas e a vida numa distopia onde cães-robôs vigiam as ruas.
Como ensinou Sun Tzu no clássico chinês "A Arte da Guerra" (séc. 5º a.C.), se o inimigo deixa uma porta aberta, urge precipitar-se sobre ela. Foi o que o vírus fez.
Com isso, a produção industrial chinesa, engatinhando para fora da crise, entrou em alerta. A imagem de centenas de navios à espera de atracagem no porto de Xangai insinua o dano a cadeias logísticas mundiais, já bastante castigadas.
Em um mundo que lida com uma guerra europeia com potencial caótico para a área de energia, é mais do que uma má notícia.
Na fútil competição geopolítica, o Ocidente não apresenta números melhores, e a volta dos surtos assombra a Europa e os Estados Unidos. Mas são Xi Jinping e sua inflexível política sanitária que estão agora no holofote.
Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
Nas entrelinhas: Autoritarismo e corrupção são naturalizados no pleito
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Por suas convicções, declarações e atitudes, o presidente Jair Bolsonaro (PL) é considerado pela oposição uma ameaça à democracia no Brasil. Sua visão de mundo, a compreensão sobre o papel do Estado na vida nacional, seus métodos de atuação, tudo corrobora o seu perfil político autoritário. Em decorrência disso, e da postura negacionista e da falta de empatia com as vítimas da pandemia de covid-19, disseminou-se uma grande rejeição na opinião pública à sua reeleição, que se reflete nas pesquisas.
Em contrapartida, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparecia como franco favorito nas pesquisas eleitorais, gerando grande expectativa de poder, uma vez que já não estava preso e suas condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Diante de um cenário de 660 mil mortos, 11 milhões de desempregados, alta da inflação e estagnação econômica, a volta de Lula ao poder parecia apenas uma questão de tempo e não, como seria necessário ser, de uma estratégia bem-sucedida para consolidar o isolamento de Bolsonaro.
O presidente parecia fadado a ser enxotado do poder pelo eleitor. Com fim da pandemia, a situação mudou completamente. A principal preocupação da população já não é com a saúde. Passou a ser com a economia, cujos problemas relatados acima estão sendo mitigados pelo governo. O programa de transferência de renda Auxílio Brasil substituiu o Bolsa Família, uma herança do governo Lula. Outras medidas estão sendo adotadas, como mudanças na tabela do imposto de renda, subsídios para o gás de cozinha, adiantamento de 13º salário, liberação do fundo de garantia etc.
O governo opera de forma aberta em favor da reeleição. Bolsonaro exibe a competitividade que parecia perdida e reduz a distância em relação a Lula nas pesquisas. Como são muito conhecidos, esses votos estão sendo consolidados antes da campanha eleitoral de rádio e tevê. Isso ocorre em meio a um choque de narrativas, em quatro chaves: 1) as condições de vida da população durante os governos Lula e Bolsonaro; 2) a disjuntiva democracia x corrupção; 3) a mudança dos costumes, ou seja, as chamadas pautas identitárias; e 4) o tema do desenvolvimento, tendo como eixo a globalização e a questão ambiental.
Voto útil
A primeira chave tem uma base muito objetiva. Para o cidadão comum, as perguntas são: está empregado ou não, consegue serviço ou não, recebe ajuda do governo ou não, dá para pagar as contas, comprar a comida e chegar ao fim do mês com a dinheiro da passagem? O que ameaça Bolsonaro e favorece Lula nesse quesito é a inflação, que está fora do controle. O peso da economia nas eleições costuma ser fundamental, embora possa ser decidida em razão de outros fatores.
Do ponto de vista institucional, porém, a segunda chave é mais preocupante. Não é somente a corrupção na política que está sendo naturalizada com a liquidação da Lava-Jato e anulação de processos e condenações, entre os quais os de Lula. Diga-se de passagem, a aliança de Bolsonaro com o Centrão está tendo um papel determinante para isso, inclusive para livrar o governo de investigações sobre seus escândalos.
Também está havendo, em contrapartida, a naturalização do autoritarismo de Bolsonaro, cujo projeto de reeleição embute propósitos já bastante conhecidos, como subjugar o Judiciário, verticalizar o poder do Executivo e transformar a democracia brasileira num regime “iliberal”. Setores que haviam se afastado do governo, com a desistência de Sergio Moro e a crise instalada na chamada terceira via, na qual os partidos se digladiam internamente — a começar pelo PSDB —, estão começando a tratar o autoritarismo de Bolsonaro como um mal menor, diante da volta de Lula ao poder.
O debate sobre a agenda dos costumes, a terceira chave, consolida a polarização esquerda x direita, num ambiente social em que o conservadorismo vem levando a melhor. O tema do desenvolvimento, no eixo da globalização e da questão ambiental, que seria o verdadeiro debate sobre o futuro do país, está sendo tratado de forma subalterna, quando Lula e Bolsonaro se reverenciam nas ações e realizações de seus respectivos governos, que já fazem parte do passado.
Falta uma candidatura robusta que possa cumprir esse papel de pautar o futuro no debate eleitoral e, assim, oferecer uma alternativa nova para o país. Essa possibilidade está cada vez mais difícil, a ideia de uma candidatura única dos partidos de centro corre contra o tempo. As pesquisas estão dando sinais de que o “voto útil” no primeiro turno pode abduzir a candidatura da terceira via.
Sinclair Mallet Guy Guerra, uma vida em prol da luta pela democracia
É com profundo sentimento de tristeza e pesar que a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) anuncia a perda do querido professor Sinclair Mallet Guy Guerra, mas, ao mesmo tempo, manifesta gratidão pela sua vida marcada por lutas em defesa da democracia. Ele morreu, em São Paulo, na última terça-feira (15/3).
O professor Sinclair, como era conhecido, também assumiu papel de destaque na produção de conhecimento, que ele via como imprescindível para se alcançar uma sociedade mais democrática e menos desigual.
Na época da ditadura, viveu na França, onde fez seu doutorado. Ao retornar ao Brasil, deu aulas na Universidade de Campinas (Unicamp), pela qual, em 2004, alcançou o título de livre docente, depois do doutoramento em Economia da Energia na Université Paris III (1986), antecedido do mestrado em Economia de Empresas pela FGV (1981), com a graduação em Economia na Universidade de Marília (1966). Também foi professor da Universidade Federal do ABC, em São Paulo.
Na França e no Canadá, também atuou em cursos de graduação e pós-graduação, compartilhando e incentivando a produção de conhecimento para além das fronteiras do Brasil.
Militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), também foi um colaborador entusiasmado da nossa Fundação Astrojildo Pereira, onde integrava o conselho editorial da revista impressa Política Democrática.
Os nossos sentimentos de estima e de perda à professora Heloisa, companheira do nosso querido Sinclair, aos filhos e a todos os demais familiares e amigos.
Entre nós, ficam a memória e o legado de um grande humanista.