debate
Mulheres negras debatem preservação da Amazônia em live da FAP
Comunicação FAP
A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizará nesta terça-feira (1/8), das 18h às 19h, uma live para debater as “sabenças de mulheres negras, com autonomia e afetos na Amazônia". Durante o encontro virtual, elas discutirão ações importantes para a preservação do bioma, que é um dos mais ricos em biodiversidade do mundo.
A live terá transmissão em tempo real no site da FAP, na página da entidade no Facebook e no canal da instituição no Youtube. O público poderá enviar perguntas por meio das próprias plataformas digitais.
De acordo com a diretora executiva da FAP e mediadora do debate, Jane Monteiro Neves, chama atenção para o “desmatamento indiscriminado das florestas”. Ela também é mestre em Enfermagem de Saúde Coletiva e professora da Universidade Estadual do Pará (UEPA).
Participantes
Josanira Rosa da Luz: Bacharel em Administração, conselheira do Centro de Cultura Negra, secretária geral do Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional e Conselheira do Consea.
Bianca Pereira da Silva: Bacharel em Serviço Social, integrante dos coletivos ALAGBARA e Oorun Ombirin de mulheres negras e quilombolas e da comissão de heteroidentificação racial da UFT E Cesgranrio.
Angélica Albuquerque da Silva: Mulher negra e gorda, museóloga, educadora popular e patrimonial e consultora de imagem e estilo.
Cineclube terá debates sobre filmes com temas relevantes da atualidade
Comunicação FAP
A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e a Biblioteca Salomão Malina, mantida pela entidade, lançarão no dia 31 de julho um novo projeto cultural para discutir temas relevantes e de interesse público a partir de temas abordados em filmes. De acordo com a direção executiva da instituição, a ideia é realizar debates on-line toda última segunda-feira do mês, às 19h30, com participantes do Cineclube Vladimir Carvalho.
O lançamento do projeto ocorrerá com a discussão sobre o tema da escravidão contemporânea, a propósito do Dia Mundial de Combate ao Tráfico de Pessoas, celebrado no dia 30 de julho. O público em geral pode participar dos debates do cineclube.
A primeira sugestão é o filme Os Sete Prisioneiros, de Alexandre Morato, com Rodrigo Santoro, produção de Fernando Meirelles (Ensaio sobre a Cegueira) e Ramon Bahrani (Tigre Branco). A abertura da discussão será feita pela crítica de cinema Lilia Lustosa.
Em busca de uma vida melhor, Mateus, um rapaz humilde de uma cidade pequena, e outros jovens aceitam trabalhar em um ferro velho em São Paulo. No entanto, todos logo percebem que foram enganados e caíram em uma rede de trabalho escravo. Olhando para esse cenário, Mateus decide se unir ao seu captor e se tornar seu braço direito, mesmo sofrendo com grandes conflitos morais.
Veja, abaixo, o trailer do filme:
As propostas de filmes do projeto são apresentadas, previamente, em um coletivo do Cineclube Vladimir Carvalho. As pessoas interessadas em participar do projeto devem entrar em contato com a Biblioteca Salomão Malina, por meio do WhatsApp oficial (61 984015561) e solicitar acesso ao grupo de discussão.
Biblioteca Salomão Malina
Inaugurada em 28 de fevereiro de 2008, a Biblioteca Salomão Malina se tornou um importante espaço de incentivo à produção do conhecimento em Brasília. Localizada no Conic, tradicional ponto de cultura urbana próximo à Rodoviária do Plano Piloto, a biblioteca foi reinaugurada em 8 de dezembro de 2017, após ser revitalizada. Isso garantiu ainda mais conforto aos frequentadores do local e reforçou o compromisso da biblioteca em servir como instrumento para análise e discussão das complexas questões da atualidade, aberta a todo cidadão.
O espaço integra a Fundação Astrojildo Pereira (FAP), mantida pelo Cidadania, e conta com quase 5 mil títulos para empréstimos, que são constantemente atualizados por meio de doações e pela aquisição de obras de pensadores contemporâneos. O acervo é especializado em Ciências Sociais e Humanas, contando também com livros da literatura que fazem menção à crítica social e dos costumes, na transição do Brasil rural para o urbano.
Governo Lula: FAP realiza webinar sobre rumos da economia
Comunicação FAP
A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizará, nesta quarta-feira (26/4), a partir das 19 horas, webinar sobre os rumos do governo Lula na economia. O evento online será transmitido em tempo real, no site e nas redes sociais (Youtube e Facebook) da entidade, para todas as pessoas interessadas.
Clique aqui e veja série de eventos da FAP
Nova obra destaca propostas para desenvolvimento com inclusão social
Participam do debate o economista Benito Salomão, conselheiro da FAP e doutor em economia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e a ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) Vanessa Petrelli, que também foi secretária municipal de Agricultura e Abastecimento de Uberlândia. Os dois são professores de economia e relações internacionais na UFU.
Otaviano Canuto, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University, também está confirmado para o debate. Ele ainda é professor afiliado na Universidade Politécnica Mohamed VI e do Center for Macroeconomics and Development em Washington.
A mediação é de Cezar Rogelio Vasquez, engenheiro de Produção pela UFRJ, mestre em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ e membro do Conselho Curador da FAP.
Estadão | Pesquisadores lançam propostas para retomada do desenvolvimento com inclusão social
Correio Braziliense | Livro debate desenvolvimento em várias frentes técnicas e ideológicas
Mulheres pretas na ciência e na política é tema de live da FAP
Comunicação FAP
No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizará, na terça-feira (14/3), das 18h às 19h, uma live para discutir a importância das mulheres pretas na ciência e na política. O evento terá transmissão em tempo real no site e nas mídias digitais da entidade.
Diretora executiva da FAP, a professora Jane Monteiro Neves, que também é ativista da Rede Amazônia Antirracista, será responsável pela mediação do evento. O público poderá enviar perguntas por meio do canal da FAP no Youtube e da página da entidade no Facebook.
Também participará da live a pesquisadora Creusa dos Santos Trindade, que atua no Grupo de Pesquisa, Saberes e Práticas Educativas de Populações Quilombolas (Eduq) da Universidade do Estado do Pará (Uepa). Ela também é ativista da Rede Amazônia Antirracista.
Outro nome confirmado é o da Maria Darlene Trindade Corrêa, que também é pesquisadora da Uepa. A primeira mulher negra eleita deputada estadual do Pará, Cristina Almeida, ex-vereadora, também participará da live.
Política
No início deste mês, a União Inter-Parlamentar (UIP), organização internacional dos parlamentos dos Estados soberanos, divulgou novo informe anual. O documento mostra que, no Brasil, a participação de mulheres nos processos eleitorais no Brasil aumentou em 2022.
No entanto, o país continua abaixo da média mundial e da média da presença de mulheres nos poderes legislativos latino-americanos. De acordo com a organização, o resultado da eleição brasileira de 2022 colocou um número recorde de mulheres no Legislativo, mas a taxa continua insuficiente até mesmo para equiparar o país à realidade de seus vizinhos.
Por outro lado, o estudo mostra que houve um número recorde de mulheres negras que se apresentaram para as eleições de 2022: 4,8 mil entre 26 mil candidatas, seguindo tendência identificada também nos Estados Unidos, Colômbia e França.
Segundo a organização, o Brasil continua bem abaixo da média mundial. De acordo com o levantamento, a participação de mulheres na Câmara de Deputados é de 17,7%, contra apenas 16% no Senado. A taxa brasileira é ainda próxima aos índices que existiam na Europa há quase 30 anos.
De 43 eleições avaliadas em 2022, o Brasil ocupou apenas a 30ª posição, abaixo da Somália, Guiné Equatorial, Bahrein ou Quênia. Dos 513 assentos na Câmara, apenas 91 estão ocupados por mulheres.
Nos 19 processos eleitorais em 2022 para senadores pelo mundo, o Brasil ficou apenas na 16ª posição, com apenas 13 senadoras entre 81 assentos. Chungong espera que a nova fase da política brasileira, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, abra a possibilidade para que avanços possam ocorrer na representatividade de mulheres no poder.
Os caminhos para uma reforma tributária justa
Outras Palavras*
A reforma tributária tem ocupado as atenções políticas há, pelo menos, 25 anos. Parece haver consenso quanto a sua necessidade. No entanto, sempre que o assunto ganha alguma relevância no cenário político, esse suposto consenso se desmancha, pois nem todos os que defendem a reforma comungam das mesmas motivações. Não é diferente, neste momento, com debates sobre programas para um governo de corte democrático e popular.
Para muitos, inclusive para nós, o problema central do sistema tributário é o seu caráter regressivo, cujas principais consequências relacionam-se ao aprofundamento das desigualdades de natureza econômica e social. Mas como traduzir mais precisamente essa regressividade do sistema tributário? Trata-se da sua característica de beneficiar os mais ricos pela débil tributação das altas rendas e das grandes riquezas e “transferir o fardo dos impostos”, como afirmou Chomsky, aos mais pobres. No caso brasileiro, esta transferência é mais visível na hipertrofia da carga tributária sobre o consumo.
Para outros, o único problema a ser corrigido se refere à complexidade do sistema tributário. São, estes, os conhecidos defensores de uma reforma restrita à tributação sobre o consumo, designada “simplificação tributária”, a ser supostamente resolvida pela unificação de praticamente todos os tributos indiretos, das competências municipal, estadual e federal, incluídas várias contribuições sociais, num único imposto sobre o valor agregado (IVA).
Lideram esse bloco, as grandes corporações que industrializam ou importam produtos considerados supérfluos, atualmente submetidos ao critério da seletividade e, portanto, à incidência de alíquotas mais gravosas do IPI e do ICMS, e em alguns casos, do PIS/Cofins não cumulativo, pois, certamente, seriam as maiores beneficiadas por uma reforma desse tipo. As instituições financeiras igualmente demonstram enorme disposição para tal mudança, com o objetivo de abolir a possibilidade da incidência de alíquotas maiores da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. E a mesma lógica de interesses serve às empresas que, a depender da atividade econômica exercida, podem vir a ser submetidas a alíquotas maiores de qualquer uma das contribuições sociais existentes, possibilidade contemplada pelo §9º do Artigo 195 da Constituição Federal. Associam-se aos partidários da reforma restrita à tributação indireta, aqueles que defendem o esvaziamento do Estado Social e o fim das contribuições sociais, espécie de tributo cuja essência é a vinculação de sua arrecadação ao financiamento de políticas de seguridade.
O debate no campo popular
Interessa-nos, aqui, discutir as posições do primeiro bloco, formado pelos que atuam no campo popular e democrático. Entre nós, manifesta-se uma concordância fundamental sobre a necessidade de modificações estruturais no sentido de deslocar parte da tributação indireta incidente sobre as mercadorias e os serviços, para a imposição direta sobre as altas rendas e as grandes riquezas, mas, em outro sentido, uma divergência preocupante tem se destacado, sobre qual é a prioridade da reforma e, consequentemente, por onde começar.
A divergência aparece no debate em formulações sutis como, por exemplo, “Não basta simplificar, é preciso tributar mais a renda e o patrimônio”, que acabam por conferir à reforma dos tributos indiretos as qualidades de ser imprescindível e prioritária, ainda que seja ressalvada a necessidade de atribuir maior progressividade aos tributos diretos. As distintas visões também estão presentes na discussão sobre o alcance da reforma tributária no futuro próximo: ampla, abrangendo a tributação sobre o consumo e começando por aí, ou centrada na renda e patrimônio, pelo menos no primeiro momento.
Parece haver consenso, entre os que defendem uma reforma no sentido da progressividade, sobre cada componente do sistema tributário poder ser melhorado. Os tributos sobre a renda, tanto das pessoas físicas, como das pessoas jurídicas, deveriam ser modificados para adotar a capacidade contributiva, de fato, como o critério mais relevante e para elevar sua participação na arrecadação nacional total. Da mesma forma, deveria ser reforçado o papel dos tributos patrimoniais, principalmente, por meio da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas, há tempos, previsto na Constituição Federal, mas, até hoje, sem a maioria política para ser implementado.
Os tributos sobre o consumo também deveriam sofrer modificações, com vistas a reduzir seu peso na arrecadação total e racionalizar sua forma de incidência, corrigindo características como o tributo por dentro da base de cálculo e sua cobrança na origem. Os tributos com natureza extrafiscal, como o IPI, os incidentes sobre o comércio exterior, o IOF e a Cide deveriam estar alinhados a um programa de desenvolvimento nacional e de sustentabilidade ambiental. Além disso, as mudanças tecnológicas e as consequentes mudanças ocorridas no mundo do trabalho, assim como a atuação no plano global das grandes corporações, vêm colocando desafios importantes para a tributação, exigindo a busca de novas fontes para o financiamento da proteção social.
No entanto, sabe-se que qualquer reforma ampla tende a potencializar resistências políticas, muitas delas, justas, sob a ótica das lutas sociais. As propostas de reformas dos tributos indiretos, em particular, fazem emergir conflitos e disputas internas ao empresariado e entre os entes federativos, provocam desgaste junto à parcela importante dos prefeitos e governadores, além de resultar na legítima oposição dos movimentos populares que lutam pela preservação e alargamento das políticas de proteção social, como demonstraram as propostas de reforma tributárias tentadas desde meados da década de 1990. Tais propostas não apenas alteram a distribuição da carga tributária entre os diversos setores econômicos, repercussão que sempre merece um bom debate, mas, afetam sobremaneira a autonomia dos estados e municípios e agridem o financiamento da Seguridade Social previsto na Constituição Federal de 1988.
Em partes, para avançar
Ainda que seja possível projetar a configuração geral de um sistema tributário socialmente justo, funcional para o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental, sua implementação efetiva terá maiores chances de êxito se os projetos forem tratados separadamente, priorizando-se, inicialmente, aqueles cuja natureza afeta os problemas centrais do sistema e, ao mesmo tempo, está em sintonia com a maior parte dos setores organizados da sociedade, os aliados do financiamento progressivo das políticas públicas.
A reforma tributária silenciosa realizada no Brasil entre 1995 e 2002 iniciou-se por mudanças estruturais no Imposto de Renda. A reforma progressiva deve se iniciar também por aí, mas seguindo o sentido inverso. Está muito evidente que a criação de mecanismos como a isenção dos lucros e dividendos distribuídos e a possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio, promovidas pela Lei nº 9.249/95, resultaram na desidratação substancial do IR em seus aspectos arrecadatório e distributivo. Os mais ricos pagam proporcionalmente muito menos do que os mais pobres.
Quanto à tributação corporativa, o fato de a maior parte das pessoas jurídicas não tributarem o lucro, mas sim frações da receita bruta, faz com que também o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) acabem onerando muito mais o consumo do que o resultado obtido pela atividade econômica. Em 2019, por exemplo, somente 3,05% das pessoas jurídicas registradas no país eram tributadas pela modalidade do Lucro Real. As demais são todas tributadas pelo Lucro Presumido (16,68%) ou pelo Simples (80,26%)1. Mesmo para as pessoas jurídicas tributadas pelo regime de Lucro Real, há um enorme conjunto de possíveis ajustes que reduzem substancialmente as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL em relação ao lucro líquido da atividade – o resultado efetivo no período –, tornando a alíquota efetiva bem inferior à alíquota nominal. Estas PJ, embora submetidas a uma alíquota maior da CSLL, que, somada ao IRPJ, totalizaria uma alíquota nominal de 45%, na realidade estiveram sujeitas a uma alíquota efetiva de apenas 14,3% entre 2010 e 20192. É absolutamente falsa, portanto, a afirmação sobre as pessoas jurídicas serem excessivamente tributadas no Brasil, como os economistas liberais querem nos fazer crer.
Evidentemente, não se afasta a necessidade de aperfeiçoamento da tributação da renda das empresas, mas o caminho segue em outra direção. É importante reduzir as possibilidades de tributação de um lucro fictício, como ocorre atualmente, por meio da sistemática de lucro presumido e de outras formas de diminuição da base de cálculo do IR e da CSLL. Um bom objetivo é aproximar, o máximo possível, a base de cálculo desses tributos do lucro líquido efetivamente obtido pela atividade empresarial no período considerado.
Outro fator relevante da regressividade é a ausência injustificável da cobrança do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição de 1988 e até hoje não implementado, mesmo diante do quadro dramático que vivemos no país, de profunda desigualdade social e de uma brutal concentração de renda e riquezas.
A solução para imprimir progressividade efetiva ao IR e instituir o IGF independe de modificações constitucionais e pode ser encaminhada pela aprovação de Leis ordinárias e complementares. Sem corrigir as distorções no Imposto de Renda e sem implementar o IGF, fica muito difícil, senão, impossível, avançar no sentido da justiça fiscal e pavimentar o caminho para o desenvolvimento nacional, inclusivo, com redistribuição de renda e riqueza.
Prioridade das mudanças na esfera de competência da União
Quase 70% de toda a arrecadação tributária se refere a tributos de competência da União, os quais abrangem todas as bases de incidência (renda, patrimônio e consumo). Tanto a redução da regressividade, quanto o alinhamento do sistema tributário às políticas de desenvolvimento, de redistribuição e voltadas à sustentabilidade ambiental podem ser implementadas por meio de medidas no âmbito das competências tributárias federais. As propostas de eliminação das distorções na legislação do IR e de implementação do IGF apresentam grande capacidade de aumento da arrecadação e, em contrapartida, permitirão viabilizar a gradativa redução da carga impositiva sobre as rendas mais baixas e sobre o consumo de mercadorias e serviços, por meio da correção da tabela de incidência do IRPF e da diminuição das alíquotas da Cofins e do PIS, aliviando o peso dos tributos sobre boa parte dos assalariados e dos consumidores de baixa e média renda.
Primeiro: reafirmar os fundamentos tributários da Constituição Cidadã!
Boa parte dos problemas identificados podem ser caracterizados como desvios dos marcos do sistema tributário previsto na Constituição Federal de 1988. A isenção dos lucros e dividendos distribuídos pelas empresas e a possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio são os mecanismos mais graves e evidentes da ruptura entre o Imposto de Renda e os princípios e critérios constitucionais que o deveriam guiar. A isonomia de tratamento entre os contribuintes foi violada e o princípio da capacidade contributiva, desrespeitado. Além disso, ao isentar também o lucro remetido ao exterior, a legislação infraconstitucional promoveu um benefício indevido ao destinatário dos lucros, como também aos países onde estes residem, na medida em que a quase totalidade destes tributam os lucros recebidos pelos sócios e acionistas das empresas estrangeiras. O que deixamos de cobrar aqui, os países de residência cobrarão por lá.
Segundo: impulsionar o avanço da progressividade
É preciso atuar, ainda, na redução dos tributos que incidem sobre o consumo, e que, portanto, afetam mais a renda da população pobres. A tributação das empresas deve incidir preferencialmente sobre o resultado líquido e menos sobre o faturamento ou sobre a receita bruta. Para tanto, parte das contribuições sociais pode migrar para bases de incidência direta. O PIS e a Cofins, por incidirem sobre o faturamento, podem ter suas alíquotas reduzidas, o que reduziria o peso da tributação sobre o consumo e ao mesmo tempo diminuiria os custos de produção.
A compensação da redução na arrecadação das contribuições de natureza regressiva pode ser obtida pela criação de uma Contribuição Social sobre as Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR), com incidência progressiva, uma vez que incidiria apenas sobre parcelas de rendimentos excedentes a R$ 60 mil mensais. Essa medida exige uma alteração constitucional.
Terceiro: alinhar a tributação à política de desenvolvimento econômico
A progressividade na tributação em geral é, por si só, um fator favorável à atividade econômica, na medida em que os mais pobres, sendo menos tributados, teriam aumentada sua capacidade de consumo, o que amplia a demanda agregada. A elevação da tributação sobre as altas rendas e sobre as grandes riquezas amplia a capacidade do Estado para a promoção de políticas públicas, comprovadamente, um forte fator de estímulo à atividade econômica. Afinal, o gasto público se transforma imediatamente em receita privada.
Para o bom alinhamento da tributação à política econômica pretendida, no entanto, cabe acrescentar a maior utilização dos instrumentos extrafiscais da tributação. O Imposto de Exportação pode ser aplicado sobre as exportações de commodities em períodos de sobrevalorização no mercado internacional, como forma de o Estado reter parcela do resultado da atividade num Fundo de Desenvolvimento industrial voltado à criação de cadeias produtivas e ampliação das já existentes.
A orientação na alocação dos recursos privados pode ser obtida pelo uso do princípio da seletividade do IPI ou pela criação de Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. Assim, é possível estabelecer uma política de sustentabilidade ambiental, utilizando esses instrumentos. A interferência do Estado na política monetária pode ser obtida pela definição das alíquotas do IOF.
Tão importante quanto a definição de um modelo de sistema tributário ideal para o país, considerando o estágio de desenvolvimento em que se encontra e ao qual se pretende chegar, é a definição da estratégia de como avançar na construção deste modelo. Assim, neste artigo, procuramos apontar uma proposta de caminho para implementação das propostas de modificações da legislação tributária com maior capacidade de alteração estrutural progressiva do sistema tributário, com baixo nível de dificuldade técnica legislativa, com enorme potencial de adesão popular e com menor volume de resistências.
Em síntese, entendemos que a reforma politicamente viável e socialmente desejável deva se iniciar pelos tributos da União, primeiramente com correções da tributação sobre a renda (IRPF, IRPJ e CSLL), incluindo a instituição do IGF, seguida por ajustes na tributação sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI e Cide) de forma a reduzir a regressividade do sistema. E somente a partir dessa nova configuração da tributação federal é que se partiria para uma reforma dos tributos dos entes subnacionais, com uma ampla discussão do pacto federativo.
Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.
Nas entrelinhas: Qual é o país que queremos?
Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense
O Correio Braziliense promove, hoje, o seminário Desafios 2023 — o Brasil que queremos, no auditório Alvorada do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, com transmissão ao vivo pelo site e pelas redes sociais. O encontro será aberto pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, às 14h, dando início a uma sequência de painéis: responsabilidade fiscal e responsabilidade social; retomada do crescimento e infraestrutura; educação e saúde. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles falará sobre a importância da credibilidade na economia, e o encerramento será feito pelo ex-presidente Michel Temer, um arguto observador da cena política.
O evento é oportuno porque existe um vazio de definições em relação à política do novo governo Lula, que assume o mandato num ambiente de contestação ao resultado das urnas e terra arrasada na gestão do presidente Jair Bolsonaro, até agora inconformado por não se reeleger. O fato é que o presidente Luiz Inácio lula da Silva foi eleito sem um programa de governo, com base na memória de seus dois mandatos e no próprio carisma. Entretanto, foi uma eleição difícil, apertada, que somada à indefinição programática faz com que as políticas do novo governo, principalmente nas áreas abordadas pelo seminário, estejam em disputa, dentro da aliança de forças democráticas que viabilizou a sua vitória, no segundo turno, e fora, na sociedade.
O seminário será porta-voz de setores da sociedade que atuam nessas áreas. Dele participarão especialistas reconhecidos por seu conhecimento e atuação na respectiva área, como Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultoria; José Roberto Afonso, economista e um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal; Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, quanto à responsabilidade fiscal. Tony Volpon, estrategista da Wealth High Governance; Jorge Arbache, vice-presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), e Zeina Latif vão tratar da questão da infraestrutura, apontada por todos como um gargalo para a retomada do crescimento.
A questão social, dramática nos últimos anos, também está no foco do seminário. O tema da educação será tratado por Cláudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV; Celso Niskier, presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes); Raphael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da CNI e diretor-geral do Senai; Marcos Lisboa, economista e presidente do Insper.
O debate sobre a saúde, cujo pano de fundo é o caráter endêmico da covid-19 no Brasil, reunirá Humberto Costa, ex-ministro da Saúde; Paulo Rebello, presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado; e Igor Calvet, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
A questão social, dramática nos últimos anos, também está no foco do seminário. O tema da educação será tratado por Cláudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV; Celso Niskier, presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes); Raphael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da CNI e diretor-geral do Senai; Marcos Lisboa, economista e presidente do Insper.
O debate sobre a saúde, cujo pano de fundo é o caráter endêmico da covid-19 no Brasil, reunirá Humberto Costa, ex-ministro da Saúde; Paulo Rebello, presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado; e Igor Calvet, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
O contexto
Voltando ao contexto do seminário, é uma discussão com muitas dimensões. A primeira, obviamente, é política. Há uma evidente crise da democracia representativa, que se reflete na polarização direita versus esquerda e que leva à busca de soluções com apelo popular, que nem sempre são as melhores e, na maioria das vezes, têm fôlego muito curto. O debate em curso na Câmara sobre a PEC da Transição, por exemplo, ilustra as dificuldades para encontrar saídas robustas, consistentes e sustentáveis. Por isso mesmo, o debate não pode ficar confinado aos partidos políticos, cuja lógica de negociação mira muito os interesses particulares dos políticos. Infelizmente, o velho patrimonialismo oligárquico é a força dominante, porém dissimulada, nas negociações entre o novo governo Lula e o Congresso.
A segunda questão é a contradição entre a necessidade de controlar a inflação e, ao mesmo tempo, recuperar a capacidade de investimento em infraestrutura, que pressupõe a captação de recursos privados nacionais e estrangeiros, porque o Estado perdeu seu poder de investimento. Utilizar a inflação como um mecanismo de financiamento da infraestrutura, como já se fez no passado, como todos sabem, é a antessala da hiperinflação e da desorganização das atividades produtivas. Como desfazer esse nó?
A PEC da Transição pretende resolver o problema básico da sobrevivência das famílias em condição de miséria absoluta, mas não resolve o problema social que enfrentamos. Por exemplo, há uma lógica perversa subjacente às políticas de educação e de saúde pública, que se descolou da necessidade de manter um grande exército industrial de reserva, saudável e escolarizado. As alterações na estrutura produtiva, com os sistemas flexíveis, a inovação, as novas tecnologias e os novos materiais, além da crise ambiental, modificam profundamente a relação trabalho e capital. As duas questões precisam ser tratadas como valores universais para uma sociedade próspera e saudável.
O que defendem os "policiais antifascistas"
Made for minds*
Eles são um grupo heterogêneo, que congrega policiais na ativa e aposentados de diversas forças de segurança pública. Todos se reconhecem como progressistas e defendem pautas que costumam ser opostas ao status quo da categoria no Brasil. E já somam pelo menos 5 mil adeptos — com muitos outros simpatizantes, a julgar pela página mantida por eles no Facebook, que congrega 21 mil membros.
O movimento, batizado de Policiais Antifascismo, nasceu em 2016 em cidades do Nordeste, foi oficializado em evento realizado no Rio de Janeiro em 2017 e, a partir de 2018, espalhou-se pelo Brasil. Durante os quatro anos de governo Jair Bolsonaro, preocupou-se em demonstrar que o apoio às pautas de extrema direita não é consenso absoluto dentro das forças de segurança.
"Éramos 200 em 2016, hoje somos mais de 5 mil, graças à mobilização", diz o policial penal Abdael Ambruster, de São Paulo. Com 28 anos de carreira, ele é pós-graduado em segurança pública e direitos humanos e integra organizações de defesa dos direitos LGBT e de direitos humanos. "Ser um policial antifascismo é direcionar nossos esforços naquilo que diz o Alto Comissariado da ONU [para os Direitos Humanos]: um policial é, antes de tudo, um defensor dos direitos humanos", enfatiza.
"A gente só está seguindo os preceitos constitucionais de nosso país e os preceitos internacionais, apenas isso. Estamos trabalhando o óbvio. Nossa profissão, nossa razão de ser, é defender os direitos. E nosso sonho é trabalhar por um Brasil melhor e um mundo melhor."
O que querem
Datado de 2017, o manifesto que norteia as posições do grupo contém princípios que podem ser agrupados em cinco pontos. Eles defendem a desmilitarização da segurança pública, acreditando que todo policial deveria ter formação civil; pedem a reestruturação das forças policiais, com unificação de carreiras e revisão das hierarquias; são contra a narrativa de que há uma "guerra" contra o crime, por entenderem que isso não resolve o problema da violência — mas, sim, incentiva; argumentam que a criminalização das drogas é uma política de encarceramento em massa que vitima principalmente jovens negros; e ainda querem que policiais tenham direitos compatíveis com os de outros trabalhadores, como direito de greve e de livre associação.
Para o coronel aposentado da Polícia Militar de Alagoas, Luciano Antonio Silva, coordenador nacional do Policiais Antifascismo, o grupo se define como "um movimento progressista suprapartidário".
"Ser policial antifascismo é lutar contra o fascismo que existe na nossa sociedade, no Estado brasileiro e principalmente nas forças de segurança pública do Brasil. É valorizar os direitos fundamentais, os direitos sociais previstos na Constituição e em todo o ordenamento jurídico do país", afirma Silva. "É não aceitar ações fascistas por parte de integrantes das forças de segurança pública."
Ele resume a luta do grupo como algo em prol de uma segurança pública "mais democrática, mais comunitária e de aproximação junto ao cidadão". Diz que o brasileiro precisa ter respeito, e não medo, frente aos "operadores de segurança pública".
"Não concordamos com a frase errada e fora de lugar que tem sido propagada pelo atual presidente da República, que diz que 'bandido bom é bandido morto'. Em nosso país não existe pena de morte e todas as pessoas, sejam quais forem, devem ser submetidos à legislação, ao que prevê o Estado de direito", exemplifica.
"Precisamos rever muito a segurança pública no nosso país. Um dos conceitos fadados ao fracasso é a ideia de 'guerra às droga''. Isso resulta apenas na morte da população pobre, preta e periférica", argumenta Ambruster. "Mas levantar a bandeira dos direitos humanos dentro das instituições policiais, ainda mais com o avanço do bolsonarismo, é ser a voz dissonante, a voz que tentam abafar."
Tenente-coronel aposentado da Polícia Militar do estado de São Paulo, Adilson Paes de Souza diz que o chamado "policial antifascismo" é todo aquele "que é a favor do Estado democrático de direito, a favor de uma atuação policial cidadã, que trabalhe de forma correta, dentro dos limites da lei, sem preconceito ou discriminação".
Debate da pauta progressista
Souza é mestre em direitos humanos e doutor em psicologia e desenvolvimento humano — ambos os títulos conferidos pela Universidade de São Paulo — e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.
"É muito bom haver espaços onde policiais de várias corporações, de todo o Brasil, debatem uma pauta progressista. Desejo que haja mais grupos como esse, pois se constituem como verdadeiros fóruns do exercício da democracia", afirma Souza.
Historiador e policial civil no Rio Grande do Norte há 10 anos, Pedro Chê explica que o movimento parte do princípio "que não é polícia que resolve". E o faz a partir "de nosso lugar de fala bem específico". "Ser policial antifascismo é um estado de altruísmo e abnegação em algum sentido, porque você sabe que vai sofrer", comenta, ao citar o fato de estar "contra a corrente" dentro da instituição policial, onde impera "uma racionalidade perversa de produzir números de prisões".
"Temos de mudar para que o policial seja um defensor do Estado democrático de direito em todos os sentidos", resume Chê.
Policial civil licenciado, vereador em Porto Alegre e recém-eleito deputado estadual no Rio Grande do Sul, Leonel Radde diz que ser "policial antifascismo significa lutar contra a lógica autoritária racista, misógina, lgbtfóbica violenta que o fascismo representa". "É defender a democracia de fato, com a atuação policial como uma pessoa que cumpre a Constituição e as leis", sintetiza ele, que lançou recentemente o livro Manual do Policial Antifascista. Radde fez parte do movimento Policiais Antifascismo até 2020.
Pouca expectativa sobre novo governo Lula
A derrota de Bolsonaro na eleição, segundo Souza, não significou nenhuma mudança de postura quanto ao apoio às pautas do atual presidente entre a categoria dos policiais. "Os que reverberavam essa ideias, seguem na mesma", pontua. Ele não nutre expectativas de que o novo governo Luiz Inácio Lula da Silva irá implementar bandeiras do movimento. "Não tenho esperança. Mas espero estar errado e pagar para ver", diz.
Mesmo sendo filiado ao Partido dos Trabalhadores, Radde também não demonstra muita empolgação, até o momento, diante do novo governo. "Como policial que faz a luta antifascista, encaminhamos propostas e esperamos que tenham eco. Infelizmente, até o primeiro momento [a equipe de transição] não chamou a base dos policiais para o diálogo. Chamou a cúpula e pesquisadores. Isso é um sinal muito ruim", avalia.
Enquanto isso, ele diz que a função será "desarmar algumas bombas colocadas pelo Bolsonaro" dentro das instituições e lutar pela sua democratização.
Silva, por sua vez, acredita já ser perceptível, após as eleições, "uma mudança de comportamento de uma parcela dos operadores de segurança pública". "Há os que são fascistas, bolsonaristas… Esses não mudaram, porque é o seu jeito de ser. Mas há uma parcela que não aparecia por medo de sofrer perseguição e represálias, mas que não concorda com as ações dos policiais ditos como bolsonaristas. Esse pessoal começa a aparecer", contextualiza.
"Espero que a partir do ano que vem nossas propostas sejam debatidas, discutidas. Que haja um avanço na segurança pública", diz Silva.
Chê espera mudanças "a partir do momento em que o governo Lula disser qual é a mensagem" que deve ser a tônica para a segurança pública. "Tem a questão da revogação dos decretos [armamentistas, da gestão Bolsonaro]… A maioria dos policiais entende que mais armas nas ruas não beneficia. A horda bolsonarista é minoria [dentro das polícias]", diz.
Texto publicado originalmente no Made for minds*
O QG lulista contra as fake news
Folha UOL*
Ao assumir a assessoria jurídica da campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, este ano, o advogado Cristiano Zanin, que também defendeu Lula nos processos da Lava Jato, tinha uma preocupação: como enfrentar e brecar os ataques das redes digitais do presidente Jair Bolsonaro contra o candidato petista. A experiência de 2018 deixara clara a eficiência das redes bolsonaristas. Zanin, portanto, não tinha dúvida de que as redes seriam uma grande ameaça a Lula, pois era claro que os adversários usariam perfis espalhados por várias plataformas para propagar notícias falsas, criar terror entre os eleitores e, principalmente, reforçar o fato de o ex-presidente ter sido condenado e preso, embora o advogado tivesse conseguido reverter todas as 26 condenações.
Zanin estava convicto de que somente o trabalho jurídico não daria conta de vencer o ataque digital. Para enfrentar a guerra em condições de igualdade era preciso mais: montar um contra-ataque mais eficiente do que a ação do adversário.
Discretamente, como é do seu feitio, o advogado foi buscar para essa tarefa aquele que não apenas tinha um grande conhecimento em estratégia de redes sociais mas, ainda por cima, conhecia o modus operandi do adversário, por ter trabalhado com ele na eleição anterior. Tratava-se de Marcos Carvalho, estrategista em marketing digital e presidente da agência AM4, responsável pela bem-sucedida campanha digital de Bolsonaro em 2018. Logo após a eleição, contudo, Carvalho foi defenestrado pelo então presidente que ajudara a eleger em razão do ciúme que Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, tinha do profissional.
Carvalho entrou para a campanha de Lula logo no começo de agosto. Após conversas com Zanin, os dois decidiram montar uma sala de monitoramento de redes sociais. Zanin e Carvalho passaram a trabalhar em permanente parceria. O advogado sabia que, para poder agir, entrando com ações rápidas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra os ataques digitais das redes bolsonaristas, teria que estar muito bem amparado por informações que comprovassem a disseminação de conteúdos falsos – algo que já vinha ocorrendo antes mesmo do início da campanha.
O quartel-general petista contra fake news foi instalado numa sala no terceiro andar de um prédio na Rua Padre João Manuel, nos Jardins, em São Paulo, onde, coincidentemente, funcionam tanto o escritório do advogado quanto o do marqueteiro. Na sala havia apenas uma grande mesa retangular ao centro e cinquenta monitores cobrindo uma parede inteira. Por meio deles, dez analistas da empresa de Carvalho acompanhavam, minuto a minuto, o que era disseminado em páginas e perfis de seguidores do presidente na internet. “Essa tela fazia o raio X das redes para entender o que estava acontecendo”, contou Zanin, por telefone, no dia 28 de outubro, enquanto seguia de carro para o estúdio da Globo, no Rio de Janeiro, onde se daria o último debate entre Bolsonaro e Lula.
Zanin acabara de chegar de Brasília para acompanhar o debate, após passar a madrugada e a manhã daquele dia entrando com os últimos recursos no TSE para barrar nova leva de postagens de notícias falsas contra Lula. E contou, entusiasmado, como se deu o trabalho para enfrentar o exército digital do adversário.
“Montamos uma sala de altíssima tecnologia com expertise de quem tinha passado pela eleição de 2018”, disse. “Toda essa experiência se somou a outros profissionais que também nos deram suporte relevante.” E detalhou: “Foi um conjunto de advogados e experts na área de estratégia digital que nos permitiu ter a compreensão de como funcionava esse sistema e contra-atacá-lo na sua essência, notadamente na produção de material falso.”
Monitorando o que estava bombando nas redes adversárias, os advogados entravam com pedido de liminar junto ao TSE e com ações junto às plataformas denunciando a disseminação de fake news. Com base nas liminares concedidas pelo TSE, a equipe jurídica conseguia a desmonetização nas plataformas, como Twitter, YouTube, TikTok e Instagram – ou seja, cortavam os recursos financeiros –, das páginas que distribuíam conteúdo falso. “Ao se desmonetizar esses canais, cortou-se na raiz boa parte da produção de fake news”, disse Zanin. “Elas não deixaram de existir, mas foi uma providência muito importante que teve um impacto significativo nesse ecossistema de desinformação.”
Proibidos de receber remuneração pela reprodução de material falso, para serem difundidos por vários perfis, os produtores desse tipo de conteúdo viram seu financiamento secar, principalmente no YouTube. Financeiramente, já não compensava seguir adiante com as fake news.
Os escritórios de Cristiano Zanin e de Eugênio Aragão entraram com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral contra propagadores de informações falsas. A decisão do TSE puniu perfis como os de Carlos, Eduardo e Flávio Bolsonaro, filhos do presidente; Kim Paim, youtuber bolsonarista; Nikolas Ferreira, vereador por Belo Horizonte e deputado federal eleito; Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e candidato a deputado federal; o influenciador Leandro Ruschel; o youtuber Bernardo Küster; o jornal Gazeta do Povo; Filipe Martins, assessor internacional do presidente; Terra Brasil Notícias; o perfil @Patriotas; as deputadas Carla Zambelli e Bia Kicis. De acordo com a ação, esses perfis acumulavam milhões de seguidores apenas no Twitter, sem considerar as demais plataformas. O monitoramento mostrou que só em julho esses perfis publicaram 434 tuítes associando o PT ao PCC e à morte de Celso Daniel. Em agosto foram 103; em setembro 101, caindo para 34 em outubro graças às ações dos analistas e advogados da campanha de Lula.
De acordo com Zanin, a narrativa de associar Lula ao crime não nasceu organicamente, mas fez parte da estratégia final da campanha de Bolsonaro. Entre o dia do debate e a véspera do primeiro turno, segundo apurou o site de checagem Aos Fatos, Bolsonaro atribuiu a Lula a pecha de criminoso em ao menos 34 ocasiões. Antes dos conteúdos serem retirados, a desinformação já havia chegado a 1,7 milhão de pessoas apenas no YouTube da Jovem Pan e alcançado 38 grupos de WhatsApp e Telegram monitorados.
Zanin explicou que o trabalho conjunto do seu escritório – que trabalhou na defesa de Lula desde o início da Lava Jato – e o de Aragão, que já tinha tido experiência com o enfrentamento de fake news nas eleições de 2018, ajudou muito no contra-ataque deste ano. “Essa visão multidisciplinar que usamos na defesa de Lula na Lava Jato foi levada para essa equipe conjunta”, disse. “Um dos aspectos que sempre nos intrigou foi como fazer um combate às fake news, que foi um problema em 2018 e que seria também nestas eleições.” O TSE, disse ele, já tinha sinalizado que essa era uma grande preocupação para a campanha de 2022.
O que mudou em relação a 2018 foi que os advogados perceberam que, além da parte jurídica, precisariam de suporte da parte digital, o que não ocorreu na eleição passada. Era necessário que tivessem com eles uma expertise em redes sociais. “Conversando com o Marcos Carvalho, surgiu esse trabalho comum”, disse Zanin. “Ele nos subsidiou com muitos dados das redes que foram importantes para ganharmos essa guerra.” A equipe de Carvalho, segundo Zanin, acompanhava com precisão não só o que circulava de notícias falsas e desinformação. Mas permitiu traçar um caminho de como essas fake news estavam se reproduzindo e quais os perfis que estavam sendo relevantes na produção e disseminação da desinformação. “A gente tinha ali movimento permanente, desde o início da campanha. Era um trabalho multidisciplinar para se acompanhar o caminho de circulação das fake news e, dessa forma, nortear uma atuação estratégica para combatê-las.”
Explicou que esse norteamento era importante porque não adiantava levar ao tribunal qualquer assunto e qualquer perfil. Precisava estar tudo muito comprovado. “Na reta final, o resultado desse trabalho com o Marcos e outros profissionais nos permitiu mapear a cadeia organizada de perfis que produzem e disseminam fake news montando, assim, o ecossistema de desinformação que serviu para a ação de investigação eleitoral.” Com esse mapa da desinformação, o TSE mandou desmonetizar vários sites que atuavam na produção de conteúdo falso.
O dia a dia da caça às fake news era tenso. Os escritórios recebiam as informações dos analistas e entravam imediatamente com representação no tribunal para derrubar o material falso. Descobriram que vários perfis tinham os mesmos atores envolvidos, e isso chamava a atenção. Perceberam, assim, que não era algo casual e circunstancial. Era, na verdade, um modelo de operação, produção e divulgação de notícias falsas, que resultou na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) movida pelos escritórios de advocacia contra a campanha de Bolsonaro. De acordo com Zanin, a campanha de Lula ganhou dezenas de ações que derrubaram um número infindável de links e perfis do presidente, de seus filhos e apoiadores. Levantou-se um conjunto de teses bolsonaristas que foram declaradas falsas pelo TSE, tais como ligações com o crime organizado, aborto, banheiro unissex. Todas elas eram replicadas da mesma forma por uma rede de apoio a Bolsonaro.
Essa estratégia por parte da campanha petista falhou em 2018 porque havia dificuldade de se fazer uma cadeia probatória. Havia uma certa limitação tecnológica para se compreender o modelo e atacá-lo com uma ação mais potente, que é essa AIJE. “A somatória de análises jurídicas junto com análise de estratégia digital ajudou na compreensão plena e na elaboração dessa ação que culminou na desmonetização dos perfis e das páginas.”
Zanin diz que é fundamental a modernização da advocacia. “Para ter ações na justiça com resultados é preciso uma cadeia probatória robusta. Se na parte digital não houver experts que deem um suporte para advocacia é muito difícil fazer frente e descobrir os ilícitos no mundo digital.” Para ele, cada vez mais a advocacia precisará ter uma visão multidisciplinar, contemplando vários ramos de direito, além de buscar suporte tecnológico.
O advogado está seguro de que o trabalho de rastrear o ecossistema das fake news, que teve a colaboração da pesquisadora Fernanda Sarkis, foi fundamental para desarmar Bolsonaro. Disse que houve uma reação grande da campanha adversária em razão da vitória que a campanha de Lula obteve nesse universo digital e que serviu para derrubar muito material espalhado pela rede que sustentava essas teses bolsonaristas baseadas na desinformação. “Eu não tenho dúvida de que as ações abalaram bastante a estrutura dessa rede de notícias falsas que sustentaram a campanha bolsonarista em 2018.”
O marqueteiro e estrategista digital Marcos Carvalho não esconde seu entusiasmo com o resultado da campanha. Não apenas por ter desmontado, em parte, a estrutura bolsonarista nas redes. Mas também por entender que, com isso, fez justiça de alguma forma ao amigo Gustavo Bebianno – personagem chave da campanha de Bolsonaro em 2018 que, após “ter dado o sangue” para eleger o capitão, foi escorraçado pelo presidente menos de dois meses após a eleição. Carvalho não esconde sua decepção: “Bolsonaro não é líder de nada. Para mim, ele é um mistério. Eu até entendo que uma pessoa com pouca instrução e baixa escolaridade virasse massa de manobra dele nas redes. Mas ver médicos, advogados, liderados por esse sujeito, isso é incompreensível para mim.”
Carvalho estava exultante também com o fato de ter trabalhado em duas campanhas vitoriosas seguidas: a de Bolsonaro em 2018, e a de Lula agora. Diz que a eleição de 2022 foi ganha no detalhe e cita alguns exemplos. “Os adversários não conseguiram emplacar nada muito forte nas redes porque nós conseguimos desarmar antes. A história da perseguição às igrejas foi forte. Mas não se sabe se em função das redes ou das igrejas evangélicas, que trabalharam dentro dos templos”, disse. “Eles não tiveram grande êxito porque desarmamos muitas bombas.”
Outro exemplo citado por ele foi a prisão de Roberto Jefferson, ponto de desgaste para Bolsonaro. Para tirar a notícia do foco, a campanha bolsonarista tentou criar um fato novo, o das rádios que não veiculam a propaganda eleitoral gratuita bolsonarista, mas cuja tese não se sustentou.
Outra iniciativa das redes bolsonaristas – que foi percebida e imediatamente comunicada a Zanin – foi a visita de Lula ao Complexo do Alemão, conjunto de favelas na Zona Norte carioca. Logo as telas da sala de “situação”, como ele se refere à sala de monitoramento de rede, captaram a mentira que vinha sendo espalhada nas redes: a de que Lula tinha tido apoio de traficantes para organizar o evento. Os advogados imediatamente entraram com ação no TSE. “Nós monitorávamos todo o tempo o que estava sendo mais difundido. Identificávamos a falsidade do material e avisávamos o Cristiano, que logo tomava uma medida judicial. Era assim que funcionávamos. Operamos de forma conjunta e muito ágil”, conta.
Outro caso captado pelo sistema de monitoramento foi o dos padres expulsos da Nicarágua – notícia utilizada pelas redes bolsonaristas para dizer que Lula faria o mesmo no Brasil. “Eles queriam induzir o eleitor ao erro. Percebemos o impulsionamento nas redes e nos perfis bolsonaristas, e os advogados trataram de desmontar judicialmente.” Junto a isso, as plataformas eram notificadas pela Justiça e orientadas a desmonetizar essas redes. Assim, elas perdiam a força na produção de conteúdo falso. Um momento tenso na sala de monitoramento foi a entrevista de Lula no Jornal Nacional chamando parte do agronegócio de fascista. “Os bolsonaristas se aproveitaram demais dessa fala. Foi muito ruim para a campanha petista”.
As cinquenta telas da sala de situação, de acordo com Carvalho, monitoravam várias personalidades políticas por estado e por região – tanto aliados e eleitores de Lula como os do campo adversário. Os influenciadores de direita, políticos e youtubers bolsonaristas eram permanentemente analisados. Na sala havia cinco sistemas diferentes combinados e, com essas plataformas, os analistas catalogavam os influenciadores e verificavam o peso e a influência social de cada um para saber quais precisavam ser mais acompanhados. Também monitoravam os vários influenciadores que estavam abaixo desses, mas que ajudavam a difundir a informação mais rapidamente.
Através dos monitores, eles também classificavam os assuntos mais difundidos nas redes bolsonaristas dentro de alguns campos temáticos e regionais, como os influenciadores de educação, economia, meio ambiente, religião. A internet não tem fronteiras, mas tem um tipo de impacto diferente se o influenciador está no Centro-Oeste, no Sul, no Nordeste. “A direita faz isso muito bem. Ela sabe como utilizar o assunto que interessa mais a cada região”, explicou. Além disso, asseverou, toda vez que havia alguém da família Bolsonaro republicando algo que o influenciador falava, a proporção da mensagem e seu alcance cresciam exponencialmente, além de ratificar a informação. Assim, era fundamental agir imediatamente para bloquear a disseminação do conteúdo.
Carvalho contou que a campanha deste ano foi muito mais desafiadora que a de 2018, quando ele atuou ao lado de Bolsonaro. “Diferente de 2018, não havia TikTok nem Kwai. O Kwai, inclusive, tem um perfil de consumo curioso: 70% do público dessas plataformas está no Nordeste.” Com isso, a campanha bolsonarista tentou, através delas, furar a bolha petista na região. “Talvez o trabalho mais importante foi criar um muro de contenção para evitar que furassem nossa bolha.” Mas o trabalho foi árduo. De acordo com Carvalho, o Auxílio Brasil ajudou muito a furar bolha petista no Nordeste porque havia muito conteúdo circulando por essas duas plataformas. O Kwai, explicou o marqueteiro, é semelhante ao TikTok, só que com um público mais popular. Por isso, o poder de penetração dessa plataforma na bolha petista era muito forte.
Através do Kwai, os bolsonaristas traziam para a realidade dessa população, basicamente preocupada com economia popular, temas como a ameaça de o Brasil virar uma Venezuela, comunismo, fechamento de igrejas e o clássico tema ideologia de gênero de Bolsonaro. “Eles passaram a circular essas informações falsas numa rede popular com penetração enorme nas classes menos favorecidas”, informou.
De acordo com Carvalho, a ação do Judiciário em conjunto com o trabalho dos especialistas em rede e mais a desmonetização dos sites que produzem conteúdo falso foram um importante antídoto contra a difusão das fake news. “A internet não é um mundo sem lei, um mundo do anonimato, embora as pessoas acreditem nisso”, afirmou. “O erro das campanhas em 2018 foi achar que só poderiam combater a desinformação na própria rede. Mas não é assim. Somos regidos pela Constituição do mesmo jeito que todos os outros serviços.” O pulo do gato do Cristiano Zanin, afirma Carvalho, foi juntar inteligência, monitoramento de rede e ação jurídica veloz. “Foi com esse tripé que ele derrotou o exército digital de Bolsonaro.”
Texto publicado originalmente na Folha UOL.
Atividades do Novembro Negro na UnB começam nesta segunda-feira (7/11)
Geledés*
A Universidade de Brasília (UnB) divulgou o calendário das atividades do Novembro Negro. A programação começa nesta segunda-feira (7/11) e termina no dia 30/11, como parte do calendário do Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro. As atividades são realizadas pelo AfroAtitude e a Coordenação Negra (CCN), da universidade, além do Coletivo Zora Hurston, de estudantes negros e negras.
Esta é a sexta edição do evento. As ações promovem debates e buscam dar visibilidade a temas relacionados à cultura e à resistência negra. Para iniciar a programação, entre os dias 7 e 11 de novembro, haverá a Mostra Competitiva de Cinema Negro, no Anfiteatro 10, do Instituto Central de Ciências (ICC).
Além disso, o evento deste ano também conta com sarau de poesia, cine debate e palestra. entre os temas, estão a consciência, o racismo estrutural, a participação política, a representatividade, além de tratar sobre políticas de enfrentamento ao preconceito.
Confira a programação completa:
Dia 7 a 11/11 (segunda a sexta-feira)
Mostra Competitiva de Cinema Negro Adélia Sampaio
Horário: 14h às 21h
Local: Anf. 10
Dia 14/11 (segunda-feira)
Cine Debate
Horário: 18h às 21h
Local: Anf. 9
Dia 17/11 (quinta-feira)
Sarau de Poesia
Horário: 18h às 21h
Local: Udefinho
Dia 16 a 18/11 (quarta a sexta-feira)
Negras Antropologias
Data e horário: 8h às 12h e 14h às 18h
Local: Sala de multiuso do Departamento de Antropologia
Dia 21/11 (segunda-feira)
Cine Debate
Horário: 18h às 21h
Local: Anf. 9
Dia 25/11 (sexta-feira)
Palestra “Educar para as Relações Étnico-Raciais, por que é tão difícil?”
Horário: 8h30 às 10h30
Local: Sala dos Papirus na Faculdade de Educação
Dia 25/11 (sexta-feira)
Colóquio “O inconsciente é interseccional? Psicanálise e crítica social a partir de Lélia
Gonzalez”
Horário de início e final: 15h às 18h
Local: Auditório do Programa de Pós Graduação em História (PPGHis): ICC Norte, subsolo,
Módulo 24
Dia 29/11 (terça-feira)
Palestra Rap e Vivência Negra
Horário: 16h às 18h
Local: CCN
Dia 30/11 (quarta-feira)
Apresentação de capoeira, maculelê e samba de roda
Horário: 12h às 14h
Local: Ceubinho
Texto publicado originalmente no portal Geledés.
Tensão, ofensas e bate-boca marcam último debate
Jean-Philip Struck | DW Brasil
Em desvantagem nas pesquisas e com risco de perder já no primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou nesta quinta-feira (29/09) uma postura de "vale tudo" no terceiro e último debate da campanha presidencial.
Já no primeiro bloco, o presidente se referiu a Luiz Inácio Lula da Silva como "presidiário" e "traidor da pátria", recorreu a teorias conspiratórias e chegou a gritar quando seu microfone estava desligado.
Lula, por sua vez, em contraste com seu desempenho discreto no primeiro debate, em 28 de agosto, reagiu e devolveu os ataques, mencionando as "rachadinhas" e as dezenas de compras suspeitas de imóveis pelo clã Bolsonaro, além dos escândalos na compra de vacinas e distribuição de verbas do Ministério da Educação.
Na saraivada inicial de ataques lançadas por Bolsonaro, até mesmo a TV Globo, organizadora do debate, foi alvo. "Eu acabei com a mamata da Rede Globo", disse o presidente, que chegou acompanhado ao debate com seu filho Carlos, que é apontado como o cérebro do "gabinete do ódio" bolsonarista.
Boa parte da troca de farpas entre o presidente de extrema direita e o social-democrata Lula ocorreu ainda no início do debate.
Curiosamente, Bolsonaro e Lula nunca se enfrentaram cara a cara. Todas os ataques e críticas ocorreram em direitos de resposta ou perguntas e respostas a outros candidatos. Pelo sorteio, apenas Bolsonaro teve a chance de dirigir uma pergunta a Lula, mas o presidente, em vez disso, escolheu questionar o nanico Felipe D’Avila (Novo). Já o petista não foi sorteado para dirigir perguntas a Bolsonaro.
O presidente também voltou a repetir mentiras de debates anteriores, como a afirmação de que não tem relação ou responsabilidade pelo "Orçamento Secreto" ou de que seu governo não atrasou a compra de vacinas.
O debate ocorreu poucas horas depois da divulgação de mais uma pesquisa Datafolha, que mostrou Lula com 14 pontos de vantagem sobre Bolsonaro e com o petista mantendo suas chances de vencer no primeiro turno.
Nas últimas semanas, Bolsonaro tem ameaçado não respeitar o resultado das urnas e reforçado ataques ao sistema eleitoral. No entanto, a postura golpista do presidente em relação ao processo democrático praticamente não foi abordada por seus rivais. Apenas a candidata Soraya Thronicke (União Brasil) questionou se o presidente pretende liderar um golpe caso seja derrotado, mas Bolsonaro se esquivou e a senadora não voltou a insistir no tema.
Ao longo do debate, os sete candidatos presentes também raramente seguiram os temas sorteados. Perguntas que deveriam ser, por exemplo, sobre segurança pública, viraram troca de acusações sobre distribuição de cargos no governo federal.
Interrupções e gritos também foram frequentes, com o mediador William Bonner não escondendo sua frustração com o comportamento de alguns presidenciáveis, especialmente o candidato nanico "Padre" Kelmon (PTB), que agiu como provocador e sistematicamente desrespeitou as regras no seu papel de "linha auxiliar" de Bolsonaro ao longo do debate.
Lula também chegou a perder a paciência com Kelmon e chamou o candidato do PTB de "fariseu" e "candidato laranja".
Ao longo do debate, foram pedidos 19 direitos de resposta – quase o dobro do embate anterior. Dez foram concedidos – quatro favoráveis a Lula, quatro a Bolsonaro, um a Soraya e um a Kelmon.
Houve tensão até mesmo entre os candidatos nanicos, que registram 1% ou nem pontuam nas pesquisas. Soraya e Kelmon protagonizaram outra briga da noite, com a senadora chamando o candidato do PTB de "padre de festa junina".
Simone Tebet (MDB), a exemplo do que havia ocorrido nos dois debates anteriores, direcionou críticas a Bolsonaro. Apagado ao longo do embate, Ciro Gomes (PDT) apostou mais uma vez em distribuir críticas tanto a Lula quanto a Bolsonaro. Felipe D'Avila (Novo), outro candidato nanico, preferiu direcionar ataques a Lula, mostrando convergência com Bolsonaro em diversas oportunidades.
Foram mais de três horas de debate. A tensão só começou a esfriar no quarto bloco, quando o debate já entrava na madrugada. Nessa etapa, Bolsonaro aproveitou para pedir votos a aliados e outros candidatos trocaram apenas perguntas burocráticas.
Bolsonaro ataca, Lula reage
"Nós não podemos continuar no país da roubalheira", disse Bolsonaro em uma pergunta dirigida ao aliado Kelmon, na primeira dobradinha da noite com o autoproclamado padre. O presidente também disse que o petista montou uma "quadrilha".
Lula reagiu. Ao ter um pedido de resposta atendido, Lula mencionou uma série de suspeitas que pairam sobre Bolsonaro, incluindo as acusações de roubo de salários de assessores que envolvem seu clã político e as dezenas de compras suspeitas de imóveis desde os anos 1990. "O presidente quando aparecer aqui, por favor, minta menos", disse Lula.
"Num debate entre pessoas que querem ser Presidente da República, o atual presidente tivesse um mínimo de honestidade. O mínimo de seriedade. Ele falar que eu montei quadrilha? Com a quadrilha da rachadinha dele que ele decretou sigilo de cem anos, com a rachadinha da família, sabe, do Ministério da Educação? Com barras de ouro? Ele falar de quadrilha comigo? Ele precisava se olhar no espelho e saber o que está acontecendo no governo dele", disse Lula.
"Mentiroso, ex-presidiário, traidor da pátria", rebateu Bolsonaro ao obter outro direito de resposta. "Que rachadinha? Rachadinha é os teus filhos roubando milhões. Tome vergonha na cara, Lula". Bolsonaro ainda afirmou que faz "um governo limpo, sem corrupção", embora sua administração tenha registrado diversos escândalos, como a "farra dos pastores" no MEC e acusações de propina da compra de vacinas.
Na sequência, foi a vez de Lula mencionar a série de sigilos de um século que o governo Bolsonaro decretou nos últimos quatro anos. "É uma insanidade um presidente da República vir aqui e dizer o que ele fala com a maior desfaçatez. É por isso que no dia 2 de outubro o povo vai te mandar para casa. E eu vou fazer um decreto acabando com o seu sigilo de 100 anos para saber o que tanto você quer esconder", disse Lula.
Fugindo de questionar Lula diretamente na escolha de adversários, Bolsonaro tentou usar outros candidatos para lançar ataques ao petista. Um deles foi Felipe D'Avila, do Novo. Bolsonaro questionou o liberal sobre se ele ficaria preocupado "se o governo cair na mão da esquerda". D'Avila prontamente aceitou fazer tabelinha com o presidente, criticando Lula e o PT.
O presidente tentou repetir a tática com Simone Tebet, trazendo o tema Celso Daniel para o debate. O assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) em 2002 é um tema que costuma ser explorado em círculos conspiracionistas de direita, que 20 anos depois ainda promovem acusações de que a cúpula do PT teve relação com o crime – algo descartado nas investigações.
Tebet, no entanto, não mordeu a isca lançada por Bolsonaro, e lançou uma provocação: "Falta ao senhor coragem para perguntar isso ao candidato do PT, que, segundo você, está envolvido no caso. Ele está aqui. Por que não pergunta a ele?".
A fala de Bolsonaro levou a um novo pedido de resposta de Lula. "Não é possível conviver com alguém com a cara de pau", disse o ex-presidente. "O Celso Daniel era meu amigo e foi o melhor gestor público que esse país já teve. A Polícia Civil e o MP já deram por encerrado [o caso], decidiram que é crime comum. Eu procurei o Fernando Henrique Cardoso e pedi para ele procurar a Polícia Federal, e você vem culpar o Lula pela morte de Celso Daniel? Seja responsável. Você tem uma filha de dez anos vendo o programa que você está fazendo, pare de mentir, o povo não suporta mais".
"Padre de festa junina" tumultua debate e irrita candidatos
Substituto do ex-deputado de extrema direita Roberto Jefferson, que teve sua candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, "padre" Kelmon tumultuou o debate em diversas oportunidades, evitando sistematicamente seguir as regras e lançando provocações para outros presidenciáveis.
Descrevendo todos os adversários de Bolsonaro como membros da "esquerda" – inclusive o liberal D'Avila –, Kelmon explicitou sua dobradinha com o presidente ao repetir, a exemplo do debate anterior, que o encontro consistia um "cinco contra dois".
Kelmon protagonizou dois bate-bocas: com o ex-presidente Lula e com a senadora Soraya. A candidata do União Brasil chamou Kelmon – que se apresenta e se veste como sacerdote ortodoxo mesmo não pertencendo a nenhuma igreja de comunhão ortodoxa no Brasil – de "padre de festa junina" e de "cabo eleitoral de Bolsonaro". Ela ainda perguntou se ele "não tem medo de ir para o inferno".
"O senhor está parecendo mais o seu candidato, que é nem-nem: Nem estuda e nem trabalha. O senhor não estudou. E dizer mais, não deu extrema-unção (para vítimas da pandemia) porque o senhor é um padre de festa junina. Não sabe nem o que é direita ou esquerda. Não sabe!", afirmou Soraya. Sem esconder seu desprezo pelo candidato do PTB que insistia em provocações, Soraya errou diversas vezes o nome de Kelmon, chamando-o de "Kelvin" e "Kelson".
Em outro momento, Kelmon protagonizou um bate-boca com Lula, com o petista se irritando com o candidato do PTB. "O senhor é um descondenado. Não deveria nem estar aqui como candidato", disse o candidato do PTB ao petista.
Os microfones chegaram a ser cortados e as câmeras evitaram mostrar a discussão, mas era possível ouvir Lula ao fundo dirigindo críticas ríspidas ao adversário.
"Não dá para debater com uma pessoa que tem um comportamento de um fariseu e se veste de padre. Não dá. Ou você aprende a respeitar e fecha a boca quando alguém estiver falando", disse Lula, ao recuperar o microfone. Ele também chamou Kelmon de "candidato laranja" e de "impostor". O mediador do debate, o jornalista William Bonner, demonstrou exasperação com o comportamento do "padre", pedindo que ele se calasse e apontando que ele deveria se ater às regras do debate. "Candidato Kelmon, não consigo entender. O senhor compreendeu que tem regras o debate?", disse o jornalista.
Nas redes sociais, usuários criticaram a participação de Kelmon, questionando por que a legislação eleitoral permite que um candidato substituto que registra traço nas pesquisas possa participar dos debates.
Embates secundários
Ciro, que ficou apagado ao longo dos diversos embates ao longo do encontro, chegou a ter um momento com ares de acerto de contas com Lula no início do debate. Em uma pergunta dirigida ao petista, Ciro perguntou sobre o endividamento das famílias durante o governo do ex-presidente. "Ciro, estou achando você nervoso", provocou Lula na resposta. "Você saiu do governo porque quis ser candidato federal contra minha vontade. Eu queria que você fosse para o BNDES. Você viveu no período do meu governo no momento de maior conquista social desse país", disse Lula na resposta.
"O mais grave é que parece que o presidente Lula não quis aprender nada com as amargas lições que tomou. Não dá para aceitar esse tipo de nonsense de que não aconteceu nada [fazendo referência à corrupção]. Não dá para fazer de conta que não aconteceu. Esse paraíso que ele descreve quando vem aqui resultou na tragédia do Bolsonaro", rebateu Ciro, que nas últimas semanas tem multiplicado ataques a Lula e ao PT e feito acenos para o eleitorado de direita.
Nos ataques de Ciro ao PT, sobrou até mesmo para o cantor Caetano Veloso, que recentemente declarou que havia desistido de votar no pedetista e que passaria a apoiar Lula. "Se nós pegarmos artistas, cientistas, e tal, todo mundo passando pano, e juntando Caetano com Geddel para ficar em dois baianos, esse país está mergulhado num conchavo absolutamente mortal", disse Ciro, colocando na mesma cesta o cantor com o ex-ministro Geddel Vieira Lima, que foi flagrado escondendo R$ 51 milhões em espécie no caso do "bunker da propina" durante o governo Michel Temer.
Outro embate ocorreu entre Bolsonaro e a senadora Soraya. A candidata do União Brasil foi a única que questionou o presidente se ele pretende respeitar o resultado eleitoral caso seja derrotado. Bolsonaro evitou responder. A senadora ainda questionou o presidente se ele se vacinou. "Se o senhor se vacinou, qual foi a vacina e quantas doses?", perguntou a senadora.
Bolsonaro se esquivou novamente da pergunta e aproveitou para lançar ataques contra a senadora, lançando a acusação de que ela estaria insatisfeita com o governo por não ter conseguido emplacar aliados em cargos. "A senhora seria muito dócil comigo se eu tivesse atendido a senhora em todos os cargos que a senhora pediu para mim por ofício: Iphan, Ibama. O negócio da senhora gosta de cargos, deitar e rolar. Como não conseguiu, basicamente virou uma inimiga nossa", disse Bolsonaro.
Soraya reagiu e afirmou que seus indicados não foram efetivados porque não aceitaram ceder parte de seus salários, numa referência ao escândalo das rachadinhas que assombra a família Bolsonaro. "Dentro de apenas três cargos que eu pedi ajudar o meu Estado, consegui dois, mas eles (os indicados) não aceitaram fazer rachadinha", disse. Bolsonaro também acusou Soraya de ser uma "candidata laranja".
"Não sou candidata laranja, o senhor me respeite. Nem respondeu se tomou a vacina ou não, seu governo não é transparente. Saímos do seu governo porque o senhor não cumpriu as bandeiras que te elegeram", rebateu a senadora.
Matéria publicada originalmente no portal DW Brasil
Nas entrelinhas: A violência contra Vera Magalhães espreita todos nós
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Nossa colega Vera Magalhães, vítima de um ataque direto do presidente Jair Bolsonaro (PL) no debate dos presidenciáveis na Band e, agora, mais recentemente, de uma agressão verbal do deputado paulista Douglas Garcia (Republicanos) — que está sendo investigado pelo Ministério Público por suspeita de crime de stalking e dano emocional àquela profissional —, tornou-se uma espécie de símbolo do relacionamento oficial do atual governo com a imprensa.
Na verdade, as grosserias e agressões a jornalistas por parte de Bolsonaro e seus aliados ocorrem desde o começo do governo, tendo como cenário privilegiado o famoso cercadinho do Palácio da Alvorada, local utilizado pelo presidente para suas conversas com apoiadores e entrevistas quebra-queixo com os jornalistas credenciados na Presidência. E se reproduzem nas redes sociais.
No livro A Política como Vocação — na verdade uma palestra famosíssima, em 1918, na Universidade de Munique —, o sociólogo alemão Max Weber discorre longamente sobre as atividades dos jornalistas. Publicada um ano depois, a obra é um clássico da ciência política e referência para os estudantes de jornalismo, pois mostra que a profissão é inseparável da política.
Ao falar sobre os jornalistas, Weber dizia que somos uma espécie de “casta de párias” e, por isso, “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Com razão, afirmava que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte”, sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”.
É o que está acontecendo com Vera Magalhães, cujo texto contundente e sempre bem contextualizado se destaca entre os analistas políticos, além do fato de que faz parte de uma geração que transitou do jornalismo impresso para a comunicação multimídia com pleno êxito. Ela se tornou uma “persona” nas redes sociais, mas sua imagem não está descolada da personalidade, do talento e da vida pessoal, pois a sua coragem e firmeza como profissional e mulher independente fazem parte do éthos da profissão que escolheu. Como se sabe, antropologicamente falando, éthos é o conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento e da cultura de uma coletividade — ou seja, nossos valores, ideais e crenças.
Weber resumiu a ópera: “A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra aparentemente no mesmo pé de igualdade (…). Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders não suporiam facilmente”.
Àquela época, as mulheres ainda não eram a maioria na categoria, como agora, muitas das quais comandando as redações, como a diretora de Redação aqui do Correio, Ana Dubeux. Mesmo assim, essas observações são atualíssimas e servem para elas, principalmente as que estão em começo de carreira, que sofrem duplo preconceito, por serem jornalistas e mulheres.
Trabalho cercado de jovens jornalistas. Encanta-me a forma como encaram a profissão, com sede de verdade e coragem para enfrentar os desafios de uma atividade que passa por mudanças inimagináveis quando comecei minha carreira profissional, lá se vão mais de 50 anos.
Era digital
O tema da violência faz parte da vida dos jornais e do jornalismo. Não raro, os jornalistas são as vítimas, como aconteceu tantas vezes no Vietnã, no Afeganistão e, agora, na Ucrânia. Nos grotões do nosso país, ainda hoje, segundo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), são constantes as intimidações e os assassinatos de profissionais de imprensa.
Mas vivemos num mundo muito diferente daquele que Weber conheceu. Com a revolução digital, os meios de comunicação e os jornalistas perderam o monopólio da notícia. Ela chega pelo celular em tempo real, com imagens flagradas pelo cidadão comum — o “furo”, a notícia exclusiva no jargão das redações, nem sempre é nosso. Porém, mesmo assim, sua veracidade exige comprovação e ninguém apura as informações com mais precisão e processa as notícias com mais qualidade do que os jornalistas profissionais. A missão permanece a mesma; o contexto, os meios e as plataformas é que mudaram.
Somos diariamente desafiados a desnudar a verdade, confrontados por fake news, poderosos instrumentos de luta política, como foram os velhos panfletos apócrifos e publicações ficcionais, quase sempre contra o Estado democrático e/ou tratando os adversários como inimigos, muitas vezes jurados de morte.
Nessa guerra entre a verdade e as mentiras, os jornalistas são a infantaria da democracia, com a missão de desarmar seus inimigos. Não é uma empreitada fácil, porque o ambiente beligerante, que justifica essa analogia com a guerra, infelizmente hoje é uma triste realidade em nosso país — muito mais grave do que já era, porque há uma política oficial de promover a formação de milícias políticas, armadas até os dentes.
A propósito, a expressão monopólio da violência (gewaltmonopol des staates) foi cunhada por Weber, como atributo do Estado ocidental moderno — ou seja, o uso legítimo da força física dentro de um determinado território em defesa da sociedade. Esse poder de coerção é exercido pelo Estado por meio de seus agentes legítimos. Entretanto, para isso, é preciso um poder que os obrigue a respeitarem o contrato.
O Estado sozinho, absoluto, porém, não resolve o problema. É preciso garantir liberdade e direitos aos cidadãos. É aí que John Stuart Mill, no século XIX entra em cena em Sobre a Liberdade (1859): o Estado deve preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a tirania da maioria.
Tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros.
Deputado bolsonarista tenta intimidar Vera Magalhães e é expulso de debate
O deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos), candidato a deputado federal nestas eleições, foi expulso do debate realizado pelo UOL em parceira com a Folha de S.Paulo e a TV Cultura na noite desta terça-feira (13) após tentar intimidar a jornalista Vera Magalhães, que participou do evento.
Com celular em punho, o deputado, que faz parte da comitiva do ex-ministro e candidato Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi para cima da apresentadora afirmando que ela é "uma vergonha para o jornalismo" e questionando o valor do seu contrato de trabalho.
O ataque ocorreu poucos minutos após o debate ser encerrado. Garcia assistia ao evento na plateia ao lado direito e desceu do local para confrontar a jornalista. O apresentador Leão Serva, que mediava o debate, intercedeu e retirou o celular da mão do deputado, que começou a gritar "jonazistas", enquanto era retirado pelos seguranças.
Ameaça. No Twitter, Vera afirmou que irá registrar um boletim de ocorrência de ameaça contra Garcia. "Há centenas de testemunhas. Usou o convite no estafe de Tarcísio de Freitas no debate apenas para vir mentir e me acossar e ameaçar", escreveu.
A jornalista ainda questionou o candidato ao governo de São Paulo pelo Republicanos e ex-ministro da Infraestrutura, se ele concorda com a atitude do parlamentar. Segundo Vera, ela precisou sair escoltada do Memorial da América Latina, onde ocorreu o debate desta noite.
Repúdio de Tarcísio. Ao UOL, o ex-ministro criticou a postura do correligionário e ressaltou que este tipo de situação não pode acontecer. "Acho que não cabe nenhum tipo de agressão em momento nenhum. A gente tá aqui promovendo a democracia", pontuou.
Ele afirmou que não viu o momento em que Douglas Garcia foi para cima da jornalista: "Lamento, obviamente. A gente não tem conhecimento, tá lá dentro, não está vendo estas coisas acontecerem. Mas não é coisa para acontecer. A gente não pode ver estas coisas acontecendo".
Após a cobrança no Twitter, Vera contou que recebeu uma ligação de Tarcísio na qual ele se solidarizou com ela e afirmou que irá fazer uma declaração pública sobre o ocorrido. "Agradeço a ele pelo gesto e aguardo", disse Vera.
Sem credencial? Questionado se vai continuar mantendo o nome do deputado na lista de pessoas que recebem credencial para entrar no evento, o candidato disse que vai analisar a situação.
"Vamos avaliar. Porque veja, as pessoas às vezes são do partido, pedem para participar e a gente, por uma questão de deferência, permite. Mas não é para ter confusão", completou.
Deputado pediu desculpas a Tarcísio. Hoje pele manhã, Douglas Garcia anunciou, por meio de um vídeo publicado nas redes sociais, que registrou boletim de ocorrência contra a jornalista da TV Cultura.
Na publicação, o apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) pede desculpas a Tarcísio e mantém os ataques a Vera e à imprensa.
"Não me arrependo de absolutamente nada do que fiz hoje. Se é para pedir desculpas para alguém, não é para jornalista nenhum. Tenho que pedir desculpas ao Tarcísio. Eu sou adulto, Tarcísio é adulto, nós sabemos que essa questão de responsabilidade conjunta é uma coisa que a imprensa tenta incutir nas cabeças das pessoas", afirmou.
Ataques bolsonaristas. Vera tem sido alvo de bolsonaristas desde que fez uma pergunta ao presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o debate presidencial no fim de agosto e foi atacada por ele.
Durante o ato de 7 de Setembro no Rio de Janeiro, convocado por Bolsonaro e com presença dele, um grupo já havia pendurado um cartaz com a foto e ofensas à apresentadora em um trator.
Ato 'intolerável'. Nas redes sociais, a jornalista publicou um vídeo dos ataques de Garcia e disse que "não tem medo de homem que ameaça e intimida mulher". "Não tenho medo de homem público que usa o cargo para acossar a imprensa", escreveu.
Vera disse ainda que a atitude do deputado é "inaceitável, intolerável na democracia". "Não será um truculento, nem dois, que irão me intimidar a continuar fazendo meu trabalho. O deputado tem o meu contrato, porque o requereu. Mente reiteradamente. Agride mulher. Não vai me calar".
Participaram desta cobertura: Ana Paula Bimbati, Caê Vasconcelos, Isabela Aleixo, Felipe Pereira, Gabriela Vinhal, Gilvan Marques, Herculano Barreto Filho, Juliana Arreguy, Leonardo Martins, Lucas Borges Teixeira, Mariana Durães, Rafael Neves, Stella Borges, Wanderley Preite Sobrinho.
*Texto publicado originalmente no portal da UOL.