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Ricardo Noblat: O ministro que entrou no governo vestido e saiu nu

Decotelli, a fake news em pessoa

Deve-se ao governo de Jair Bolsonaro, o presidente acidental, a criação de uma nova categoria de servidores públicos – a “Quase”. O primeiro a inaugurá-la foi Carlos Decotelli, o quase ministro da Educação. Nomeado há 5 dias, caiu antes de ser empossado.

Decotelli entrou no governo como ex-oficial da Marinha, professor da Fundação Getúlio Vargas, doutor pela Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, e pós-doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Saiu sem nada. Nu.

Um dia antes de ser forçado a pedir demissão, ele havia reescrito seu currículo pela quinta vez – desta, para acrescentar o título de ministro. O que fazer agora? Reescreve de novo ou deixa como está? Afinal, sua nomeação foi publicada no Diário Oficial.

Bolsonaro sentiu-se enganado por Decotelli e não disfarçou seu aborrecimento ao recebê-lo, ontem, no Palácio do Planalto. A audiência de despedida não durou 15 minutos. Bolsonaro sequer leu a carta de demissão para analisar se era de fato autêntica.

O encontro foi testemunhado por um só ministro – o general Braga Neto, da Casa Civil. Os demais generais com gabinetes ali e que patrocinaram a escolha de Decotelli, estavam ocupados à procura do quarto ministro da Educação em um ano e meio.

Um deles, Augusto Heleno, do Gabinete da Segurança Institucional, postou uma mensagem no Twitter onde disse que nada teve a ver com o fato de Decotelli apresentar-se como quem não era. Não lhe cabe checar currículo de candidatos a ministro.

A descoberta de que Decotelli era uma fake news em pessoa enfraquece, por ora, a ala militar do governo em sua marcha sobre cargos disponíveis na administração. As viúvas do ex-ministro Abraham Weintraub querem de volta o ministério que era delas.

Em sua nova versão de presidente moderado, Bolsonaro mandou logo dizer que o sucessor de Weintraub será um técnico, especialista em educação e, se possível, repleto de títulos… De preferência, verificados antes do anúncio.

Palácio do Planalto serve de cenário à despedida de um cachorro

Augusto Bolsonaro, ou melhor Zeus, volta para casa
Por 12 dias, Zeus, um cão da raça pastor-maremano, chamou-se Augusto Bolsonaro e desfrutou do raro privilégio de poder conviver na intimidade com a família presidencial brasileira. Foi visto nos fundos do Palácio do Planalto à procura de uma cadela no cio. E imediatamente adotado por Michelle, a primeira-dama.

Passou a morar no endereço mais exclusivo de Brasília – o Palácio da Alvorada. Ganhou uma página no Instagram. Posou para fotos com uma coleira que ostentava a bandeira nacional. E brilhou nas redes sociais passeando ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro, o filho Zero Três do presidente. Sua repentina fama foi seu mal.

Apareceu o dono de Zeus, um morador da Vila Planalto, a pouca distância do local em que ele fora achado. E pela primeira vez na história do Palácio do Planalto, sede do governo, armou-se uma cerimônia para marcar a despedida de um cachorro. O presidente compareceu sorridente. A primeira-dama chorou.

Zeus perdeu o nome recém-adquirido e foi devolvido ao dono. A propósito: quando os Bolsonaro devolverão o país aos seus verdadeiros donos?


Elio Gaspari: Decotelli poderá explicar o edital do FNDE

Empossado, ministro poderá acabar com o silêncio oficial, desvendando o mistério

Como ministro da Educação o doutor (?) Carlos Alberto Decotelli poderá contar como foi concebido o edital 13/2019, que licitava a compra de 1,3 milhão de computadores, laptops e notebooks para a rede pública de ensino, coisa de R$ 3 bilhões. Afinal, ele presidia o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação no dia 21 de agosto de 2019, quando o edital foi publicado.

Tratava-se de um imenso e silencioso jabuti. O próprio FNDE havia anunciado no dia 8 de agosto que Decotelli deixaria o cargo. Ele saiu semanas depois, e o novo presidente suspendeu o edital.

A Controladoria-Geral da União havia estudado o jabuti e descobriu o seguinte:

Armava-se uma despesa de R$ 3 bilhões sem que o Ministério da Economia tivesse sido ouvido.

Trezentos e cinquenta e cinco colégios receberiam mais de um laptop por aluno. A Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais, receberia 30.030 laptops para seus 255 estudantes. Na Chiquita Mendes, de Santa Bárbara do Tugúrio (MG), cada aluno ganharia cinco laptops.

Duas das empresas que encaminharam orçamentos ao FNDE mandaram cartas com o mesmo erro de português: “Sem mais, para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessária”. Noutra coincidência, as duas empresas pertenciam à mesma família.

A CGU interpelou o FNDE e recebeu respostas pífias, até que em novembro ela emitiu um relatório de 66 páginas. Como o jabuti andava sem fazer barulho, o caso ficou no escurinho da burocracia e o edital foi cancelado. Em dezembro o repórter Aguirre Talento expôs o caso. Seria natural que viesse alguma explicação do governo. Passaram-se sete meses e nada. Abraham Weintraub, aquele que propôs botar os “vagabundos” do Supremo Tribunal na cadeia, trocou mais três vezes o presidente do FNDE, mas nunca tocou no assunto.

Decotelli tem uma peculiaridade no Ministério de Bolsonaro, ele ri. Empossado, poderá acabar com o silêncio oficial, desvendando o mistério do edital 13/2019. Um governo que se diz comprometido com o combate à corrupção deveria se orgulhar do que aconteceu, pois a CGU viu o jabuti, alertou a administração, detonou a compra e poupou a Viúva de uma facada.

Falta responder a mais elementar das perguntas: Como esse edital foi montado? À época, Decotelli estava na presidência do Fundo. Fica combinado que é falta de educação perguntar por que o governo nunca tocou nesse assunto.

Aviso
Se o Planalto e os agrotrogloditas pressionarem a ministra da Agricultura para que ela se empenhe na aprovação do projeto de lei da grilagem, Tereza Cristina coloca o segundo pé fora do governo.

Weintraub no Banco
O governo buscava uma saída honrosa para Abraham Weintraub e conseguiu um episódio desonroso com um ministro escafedendo-se. Em condições normais ele assumiria seu cargo no Banco Mundial, mas quando a burocracia da instituição mostra-se contrariada com sua presença, é bom que se preste atenção.

Em 2007 os burocratas derrubaram o presidente do banco. Paul Wolfowitz era uma espécie de Weintraub de luxo do governo de George W. Bush. Como subsecretário da Defesa, foi uma dos ideólogos da desastrada ocupação do Iraque. Premiado com a presidência do banco, arrumou uma boquinha para sua parceira. Um protesto interno detonou-o em apenas três meses. (O doutor lambia o pente antes de passá-lo no cabelo.)

Novembro vem aí
Jair Bolsonaro deveria conversar com veteranos do Itamaraty para decidir como conduzirá as relações com os Estados Unidos, caso Joe Biden vença a eleição presidencial de novembro.

Se a diplomacia brasileira persistir na sua postura aloprada, consolidará sua posição de saco de pancadas do mundo.

Em 1976, quando o democrata Jimmy Carter ganhou a eleição, a ditadura brasileira passou pelo mesmo constrangimento. O novo presidente tinha uma agenda de defesa dos direitos humanos e pretendia sedar o acordo nuclear que o Brasil havia assinado com a Alemanha. Houve tensão e momentos de crise, mas profissionais dos dois lados impediram que a emoção agravasse as divergências.

(O presidente Ernesto Geisel detestava Carter. Anos depois, quando os dois estavam fora do poder e o americano visitou o Brasil, recusou-se a recebê-lo. Carter ligou para sua casa e ele não atendeu.)

Quitanda caótica
Se um general no comando de uma brigada fizesse as trapalhadas que o palácio do capitão faz com atos administrativos elementares, perderia o comando. A saber:

O ato de demissão do diretor da Polícia Federal tinha a assinatura do ministro Sergio Moro, mas ele não havia tocado no papel.

No dia 20, uma edição extra do Diário Oficial informou que o ministro da Educassão Abraham Weintraub havia sido demitido. No dia 23, em outra edição, disse que ele deixou o governo no dia 19.

Na quinta-feira, o ministro Luiz Eduardo Ramos anunciou novas parcelas do benefício emergencial para os invisíveis e pouco depois apagou a mensagem.

Bolsonaro é inocente
Defensor da cloroquina e inimigo do isolamento, Jair Bolsonaro já tem o lugar assegurado na história da pandemia da “gripezinha”. Mesmo assim, ele nada tem a ver com os repiques da Covid que estão acontecendo em diversos estados. Eles são da responsabilidade de governadores e prefeitos oportunistas e fracos que cederam diante da impopularidade da medida e da pressão de comerciantes e empresários.

Na semana passada o Ministério da Saúde admitiu que o tal “platô” de contágios não aconteceu e que a curva continua subindo. Em nove estados a rede pública tem 80% dos leitos de UTIs ocupados.

Cidades que relaxaram a quarentena estão pagando o preço, em vidas.

Estátuas
Em vez de se sair por aí destruindo estátuas, pode-se lidar com o passado de forma mais civilizada. É sabido que os russos resolveram a questão colocando os monumentos dos comunistas num parque de Moscou. (Stalin, com o nariz arrebentado.)

A universidade Harvard mostrou outro caminho, menos destrutivo e mais edificante. Puseram uma placa na porta da casa dos presidentes da instituição, homenageando os escravos Titus, Venus, Bilhah e Juba, que lá trabalharam no século XVII.

Tomara que a estátua de Theodore Roosevelt que está na entrada do Museu de História Natural de Nova York seja colocada num lugar onde possa ser observada. O branco, poderoso, está num cavalo, embaixo dele um índio e o negro, dominados, ficam a pé. Ela foi um monumento à supremacia branca e a ideia tornou-se uma caricatura, como a dos heroicos arianos do escultor Arno Breker, o queridinho de Hitler.

Os dias futuros
Bolsonaro teria entrado num modo conciliador. Resta saber qual é a carga dessa bateria. Isso é vital, porque o pacificador referiu-se a dias melhores que vêm pela frente. O que vem pela frente são dias piores.