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El País: “Temos que ter todas as correntes partidárias aqui, do PT ao PSL”, diz Maia

Deputado do DEM foi reeleito presidente da Câmara com 334 votos, 77 a mais que o necessário

Fazia alguns anos que a eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados não ocorria de forma tão suave. Após o furacão Eduardo Cunha, em 2015, da atribulada primeira eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) em meio a um processo de impeachment, em 2016, e da tumultuada reeleição em 2017, Maia se manteve seu cargo mais uma vez, agora com 334 votos. A folgada margem de 77 votos acima dos 257 necessários é prova da tranquilidade com que o democrata se reelegeu como presidente da Câmara — em sua primeira eleição, ele tinha recebido 285 votos, que foram ampliados para 293 em 2017.

"Teremos muitos desafios", disse em seu discurso de vitória. "A Câmara, que é a Casa do povo, precisa de modernização, modernização e modernização na nossa relação com a sociedade, nossos instrumentos de trabalho: as novas ferramentas de comunicação". Maia disse que é preciso simplificar as leis e compactuar as reformas com governadores e prefeitos. “Nada vai avançar neste país se não trouxermos para o debate aqueles que estão governando e estão sofrendo pela inviabilização do Estado brasileiro como um todo. Por isso que nós temos que ter todos aqui, de todas as correntes partidárias, do PT ao PSL”, discursou após a eleição.

O presidente Jair Bolsonaro parabenizou Maia publicamente por meio de seu perfil no Twitter. "Parabenizo o Deputado Rodrigo Maia pelo resultado obtido na eleição da presidência da Câmara, fato que caracteriza o respeito à democracia e a independência dos poderes. Este cargo é de extrema responsabilidade para conduzir a votação dos projetos que o brasileiro tanto almeja", escreveu o presidente. "Os Deputados eleitos escolheram hoje o novo Presidente da Câmara Federal. Desejo-lhe sucesso e sabedoria, para que a população brasileira seja a voz soberana e que seus anseios prevaleçam dentro do parlamento, em prol do nosso Brasil e de nossa democracia", disse Bolsonaro em outra postagem.

Jair M. Bolsonaro

@jairbolsonaro
Parabenizo o Deputado Rodrigo Maia pelo resultado obtido na eleição da presidência da Câmara, fato que caracteriza o respeito à democracia e a independência dos poderes. Este cargo é de extrema responsabilidade para conduzir a votação dos projetos que o brasileiro tanto almeja.

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22:11 - 1 de fev de 2019
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O segundo colocado na eleição foi Fábio Ramalho (MDB-MG), com distantes 66 votos. Marcelo Freixo (Psol-RJ) ficou em terceiro, com 50 votos, seguido por JHC (PSB-AL), com 30 votos, Marcel Van Hattem (Novo-RS), com 23 votos, Ricardo Barros (PP-PR), com 4, e General Peternelli (PSL-SP), com 2.

A 1ª Vice-Presidência da Câmara será ocupada pelo deputado Marcos Pereira (PRB-SP), que foi eleito com 398 votos. A 2ª Vice-Presidência foi definida em segundo turno entre dois candidatos do PSL: Luciano Bivar (PSL-PE) bateu Charlles Evangelista (PSL-MG), por 198 votos a 184. A 1ª Secretaria ficou com a deputada Soraya Santos (PR-RJ), eleita com 315 votos. Já a 2ª Secretaria será responsabilidade do deputado Mário Heringer (PDT-MG), eleito com 408 votos. A 3ª Secretaria será do deputado Fábio Faria (PSD-RN), eleito com 416 votos. Na 4ª Secretaria, fica o deputado André Fufuca (PP-MA), eleito com 408 votos.


Bernardo Mello Franco: O velho PFL volta ao coração do poder

O DEM já garantiu três ministérios no governo Bolsonaro. As nomeações causam ciúmes em outros partidos, que ameaçam boicotar a reeleição de Rodrigo Maia na Câmara

O atual superintendente da Polícia Federal no Paraná, Maurício Valeixo, foi indicado pelo futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, para comandar a corporação. A nova gestão terá como foco o combate à corrupção e ao crime organizado. Valeixo atuou no caso Banestado e na Lava-Jato ao lado de Moro. Depois de amargar 13 anos na oposição, o DEM retomou a vocação governista com Michel Temer. Mas é pelas mãos de Jair Bolsonaro que o partido voltará ao coração do poder.

Na gestão que termina, o antigo PFL comandou a pasta da Educação. Na que começa, terá três ministérios para chamar de seus. Até a semana passada, a sigla já havia garantido a Casa Civil e a Agricultura. Agora ampliou seus domínios para a Saúde, com a escolha do deputado Luiz Henrique Mandetta.

O partido não ocupava tanto espaço na Esplanada desde 2001, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso rompeu a aliança com Antonio Carlos Magalhães. No ano seguinte, Lula se elegeu e a legenda passou a definhar. Sua bancada federal despencou de 105 deputados eleitos em 1998 para apenas 21 em 2014.

Nem a mudança de nome foi capaz de interromper a queda. A sigla continuou a encolher nas urnas e viu seu único governador ser preso por corrupção, num escândalo que ficou conhecido como “mensalão do DEM”. Sem acesso ao Diário Oficial, o partido chegou perto de desaparecer. Até que foi salvo pelo impeachment.

O presidente da legenda, ACM Neto, diz que os três novos ministros foram escolhas pessoais de Bolsonaro. “São bons nomes, mas não são indicações partidárias”, afirma. Ele reconhece, no entanto, que as nomeações já causam ciúmes em outros partidos. “O DEM não pode ser penalizado porque tem bons quadros”, argumenta.

A primeira vítima de retaliação pode ser Rodrigo Maia, que tentarás e reeleger na presidência da Câmara. Deputados de siglas como PP, PR e PSD já ameaçam boicotá-lo em fevereiro. Naturalmente, podem mu darde ideia se saciarem o apetite por cargos no novo governo.

O problema é que Bolsonaro não dá pistas do que fará com os ministérios que ainda estão sem dono. Na dúvida, parlamentares que apoiaram outros candidatos ao Planalto têm se revezado na tribuna para cortejá-lo. “Os primeiros passos que o presidente eleito toma são extremamente assertivos, corretos e não só bem-intencionados, mas também numa visão de estadista”, desmanchava-se ontem o deputado Domingos Sávio, do PSDB.


El País: Bolsonaro empodera o DEM e embaralha disputa na Câmara

Partido do Centrão emplaca três representantes na Esplanada e ganha protagonismo não visto desde governo FHC. Investigado por fraude, Luiz Mandetta é escolhido para o Ministério da Saúde

Por Afonso Benites e Ricardo Della Coletta, do El País

Há 20 anos, o PFL, partido que se transformou no DEM, era um dos mais poderosos do país. Tinha 105 deputados federais eleitos, a vice-presidência da República, quatro ministros e o comando do Senado Federal. O presidente da ocasião era Fernando Henrique Cardoso (PSDB), um parceiro dos então pefelistas por quase uma década. Agora, o presidente que foi eleito por uma legenda inexpressiva e prometendo se descolar dos partidos políticos tradicionais, Jair Bolsonaro (PSL), volta a conferir um protagonismo ao DEM, que elegeu apenas 29 deputados. Nesta terça-feira, Bolsonaro indicou o seu terceiro ministro filiado ao partido. Luiz Henrique Mandetta, deputado federal por Mato Grosso do Sul, comandará a pasta de Saúde. Com a escolha, Bolsonaro interfere indiretamente na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, em que o atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenta a reeleição.

Com exceção de Lorenzoni, que é considerado da cota pessoal do presidente eleito, os outros tiveram seus nomes sugeridos por frentes parlamentares que atuam nas áreas específicas. Além disso, Mandetta, que é médico ortopedista, foi um dos consultores de Bolsonaro na pré-campanha. “Eu o ajudei quando ele precisou com orientações sobre a saúde. E, apesar de não estar na coligação dele, eu votei no Bolsonaro, é claro”, disse o futuro ministro ao EL PAÍS. Tereza, por sua vez, é a presidente da Frente Parlamentar Agropecuária. Na reta final do período eleitoral, ela posou para fotos ao lado do então presidenciável declarando apoio a ele. Oficialmente, nesta eleição, o DEM esteve na coligação de Geraldo Alckmin (PSDB), que acabou na quarta colocação, em articulação com a reformulação do chamado Centrão.

Quando indagado se estaria havendo um loteamento de cargos para beneficiar o DEM, Bolsonaro disse que era coincidência os três serem do mesmo partido. “O Onyx Lorenzoni sempre esteve comigo muito antes do primeiro turno. A Tereza Cristina é do DEM, mas foi indicação da bancada da agricultura. O Mandetta também. Parlamentares dos mais variados partidos indicaram ele (sic). Por coincidência, pertence ao DEM. Nada a ver no tocante a partido. Não são indicações para atender interesses político-partidários, e sim interesses especificamente dessas áreas de saúde e agricultura”, afirmou o futuro mandatário.

Na avaliação do professor e cientista político Humberto Dantas, doutor pela Universidade de São Paulo (USP), não deveria haver estranheza nesta aproximação de Bolsonaro com o DEM. “O Bolsonaro se ancora no DEM porque o DEM pensa como o Bolsonaro em boa parte dos casos. Não é um partido tão estranho para o universo político que o Bolsonaro orbita", afirma o professor. Em 2005, quando a sigla ainda era PFL, Bolsonaro esteve em suas fileiras por alguns meses. Foi um dos oito partidos ao qual esteve filiado em sua carreira política de quase três décadas.

O jogo pelo comando da Câmara

O primeiro reflexo dessa presença maciça de membros do DEM no Executivo pode ser vista na Câmara dos Deputados. O candidato à reeleição Rodrigo Maia (DEM-RJ) esperava ter o apoio, ainda que indireto, do grupo de Bolsonaro para a reeleição. Mas os sinais que veem do quartel-general da transição de Governo são pouco claros ou até desanimadores para Maia: na semana passada, por exemplo, Bolsonaro disse que não interferiria na disputa pelo comando da Câmara, mas pontuou que "existem outros candidatos muito bons".

Por conta da interlocução que possui com várias legendas, inclusive de oposição, Maia, por ora, segue favorito ao cargo. Porém, sem esse aval de Bolsonaro, os votos dos aliados do capitão reformado do Exército podem se diluir entre outros cinco postulantes, João Campos (PRB-GO), Alceu Moreira (MDB-RS), Luciano Bivar (PSL-PE), Delegado Waldir (PSL-GO) e Capitão Augusto (PR-SP). Outros nomes que já se colocaram na disputa são: Fernando Giacobo (PR-PR), Fábio Ramalho (MDB-MG) e João Henrique Caldas (PSB-AL). Uma frente de esquerda, formada por PSB, REDE, PCdoB, PDT, PSOL e PT ainda pode lançar um nome, mas com reduzidas chances de sucesso.

A indicação de Mandetta cria um problema adicional para os planos de Maia. O grupo de partidos de centro-direita que dá sustentação ao presidente da Câmara, o chamado Centrão, já começou a se queixar do que considera o tamanho desproporcional dado ao DEM na Esplanada dos Ministérios. Partidos como o PR e o PP, que têm muitos deputados simpáticos a Bolsonaro, consideram que um político de outra legenda deveria ser eleito para a presidência da Casa, para evitar uma excessiva concentração de poder nos quadros dos democratas. O próprio Maia fez queixas reservadas às nomeações de três deputados do seu partido para o governo, por considerar que isso atrapalha sua campanha pela chefia da Câmara.

Discurso X prática

Com a nomeação de Mandetta, Bolsonaro também joga por terra a sua meta de campanha de que seria intolerante com a corrupção. O deputado é investigado pelos crimes de tráfico de influência e fraude à lei das licitações. Os delitos teriam ocorrido no período em que foi secretário municipal de Saúde de Campo Grande (MS).

Os outros dois indicados pelo DEM também são alvo de denúncias. Tereza Cristina é suspeita de conceder incentivos fiscais à JBS de maneira irregular quando foi secretária da Agricultura em Mato Grosso do Sul. Ambos negam os crimes. Já Lorenzoni admitiu que recebeu recursos de caixa dois da JBS em 2014, mas o inquérito contra ele foi arquivado.

Sempre que questionado sobre o envolvimento desses seus subordinados, Bolsonaro diz que confia neles. No domingo passado, por exemplo, afirmou que Tereza goza de toda a sua confiança. “Eu também sou réu no Supremo. Tenho que renunciar? Ela já foi julgada? É apenas um processo representado, [assim] como já fui representado umas 30 vezes na Câmara e não colou nenhuma”, afirmou à Agência Brasil.


Bernardo Mello Franco: A bancada da bala dá o primeiro tiro

Para se aproximar de Bolsonaro, o deputado Rodrigo Maia quer enfraquecer o Estatuto do Desarmamento. A medida pode elevar os homicídios no país

A bancada da bala não esperou o fim da campanha para dar o primeiro tiro. Ontem a tropa parlamentar selou um acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Ele prometeu votar ainda neste ano um projeto que facilita a venda e a posse de armas no país.

Maia está em busca de apoio para continuar no cargo. Sua estratégia é agradar Jair Bolsonaro, favorito na corrida ao Planalto. O capitão tem uma ideia fixa: fuzilar o Estatuto do Desarmamento. Ele diz que a revogação da lei ajudaria a combater a violência.

“É um falso discurso”, contesta o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Para o sociólogo, a ofensiva contra o Estatuto vai aumentar as mortes provocadas por armas de fogo. “É como jogar gasolina numa fogueira que já está muito alta”, alerta.

De acordo com o Atlas da Violência, 71% dos homicídios registrados no Brasil em 2016 foram causados por armas de fogo. Felipe Angeli, coordenador do Instituto Sou da Paz, sustenta que o debate sobre o assunto não deveria ser ideológico.

“Não se trata de ser de esquerda ou de direita. Há um consenso científico de que o aumento da circulação de armas eleva a taxa de homicídios”, afirma.

Um estudo do economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sustenta que a cada 1% de aumento no número de armas, o número de assassinatos salta 2%.

A ofensiva contra o Estatuto preocupa os pesquisadores, mas tem feito a alegria dos fabricantes de armas. Com o favoritismo de Bolsonaro, as ações da Taurus subiram mais de 500% desde janeiro. Em vídeos que circulam na internet, o candidato atua como dublê de garoto-propaganda da empresa.

Fernando Haddad errou feio ao repetir, sem checar, a acusação de que o vice de Bolsonaro teria torturado o músico Geraldo Azevedo na ditadura. Para quem reclama da enxurrada de fake news na campanha, foi um verdadeiro tiro no pé.


Luiz Sérgio Henriques: A refundação necessária

Reconectar partidos e ideias requer a decisão de nos pormos nos marcos definidos em 88

Há formas e formas de encarar situações críticas, e lá diz o poeta que mesmo um copo vazio, bem observado, está cheio de ar. Em meio às agruras presentes, pressentimos, às vezes sem plena e cabal consciência, que a Carta de 1988 é o que impede sobressaltos, como a convocação de constituintes exclusivas para tal ou qual finalidade, especialmente a reforma política - que há de vir, mas por outros meios. Entre candidatos presidenciais bem posicionados, existem os afeitos à ideia de aumentar perigosamente a eletricidade ambiente, tornando-a mais “intensa”, seja qual for o significado disso.

Afinal, vivemos tempos de crise das democracias e os remédios que se aviam em laboratórios de fundo de quintal nem sempre trazem a cura, quando não são, como no caso dos populismos, piores do que o próprio mal.

Paradoxos não faltam. As instituições de controle se ativaram como nunca. Excessos à parte, puseram a nu mecanismos de financiamento político-partidário de cuja existência suspeitávamos, sem ter a exata noção de seu amplo poder corrosivo. Grupos dirigentes inteiros foram chamados às barras da lei, o que desarticulou alguns dos mais importantes partidos da redemocratização e os respectivos projetos de poder. Ao mesmo tempo, o ambiente de terra arrasada daí nascido é o mais propício a aventureiros de todos os matizes, que se alimentam da antipolítica que eles mesmos semeiam, ao se colocarem “contra tudo o que está aí”. Esta é a hora clássica dos demagogos.

Se as instituições de fiscalização vieram para ficar, com suas exigências de controle e transparência, o sistema político reage e se reagrupa como pode. Tem a seu favor o fato óbvio de que não existe democracia sem partidos e sem Parlamento digno do nome.

Velhos comunistas costumavam dizer que a mais medíocre das “democracias operárias” era preferível à mais pujante das “democracias burguesas”. Devemos parafraseá-los em outro sentido: do ponto de vista de uma vida civil moderna, como a que precisa existir no Brasil, não haver democracia parlamentar, verdadeiramente livre e plural, é o pior dos mundos.

Como dissemos, o establishment reage, vale-se das regras de financiamento exclusivamente público, aposta na maior visibilidade dos detentores de mandato, de modo que se vislumbra um nível baixo de renovação do Congresso e das assembleias estaduais. Eppur si muove, e algo como um processo constituinte, nada espalhafatoso, mas quem sabe promissor, pode estar ocorrendo sob nossos olhos. Este processo, distante de qualquer subversivismo rupturista, atinge um dos pilares da vida institucional: exatamente, o sistema de partidos, às vésperas de ser - em parte - racionalizado com a cláusula de barreira já prevista para este outubro.

Regras, quando pertinentes, costumam ser bem mais do que meros artifícios técnicos. Já que o voto é livre e as urnas são imprevisíveis, impossível dizer quantos e quais partidos terão plena existência parlamentar e assim poderão condicionar, positiva ou negativamente, o futuro programa de reformas.

Sabe-se apenas que serão em número bem menor do que as atuais três dezenas. Deixando de lado qualquer previsão minuciosa, aqui propomos um mapa provisório do sistema de forças em surgimento, apontando alguns dos prováveis rumos à frente.

Já temos de nos haver com uma extrema direita competitiva - e agressiva - pela primeira vez desde a redemocratização. O partido ou grupo de partidos que nesta área se firmarem estarão em linha com tendências globais. Não por acaso seu líder se derrama em elogios à figura tutelar de Trump e tenta capitanear uma versão nativa da Christian Right, com “Deus acima de tudo”. Será capaz de dirigir toda a sociedade com base em valores que dificilmente seriam os de uma apregoada “sociedade aberta”?

Partidos tradicionais, como PP, DEM e em certa medida MDB, vivem uma versão peculiar do dilema dos velhos partidos operários, quando se dizia que as ideias deviam vir “de fora” do aparelho partidário.

Veem-se assediados por vozes e movimentos que postulam um liberalismo distante das esferas do Estado, nas quais aqueles partidos se movimentaram até hoje com maestria e conhecimento de causa. A capilaridade que detêm parece condenar ao insucesso as novas vozes, mas, sem estas, organismos tradicionais caducam e morrem, antes de construir suas pontes para o futuro.

Este “centro ampliado”, de resto, é vital para barrar a pretensão hegemônica da ultradireita, mas não basta. A revitalização do PSDB será requisito para dar gravitação a uma frente democrática de novo tipo, com soluções positivas para as urgências econômicas e sociais do País. Nascido de notável constelação de intelectuais e com a vocação de representar as camadas médias modernas, um bom desempenho tucano nas urnas recolocaria o dilema deste partido, a saber, estar no governo e não desaparecer da sociedade. E desta vez sem espaço para o erro.

Tal como da extrema direita, pouco se pode esperar da esquerda dominante, pelo menos por ora. Até por uma questão geracional, teria cabido aos grupos dirigentes do petismo renovar a política e dar-lhe novo fôlego. Aqui, sim, teria sido necessária uma transformação que liquidasse mitos revolucionaristas e impedisse seu reaparecimento, ainda que só para fins de retórica ou de sustentação a toscos projetos externos, como o bolivarianismo. Uma missão que o petismo deixou de cumprir - e sem refletir sobre este descumprimento ele dará mil voltas sem sair do lugar.

Reconectar partidos e ideias - de preferência a ideologias -, ação e programa, sociedade civil e sociedade política requer a decisão de nos pormos nos marcos constitucionais livremente definidos há 30 anos. A República não precisa de refundação; os partidos que deveriam vertebrá-la, sim. Distinguir uma coisa da outra é um dos modos de separar amigos e inimigos da sociedade aberta.

 


Rosângela Bittar: A fratura do DEM

Uma vez vitorioso, Ciro vai se jogar nos braços do PT

O DEM voltou à situação emocional de duas eleições passadas, quando o deputado Rodrigo Maia (RJ) cruzou longas distâncias, expondo-se nacionalmente, para exigir, do candidato a presidente José Serra (PSDB), em campanha em São Paulo, uma definição sobre o candidato a vice, sobre os espaços do partido, sobre as relações políticas, angustiados que estavam com os silêncios pré-eleitorais de Serra num momento em que os partidos tinham que definir alianças.

Abalado também estava o DEM por um esfacelamento político, com a saída de muitos e as derrotas eleitorais. E a fúria destrutiva do ex-presidente Lula, que prometeu acabar com o então PFL e conseguiu.

A situação hoje é outra, o DEM se fortaleceu um pouco por obra exatamente da presidência da Câmara exercida por Rodrigo Maia, mas não ao ponto de evitar uma divisão drástica em torno de quem apoiar entre os candidatos a presidente da República.

Há uma variedade de opções, nesses tempos modernos em que não são as afinidades ideológicas que unem as legendas. Onyx Lorenzoni (RS) e Alberto Fraga (DF) escolheram apoiar Jair Bolsonaro; o presidente do partido ACM Neto, o lider no Senado José Agripino Maia, não por acaso políticos com domicílio eleitoral no Nordeste, escolheram Ciro Gomes. A maioria da bancada da Câmara está com Geraldo Alckmin, mas o também nordestino Mendonça Filho, leva o DEM pernambucano para Alckmin.

E há indefinidos em todas as facções.

A situação em Minas Gerais, por exemplo, que estava praticamente resolvida, deu para trás: Rodrigo Pacheco, neo-DEM e ex-MDB, que presidiu a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nas denúncias contra Michel Temer, resolveu ser candidato a governador. O partido se encaminhava para uma aliança com Alckmin, mas o candidato a governador do PSDB, em Minas, é Antonio Anastasia. O candidato a presidente de Fernando Pimentel (PT) é Fernando Haddad. Nesses dois partidos não tem lugar para Pacheco. Só está sobrando Ciro Gomes sem um palanque de governador em Minas. Se o DEM de Minas for para Ciro Gomes, será uma mexida de peso no cenário das alianças.

Outros diretórios importantes, como o de São Paulo, ainda podem reforçar essa opção, mas a disputa pela aliança está desequilibrada e o presidente do partido não se sentiu seguro ainda para arbitrar ou definir logo para onde vai o DEM.

O impasse repetido deve-se à falta de liderança, segundo as avaliações internas. Não surgiram novos nomes fortes desde que houve a debandada e o ex-presidente Lula decretou que iria acabar com o então PFL, depois rebatizado de Democratas, impedindo a reeleição de vários políticos tradicionais do Nordeste que lideravam o partido.

Agora o DEM é visto como um partido forte porque tem o presidente da Câmara, sua bancada cresceu, mas apresenta-se com evidentes sinais de fraqueza. Para começar, tem seu destino atrelado a siglas que despertam pouca admiração no Parlamento, como o PP, de Ciro Nogueira, e outros expoentes do Centrão que se reuniram em volta de Rodrigo Maia. A recuperação das bancadas não foi acompanhada pelo surgimento de nomes de comando como os que já teve: Jorge Bornhausen, Marco Maciel, ACM e Luis Eduardo Magalhães, entre outros participantes do grupo que se aliou a Fernando Henrique Cardoso e venceu duas eleições presidenciais, ganhando de Lula, que iniciava seu crescimento, no primeiro turno.

As lideranças de hoje pensam pequeno, na análise das correntes divergentes da cúpula. Só querem tratar do seu mundo político regional. Por exemplo: ACM Neto quer apoiar Ciro Gomes não porque seria o melhor presidente para o Brasil, mas porque tem mais chance de vencer, segundo as pesquisas de hoje. Tendo perdido o governo baiano para o PT, novamente, se vitorioso o atual governador Rui Costa, Neto olharia a derrota por cima do poder federal que ganharia com Ciro.

Os alertas não têm encontrado eco na presidência do partido. E eles são, primeiro, que muitos querem o Ciro pensando em Cid, seu irmão, que poderia lhe dar equilibrio e calma para estabelecer uma aliança política. O problema é que Cid não é candidato e também saiu do governo Dilma, onde ocupava o Ministério da Educação, fazendo muito barulho. O outro é mais arriscado: uma vez eleito, Ciro Gomes se jogaria nos braços do PT e não do DEM. O êxito lhe reduziria a rejeição o que, somada ao seu capital político na vitória e os 30% que o PT tem no eleitorado brasileiro, o tornaria imbatível em disputas posteriores. E o DEM desidrataria novamente.

Quem quer Ciro não aceita discutir apoio a Alckmin, quem quer Bolsonaro - número crescente no partido - também está irredutível. E quem está com Alckmin espera que as coisas se definam para acompanhar a decisão partidária ou sair do partido. A convenção será em 5 de agosto, dentro de 25 dias.

Falha dos astros
O plano dos três deputados advogados filiados ao PT, Wadih Damous (RJ), Paulo Teixeira (SP) e Paulo Pimenta (RS) era mais cinematográfico do que acabou sendo possível, por falha dos astros que protegem a seleção. Se tudo tivesse corrido como queriam, os fatos que movimentaram o fim de semana aconteceriam com o Brasil classificado na Copa, vencendo o jogo contra a Bélgica na sexta-feira, para disputar com a França a semifinal de ontem. Imaginavam que em plena comemoração da vitória, ninguém prestaria atenção a um despacho dado por um plantonista aos dois minutos do recesso do Judiciário.

"Se Lula fosse solto, imagina a dificuldade para frustrar o resultado da operação", diz um especialistas que conhecia os meandros da invenção.

O plano era apresentar escondido o habeas corpus, conseguir escondido a decisão, e o ex-presidente Lula sair escondido da cadeia, dificultando a reação dos opositores diante da situação consumada.

Muitos políticos não estranharam a esperteza dos advogados. Acham que a partir de agora é isso mesmo, o jogo bruto. A maioria da população ainda está sem candidato e nesse lusco-fusco do desconhecido, uma manobra dessas, se tiver êxito, muda completamente a sucessão.

A avaliação no Congresso é que, quanto mais demorar a se definir quem são os candidatos e como se desenvolverá a campanha, mais aparecerão esses artefatos.


Jose Roberto de Toledo: Huck e o faro do DEM 

O abandono da pré-candidatura presidencial de João Doria pelo DEM é relevante não por de onde o partido está saindo mas por onde ele está entrando. Segundo a repórter Andreza Matais, “o foco do DEM se voltou para Luciano Huck”. O DEM não é exatamente um campeão das urnas, mas é o melhor perdigueiro político que Brasília já criou. Sente o cheiro de poder e é capaz de apontar sua direção bem antes do resto da matilha.

Se o PMDB está no governo sem grandes interrupções desde o fim da ditadura militar, o DEM permanece lá desde a própria. Só não aderiu às raras administrações para as quais não foi convidado. O ex-PFL é mais resiliente do que qualquer outro partido. Mesmo sem muito voto, emplacou dois vices que sentaram na cadeira presidencial: Marco Maciel e Rodrigo Maia. Sem contar Sarney, que nunca foi do PFL no papel, mas sempre foi da família.

Nada mal para uma defecção do lado perdedor. Seu segredo é farejar as mudanças políticas antes que ocorram. Foi assim em 1985 quando, diante da inexorável derrota de Maluf no colégio eleitoral, seus pais fundadores aderiram ao oposicionista Tancredo Neves e desertaram as fileiras do PDS. Nascia o PFL.

Repetiriam a dose em 1989, abandonando o candidato do partido, Aureliano Chaves, durante a campanha presidencial. Primeiro, tentaram teleguiar Silvio Santos rumo à Presidência, inseminando-o no nanico PMB. O TSE abateu a manobra em pleno ar, e os pefelistas acabaram aderindo a Fernando Collor. Foram recompensados com ministérios – como já haviam sido por Sarney e viriam a ser por Itamar, FHC e, mais recentemente, Temer.

Conhecido pela ironia e franqueza, Claudio Lembo gosta de referir-se aos filiados de seu partido como “perseguidos pelo poder”. A definição não poderia ser mais verdadeira, desde que se compreenda o real sentido da perseguição, obviamente.

Por isso, se os resilientes ex-pefelistas fazem posição de pointer inglês com o focinho voltado para Luciano Huck, é bom prestar atenção. O que levaria o experiente DEM a apostar – de novo – num apresentador de TV sem nenhuma experiência política?

Não são poucos os motivos. O primeiro é o vácuo que se forma no campo mais popular do eleitorado se Lula não puder se candidatar. Cruzamentos de pesquisas de intenção de voto indicam que um terço dos eleitores do ex-presidente votam apenas em Lula (e, imagina-se, em quem ele endossar). Ou seja, dois terços (20% ou mais do eleitorado total) estariam sem eira e com pouca beira caso o nome do petista não apareça na urna em 2018.

Quem teria mais facilidade (ou menos dificuldade) para conquistar esse eleitor pobre e desassistido? Um apresentador de TV ultraconhecido e cujo programa consiste, basicamente, em dar assistência a pessoas pobres, ou um ex-apresentador de TV nem tão conhecido assim cuja frase, copiada, é “você está demitido”?

O fato de já ter muito recall dispensa Huck de se expor ao fogo (inimigo e amigo) de uma pré-campanha. Ele pode deixar para anunciar sua eventual candidatura aos 45 minutos do 2º tempo, ou seja, o dia 7 de abril de 2018. Essa é a data limite para quem for participar das eleições de outubro descer do umbuzeiro.

Outra vantagem de Huck é que ele é autofinanciável. Além de ter um patrimônio capaz de bancar parte da própria campanha, tem amigos com bolsos mais fundos do que a maioria.

Quais os pontos fracos do apresentador? O principal deles é não ser levado a sério como presidenciável. Seu paraquedas é vistoso demais. Vale lembrar, porém, que a inexperiência é o único defeito que não piora com o tempo. Huck é um dos patronos do “fundo cívico” eleitoral. Está sentindo o vento. O DEM fariscou.