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Merval Pereira: O poder das Big Techs

O fato de os gigantes tecnológicos poderem se tornar mais poderosos política e economicamente que estados soberanos preocupa governos de todos os matizes ideológicos, da China aos Estados Unidos, passando pela Rússia e a União Européia. O presidente Vladimir Putin é um exemplo disto. Falando ontem no Fórum Econômico Mundial de Davos por videoconferência, ressaltou que a essa altura as Big Techs - Google, Amazon, Facebook, Apple, Ali Baba- “já não são simples gigantes econômicos, em diferentes áreas elas já são de fato concorrentes do Estado”.

Também a nova administração dos Estados Unidos, com Biden à frente, anunciou ontem a manutenção do veto da empresa chinesa Huawei na disputa do 5G, iniciativa que havia sido tomada na administração Trump. Quando se trata de guerra tecnológica, os opostos se encontram. E há propostas de controlar os grupos tecnológicos que se tornaram grandes demais, e monopolistas. A tendência é que o Departamento de Justiça derrote as empresas, impedidno o monopólio, como aconteceu há anos com a telefonia, quando a AT&T foi desmembrada em várias empresas.

A China, por sua vez, simplesmente calou Jack Ma, o homem mais rico do país, que ousou criticar o conservadorismo do Partido Comunista, reivindicando mais espaço para o crescimento de seu império nascido do site de compras on-line Ali Baba. Uma das empresas, a Alipay, sistema digital de pagamentos, domina o mercado chinês, a maior economia do mundo. Ma estava ficando mais poderoso do que gostaria o governo chinês, e foi aberta uma investigação antitruste para controlar seu crescimento, que é bom para a economia chinesa, mas não a ponto de desafiar o Partido Comunista.

Os gigantes tecnológicos têm um papel cada vez mais importante na vida da sociedade. A posição monopolista das grandes empresas de tecnologia  “é a ideal para a organização dos processos tecnológicos e comerciais”, admitiu Putin. “Mas na sociedade, surge a questão de quanto tal monopolismo corresponde aos interesses sociais”, destacou o presidente da Rússia, levantando os mesmos argumentos de defesa da democracia: “Onde está o limite entre os negócios globais bem-sucedidos, os serviços necessários, a consolidação dos macroindicadores e as tentativas de controlar grosseiramente, usando seu arbítrio, a sociedade, de substituir os institutos democráticos legítimos e, em essência, usurpar ou limitar os direitos naturais da pessoa de decidir como viver, o que escolher, qual opinião expressar livremente".

Democracia não é exatamente a praia de Putin, assim como a China está mais preocupada com o controle da atividade econômica do que com as liberdades individuais. Nos Estados Unidos, há uma discussão sobre a propriedade de novas tecnologias barrarem, por critérios próprios, o seu uso, como o Facebook fez com o ex-presidente Trump. A limitação do uso dessas novas mídias, sobretudo na tentativa de controlar as disputas políticas, deve ser estabelecida, mas a discussão é sobre quem definirá os critérios a serem adotados. Ou se é mesmo necessário ter esse controle, que também não pode ser dos governos.

Indigestão cívica
Sob esse título, escrevi ontem sobre corrupção no governo Bolsonaro, e listei entre os fatos que merecem investigação a compra de alimentos, como R$ 15 milhões em leite condensado e cerca de R$ 2 milhões em chicletes, entre outras aparentes extravagâncias.

Explicações extra-oficiais, não o desabafo do presidente Bolsonaro em linguagem de botequim, me levam a reconsiderar as críticas. Chicletes e leite condensado são usados pelas Forças Armadas em certas circunstâncias, e seu uso regular aparece em compras de diversos governos anteriores, segundo afirmou o vice-presidente Hamilton Mourão. Seria bom que um pronunciamento oficial, detalhando os gastos e os preços pagos, esclarecesse de vez a questão.


Vera Magalhães: Perdemos o trem

Documentário ‘O Fórum’ mostra Brasil deslocado do resto do mundo

O trem que conduz ativistas, chefes de Estado, jornalistas e empresários à idílica cidade de Davos, nos Alpes suíços, funciona como uma metáfora do caminho que o documentário O Fórum, recém-lançado nas plataformas de streaming, mostra, de um mundo em lenta, mas inexorável transformação. E o Brasil que aparece na tela perdeu o trem e ficou perdido na estação.

Não é só a cena da conversa que mais parece uma brincadeira de telefone sem fio entre Jair Bolsonaro e o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, que viralizou nas redes sociais como um teaser do documentário, que mostra o quão deslocado o País está. São todos os aspectos abordados, da quarta revolução industrial às emergências climáticas. Somos párias, motivo de piada e preocupação por parte dos atores mais relevantes.

O filme tem duas partes. Uma mais otimista mostra um fórum concorrido em 2018, com Donald Trump posando de dono do mundo, Theresa May ainda não derrotada e um sorridente e galante Emmanuel Macron exalando charme pelos corredores. A edição de 2019 é mais melancólica e cercada de ceticismo, após o Brexit, com a crise comercial entre Estados Unidos e China já deflagrada e com Macron cercado pelos coletes amarelos. Nesse cenário, a presença de Bolsonaro é um constrangimento para todos.

A equipe do premiado diretor alemão Marcus Vetter teve acesso pleno a reuniões preparatórias de Klaus Schwab, fundador e figura central do Fórum, com sua equipe, empresários, ativistas para as duas edições que o filme retrata. Também acompanhou os bastidores, as conversas informais e as iniciativas que acontecem off-Davos, a partir do que é tratado ali.

Schwab tenta fugir de todas as formas do mico de ter de moderar o painel com Bolsonaro. Tenta passar o fardo para o presidente mundial da Nestlé, que declina gentilmente. Sua preocupação com a chegada do presidente brasileiro é mostrada em detalhes. Até que, já nos 15 minutos finais do filme, Bolsonaro entra em cena. Seu bizarro discurso de dois minutos na abertura do evento é mostrado na íntegra, com cenas intercaladas da plateia atônita e o filho 03, Eduardo, filmando tudo com cara de “meu paipai” na primeira fila.

A cena da conversa com Gore dá ainda mais vergonha quando mostrada sem cortes. Bolsonaro está na sala de café absolutamente deslocado, acompanhado apenas de Ernesto Araújo. Na conversa com Gore, além de tratar Alfredo Sirkis como seu “inimigo na luta armada”, uma mentira completa e desnecessária, ainda termina o breve e desastrado encontro dizendo que sabe quem o ex-vice-presidente norte-americano é, e não o tem como inimigo.

Em seguida Bolsonaro é abordado por Jennifer Morgan, diretora-executiva global do Greenpeace, que diz que ficou satisfeita em ouvir seu compromisso com a preservação da Amazônia. Bolsonaro não a olha nos olhos, não responde e diz só um “thank you” enfezado ao final. Em seguida, ela tira sarro com uma colega ativista por ter conversado com o presidente brasileiro, e a interlocutora ri de sua “coragem”.

É esta a imagem do Brasil que emerge de um filme que mostra ainda outros líderes mundiais em ação para mitigar os efeitos crise ambiental no mundo. “Pronta?”, pergunta Schwab a Angela Merkel. “Estou sempre pronta”, responde ela, sem a enorme entourage do presidente brasileiro (outro motivo de chacota dos organizadores).

O documentário deixa claro que as discussões sobre mudança de mentalidade de nações e empresas em relação ao meio ambiente não são acessórias, mas essenciais. Isso era verdade no pré-pandemia e será no pós. O Brasil não está no mesmo vagão de todos os demais tomadores de decisões, inclusive os investidores. Passamos vergonha e ficamos perdidos na estação junto com Bolsonaro.


Vera Magalhães: Huck é lançado candidato em Davos, e não refuta

Questionado no Fórum Econômico Mundial de Davos a respeito de uma futura candidatura à Presidência da República, Luciano Huck enrolou, falou de Amazônia, que não tinha nada a ver com a pergunta, mas acabou concluindo, para risos da plateia que acompanha a palestra: “Sua pergunta é muito difícil. Não tenho a resposta nem para mim mesmo”.

Mas o fato é que ele não só não refutou a ideia como, na resposta, deu justificativas de por que pode acabar trilhando este caminho. O “lançamento” de sua candidatura foi feito por Raiam Pinto dos Santos, que estava na audiência do almoço-painel, se apresentou como empreendedor e quis saber que garantias Huck daria de que seu projeto é para valer.

Para o apresentador, há “muitas maneiras” de se engajar nas mudanças que o País precisa. “Entrar para a política é uma delas”, afirmou. Mas também listou outras iniciativas que poderiam ser tomadas, como fomentar, inclusive por meio de financiamento, a qualificação de novos talentos da política –algo que já faz, por meio da parceria com os movimentos de renovação, que, por sua vez, são vistos como a plataforma inicial, anterior inclusive aos partidos, para seu lançamento na política.

“Todas as decisões que tomamos na vida são políticas”, afirmou o apresentador, que está circulando em Davos com uma inédita barba branca. Seria uma forma de testar uma aparência mais “presidenciável”?


O Estado de S. Paulo: 'O grande inimigo do meio ambiente é a pobreza', diz Guedes, em Davos

Ministro da Economia discursou na manhã desta terça-feira, 21, em Davos, na Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial

Célia Froufe, enviada especial, O Estado de S.Paulo

DAVOS - O ministro da EconomiaPaulo Guedes, disse, na manhã desta terça-feira, 21, durante o painel "Shaping the Future of Advanced Manufacturing", realizado durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), que o grande inimigo do meio ambiente é a pobreza. "Destroem porque estão com fome", justificou o brasileiro.

Em outro momento do mesmo evento, ele disse que o mundo precisa de mais comida e salientou que é preciso usar defensivos para que seja possível produzir mais. "Isso é uma decisão política, que não é simples, é complexa", afirmou. Ainda sobre o tema, Guedes disse que a busca dos humanos é sempre pela criação de vidas melhores. Ele ressaltou, porém, que "somos animais que escapamos da natureza".

O ministro disse que o Brasil está criando um ambiente melhor para os negócios e que é preciso agora qualificar as pessoas para terem um emprego no sistema, que está mais tecnológico. "Num país como o Brasil, que está um pouco atrás (em relação às inovações), temos um pouco de preocupação", lamentou, acrescentando que a primeira ação a ser feita é acabar com os "obstáculos".

Ele também falou sobre os três centros que o Brasil está criando para se aproximar das atividades do Fórum Econômico Mundial. Um é ligado à promoção da educação, da pesquisa acadêmica e a ligação com as pessoas de negócios. O outro é um acelerador de qualificações. "Há habilidades para ampliar como as coisas estão se colocando no mundo. Estamos aderindo ao comitê do Fórum e basicamente trazendo pessoas que estão na fronteira", comentou.

Para Guedes, a inovação vem ocorrendo no mundo por meio de um processo descentralizado, mas a busca é fazer com que o País se integre a esse sistema. "Para um País como o Brasil é ainda mais crucial, pois precisamos ter a certeza de que teremos um ambiente de negócios, acadêmico, que permita conhecimento", salientou.

Durante o evento que falava sobre as inovações tecnológicas da última geração, Guedes citou que, ao contrário do que os americanos dizem, foi o Brasil que criou o avião, pelas mãos do inventor Santos Dumont. Ainda sobre descentralização, ele citou que Israel se desenvolveu em tecnologia, mas que o país não conta com escala. "Nós temos escala, agora precisamos investir em educação", afirmou. "Podemos atingir isso se tivermos educação e mais conexões."

Para trás na globalização 

Brasil ficou para trás em relação ao acompanhamento das modernidades do mundo, na avaliação do ministro da EconomiaPaulo Guedes, expressa no painel “Shaping the Future of Advanced Manufacturing”, realizado durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça). “Perdemos a grande onda da globalização e da inovação, então essa mudança vai levar um tempo (para ocorrer no Brasil), mas estamos a caminho”, afirmou.

O ministro fez um trocadilho com um neologismo em inglês sobre o futuro da indústria no mundo. “O futuro da manufacture (indústria, que tem origem na palavra mão em Latim) será a mindfacture (uma expressão que funde as palavras mente e indústria)”, afirmou. O principal, de acordo com ele, será instruir os trabalhadores para que estejam preparados para um novo mundo no mercado de trabalho.

Antes de seu discurso, o ministro ressaltou que teve uma reunião “muito positiva” com o engenheiro alemão fundador e CEO do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab. “Dissemos a ele que queremos estreitar o relacionamento do Brasil com o Fórum Econômico Mundial. Queremos lançar pelo menos umas três iniciativas”, disse ao Estadão/Broadcast rapidamente, sem entrar em detalhes.


Valor: Fórum de Davos este ano será mais verde

A edição deste ano de Davos, que marca seus 50 anos, será inevitavelmente mais verde. A discussão ambiental supera o número de sessões previstas para macroeconomia. Muitos ministros de Meio Ambiente participarão do evento - mas não o brasileiro Ricardo Salles

Por Daniela Chiaretti,  Valor Econômico

São Paulo e da Cidade do Cabo (África do Sul) - Greta Thunberg antecipou há dez dias o tom de sua participação no Fórum Econômico Mundial, que acontece esta semana em Davos, na Suíça. É a segunda vez que a jovem ativista sueca vai ao principal encontro mundial de chefes de Estado, empresários e executivos do mercado financeiro. “Nossa casa está queimando”, disse a adolescente a uma plateia surpresa com sua retórica, em janeiro de 2019, ano em que grandes incêndios de diferentes origens queimaram a Amazônia, a Califórnia e a Austrália, sempre agravados pela mudança do clima. Desta vez Greta promete tocar no ponto fraco do debate e dizer aos líderes que deixem de investir em combustíveis fósseis. A edição de Davos este ano, o 50º aniversário do encontro, será inevitavelmente mais verde.

Quase três mil participantes são esperados. Muitos virão em jatinhos emitindo grandes volumes de gases-estufa, como bem disse a CNN. Trata-se de uma contradição evidente em encontro onde questões ambientais ligadas à mudança do clima estão entre as cinco maiores preocupações dos líderes pela primeira vez em 10 anos, segundo o relatório de riscos globais do Fórum Econômico Mundial feito anualmente pelo Marsh & McLennan e a seguradora Zurich.

Falando em nome da sua geração, Greta publicou um artigo no “The Guardian” onde diz: “Exigimos que no fórum deste ano, participantes de todas as empresas, bancos, instituições e governos interrompam imediatamente todos os investimentos na exploração e extração de combustíveis fósseis, encerrem já todos os subsídios em combustíveis fósseis e deixem de investir imediata e completamente em combustíveis fósseis”. Como se pudesse ser mais clara, seguiu: “Não queremos que essas coisas ocorram até 2050, 2030 ou mesmo em 2021. Queremos que sejam feitas agora, neste exato momento.”

A tendência de empresas, universidades, grupos religiosos, fundos de pensão e de investimento de deixar de investir em combustíveis fósseis é cada vez mais forte. Segundo a 350.org., organização não-governamental fundada em 2007 e que tenta promover um movimento global em busca de soluções para a mudança do clima, existem hoje 1.176 instituições - com ativos que somam US$ 12,02 trilhões - deixando de investir em projetos relacionados a carvão, petróleo ou gás. Grupos religiosos e fundações filantrópicas são a maioria, seguidas por instituições de ensino, governos, empresas e fundos de pensão e fiduciários.

A maior gestora de recursos do mundo, a BlackRock, responsável pela gestão de quase US$ 7 trilhões em ativos, juntou-se na semana passada a uma iniciativa de investidores que quer reduzir emissões e aumentar a transparência em investimentos relacionados a clima, a Climate Action 100+.

O esforço também avança entre governos. A Alemanha anunciou que irá abandonar o carvão até 2038, o que exigirá investimentos de 40 bilhões. Um terço da energia alemã vem do linhito, um tipo de carvão muito emissor.

Os prefeitos Sadiq Khan, de Londres, e Bill de Blasio, de Nova York, iniciaram 2020 pedindo a seus pares em grandes metrópoles do mundo que deixem de investir em combustíveis fósseis em seus fundos de pensão. Além das duas cidades, o exemplo vem sendo seguido por Berlim, Oslo e Estocolmo. Os fundos de pensão destas cidades não registraram impacto negativo na performance de seus portfólios com a decisão de “desinvestir”, conforme o jargão verde.

Este assunto será discutido em março, em Nova York, durante encontro anual do C-40, grupo que reúne os prefeitos das 40 maiores cidades do mundo em busca de futuros urbanos mais sustentáveis.

No Reino Unido, os organizadores do movimento de alunos e professores pelo desinvestimento nas universidades anunciaram que a metade das instituições do país está aderindo ao esforço. Trata-se de uma carteira de mais de 11 bilhões de libras. A lista das universidades incluem Oxford, Cambridge e a London School of Economics.

Até agora são 79 universidades no Reino Unido e duas na Irlanda com compromissos que variam do desinvestimento total em dez anos, como o da Universidade de Glasgow, ao de instituições que prometem deixar de colocar recursos em projetos de carvão ou nas areias betuminosas conhecidas por “tar sands”, ou dizem que irão criar políticas neste rumo.

Julia Peck, que foi coordenadora da Oxford Climate Justice Campaign, diz que o movimento “explodiu” desde 2017. Ela nota mudanças em como estudantes falam sobre seu papel na transição energética. “Mais gente, que dizia não se ver como um ativista pelo clima, está aparecendo em nossas reuniões de desinvestimento”, conta. “Relatam ter mudado de postura de tanto ver a destruição de habitats e comunidades nas notícias”.

A campanha de desinvestimento dos recursos das universidades nasceu nos Estados Unidos, no Middlebury College, em Vermont, há alguns anos, mas o ensino superior americano foi mais lento que o britânico em aderir ao esforço. Julia diz que o movimento nos EUA recebeu impulso em novembro, quando centenas de estudantes, professores e funcionários invadiram o jogo de futebol entre Harvard e Yale pedindo que as universidades retirassem os investimentos em fósseis. A iniciativa teve grande cobertura, apoio de políticos, e a pauta subiu na agenda. A Universidade da Califórnia, com um endowment de US$ 13 bilhões e fundo de pensão de US$ 70 bilhões anunciou o total desinvestimento da carteira. “Algo me diz que em 2020 acontecerá o efeito-dominó do desinvestimento nas universidades dos EUA”, diz ela.

Julia Peck contou sua experiência na campanha de desinvestimento de Oxford durante conferência na Cidade do Cabo, em setembro. O evento reuniu 300 pessoas de 44 países entre ambientalistas, políticos, religiosos e executivos financeiros. Foi a primeira reunião do gênero no hemisfério Sul. O termo desinvestimento foi cunhado nos anos 1960, como maneira de boicotar o regime do Apartheid da África do Sul.

“O desinvestimento está crescendo em todo o mundo porque as gerações mais jovens entendem que, para forçar mudanças radicais a curto prazo, precisam ir onde nosso poder é maior. Somos estudantes com voz em algumas das instituições de pesquisa mais influentes do mundo: se pudermos romper o vínculo entre o ensino superior e a indústria de combustíveis fósseis, as empresas perderão sua licença social e científica para continuar operando”, diz. “Tenho imenso orgulho dos grevistas climáticos que ainda não entraram nessas universidades de prestígio. A mensagem deles é sistêmica e abrangente enquanto a nossa é prática e específica”, continua, referindo-se à geração de Greta. “Eles estão dizendo que precisamos de um sistema econômico inteiramente novo que não dependa da exploração e do crescimento infinito: precisamos mudar tudo”.

No evento, que aconteceu no “Two Oceans Aquarium”, um café da manhã com vista para arraias e tartarugas nadando em um tanque, reuniu líderes de várias religiões relatando sua opção por deixar de investir em fósseis.

“Não podemos continuar queimando combustíveis fósseis como se não houvesse amanhã”, disse Rachel Mash, fundadora do “Green Anglicans”, movimento anglicano que tem crescido em países africanos. “Até porque se continuarmos assim, não haverá mais amanhã”.

Grupos religiosos são o setor mais forte no desinvestimento em fósseis globalmente. “Temos uma questão moral e ética com este tema”, explica o pastor episcopal Fletcher Harper, diretor-executivo da Green Faith, organização internacional de perfil ambiental e religioso que engloba entidades de diferentes crenças. “Não é bom para ninguém ganhar dinheiro se matarmos o planeta”, continua.

A ONG, uma das mais antigas com este perfil, “busca ajudar as comunidades a tornar suas operações mais verdes”, informa o site da organização, que começou inspirada pela Rio 92, a conferência de desenvolvimento sustentável da ONU no Rio de Janeiro, em 1992. No evento na África do Sul havia líderes católicos, protestantes, judeus e muçulmanos.

“O relatório do Fórum Econômico Mundial deixa claro que um dos maiores riscos para a estabilidade econômica do planeta hoje é a mudança climática, mais do que migrações, guerras nucleares ou o colapso da internet”, diz o físico Paulo Artaxo, professor da USP e participante do evento na Cidade do Cabo organizado pela 350.org. “É um reconhecimento por economistas, não por cientistas ou ambientalistas, de que a questão climática já atingiu um nível insuportável na nossa estrutura social, econômica e política, e que precisamos reduzir emissões para garantir um desenvolvimento sustentável”.

O encontro do Fórum Econômico terá o dobro de sessões sobre ambiente do que sobre macroeconomia. Muitos ministros de Meio Ambiente participarão - mas não o brasileiro Ricardo Salles. Oceanos, florestas, plásticos e bioeconomia estarão em foco. Nesta quarta-feira, em debate sobre o futuro sustentável da Amazônia, participarão os cientistas Jane Goodall e Carlos Nobre e o ex-vice presidente dos EUA Al Gore.

A expectativa é que a pauta do desinvestimento permeie debates. Desde 2014 Davos fala nos “stranded carbon assets”, os ativos “podres” ligados aos combustíveis fósseis. A lógica é simples: se governos retirarem subsídios e investirem em políticas públicas com tecnologias limpas, conforme seus compromissos no Acordo de Paris, estes investimentos perderão valor.

“Os gerentes de grandes carteiras estarão reunidos em Davos no contexto de uma emergência climática. Os jovens estão caminhando pelos Alpes em direção a eles, exigindo que tomem medidas”, diz May Boeve, diretora-executiva da 350.org. “Esperamos que muitos sigam a Blackrock e iniciem a rápida saída dos combustíveis fósseis. Eles podem se mover por razões financeiras, por causa da pressão pública sem precedentes ou porque veem que todo mundo está fazendo isso. Mas se moverão.”

 


 

Davos vai propor um novo capitalismo

O “Manifesto de Davos 2020” estabelece como premissas: pagamento justo de impostos, tolerância zero com a corrupção, proteção do meio ambiente, estímulo à qualificação dos empregados, uso ético das informações privadas na era digital, vigilância dos direitos humanos em toda a cadeia de fornecedores e remuneração responsável dos executivos

Por Daniel Rittner, Valor Econômico

Davos (Suíça) - O Fórum Econômico Mundial começa hoje sua 50ª reunião anual, no pacato resort alpino de Davos, tentando colocar em prática uma cartilha lançada meio século atrás por seu fundador, Klaus Schwab, para guiar as práticas corporativas. Agora, diz o alemão de 81 anos e sotaque carregado, a hora de colher uma reforma do capitalismo finalmente chegou. Tanto que ele lançou o “Manifesto de Davos 2020” para atualizar conceitos pensados originalmente em 1971.

Nunca foi tão urgente, segundo Schwab, dar significado concreto à ideia de um “capitalismo das partes interessadas” (stakeholder capitalism) no lugar de outros dois modelos em voga nas últimas décadas. O “capitalismo de acionistas” teve seu momento de esplendor enquanto centenas de milhões de pessoas prosperavam, tinham acesso a bens de consumo inéditos, empresas abriam novos mercados e empregos eram criados.

Só que esse modelo não é mais sustentável, avalia o fundador do Fórum, que dá as razões. “Primeiro veio o efeito Greta Thunberg: ela nos recordou que o sistema econômico atual constitui uma traição às gerações futura pelo dano ambiental que provoca. Em segundo lugar, os ‘millenials’ e a ‘geração Z’ já não querem trabalhar, investir ou comprar em empresas que não atuem com base em valores mais amplos. Por último, cada vez mais os executivos e investidores compreendem que o sucesso deles no longo prazo também depende do êxito de seus clientes, empregados e fornecedores”, afirma Schwab.Já o “capitalismo de Estado” pode ter colhido bons resultados e cumpriu um papel no desenvolvimento de alguns países, sobretudo na Ásia, mas precisa evoluir para não se corromper, segundo ele.

O novo manifesto estabelece premissas: pagamento justo de impostos, tolerância zero com a corrupção, proteção do meio ambiente para futuras gerações, estímulo à qualificação dos empregados, uso ético das informações privadas na era digital, vigilância dos direitos humanos em toda a cadeia de fornecedores, remuneração responsável dos executivos. Em um ensaio de construção desse novo capitalismo, dezenas de empresários e banqueiros que estão subindo a “montanha mágica” de Davos receberam, no fim da semana passada, carta assinada por Schwab - tendo como coautores os presidentes do Bank of America e da gigante holandesa Royal DSM - com uma proposta de compromisso: que suas companhias zerem as emissões líquidas de gases do efeito estufa, tornando-se “carbono neutras”, até 2050.As questões ambientais, inclusive, estão transformando a atual edição no que muitos chamam de “Davos verde”. Serão 51 painéis de discussão sobre ecologia, desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas - contra 50 de geopolítica e 27 específicas de economia. Uma iniciativa coordenada pelo Fórum promete o plantio de um trilhão de árvores, até 2030, contra o aquecimento global.

Sem nenhum representante do governo brasileiro, uma sessão na quarta-feira intitulada “Assegurando um Futuro Sustentável para a Amazônia” terá no palco o climatologista Carlos Nobre, crítico das políticas ambientais de Jair Bolsonaro. O ex-vice americano Al Gore também integra essa discussão.


O Estado de S Paulo: ‘Brasil precisa renovar suas lideranças políticas do topo para a base’, diz Huck

Em artigo no site do Fórum Mundial de Davos, apresentador cita ‘desafios’ do País

O apresentador de TV e potencial candidato à Presidência em 2022 Luciano Huck afirmou que o Brasil precisa “restaurar” e “renovar” suas lideranças políticas do “topo para a base” em artigo publicado no site do Fórum Econômico Mundial nesta quarta-feira, 15. “Lideranças e políticas públicas responsáveis e representativas são fundamentais para revitalizar o contrato social. Isso não vai acontecer espontaneamente. Requer um esforço consciente para investir em talentos e atraí-los”, afirmou Huck.

O apresentador é visto como possível candidato de uma frente de centro na próxima eleição em 2022 e é ligado a movimentos de renovação política, como o RenovaBR e o Agora!. Ele estará presente no encontro do fórum em Davos, na Suíça, que ocorrerá entre os dias 21 e 24 de janeiro. No artigo, Huck lista três “desafios” do Brasil e do mundo para o futuro: as queimadas e o desmatamento na Amazônia, a redução da desigualdade e a renovação das lideranças políticas.

“Em 2017, entrei no Agora!, um dos vários movimentos cívicos dinâmicos que investem em uma nova geração de líderes comprometidos com um Brasil mais inclusivo e sustentável. E em 2018, co-fundei a RenovaBR, atraindo mais de 4.600 inscrições de pessoas que nunca haviam se envolvido em política para treinamento em governança e ética. Dos 120 candidatos aprovados, 17 foram eleitos para o cargo federal naquele ano”, disse, se colocando como parte da renovação.

Huck afirma no texto que o Brasil terá um “papel de liderança” no desenrolar da próxima década, em razão de seus “imensos recursos naturais” e também por seu “estoque impressionante de recursos humanos”. “Mas (o País) também é convulsionado pela alta desigualdade e pela pobreza crescente. Para complicar, estamos enfrentando uma crise de liderança política e esquivando de nossas responsabilidades internacionais”, analisou o apresentador.

Apresentador critica política ambiental do governo Bolsonaro
No artigo, Huck teceu críticas à política ambiental do governo brasileiro. “Apesar dos esforços das autoridades brasileiras para ocultar o problema, os dados de satélite do próprio Ministério da Ciência mostraram que as taxas de desmatamento atingiram os níveis mais altos em duas décadas”, escreveu Huck.

Para ele, é necessário um “novo e radical paradigma” para garantir a administração sustentável da biodiversidade do País. “Deve haver tolerância zero ao desmatamento e um foco conjunto na melhoria da produtividade das áreas onde as florestas já foram cortadas. Aproximadamente 90% do desmatamento na Amazônia é ilegal e pelo menos dois terços dos 80 milhões de hectares de terras desmatadas são subutilizados, degradados e abandonados”, afirmou, ressaltando que “tão importante quanto o agronegócio sustentável, são a expansão do ecoturismo, o investimento em pesquisas em biotecnologia e o desenvolvimento de produtos da floresta tropical comercializados de maneira justa.”

País tem de colocar redução de desigualdade na agenda, diz Huck
Huck também afirmou que Brasil precisa colocar a redução da desigualdade no “topo” de sua agenda nacional em 2020. “O aprofundamento da desigualdade social e econômica nos países está reconfigurando fundamentalmente as políticas doméstica e internacional”, disse. Ele considera que o governo brasileiro adota “dinâmica” de outros governos que estão se retirando da cooperação multilateral e voltando ao “nacionalismo e protecionismo reacionários”. O apresentador ainda aponta que nos últimos anos a renda per capita caiu e a diferença entre ricos e pobres começou a aumentar, “acabando com muitos ganhos sociais das três décadas anteriores”.

Embora nunca tenha se colocado publicamente como possível candidato à Presidência em 2022, o nome do apresentador tem aparecido com frequência nas articulações em torno de uma candidatura de centro, promovidas por figuras como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung. Tido como um candidato capaz de “herdar”o eleitorado do ex-presidente Lula no Nordeste, recentemente Huck também se encontrou com o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).


Política Democrática: ‘País precisa de choque liberal para reformar Estado’, diz Rubens Barbosa

Ex-embaixador do Brasil em Washington (1999-2004) analisa, em artigo publicado na quinta edição da revista Política Democrática online, as medidas  que o país precisa para reformar o Estado e destravar o mercado

Cleomar Almeida

O Brasil precisa cada vez mais de um choque liberal na economia para reformar o Estado, destravar o mercado, recuperar as finanças públicas e redirecionar os recursos públicos do dispêndio com pessoal e previdência. A avaliação é do ex-embaixador do Brasil em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa, em artigo publicado na quinta edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira).

» Acesse aqui a edição de fevereiro da revista Política Democrática online

De acordo com o autor do artigo, o Fórum Econômico Mundial em 2019 não teve nem o brilho, nem o otimismo dos anos anteriores, pela ausência dos líderes das principais potências e desaceleração da economia global e risco de guerra comercial. “Nesse contexto, o Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, acenou com amplas oportunidades de investimento e de cooperação com a apresentação de um programa liberal de abertura da economia e de correção de práticas de corrupção, o que o auditório queria ouvir”, escreveu Barbosa.

Não pode ser ignorado, na avaliação do ex-embaixador, o atual contexto internacional muito negativo em relação ao Brasil em decorrência da muito bem-sucedida campanha de descrédito contra o país desenvolvida pelo PT junto à mídia, aos políticos e à academia nos EUA e na Europa, nos últimos três anos. “A percepção no exterior está dominada pela retórica do golpe, depois do impeachment de Dilma Rousseff, passando pela perseguição a Lula, presentado como um prisioneiro político, e culminando com a teoria de fraude na eleição de outubro passado pela não participação do ex-presidente”, ressaltou ele, para continuar: “A expectativa que se criou em Davos, pela presença do presidente Jair Bolsonaro na abertura do World Economic Forum, foi correspondida, em grande parte, pelos pronunciamentos presidencial e dos ministros Paulo Guedes e Sergio Moro”.

Barbosa também é consultor de negócios, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), presidente do Conselho Deliberativo da SOBEET (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica). Ele é membro do Gacinte (Grupo de Análise da Conjuntura Internacional) da USP) (Universidade de São Paulo), presidente emérito do CEBEU (Conselho Empresarial Brasil – Estados Unidos) e editor responsável da revista “Interesse Nacional”. É autor de “Interesse nacional e visão de futuro” (Sesi SP, 2012), “O Dissenso de Washington” (Agir, 2011) e “Mercosul e a integração regional” (Imprensa oficial – SP, 2009).

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Dorrit Harazim: O Jardim do Éden

Fórum que pretende reduzir desigualdade não se destina a resolver problemas, e sim a apresentar ideias e adensar networking entre poderosos

Aos 92 anos, o naturalista britânico Sir David Attenborough tem obra aclamada e capital moral para nos ensinar montes sobre a vida no planeta Terra. Pena que seu discurso no Fórum Econômico de Davos, esta semana, recebeu menos atenção do que o fato de o príncipe Albert de Mônaco tê-lo entrevistado no evento. Nada como um príncipe para turbinar o noticiário, independentemente da qualidade do sangue azul que corre nas veias da realeza.

Attenborough apresentou-se literalmente como um homem de outra era. “Nasci durante o Holoceno — o período de estabilidade climática que durou 12 mil anos e que permitiu aos humanos assentarem-se, cultivarem a terra e criarem civilizações”, explicou. Nesse período, o homem aprendeu a trocar ideias e mercadorias, tornando-nos “a espécie globalmente conectada que somos hoje”. Ao longo de sua vida, porém, tudo isso mudou. “O Holoceno acabou. O Jardim de Éden deixou de existir. Mudamos o mundo de tal forma que os cientistas já falam de uma nova era geológica...”

Difícil atestar se o alerta de Attenborough, segundo o qual ameaças ambientais são, em essência, o perigo número 1 para a economia global, teve algum impacto em Davos. Em contrapartida, levantamento feito pela ONG britânica CDP (sigla de Carbon Disclosure Project) junto a mais de sete mil empresas do mundo inteiro, mereceu a devida atenção. O trabalho revela os dois lados da moeda ambiental: o que impulsiona ainda mais os negócios, e o que ameaça paralisar gigantes corporativos. Ambos em decorrência dos mesmos desastres e tragédias climáticas.

A newsletter americana Axios pinçou algumas respostas-choque das empresas consultadas pela CDP sobre o impacto do clima nos seus negócios. A gigante farmacêutica Merck & Co, por exemplo, prevê um aumento no número de pessoas doentes mundo afora, o que alavanca a demanda por toda uma gama específica de medicamentos. As concorrentes Eli Lilly e Pfizer apostam na mesma linha.

A Apple, por seu lado, prevê que mais desastres tornarão essenciais a multiplicação de iPhones como ferramenta socorrista, enquanto a Coca-Cola manifesta grande preocupação com a escassez de água e os consequentes riscos de paralisação para suas operações. Disponibilidade de água cada vez menor também assombra os fabricantes mundiais de chips eletrônicos, e as grandes seguradoras temem não ter colchão para responder a sucessivas condições climáticas extremas. A conclusão dos analistas é que, diante da enormidade que se avizinha, o mundo corporativo talvez comece a demandar de governos políticas públicas ambientais mais severas.

Esse universo corporativo é o que frequenta Davos. Dos cerca de três mil participantes, perto de 900 são CEOs ou presidentes de empresas, e mais de 70 são líderes mundiais — embora nem sempre de primeiro time. O Fórum que pretende reduzir desigualdade e encarar a questão ambiental não se destina a resolver problemas, e sim a apresentar ideias e adensar o networking entre poderosos, influentes e famosos. Ou, como descreveu o escritor e analista de riscos Nassim N. Taleb, “o evento é uma desenfreada caça a pessoas de sucesso, que por sua vez querem ser vistas com outras pessoas de sucesso”. Mesmo veteranos de várias edições concordam com uma avaliação feita anos atrás pelo fundador da AOL, Steve Case: “Você sempre tem a sensação de estar no lugar errado, que tem alguma reunião muito mais importante acontecendo onde você não está. É como se o verdadeiro Fórum estivesse acontecendo alhures, em segredo”.

Como da primeira Davos a gente nunca se esquece, é certeiro o comentário do presidente Jair Bolsonaro entreouvido pela reportagem do “Estado de S.Paulo” sobre “os pobretões que estavam na minha mesa ontem”. O presidente referia-se ao jantar de véspera no qual o fundador do Fórum, Klaus Schwab, as rainhas da Jordânia e da Bélgica, e os presidente da Apple e da Microsoft estavam entre seus comensais. A presença física de bilionários em Davos é rotineira. Este ano a novidade foi ter o seu peso aquilatado em relatório da Oxfam, divulgado simultaneamente ao evento. A constatação de que apenas 26 desses indivíduos concentram um volume de riqueza igual ao de 3,8 bilhões de pessoas espalhadas pelo planeta assombrou até mesmo os mais cínicos. O brasileiro Jorge Paulo Lemann ficou fora dessa seleta por pouco — está em 29º lugar na lista dos mais bilionários, cujos ativos cresceram US$ 2,5 bilhões por dia.

O Jardim do Éden acabou, como disse Attenborough. No Brasil, a nova era se escancara no horrendo desastre ambiental de Brumadinho.


Alon Feuerwerker: O subdesenvolvimento é mesmo uma obra

País é atrasado em pontos essenciais

O encontro de Davos este ano vai mais ou menos. O deslumbramento com a globalização anda em baixa. Nesse circo, somos um país que anda no arame: pelas declarações oficiais, o Brasil quer uma globalização sem globalismo, inserir o país na economia globalizada mas manter aqui dentro o centro das decisões. Espremido o discurso, é isso que fica.

Um problema pelo mundo é os liberais-raiz andarem meio sem prestígio depois da crise de 2008-09, a que ainda não acabou. Exuberante mesmo desde então só a concentração de renda. A novidade mais recente é a confirmação da desaceleração chinesa. Estava previsto, mas nem por isso machuca menos quem, como nós, vive de exportar primários e semi.

No Brasil a luta atual de ideias tem uma peculiaridade, pois o desastre da economia no último governo petista abriu a janela de oportunidade ao liberalismo. Nunca houve ambiente tão propício à difusão dele, o que se reflete na imprensa e mostrou vigor na eleição do ano passado. O Brasil decidiu dar uma chance para o capital dizer a que veio. Uma novidade.

Se na mitologia econômica de uns Zeus é planejamento e ativismo estatal, para outros basta deixar dinheiro na mão (ou no caixa) dos empresários e eles produzirão prosperidade. Está empiricamente demonstrado que o segredo é uma combinação ótima entre os 2 pólos, mas –de novo– pedir razão no atual ambiente político é perda de tempo.

O governo Bolsonaro fala, portanto, ao coração de quem 1) vê a pátria como última proteção contra o poder do capitalismo global de dissolver as fronteiras e as relações sociais estabelecidas e/ou 2) vê no capital a força capaz de libertar o país da sina de baixo crescimento, serviços públicos medíocres, impostos injustos e dos demais problemas nacionais crônicos.

São vetores contraditórios mas não necessariamente antagônicos. Há 2 casos de sucesso de países que conseguiram inserção global mantendo-se soberanos: os Estados Unidos da América (do Norte) e a República Popular da China. Aliás estão ambos agora em desconforto mútuo pois um descobriu que mantida a ordem das coisas o outro vai tomar a liderança.

O que há em comum entre China e EUA? Entre outros aspectos, 1) decidiram que enriquecer não é pecado, 2) fizeram a reforma agrária, base para um mercado interno pujante, 3) colocaram foco total na industrialização e 4) construíram sociedades em que a educação universal de boa qualidade ocupa posição estratégica, e daí podem falar em “meritocracia”.

Avalie você mesmo o estágio em que nos encontramos. Somos uma sociedade em que 1) o lucro continua sendo pecado, 2) a questão social no campo volta a ser caso de polícia, 3) o pensamento econômico dominante diz que indústria é bobagem e 4) educação é um apartheid social: escolas são bem melhores para os ricos e a classe média do que para os pobres.

Por um instante, leitor ou leitora, esqueça da guerrilha e do #blablabla nas redes sociais, e liste você também os itens que acha importantes para o Brasil passar a se desenvolver de maneira soberana e inserida nos mercados globais. Verá que estamos atrasados em todos os pontos essenciais. Enquanto isso, segue a mesmerização das massas, uma especialidade.

É a gloriosa obra do subdesenvolvimento.

*Alon Feuerwerker, 63 anos, é jornalista e analista político e de comunicação na FSB Comunicação. Militou no movimento estudantil contra a ditadura militar nos anos 1970 e 1980. Já assessorou políticos do PT, PSDB, PC do B e PSB, entre outros. De 2006 a 2011 fez o Blog do Alon. Desde 2016, publica análises de conjuntura no blog alon.jor.br. Escreve para o Poder360 semanalmente, às quintas-feiras e aos domingos.


Monica De Bolle: Bolsonaro em Davos

Há ideologia de sobra, apenas não exatamente a que preponderou durante boa parte dos governos petistas

Foram oito minutos e mais um tantinho de perguntas e respostas com o anfitrião Klaus Schwab. Com o cenho fechado e nítido desconforto, o capitão-presidente apresentou-se à elite globalista na montanha durante a abertura da sessão plenária do Fórum Econômico Mundial.

O discurso conteve algumas mensagens sobre as reformas econômicas, sobre as intenções de abrir a economia brasileira, sobre a necessidade de acabar com o viés ideológico no País, apesar do viés ideológico estar presente, saudável, e viril no Ministério das Relações Exteriores. Houve, também, tentativa de sublinhar os compromissos do Brasil com o meio ambiente, apesar dos sinais contraditórios desde a campanha. Empenhou-se Bolsonaro em afirmar que seu governo pretende compatibilizar a preservação do meio ambiente e o compromisso com a biodiversidade com o avanço econômico, apesar das atitudes já tomadas em relação à demarcação de terras indígenas – de responsabilidade, agora, do Ministério da Agricultura. Contudo, nada disso compõe a real história do discurso de Davos em meio aos escândalos de corrupção que rondam a família do presidente no Brasil. A real história são os ecos do passado, sobretudo de um passado não muito distante.

Disse Bolsonaro que assumiu o Brasil “em uma profunda crise ética, moral, e econômica”, o que é verdade. Seus eleitores depositaram nele a confiança de combater a corrupção e a violência, o que levou o presidente a citar a escolha de Sergio Moro para a pasta da Justiça e da Segurança. Em Davos, Sergio Moro e Paulo Guedes foram apresentados ao mundo como os pilares de sustentação de muitas esperanças. “Tenham certeza de que, até o final do meu mandato, nossa equipe econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes nos colocará no ranking dos 50 melhores países para se fazer negócios”. Apesar de algumas melhorias, o Brasil ainda amarga a 109ª posição dentre 190 países de acordo com o índice Doing Business do Banco Mundial. Subir ao menos 59 posições em 4 anos é a tarefa hercúlea que Bolsonaro acaba de dar ao seu superministro perante a comunidade internacional.

Mas, vamos aos ecos do passado. “Pela primeira vez no Brasil um presidente montou uma equipe de ministros qualificados”. Espécie de “nunca antes nesse país”? Aos fatos: a ministra da Agricultura, do DEM, é a ex-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, ou da bancada do boi; também filiado ao DEM do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da ministra da Agricultura, o ministro da Saúde é investigado por fraude e licitação de caixa dois; Osmar Terra, ministro da Cidadania, é do MDB, ex-ministro de Temer, e será responsável pelo Esporte e a Cultura, além do Desenvolvimento Social; para o Meio Ambiente, temos Ricardo Salles do Novo, anteriormente do PP – partido que é antigo parceiro de corrupção do PT e do MDB –, além de réu por improbidade administrativa; a ex-assessora de Magno Malta do PR – outra sigla com passado nada reluzente – é a ministra de Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Durante a campanha, Bolsonaro afirmou que reduziria para 15 o número de ministérios. Não conseguiu fazê-lo justamente em razão do inevitável toma-lá dá-cá que deu cargos a cerca de um terço do Ministério de 22 pastas. Todos qualificados? Há dúvidas ponderáveis.

“Nossas relações internacionais serão dinamizadas pelo ministro Ernesto Araújo, implementando uma política na qual o viés ideológico deixará de existir”, disse o presidente. Para quem se lembra do assessor especial para assuntos internacionais de Lula e de Dilma, Ernesto Araújo é uma espécie de Marco Aurélio Garcia invertido. Ou seja, há ideologia de sobra, apenas não exatamente a que preponderou durante boa parte dos governos petistas. Quando perguntado por Schwab como seriam as relações com a América Latina, Bolsonaro exaltou a ascensão recente de regimes de direita e de centro-direita: “Não queremos bolivarianos no continente, não queremos a esquerda no continente”. Será curioso ver como esse “novo Brasil” supostamente não ideológico lidará com o México de Andrés Manuel López Obrador.

Por fim, a imprensa. Lembram-se dos ataques de Lula e de Dilma à imprensa? Lembram-se dos “pessimistas adversativos” da ex-presidente, forma como ela se referia aos seus críticos contumazes dentre os quais me incluo? Pois Bolsonaro frisou em Davos que é alvo constante de ataques injustificados, preferindo deixar nas entrelinhas seus culpados favoritos – aqueles para quem negou-se a dar entrevistas. Em frente porque há um novelo de Queiroz nas costas.

*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Folha de S. Paulo: Bolsonaro diz a executivos que Brasil ficará no Acordo do Clima

Em Davos, presidente foi questionado por empresários sobre planos para o meio ambiente

Por Luciana Coelho, Lucas Neves e Maria Cristina Frias

DAVOS - O Brasil não vai deixar o Acordo de Paris sobre o clima, disse o presidente Jair Bolsonaro em encontro com CEOs em Davos segundo um dos participantes.

Ele já havia feito um aceno nessa direção ao afirmar, na plenária do Fórum Econômico Mundial, que o país pretende estar sintonizado com o mundo na busca da diminuição de CO2 e na preservação ambiental.

Segundo o executivo presente na reunião com o presidente e com o ministro Paulo Guedes (Economia), Bolsonaro foi questionado pelos representantes das multinacionais sobre quais eram seus planos em relação ao ambiente e à questão indígena.

O presidente já chegou a dizer que o país poderia deixar o acordo climático fechado pela ONU em 2015, a exemplo dos EUA. Também já afirmou que era algo a se pensar. Dois dias antes do segundo turno da eleição, Bolsonaro afirmou que, se fosse eleito presidente, manteria o Brasil no Acordo de Paris sobre o clima, desde que a soberania plena da Amazônia fosse preservada.

"Eu perguntaria a vocês: nesse acordo de Paris, nós poderíamos correr o risco de abrir mão da nossa Amazônia? Vamos então botar no papel que não está em jogo o triplo A e nem a independência de nenhuma terra indígena que eu mantenho o acordo de Paris", disse em entrevista coletiva na época. A região chamada por ele de "triplo A" engloba os Andes, o oceano Atlântico e a Amazônia.

Em Davos, ele esclareceu sua posição, seguindo o que dissera seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Informou aos empresários e executivos estrangeiros que seguirá no acordo, mas que espera contrapartida pelo fato de o país ser um dos que menos poluem o planeta.

Clima é um dos principais trilhos da agenda em Davos neste ano, e os participantes mostram preocupação com a ação humana no aquecimento do planeta. Nesta terça, o príncipe William entrevistou o naturalista David Attenbourgh a esse respeito na plenária.

No encontro fechado, que reuniu cerca de 30 executivos pouco após seu discurso, incluindo os CEOs do Bank of America, Brian Moynihan, e o da Salesforce, Mark Benioff, Bolsonaro também explicou seu projeto para a reforma da Previdência, sem contudo entrar em muitos detalhes —parte da plateia de seu discurso se frustrara com a ausência de informações sobre o assunto.

A reação dos executivos foi descrita como “muito positiva” por esse participante, embora tenham notado que o presidente ainda precisa passar da palavra à ação.


José Casado: Preso no labirinto

Aos 69 anos, Paulo Guedes, ministro da Economia, começa a desvelar na mesa do jogo de poder a sua maior aposta como ativista do liberalismo. Na gélida Davos, Suíça, apresentará o projeto de uma “frente única” de conservadores e liberais-democratas para um programa liberal no Brasil.

Num dos textos publicados no GLOBO no final de 2017, sugeriu o desmonte do “Leviatã moldado pelo nacionalismo estatizante do regime militar”. Na travessia do tempo, ressaltou, ele “acabou —quem diria —aparelhado pelos petistas”.

“Esse aparelho de Estado”, prosseguiu, “antes dirigido por uma tecnoburocracia administrativa de comando central com foco em infraestrutura, foi saqueado por grupos de interesse corporativo e partidos políticos desidratados pela concentração de recursos no governo central. O capitalismo de Estado dos militares tornou-se o capitalismo de quadrilhas dos social-democratas.”

Guedes seduziu um de seus leitores, Jair Bolsonaro, na época candidato à procura de uma ideia.

A eficácia política dessa ideia de uma “frente” de conservadores e liberais-democratas será testada em temas como a reforma da Previdência, a partir da segunda-feira, 4 de fevereiro. É quando o Congresso começa a decidir sobre os limites da ação governamental na desmontagem desse “legado” do regime militar.

Já é possível perceber Guedes se chocando contra paredes do próprio labirinto. Há três semanas prometeu amputar parte dos “braços armados” do capitalismo de Estado, como define o gigantismo dos três bancos públicos, donos de metade do crédito disponível na praça.

Seu dilema é como decepar o segmento financeiro do setor público sem alternativa à subversão ainda maior do ambiente de negócios no país. O risco é o de estimular mais, e exponencialmente, a concentração na tesouraria de três bancos privados (Itaú, Bradesco e Santander).

Se Guedes já encontrou a saída, deveria indicá-la o mais rapidamente possível. Sobram dúvidas, e isso nunca é bom para os negócios no Brasil ou na Suíça.