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Folha de S. Paulo: O PSDB vai mudar, será de centro e respeitará direita e esquerda, afirma Doria
Em Davos, governador paulista diz que partido precisa estar sintonizado com a população, e não com seu passado
Maria Cristina Frias e Luciana Coelho, da Folha de S. Paulo
O governador João Doria quer transformar o PSDB em um partido “de centro, com posições claras, que terá relações respeitosas com a esquerda e com a direita”. É esse o partido para chamar de “seu”, como já fez ao tomar posse no governo de São Paulo.
Doria, que está em Davos para participar da edição de 2019 do encontro do Fórum Econômico Mundial, cujo braço latino-americano São Paulo recebeu no ano passado, quando ele era prefeito, falou à Folha por 60 minutos. Tratou de seu projeto para fortalecer as polícias, de ampliar o ensino técnico no estado, de investimentos e privatizações —bandeiras da viagem. Também afirmou que tem como meta que São Paulo volte em 2020 a liderar o ranking do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, termômetro do ensino no país).
Acenou ao presidente Jair Bolsonaro, tomando o cuidado de dizer que apoia as medidas do governo que forem benéficas ao país.
Relutante em avaliar as primeiras três semanas do mandato do presidente a quem aplaudiu no palanque, afirmou que defende que as investigações a respeito das movimentações financeiras atípicas na conta do primogênito de Bolsonaro, Flávio, e de assessores continuem.
O senhor já deu seu apoio ao deputado Rodrigo Maia [para a sucessão na Câmara]...
E à reforma da Previdência também. Meu interesse é o Brasil, e eu sei a importância da reforma da Previdência para o país. Você vai ver nesses dias aqui [em Davos], como os investidores conscientes sabem da importância da reforma da Previdência. A reforma aprovada muda a história econômica do Brasil, abre as comportas para investimento estrangeiro no Brasil já neste ano, e isso vai se traduzir em emprego, renda e prosperidade de curto, médio e longo prazo.
O sr. se alinhou ao presidente Bolsonaro na campanha e tem dado apoio às propostas dele, sobretudo econômicas. Como avalia esse início e as questões que têm sido levantadas sobre os filhos?
Não tenho me manifestado sobre o tema dos filhos. Em relação ao governo, posso reafirmar que todas as medidas que forem positivas para o Brasil no plano econômico e no plano social e mesmo no institucional terão o nosso apoio. Não precisa nem de contrapartida, cargo, vantagem, benefício. Com o projeto do Paulo Guedes [ministro da Economia] —e ele tem cérebro e montou um bom time—, a economia brasileira vai andar. E quando você tem bom desempenho econômico, você tem um bom desempenho social atrelado a ele.
O sr. falou, ao tomar posse, em "o meu PSDB". O que vai acontecer com o partido?
Vai mudar. E vai mudar sem desprezar o passado, sem estigmatizar ninguém, respeitando aqueles que foram próceres do PSDB, dentre os quais eu destaco desde o [André Franco] Montoro, passando pelo Mario Covas, e destacando Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin, entre outros. Cada um cumpriu seu papel bem. Mas a partir de agora o PSDB vai estar sintonizado com a população, e não mais com seu passado. Vai estar sintonizado com o presente do país para garantir o seu futuro como partido político. Para isso ele não precisa renegar o seu passado, mas ele vai mudar. E será um partido de posições centrais, de centro.
Não de centro-direita?
Não. De centro. E terá relações respeitosas com a esquerda e com a direita, seja centro-direita, extrema direita, centro-esquerda, extrema esquerda. Um partido de diálogo mas com posições claras e bem definidas.
Quem vai ser o presidente do partido?
Não tenho problema de falar sobre isso, se eu fosse um tucano das antigas eu iria dizer "veja bem, é cedo", mas eu sou claro e objetivo. Nós estamos trabalhando para que o Bruno Araújo (PSDB-PE) possa ser eleito presidente nacional do PSDB. Ainda é deputado, mas termina seu mandato no dia 31, foi ministro de Estado, deputado federal, deputado estadual em Pernambuco. Ele vai ter tempo para se dedicar ao partido —entendo que ele não pode estar dividido entre o partido e a função executiva ou legislativa. E ele tem conhecimento, tem boa penetração no PSDB, é querido em todas as faixas e mantém um bom diálogo com os demais partidos.
O sr. disse recentemente que "se o bandido reagir, vai para o cemitério", o que preocupa o meio jurídico. O sr. não tem receio de atiçar uma atitude ilegal em parte dos policiais?
Não. Não tem nenhuma ilegalidade, pois há um protocolo a ser cumprido. Mas esse protocolo vai até o final. Quem tem de ter receio é o bandido, porque a partir de agora a ação da Polícia Civil e a Polícia Militar em São Paulo serão muito rigorosas. Não vai ter mais nenhuma situação que possa dar margem a quem quer que seja que possa haver negociação com facção criminosa. Em última instância, depois de imobilizado o bandido, receber voz de prisão, entre a vida de um policial e a de um bandido, a orientação do governador é que fiquemos com a vida dos policiais. Se ele reagir armado aos policiais que estão ali com ordem de prisão e mantiver essa reação, a orientação do governador é que ele seja abatido.
E investimento em inteligência?
Estamos fazendo, mas na Polícia Civil, e na polícia científica.
E em tecnologia, como o Detecta? Pode ser ampliado?
Pode e deve ser. Precisamos colocar mais câmeras na cidade. Nenhum criminoso gosta de ser filmado, porque ele pode ser preso assim. Por isso que quanto mais monitoramento colocarmos melhor, é um fator inibidor. São Paulo já tem os melhores índices de segurança do país, com 6,4 homicídios por 100 mil habitantes, e a média nacional nos estados é 30 por 100 mil.
A liberalização da posse de armas pode afetar esses índices negativamente?
À posse na residência eu sou favorável, desde que respeitados os critérios e a regulamentação.
O sr. defende como foi liberado ou como o ministro Sergio Moro defendia, com restrições?
Isso é relativo. Acho que ela foi aprovada razoavelmente. Agora, porte de arma é outra coisa, você precisa de um cuidado redobrado, você não pode ter, ainda que aprovado pela legislação, uma generalização. O porte de arma é algo que precisa ser tratado com muita atenção, porque da mesma maneira que ele pode proteger quem precisa ele pode desproteger alguém que possa ser vítima. Precisa ter um aprofundamento.
O sr. é contra ou a favor do porte?
Olha, não estou querendo ser tucano, mas é algo que precisa ser estudado. À posse, sou favorável.
Não creio, o sistema de segurança no estado será muito fortalecido. No caso de São Paulo, não acho que aumente o risco.
O sr. é candidato natural ao Planalto. Não seria importante marcar sua posição, por exemplo, em relação ao filho do presidente [Flávio Bolsonaro], que tem procurado se esquivar de investigações, que não tem respondido sobre essas movimentações atípicas?
Minha posição não é de fugir ao tema, é que as investigações prossigam. Não defendo que a investigação deixe de existir ou seja facilitada por serem filhos do presidente. Mas não vou fazer condenação prévia. Defendo que as investigações prossigam.
O sr. vai falar de concessões e privatizações aqui no Fórum?
Nós não vamos utilizar dinheiro público, exceto nas PPPs [parcerias público-privadas]. Todo o programa de desestatização do estado de São Paulo será financiado pelo setor privado, como o programa de ferrovias.
O programa de ferrovias é estimado em quanto?
Ainda não temos, está sendo avaliado. É o Alexandre Baldy, secretário de Transportes Metropolitanos, mas ele foi ministro das Cidades [que está tocando]. São trens intercidades ligando a cidade de São Paulo ao Vale do Paraíba e à região metropolitana de Campinas, além do Ferroanel. Tem também a hidrovia Tietê-Paraná, que será inteiramente privatizada. Tem alguns setores correlatos à hidrovia que já estão em mãos privadas. Também 23 aeroportos regionais. Há ainda ferrovias não licitadas, o Porto de São Sebastião...
O sr. acha possível viabilizar tudo isso em quatro anos?
A maior parte, sim. Não quero dizer todas, porque algumas circunstâncias fogem do controle, sobretudo se a economia brasileira crescer. Além disso, há o estímulo que já demos ao presidente Bolsonaro para a privatização do Porto de Santos, e ele concordou, na audiência da semana retrasada.
Privatizações foram uma promessa durante a sua gestão na Prefeitura de SP que ainda não deslanchou. Por que não avançou? Não compromete a sua apresentação de privatizações aos investidores aqui?
Não deslanchou, mas vai avançar. Porque não tinha história, nunca houve um programa de desestatização em nenhuma cidade brasileira. E uma das razões foi exatamente a indiferença no posicionamento político do ex-governador Márcio França, que dificultou as duas primeiras modelagens que estavam prontas, o Estádio do Pacaembu e o Ibirapuera, e demais parques depois de um périplo na Câmara Municipal, no Tribunal de Contas do Município. Foram liberados por eles. Agora, vamos facilitar, o que já estava acordado com o governador [Geraldo] Alckmin.
São Paulo tem as melhores qualificações de mão de obra para todos os setores, não só no ensino básico, médio e universitário, mas pelas escolas técnicas. Vamos ampliar. Essa é a meta do secretário Rossieli [Soares]. Em 2020, nosso objetivo é que São Paulo esteja liderando o Ideb, onde já foi líder, e depois perdeu a liderança. A meta dada a ele é que em 2020, queremos retomar a liderança.
Há secretários que foram ministros da gestão Temer que são "estrangeiros" em São Paulo. Eles vão precisar de um tempo para se aclimatar, para aprender?
Quem sabe, sabe. Tem equipe, ninguém faz nada sozinho.
Há planos de investimento em educação?
Sim, vamos investir em tecnologia.
E em formação de professores?
Também. Fizemos na prefeitura e vamos fazer no âmbito do estado.
Algo específico para enfrentar problemas como o absenteísmo de professores e evasão no ensino médio?Meritocracia. Há protocolo para isso. Não pode faltar sistematicamente, tem de atingir os índices do Ideb. Não tivemos greve na prefeitura na minha gestão nem na do Bruno [Covas]. Bônus permitem salto para bons professores, que não faltam, que permitem saltos no Ideb. É isso que o Rossieli vai fazer. Cursos técnicos serão uma das prioridades. São qualificantes para o emprego. No último ano, alunos saem empregados. São quase 300 mil [292 mil, segundo o Instituto Paula Souza].
Vai fazer, avançar em reforma da Previdência no estado, como Bruno Covas fez na prefeitura?
São Paulo já fez, em 2013, foi uma boa reforma. Onde ela poderá avançar, se avançar no plano federal: militares. Na idade da aposentadoria. Os policiais militares se aposentam muito cedo. Há policiais [que não estão mais na ativa] com muita qualidade. Eles estão na melhor idade, no melhor da sua capacidade e foram aposentados pela lei.
O sr. tem alguma ideia de trazer essas pessoas de volta?
Como o sistema previdenciário em São Paulo está relativamente em ordem, isso não desprezível, mas não é prioridade para nós. Vamos esperar o plano federal.
O sr. tem reunido governadores em torno desse tema...
Vejo com muito otimismo a reforma da Previdência [pelo Congresso Nacional]. A liderança dos governadores, de uma boa parte deles, é de liderar suas bancadas para votarem a favor da Previdência. Óbvio que não conhecemos toda a reforma elaborada pelo deputado Rogério Marinho, que foi muito competente na reforma trabalhista.
O Globo: Em Davos, Moro fala sobre corrupção mas evita comentar caso Queiroz
Ministro da Justiça rejeitou a ideia de que o governo Bolsonaro possa fazer populismo sobre o assunto
Por Assis Moreira, de O Globo
DAVOS, SUÍÇA — O ministro da Justiça, Sergio Moro, rejeitou nesta terça-feira eventual percepção de que o governo Jair Bolsonaro pode fazer populismo sobre corrupção e defendeu um pacto empresarial no Brasil contra subornos. Em sua primeira participação no Fórum de Davos, na sessão sobre como empresas, governos e sociedade civil podem restaurar a integridade e confiança nas lideranças, Moro foi incisivo ao criticar a cultura da corrupção no Brasil.
No debate, o professor suíço Mark Pieth, que participa de ações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contra suborno, disse que sentia um certo desconforto com governos populistas que acenam com a bandeira de combate à corrupção e, uma vez eleitos, não fazem nada contra, decepcionando os eleitores. Ele citou como exemplo Silvio Berlusconi, da Itália.
A representante de Transparência Internacional, Delia Ferreira Rubio, acrescentou que "'populistas tomam a narrativa da corrupção, mas não tem uma agenda real, só o discurso contra a corrupção". No debate, Moro observou que a situação com Berlusconi era diferente, porque ele sequer respeitava a separação de poderes e estava envolvido em muitos casos.
Caso Queiroz
Mais tarde, ao ser indagado sobre o risco de o governo Bolsonaro ser afetado por investigações em torno de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flavio Bolsonaro, o ministro foi incisivo.
— O governo tem discurso forte contra a corrupção e vem adotando práticas sobre algo que não foi feito em 30 anos no Brasil, que é não vender posições ministeriais na barganha pelo poder. E nomeou pessoas técnicas. O compromisso do governo é forte contra a corrupção— disse Moro.
Sobre o caso Queiroz, Moro retrucou:
— Não me cabe comentar sobre isso, mas as instituições estão funcionando.
Em sua participação no debate, Moro destacou que o Brasil é um bom exemplo de como a corrupção generalizada mina a confiança. Ele relatou que pagar propinas tinha se tornado um comportamento normal e que os envolvidos costumavam dizer que era a "regra do jogo". Moro destacou também que o Brasil tem tradição de impunidade contra corrupção. Mas algo mudou no Brasil, segundo ele.
— Mas precisamos de uma reforma geral para reduzir incentivos à corrupção.
Segundo o ministro, setor privado precisa se unir para evitar irregularidades.
— A corrupção generalizada foi ruim não apenas para a confiança pública, como também minou a competição leal no mercado — apontou o ministro. — Empresas pagaram propina para obter vantagens em contratos públicos. O setor público tem grande responsabilidade nisso. E o setor privado deve também se unir para censurar os que tomam passos errados— afirmou.
Moro mencionou iniciativa na Sicília quando um grupo de empresas se uniu para recusar pagamentos à Máfia.
—Talvez algo assim poderia funcionar no Brasil, para assegurar concorrência leal — disse.
Indagado se apresentaria algo nesse sentido, Moro confirmou o interesse em impulsionar "um pacto empresarial contra a corrupção". Ele ressalvou que pode estimular, pelo discurso, mas não há plano concreto ainda sobre como o governo pode levar a iniciativa adiante.
Participantes do debate em Davos destacaram a importância da tecnologia para denunciar subornos. O sentimento geral é de que a transparência nos setores público e privado é essencial na luta contra a corrupção.
Rubens Barbosa: Prioridades da diplomacia nos primeiros cem dias
Repetindo promessas de campanha, medidas de política externa não surgem como surpresa
De acordo com o texto que teria sido apresentado em reunião ministerial, as propostas feitas pelo ministro Ernesto Araújo para os primeiros cem dias do governo Bolsonaro foram:
1) Visita do presidente Bolsonaro aos EUA e lançamento das bases de Acordo de Parceria Brasil-EUA ou instrumento similar, que incluirá o lançamento de um acordo comercial, bem como entendimentos em segurança, tecnologia e defesa;
2) visita do presidente Bolsonaro a Israel, com a criação de parcerias em segurança, tecnologia e defesa;
3) início do processo e revisão do Mercosul para aperfeiçoamento de instrumentos favoráveis ao setor produtivo, redução tarifária e dinamização da agenda externa;
4) retorno ao modelo de passaporte com o Brasão da República;
5) implementar a isenção unilateral de vistos para cidadãos norte-americanos e canadenses;
6) realização de auditorias nas embaixadas brasileiras que possam ter sido instrumentos de desvios durante os governos do PT.
Repetindo promessas de campanha e declarações depois das eleições, as medidas não surgem como uma surpresa. São prioridades genéricas que precisam ser trabalhadas para que se transformem em diretrizes para a ação diplomática.
A aproximação com os EUA pode ser um elemento muito positivo para o Brasil, caso siga uma agenda clara de defesa de nossos interesses. Espera-se que na viagem presidencial os temas do ingresso do Brasil na OCDE, o Acordo de Salvaguarda Tecnológica, que permitirá a utilização comercial do Centro de Lançamentos de Satélites de Alcântara, e o de bitributação sejam tratados positivamente e aprovados pelo governo de Washington. Alinhamento automático, base militar americana no Brasil, associação à Otan não são de nosso interesse.
Quanto às bases de acordo comercial bilateral, ainda não está clara qual a diretriz do governo brasileiro: flexibilizar as regras do Mercosul para permitir uma negociação bilateral? Os EUA certamente proporão que eventual negociação terá como modelo o acordo com o México e o Canadá. Estará o Brasil preparado para aceitar as condições impostas a esses países, não só quanto ao acesso ao mercado agrícola, mas também às regras (propriedade intelectual, investimento)?
Com relação à visita a Israel, o principal objetivo é ampliar a cooperação também em tecnologia, segurança e defesa. Não há uma diretriz em relação à transferência da embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém, anunciada como definitiva pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, durante a posse do presidente Bolsonaro. Caso efetivada, apesar das manifestações de cautela de altos assessores presidenciais (militares), e de preocupação da Câmara de Comércio Brasil-Países Árabes e da própria Liga Árabe, será consumada uma das uma das maiores quebras na atuação da política externa brasileira. Desde 1947, quando nas Nações Unidas foi aprovada resolução criando o Estado de Israel e o Estado de Palestina, o Brasil defende a política de dois Estados para resolver o conflito na região, que ficaria superada.
O início do processo de revisão do Mercosul não poderá mais ser adiado. Criado em março de 1991, o grupo regional nunca sofreu um exame profundo da parte de seus membros. Como se farão o enxugamento e a flexibilização do bloco? Uma das formas para proceder a esse exercício seria a convocação de conferência diplomática, prevista no Protocolo de Ouro Preto, que criou a união aduaneira. Nessa oportunidade poderia ser discutida a ideia brasileira e argentina de modificar as regras vigentes de maneira a permitir negociações bilaterais para os novos acordos e reduzir os “penduricalhos” do Mercosul.
Três itens incluídos nas prioridades dos cem primeiros dias certamente despertarão controvérsia em maior ou menos grau. A abolição de vistos para cidadãos norte-americanos e canadenses passaria a ser permanente e seria uma decisão unilateral, sem reciprocidade, o que modificará a política seguida até aqui pelo Itamaraty, mas poderá facilitar o turismo. A realização de auditorias nas embaixadas brasileiras foi antecipada pelo ministro Ernesto Araújo ao declarar que iria examinar em detalhe a política ativa e altiva do governo Lula para apurar as falcatruas do ministro Celso Amorim. Certamente estarão sob escrutínio as embaixadas em Havana, Caracas, Lima, Quito, Bogotá e, na África, em Angola, Moçambique, Nigéria e República do Congo, países aos quais foram concedidos empréstimos do BNDES por influência política. O retorno ao modelo de passaporte do Mercosul, substituindo o Cruzeiro do Sul, será parte da revisão do grupo e terá repercussão entre os países-membros.
A visita do presidente Mauricio Macri ao Brasil na semana passada mostrou convergência de visões quanto a mudanças no Mercosul e à crise na Venezuela. Ficou claro que nas negociações comerciais em curso (com União Europeia, Canadá, Cingapura, Efta) o Mercosul continuará a negociar com uma única voz. Os novos entendimentos, contudo, passariam a ser conduzidos individualmente pelos membros do grupo. Com relação à Venezuela, sob liderança brasileira está em curso uma agressiva escalada retórica, mas não há indicação de “ações concretas” de como Bolsonaro “tudo fará para ajudar o povo venezuelano a voltar a viver em liberdade”.
Por outro lado, não foram ainda anunciadas as diretrizes e prioridades em relação aos organismos multilaterais e regionais. Tampouco se conhece a orientação do governo, entre outras, acerca das negociações comerciais (se permanecem no Itamaraty), da promoção comercial e do Brics, que se reunirá em nível presidencial no Brasil em novembro.
Espera-se que o ministro aplaque as dúvidas do vice presidente Hamilton Mourão, que teria sugerido: “Terá Ernesto condições de tocar e dizer o que é a política externa?”.
*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice)
El País: Bolsonaro viaja a Davos buscando suavizar imagem e apresentar um Brasil preparado para negócios
As ausências de Donald Trump e dos principais líderes europeus transformaram o líder nacional-populista que dirige a oitava economia do mundo na estrela do evento
Por Naiara Galarraga Gortázar, do El País
O novo Brasil promovido pelo ultradireitista Jair Bolsonaro escolheu a cúpula de Davos (Suíça) com a elite econômica e política para se apresentar ao mundo. O presidente que ganhou as eleições com um programa de liberalismo econômico e linha dura na segurança deixa por alguns dias Brasília para anunciar na Europa que “o Brasil está aberto aos negócios e investimentos sem viés ideológico”, como explicam em Brasília fontes do Ministério da Economia comandado por Paulo Guedes, a quem Bolsonaro deu amplos poderes.
As ausências de Donald Trump e dos principais líderes europeus transformaram o líder nacional-populista que dirige a oitava economia do mundo na estrela do evento. O militar da reserva, que elogiou abertamente repressores da ditadura, como o coronel Brilhante Ustra, pretende suavizar sua imagem no exterior. O capital adora seu programa econômico —a Bolsa de São Paulo é uma das que mais subiram no mundo todo no último semestre—, mas seu programa político, com desprezo pelo meio ambiente e duros ataques à oposição, gera inquietação.
A cúpula de Davos recebe mais uma vez um novo presidente que chega do Brasil tentando dissipar temores. O esquerdista Luiz Inácio Lula Da Silva foi em 2003 à reunião de cúpula da elite, mas depois de ter participado do Fórum Social Mundial (a “contracúpula” de Davos), em Porto Alegre. Em termos econômicos, o ex-sindicalista seguiu a cartilha mais ortodoxa, e foi presença habitual em Davos durante o auge dos países emergentes.
Bolsonaro, um paraquedista militar da reserva que destila palavras de ódio a gays, feministas e indígenas, tenta se apresentar como um parceiro que oferece segurança para se fazer negócios no Brasil, uma das economias mais protecionistas da região, que emerge de dois anos de recessão com um tímido crescimento.
O ultradireitista quer ser um novo parceiro nos negócios e na diplomacia. Está dando uma guinada radical com sua aproximação dos EUA e de Israel e seu distanciamento de tradicionais aliados regionais. O novo ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, trumpista e autor de um blog antiglobalista, que acompanha Bolsonaro na viagem à Suíça, encarna essa mudança. E, para defender sua cruzada contra a corrupção, Bolsonaro leva ainda o ministro da Justiça, Sérgio Moro, o juiz que condenou o ex-presidente Lula em primeira instância. Um herói ou vilão no Brasil, a depender do público que o olhe. Os quatro dias em que Bolsonaro passará em Davos afastarão momentaneamente o presidente das crescentes suspeitas de corrupção que cercam um de seus filhos, o senador eleito Flávio Bolsonaro.
O carro-chefe de Bolsonaro em Davos será o superministro Guedes. Este gestor de fundos de investimento formado na Universidade de Chicago não detalhou seus planos para impulsionar a cambaleante economia do Brasil desde que tomou posse, em 2 de janeiro. Em Davos, enfatizará que os três pilares de sua receita são reformar a previdência (que come 53% dos gastos públicos), acelerar as privatizações e concessões, e reduzir substancialmente o Estado. Sua intenção, segundo as fontes citadas, é anunciar na cidade alpina que o comércio exterior (exportações e importações) aumentará para 30% do PIB (dos 23% atuais) até o fim de seu mandato, em 2022, e que duplicará para 2% do PIB o investimento em pesquisa e desenvolvimento.
Uma parte significativa da vitória eleitoral de Bolsonaro se deve ao fato de ele ser percebido como um dos poucos políticos brasileiros livres da suspeita de corrupção. Mas as acusações contra Flávio, um de seus três filhos congressistas, estão se acumulando. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) descobriu dezenas de depósitos suspeitos em sua conta em 2017, totalizando 96.000 reais. Isso, revelado na sexta-feira pela TV Globo no Jornal Nacional, soma-se a outros pagamentos suspeitos recebidos por seu motorista e velho amigo da família, Fabrício Queiroz, que era alvo de uma investigação, agora suspensa por uma decisão liminar de um ministro do Supremo Tribunal Federal, a pedido do filho do presidente. Flávio, seu pai e Queiroz se declaram inocentes. E, para tentar evitar que o tema ofusque sua estreia internacional, Bolsonaro não deve oferecer uma coletiva de imprensa em Davos, que já estava prevista inicialmente, mas foi retirada do programa oficial, segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo —desde o início da crise envolvendo o ex-assessor de seu filho, a família Bolsonaro dá apenas entrevistas para veículos vistos como mais amistosos por sua gestão, algo que seria difícil de controlar em um evento com perguntas abertas na frente de todo o mundo.
Época: Em Davos, Bolsonaro defenderá agenda econômica liberal e evitará temas ambientais e de comportamento
Presidente brasileiro será a principal atração da manhã de quarta-feira (23) no evento anual que reúne poderosos, ricos e famosos
Por Eduardo Salgado e Cleide Carvalho. Colaboraram Martha Beck e Eliane oliveira
Status. Essa é a palavra que define o Fórum Econômico Mundial. Para participar do encontro que acontece anualmente em Davos, na Suíça, não basta ter dinheiro. O bilionário Donald Trump nunca tinha sido convidado para o evento antes de chegar à Casa Branca. Não basta ter uma presença dominante nos mercados em que atua. Representantes do grupo Odebrecht deixaram de ser bem-vindos depois de os escândalos de corrupção eclodirem. Ser convidado para passar quatro dias na estação de esqui no lugar que serviu de inspiração ao escritor Thomas Mann no livro A montanha mágica é um privilégio para cerca de 3 mil pessoas. Nenhum outro encontro anual consegue juntar tantos chefes de Estado, presidentes e executivos de grandes corporações mundiais, membros de famílias reais, representantes de ONGs e celebridades. Davos é o clube mais exclusivo do mundo. O rendez-vous deste ano será entre os dias 22 e 25 de janeiro.
Esse vai ser o palco para a estreia de Jair Bolsonaro na comunidade internacional, salvo algum cancelamento ou mudança de última hora. Na quarta-feira 23, o presidente brasileiro será a grande atração da parte da manhã. Ele deverá ser apresentado por Klaus Schwab, o presidente do Fórum, e terá pouco menos de 30 minutos para dizer a que veio. O tratamento é completamente diferente ao dado a Michel Temer no ano passado, quando falou para um pequeno grupo de empresários, a maioria do Brasil e de outros países da América Latina, e saiu assim como chegou, sem brilho. Bolsonaro vai ocupar o salão principal do evento, com capacidade para cerca de 1.000 pessoas. Num ambiente extremamente hierarquizado, essa distinção não é pouca coisa. Todos os que estão em Davos chegaram ao topo, mas há galhos mais embaixo e mais em cima. Chefes de Estado, presidentes de grandes corporações multinacionais e diretores de organismos internacionais são o nível mais alto. E o salão principal é para poucos entre eles. Foi ali que Xi Jinping falou, em 2017. No mesmo dia de sua apresentação solo no salão principal, Bolsonaro deverá participar de um jantar com foco em América Latina.
Um veterano de Davos disse que, desde a primeira participação de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, um presidente brasileiro não causava tamanha curiosidade. A expectativa é que Bolsonaro tenha casa lotada, ao contrário de Dilma Rousseff, que, em 2014, só encheu um terço das cadeiras.
Não deve ser ainda desta vez que Bolsonaro encontrará Trump, sua inspiração nas redes sociais e também no conteúdo dos discursos. Presente no ano passado, o presidente americano cancelou a participação neste ano em função da crise que enfrenta com o Congresso. Mas a lista de convidados já confirmados em Davos 2019 e que poderão ouvir Bolsonaro no salão principal ou pedir uma conversa reservada, as famosas conversas one-to-one, uma característica marcante do evento, inclui nomes como a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, o secretário-geral da ONU, António Guterres, a diretora do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde e o príncipe britânico William. Os efeitos dos quatro dias na Suíça não devem ser subestimados, na opinião de Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores dos dois mandatos de Lula e assíduo frequentador de Davos. “O evento é uma oportunidade de apresentar o país e manter contato com pessoas que realmente têm poder de decisão.”
O interesse despertado por Bolsonaro tem a ver com o Brasil e com ele próprio. O líder recém-eleito de uma das maiores economias do mundo, como o Brasil, que assume prometendo uma nova agenda econômica é sempre um chamariz. E o que Bolsonaro tem a dizer sobre economia é tudo o que a plateia de um dos maiores templos do liberalismo quer ouvir. Não é mera coincidência que a tarefa de escrever o discurso de Bolsonaro tenha caído, principalmente, nas mãos do ministro da Economia, Paulo Guedes, que também vai ao encontro. A decisão de Bolsonaro de ir a Davos teve a participação ativa de Guedes. Num almoço com o presidente e o ministro, João Doria, o governador de São Paulo, deu a ideia de Bolsonaro viajar para Davos. Diante da impressão entre os presentes de que o presidente não sabia do que se tratava, Guedes disse, sem vacilar, que Bolsonaro tinha de ir.
Guedes será a grande atração da edição deste ano do almoço realizado pelo banco Itaú Unibanco no Hotel Belvedere, um dos mais luxuosos da cidade. Se o programa for seguido à risca, Guedes falará em inglês com Mario Mesquita, economista-chefe do banco, e depois responderá a perguntas de alguns dos 70 convidados. “Há muita gente querendo saber o que vai acontecer no Brasil”, disse Ricardo Villela Marino, presidente do Conselho Estratégico da América Latina do Itaú Unibanco. Sergio Moro, ministro da Justiça, também vai e é outro com potencial de brilhar, só que nos debates sobre políticas de combate à corrupção.
Caso Bolsonaro decida se inspirar em seu chanceler, Ernesto Araújo, outro confirmado em Davos, para uma parte de seu discurso, a coisa pode degringolar. A última fala importante de Araújo, a de sua posse, juntou Raul Seixas com uma ave-maria em tupi e críticas ao que chama de globalismo — e deixou a comunidade internacional com vergonha alheia. É sempre bom lembrar que o tema do encontro deste ano é Globalização 4.0. Para evitar conflito, Bolsonaro deverá também evitar comentários sobre suas pautas ambiental, indígena e de comportamento. Entre os convidados já confirmados estão Marco Lambertini, diretor-geral do WWF Internacional, Jennifer Morgan, diretora executiva do Greenpeace, duas ONGs ambientais atacadas por bolsonaristas, e Kenneth Roth, diretor executivo da Human Rights Watch, ONG voltada para a defesa dos direitos humanos. Em alguns dos principais órgãos da imprensa internacional, e provavelmente no imaginário da plateia de Davos, Bolsonaro faz parte do time de populistas formado por Trump, Viktor Orbán — o primeiro-ministro da Hungria, que veio para a posse em Brasília — e o filipino Rodrigo Duterte. A não ser que haja mudanças de última hora, Bolsonaro deverá ser o único representante dessa turma. Por isso é bom não esperar reforço da retaguarda nas pautas fora da área econômica.
Christina Garsten, professora de antropologia da Universidade de Estocolmo, é uma das autoras do recém-lançado Discreet power — How the World Economic Forum shapes market agendas (Poder Discreto — Como o Fórum Econômico Mundial influencia as agendas das empresas, em tradução livre). Em sua avaliação, os populistas representam uma grande ameaça aos valores mais caros a Davos, de fortalecimento da democracia e das soluções baseadas na cooperação internacional. Entre os temas que Davos mais ajudou a colocar na agenda está a preservação ambiental, um dos alvos prediletos de Bolsonaro. “A estratégia do Fórum sempre foi convidar pessoas influentes para debater abertamente. Davos é uma oportunidade para Bolsonaro expor suas ideias, mas também é uma chance de outros líderes, presidentes de empresas e ONGs fazerem o presidente brasileiro pensar duas vezes antes de ir em frente com algumas de suas promessas de campanha”, disse Garsten. A esperança de muitos ambientalistas e defensores dos direitos das minorias é que a mágica da montanha funcione em Bolsonaro.
Bruno Boghossian: O abismo da política e o perigo dos governos zumbis
Trump e 'brexit' servem de alerta sobre os entraves às plataformas de campanha
O Reino Unido tem uma líder morta-viva, segundo a oposição. Theresa May continua no cargo de primeira-ministra, mas sofreu uma derrota humilhante em sua articulação para tirar o país da União Europeia. “Não há dúvida de que este é um governo zumbi”, disse Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista.
O impasse a que chegaram os britânicos e a paralisia provocada nos EUA pelo conflito sobre a construção do muro na fronteira com o México são exemplos práticos de choques de expectativas políticas.
May se tornou primeira-ministra depois da surpreendente votação a favor do “brexit”. Donald Trump ganhou tração entre os americanos com seu discurso anti-imigração. Os dois tomaram impulso nas urnas e tentaram um salto, mas havia um abismo entre a plataforma eleitoral e as medidas concretas.
Parecia decidido que o Reino Unido daria uma guinada em 2016, quando 51,9% dos eleitores decidiram que o país deveria deixar o bloco europeu. May assumiu o poder para implantar o processo de saída, mas não conseguiu entregar o produto.
Após dois anos de derrotas e embates com o Parlamento, a população se frustrou. Atualmente, 59% dos britânicos dizem que preferem ficar na UE, segundo pesquisa do YouGov.
Resultados eleitorais podem dar a governantes vitoriosos uma sensação prazerosa de onipotência, mas o duro trabalho de negociação e o próprio sistema de contrapesos da política costumam quebrar o encanto.
Trump emergiu da eleição como um líder improvável, mas popular. Agora, enfrenta a maior paralisia de serviços públicos da história dos EUA devido à recusa do Congresso em dar aval a uma de suas mais emblemáticas promessas de campanha: a construção do muro de US$ 5,7 bilhões entre o país e o México.
A vitória de Jair Bolsonaro foi comparada aos triunfos do “brexit” e de Trump, já que o brasileiro também explorou a plataforma de rejeição ao establishment para se eleger. Britânicos e americanos mostram que é preciso enfrentar o mundo da política.
Luiz Carlos Azedo: Um rolé em Davos
“A guinada ultraliberal do Brasil dividirá os holofotes com o Brexit, que está num beco sem saída, com a decisão do parlamento britânico contra acordo de saída da Inglaterra da União Europeia”
O presidente Jair Bolsonaro somente baterá o martelo sobre a proposta de reforma da Previdência da sua equipe econômica depois de reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, de 22 a 25 de janeiro. “Moldar a Arquitetura Global na Era da Quarta Revolução Industrial” é o tema do encontro, ou seja, a antítese do que propõe o novo chanceler brasileiro Ernesto Araújo, que é antiglobalista, para a nossa política externa. Durante cinco dias, 3.000 representantes das elites políticas e empresariais do planeta, incluindo 65 chefes de Estado e de governo, debaterão os problemas da atualidade. Bolsonaro estará no centro das atenções mundiais, ainda mais depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que não irá ao encontro.
A guinada ultraliberal do Brasil seria a novidade da reunião, mas terá que dividir os holofotes com o Brexit do Reino Unido, que está num beco sem saída, com a decisão acachapante de ontem do parlamento britânico contra acordo de saída da Inglaterra da União Europeia negociado pela primeira-ministra Theresa May. Criado em 1707, o mais antigo e poderoso corpo legislativo do mundo rejeitou o plano por 432 votos contra e 202 a favor. A primeira-ministra não tem um Plano B, porém, pelas regras do jogo, terá três dias para apresentá-lo.
Até lá, pode não sobreviver no cargo. O líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, anunciou uma moção de desconfiança contra a premiê, que pode ser aprovada ainda hoje. Em dezembro, por muito pouco, May não foi derrubada por uma moção de desconfiança do seu próprio partido, o Conservador. A decisão de sair da União Europeia foi tomada em plebiscito pelos britânicos, numa derrota catastrófica dos trabalhistas, mas na hora de implementá-la, os problemas começaram a se agigantar . Até alguns parlamentares conservadores já defendem um novo plebiscito, para voltar atrás e enterrar o Brexit.
A política antiglobalista na Europa entrou em colapso antes mesmo de ser levada à prática. Uma saída sem acordo significa que as leis da União Europeia deixariam de ser válidas na Inglaterra de uma hora para outra, imaginem o caos na economia britânica e na vida das pessoas, a começar pela situação nos aeroportos e no Canal de Mancha. A União Europeia lamenta a situação, mas não afrouxa as exigências do acordo.
Um dos assuntos polêmicos é a fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, que passa a ser a fronteira entre o Reino Unido e a UE dentro da ilha britânica. O Reino Unido e a Irlanda faziam parte de um mercado comum, a circulação de produtos e pessoas era livre entre os dois países. Com o Brexit, as duas Irlandas estarão sob regimes regulatórios diferentes, o que significa que mercadorias e pessoas teriam de ser checadas na fronteira. O acordo permitiria que a Irlanda do Norte continuasse alinhada a algumas regras aduaneiras da UE, para dispensar a necessidade de checagem na fronteira com a Irlanda, mas exigiria que alguns produtos vindos do restante do Reino Unido fossem submetidos a controles.
Os muros
Os britânicos que moram na UE e europeus que moram no Reino Unido poderiam continuar a trabalhar e a estudar onde tenham residência, além de poderem trazer consigo membros da sua família. Os dois lados teriam um prazo de 21 meses para acertarem um acordo quanto às trocas comerciais bilaterais. Finalmente, o Reino Unido teria de pagar até 39 bilhões de libras (cerca de R$ 190 bilhões) como compensação financeira à UE. O jogo duro é uma forma de defesa da ordem liberal mundial, que está em xeque por causa do Brexit e da política antiglobalista de Trump, com o recrudescimento do nacionalismo e do populismo em alguns países europeus.
Na sua primeira viagem internacional, Bolsonaro será acompanhado por Paulo Guedes (Economia), Sérgio Moro (Justiça) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores). Para o fundador do encontro, Klaus Schawab, há profunda instabilidade global. “Temos que definir uma nova abordagem da globalização, que é mais abrangente. A globalização produz vencedores e perdedores (…) Agora temos que cuidar dos perdedores, depois daqueles que foram deixados para trás”, avalia.
Trump despachará para Davos o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, o secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, e o secretário do Comércio dos EUA, Wilbur Ross. Como Tereza May, que também não deve ir a Davos, tropeçou nas próprias pernas, ao fazer da proposta de construção do muro na fronteira com o México o seu grande objetivo de governo. O Congresso não aprova e seu governo está paralisado.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-um-role-em-davos/
Dorrit Harazim: Sumiu o clima
A ausência do presidente americano rouba de Bolsonaro e Araújo, nossos estreantes em Davos, um escudo de peso
O presidente Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo talvez fiquem desapontados: ainda não será desta vez que haverão de conhecer o mito maior, Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos, emparedado na Casa Branca pelo impasse envolvendo a construção da prometida muralha mítica na fronteira com o México, anunciou que fará forfait em Davos. A paralisação do funcionamento da máquina do governo americano já entra em sua terceira semana, e nem Trump consegue edulcorar a dimensão da encrenca em curso.
Este ano, o Fórum Econômico Mundial começa no dia 22 de janeiro. Sempre no mesmo cenário alpino onde Thomas Mann, Nobel de Literatura de 1929, escreveu sua monumental “A montanha mágica”. Também como sempre, participará das centenas de mesas uma constelação de figurões de ponta da economia global, celebridades, ministros de Estado, chefes de governo, acadêmicos e ativistas. O encontro tem tantos defensores quanto adversários. Alguém já avisou a Jair Bolsonaro e Araújo que para o fundamentalista de direita Steve Bannon, cultuado como estrategista-mor da ascensão de Trump, a reunião anual desse “magma” é produto da treva? “A classe trabalhadora está cansada dos ditames do ‘partido de Davos’”, declarou o personagem em 2014.
A ausência do presidente americano rouba de nossos estreantes em Davos um escudo de peso. Pior, os deixam sós e soltos ao alcance de uma atrevida adolescente sueca de 16 anos, Greta Thunberg, que irrompeu no cenário mundial durante a 24ª Conferência da ONU sobre o Clima, em Katowice, Polônia, em dezembro, quando demonstrou saber se fazer ouvir.
De início, poucos entenderam o que fazia aquela criança de tranças Rapunzel, cara de bolacha e crachá pendurado no pescoço, sentada ao lado do secretário-geral das Nações Unidas. Ela foi uma das palestrantes. Seu discurso durou apenas quatro minutos, mas acordou os representantes de quase 200 países no plenário. Ninguém fez melhor em matéria de frescor, naturalidade e relevância não acadêmica. Vale a pena conferir na internet e redes sociais, onde Greta está por toda parte com sua cruzada pró justiça climática. Abaixo, um trecho do discurso em que a adolescente parecia ser o único adulto no salão:
“Não conseguiremos salvar o mundo jogando pelas regras do jogo. Porque essas regras precisam ser mudadas. Não viemos aqui implorar aos líderes mundiais que cuidem do nosso futuro. Eles nos ignoraram no passado e nos ignorarão novamente.
Viemos aqui para que eles saibam que a mudança está vindo, gostem ou não. As pessoas enfrentarão o desafio. E, como nossos líderes estão se comportando como crianças, teremos que assumir a responsabilidade que eles deveriam ter assumido há muito tempo.”
Greta havia saído do seu casulo numa segunda-feira de retorno às aulas na Suécia, em agosto passado. Em vez de fazer o caminho da escola onde cursa a nona série, porém, ela tomou assento num degrau à frente da sede do Parlamento no centro de Estocolmo, e empunhou um cartaz onde se lia “Greve escolar pelo clima”. Era uma greve de uma só pessoa, que se repetiria a cada semana até os congressistas votarem as medidas que prometeram cumprir pelo Acordo Climático de 2015 assinado em Paris.
Como na Suécia ir à escola é obrigatório, ela estava infringindo a lei, mas ninguém ousou detê-la, até porque os pais a apoiaram. Não tardou, e a ela se juntaram mais colegiais, a ativista caiu no gosto de cidadãos comuns, a hashtag #We Dont Have Time (maior rede de mídia social para ação climática) a adotou, e, dali para a frente, uma vez por semana, ginasianos em várias cidades do mundo se juntam à sua cruzada. Esta semana foram 3.500 em Bruxelas, outros tantos em Helsinque. “E se um milhão, dez milhões de crianças mostrassem ao mundo que a escola é inútil se não houver futuro?”, pergunta Greta através do movimento #FridaysForFuture.
Em pleno invernão europeu, ela viajará de carro até Davos (65 horas ida e volta de Estocolmo) por ojeriza ao combustível usado na aviação civil. É provável que ela chegue cheia de ideias para o futuro de sua geração. Mas talvez não esteja preparada para ouvir que no Brasil recém-inaugurado o clima sumiu. A palavra “clima “ sumiu de dois ministérios — o das Relações Exteriores e o do Meio Ambiente — junto com “mudanças climáticas” e “aquecimento global”. O país que tem a oitava maior economia do mundo e é o sexto mais populoso do planeta se sentará à mesa em Davos para discutir a Quarta Revolução Industrial cheio de ideias para o passado.