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O Globo: entenda por que a eleição no Congresso é decisiva para o governo Bolsonaro

Escolha dos novos chefes do Congresso na segunda metade do governo de Jair Bolsonaro será decisiva para as marcas que o presidente deixará ao fim de seu mandato — e, consequentemente, para a possibilidade de se reeleger

Paulo Cappelli, Isabella Macedo e Julia Lindner, O Globo

BRASÍLIA — A escolha dos novos chefes do Congresso na segunda metade do governo de Jair Bolsonaro, em 1º de fevereiro, será decisiva para as marcas que o presidente deixará ao fim de seu mandato — e, consequentemente, para a possibilidade de se reeleger. Ampliar as reformas econômicas, cumprir promessas de campanha e implantar uma agenda ideológica dependerão dos futuros presidentes do Legislativo.

VejaRodrigo Maia diz que governo faz 'interferência antidemocrática' na eleição da Câmara

Na Câmara, há pressão de bolsonaristas para que o candidato do Palácio do Planalto dê andamento a pautas conservadoras que ficaram emperradas. Mas, no Senado, nem mesmo os governistas estão dispostos a dar abertura ao discurso na área de costumes enfatizado pelo presidente da República.

Aliados do governo avaliam que, caso o candidato apoiado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vença a eleição, pautas de costumes ligadas ao bolsonarismo terão ainda mais dificuldade de serem levadas ao plenário. Por isso, eles tentam negociar a tramitação das matérias com o deputado Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo Planalto na disputa.

— O governo quer desburocratizar o acesso às armas e reduzir os impostos na área. Quer também acabar com a ideologia nas escolas, de esquerda ou de direita. Já na questão ambiental, é necessária uma flexibilização para tornar mais rápida a emissão de licenças — afirma o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que integra a ala bolsonarista do partido e já declarou voto em Lira.

O candidato do Planalto, porém, tem evitado falar publicamente sobre essas pautas e, em conversas com a oposição, garante não haver compromisso de levá-las adiante. Uma declaração de Bolsonaro na semana passada, no entanto, deu a entender que o governo fará pressão. O presidente disse que vai reenviar em fevereiro um projeto sobre regularização fundiária, tema de uma Medida Provisória (MP) que, este ano, flexibilizou as exigências para a titulação de terras. A MP perdeu a validade sem ser votada.

Alinhamento econômico

Com relação às pautas econômicas, disputas políticas travaram o andamento delas em 2020. A expectativa de governistas é que no próximo ano seja possível retomar com mais facilidade a discussão das reformas administrativa e tributária, independentemente dos vitoriosos nas corridas pelas presidências de Câmara e Senado, pois há maioria no parlamento a favor dessas agendas. Outras pautas econômicas no horizonte são a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial — que trata de medidas administrativas que poderão ser usadas pelos entes federados para reduzir despesas —, a criação do Renda Cidadã e a privatização de estatais.

Presidência na CâmaraApoio a Lira opõe direção do PSB a bancada na Câmara; PT quer se unir a partidos da oposição

No Senado, nem os candidatos alinhados ao governo indicam ter disposição de colocar em pauta temas controversos defendidos pelo presidente. Exemplo disso foi a postura do líder do governo na Casa, Fernando Bezerra (MDB-PE), um dos cotados na disputa à presidência, durante sessão na última semana. O senador votou a favor do decreto que susta a portaria editada pelo presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, retirando nomes como Milton Nascimento e Gilberto Gil da lista de personalidades negras.

— Eu fico em uma posição muito delicada, porque, como líder do governo, teria que fazer a defesa do decreto da Fundação Palmares, mas, como senador de Pernambuco, com uma trajetória de vida pública nessa Casa e na Câmara, quero me aliar a todos os líderes partidários e votar sim — disse Bezerra.

Um dos poucos a contestarem a votação foi o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente.

Outro possível candidato do MDB, que mantém proximidade com o Planalto, é o líder da bancada no Senado, Eduardo Braga (AM). Nas conversas que manteve na semana passada, ele disse que tem compromisso com pautas pela responsabilidade fiscal, como a manutenção do teto de gastos, e que deem boas sinalizações ao mercado para atrair investimentos. E diz que não dará prioridade à chamada pauta de costumes.

Diálogo no senado

Nos últimos dois anos, em contraste aos embates protagonizados com Maia, Bolsonaro manteve uma boa relação com Davi Alcolumbre. Senadores consideram, no entanto, que o atual presidente do Senado conseguiu barrar a agenda conservadora de maneira discreta, sem ter que partir para um confronto direto. Alcolumbre quer lançar na disputa um senador independente do governo, mas que consiga ter diálogo com o Planalto — o favorito é Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

O analista político e diretor licenciado de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, avalia que a pauta de costumes não encontra apoio suficiente no parlamento e ficaria travada na Casa mesmo diante da vitória de um candidato apoiado por Bolsonaro:

— A agenda de costumes vai travar. Nós temos parlamentares que não vão aceitar essa mentalidade do governo de retroceder em uma série de conquistas civilizatórias, em temas com posições já consolidadas, até internacionalmente.


O Globo: Barrados pelo STF, Maia e Alcolumbre planejam sucessão de forma independente

Decisão da Corte estremeceu relação e esvaziou chance de acordo conjunto

Julia Lindner, O Globo

BRASÍLIA — A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de barrar a reeleição no comando do Legislativo estremeceu a relação entre os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), enterrando a possibilidade de os dois trabalharem juntos nas suas respectivas sucessões. Segundo aliados, Alcolumbre está sem atender Maia desde o sábado passado, véspera do resultado final do STF. Ele trata as articulações de forma independente.

O presidente do Senado considera o chefe da outra Casa responsável por sua derrota na Corte, pois Maia, no comando da Câmara desde 2016, deixou no ar se seria candidato ou não. Para Alcolumbre, o clima era mais favorável para ele tentar a recondução sozinho, mas seu correligionário se recusou a fazer um gesto público neste sentido. Em entrevista ao GLOBO enquanto o julgamento se desenrolava, Maia afirmou que não diria “uma coisa nem outra” sobre a possibilidade de disputar o cargo mais uma vez.

Um integrante do DEM nega que tenha ocorrido um afastamento definitivo entre Maia e Alcolumbre, mas brincou que os dois “não estão melhores amigos no momento”. Pessoas próximas a Alcolumbre justificam que o presidente do Senado tem evitado Maia apenas por dificuldade de agenda. Focado na sucessão, Alcolumbre não presidiu nenhuma sessão na semana passada.

Em 2019, quando ambos saíram vitoriosos, as negociações foram individuais. Enquanto no Senado houve respaldo ao atual presidente pelo governo, especialmente pelo então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, na Câmara o suporte a Maia só chegou quando ele já tinha maioria consolidada. Agora, Alcolumbre até fala em buscar um nome independente, mas se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro na semana passada para debater o tema. Enquanto isso, Maia tem feito ataques sistemáticos ao governo.

Alguns partidos buscam negociações “casadas”. O PP, por exemplo, que tem o deputado Arthur Lira (AL) na disputa na Câmara, tenta convencer alguns partidos a apoiá-lo em troca de reciprocidade no Senado. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), já ofereceu esse tipo de acordo ao MDB e ao DEM, dois partidos que almejam a presidência do Senado. Em ambos os casos, não houve resposta.

No Senado, o DEM trabalha no momento com a candidatura de Rodrigo Pacheco (MG), preferido de Alcolumbre. Na Câmara, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) ainda está oficialmente entre os que disputam o apoio de Maia, mas a tendência é que a escolha do atual presidente seja por Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) ou Baleia Rossi (MDB-SP).

No caso do MDB, do qual Baleia é presidente, a ideia é tratar o tema de forma independente. No Senado, há uma disputa interna entre pelo menos quatro parlamentares pela candidatura: os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (TO); e os senadores Eduardo Braga (AM) e Simone Tebet (MS).


Maria Cristina Fernandes: Uma disputa contaminada por 2022

Congresso precisa se diferenciar de JB para sobreviver

A Câmara dos Deputados terá a disputa mais contaminada pela sucessão presidencial da história. Não porque os pré-candidatos que aí estão venham a atuar na formatação das chapas em disputa. Nem que o quisessem, conseguiriam. A contaminação se dará pela necessidade de preservar o status quo parlamentar, a ser repactuado não apenas com o atual governo como também com aquele que vier a sucedê-lo.

O estado de coisas a ser mantido começou a ser construído cinco anos atrás por dois governos em busca de sobrevivência. Um (Dilma Rousseff) naufragou, o outro (Michel Temer) escapou. Como legado, deixaram as emendas impositivas (R$ 15,4 bilhões em 2020) e os fundos eleitoral e partidário (R$ 3 bilhões) num volume jamais visto. Esses recursos garantem a reprodução dos partidos como máquinas de mediação do poder.

Se em 2020, União, Estados e municípios dispuseram de dinheiro extra para a pandemia, as incertezas para o caixa de 2021 estão refletidas na ausência de uma Lei de Diretrizes Orçamentárias a três semanas do fim do ano. Ganha quem mantiver o que tem. É isso que está em jogo, antes de qualquer nome para 2022, por mais que a condução aloprada do combate à covid-19 do presidente torne premente a busca de alternativas.

A dramaticidade pública da disputa, se dá pelas farpas. Um lado desencava a ficha corrida do candidato que, em resposta, ameaça uma devassa nas contas da gestão que permaneceu mais de quatro anos no poder. Mas o nome real da briga é a liderança para preservar seu quinhão sob o teto de gastos.

Por isso, a disputa não favorece aventureiros ou aqueles que colecionam inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Há muito em jogo e ninguém quer correr riscos com dublês de Eduardo Cunha. O ex-deputado só conseguiu se eleger para comandar a Câmara porque cultivava mais diferenças do que semelhanças com a ex-presidente Dilma Rousseff. Jair Bolsonaro está cada vez mais parecido com o Congresso. Por isso, também, os parlamentares precisam buscar alguém que se diferencie.

Maia manteve-se fiel aos seus princípios liberais, aprovou reformas fiscais (Previdência), sociais (Fundeb) e estruturantes (saneamento) e viabilizou o combate à pandemia com o Orçamento de guerra. Por outro, manteve os espaços conquistados pelos partidos, inclusive o seu.

Nos dois últimos anos, o DEM manteve um inédito domínio de ambas as mesas do Congresso, ocupou as Pastas da Saúde, Casa Civil e Agricultura, além de cargos-chave na execução de políticas públicas como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio São Francisco (Codevasf).

Enfraquecido pela decisão do Supremo, Rodrigo Maia tentará preservar sua condição de interlocutor da pauta reformista, e do palanque presidencial de 2022. Só o fará se for capaz de eleger um aliado. Não é o caso de Arthur Lira. Cabe tudo na relação entre ambos, menos lealdade.

O líder do PP não abre para ninguém. Um velho parlamentar dizia que no Congresso não se joga xadrez, mas dama, jogo em que vence aquele que come as peças do outro. Lira joga com as pretas. Seus aliados ameaçam, por exemplo, intervir no diretório do PP da Paraíba e usar de sua influência no governo para deixar o prefeito eleito de João Pessoa, Cícero Lucena, à míngua se o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), aliado de Maia, resolver se lançar como candidato avulso.

Na miríade de candidatos que aí estão todos se apresentam como mais independentes do bolsonarismo do que Arthur Lira, ainda que usufruam de suas benesses. A vacinação contra a covid-19 é apenas a mais recente das trapalhadas de um governo cuja proximidade tem se tornado cada vez mais tóxica. Depois de anunciar que o PP estaria de portas abertas para a filiação do presidente, os aliados de Lira já dizem abertamente que pretendem mandá-lo pra casa daqui a dois anos.

A julgar pelo primeiro biênio, talvez seja, de fato, o melhor lugar que Jair Bolsonaro possa almejar. A postura, destinada a angariar votos da esquerda, tem enfrentado resistências. No encontro desta semana entre Lira e Paulo Câmara, governador de Pernambuco, capitania do PSB, só havia sete dos 31 parlamentares do partido.

Se o essencial é preservar os espaços do Legislativo num Orçamento que vai se apertar ainda mais, a credencial de parlamentares hoje licenciados para ocupar cargos no Executivo deveria valorizá-los. Só que não. O ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN) é um parlamentar de primeiro mandato que nunca liderou bancada nem sequer relatou matéria na Câmara. É jeitoso, mas prescinde de todos os demais predicados para ocupar o cargo.

O outro ministro cogitado, Tereza Cristina (DEM-MS), da Agricultura, pode até deixar o cargo porque o presidente Jair Bolsonaro precisará recompor seu governo em função da disputa pela Mesa, mas não unifica nem mesmo a bancada ruralista. Resiste a encampar o chororô pela renegociação das dívidas eternas do campo.

Se a Câmara custa a encontrar um nome que ancore com responsabilidade o status quo dos parlamentares, no Senado o jogo é o inverso. Davi Alcolumbre (DEM-AP), senador de primeiro mandato, foi um azarão que construiu sua vitória porque do outro lado estava o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Ele é fruto de uma conjunção de astros hoje inexistente. Eleito graças aos votos da bancada lavajatista, Alcolumbre firmou maioria junto aos tradicionais feudos da Casa traindo os compromissos que firmara e assumindo a condição de despachante de interesses dos senadores junto ao governo.

As infrações da operação e o ocaso do ex-juiz Sergio Moro ofuscaram a bandeira lavajatista. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, porém, a derrota da tese da reeleição nas Mesas do Congresso reavivou as divisões históricas entre garantistas e lavajatistas do Supremo, embora com os sinais trocados. Os coveiros da Lava-Jato não se preocuparam com as garantias das previsões constitucionais.

O que mudou da eleição de Maia e Alcolumbre para cá é que Bolsonaro mostrou a que veio. A imagem do Legislativo só melhorou, ao longo da pandemia, porque a Casa, apesar de sócia ocasional do bolsonarismo, mostrou-se um contraponto aos seus desvarios. Ganha quem mantiver isso aí.


Carlos Melo: Decisão do STF - O país no encontro marcado consigo mesmo

Instituições não podem depender de uma única pessoa

É verdade que Rodrigo Maia teve importante atuação nesses quase dois anos de governo Bolsonaro. Mais que seu colega de Senado Federal, Davi Alcolumbre, o presidente da Câmara se contrapôs à penca de desatinos e desventuras em série vindos do presidente da República e de seus ministros. Em muitos momentos, Maia personificou o “sistema de freios e contrapesos”.

Também são conhecidas as intenções de Jair Bolsonaro: retirar Maia de seu caminho e eleger presidente da Câmara um aliado que lhe sirva a ele no objetivo único da reeleição. E assim deixar “tudo dominado”, aparelhando o Legislativo como busca fazer com outros órgãos de Estado.

Tudo isso é verdadeiro e verdadeiramente perigoso. Mas nada justificaria “casuísmos do bem”. Instituições não podem depender de uma única pessoa ou dos interesses imediatos de um grupo. É evidente que Maia, mais até que Alcolumbre, poderá fazer falta à dinâmica democrática no Congresso. Mas também é preciso reconhecer que o País precisa seguir em frente, sem incorrer no erro de pretender combater o messianismo recorrendo a outro tipo de messianismo, com sinal trocado.

Logo, não se deve chorar a impossibilidade de reeleição no Congresso, decidida pela interpretação constitucional da maioria dos ministros do Supremo. A decisão do STF embaralha o jogo e torna a eleição legislativa tão mais dramática quanto mais importante para o futuro. Mas, também pode ser aproveitada como um importante momento de superação e construção política. A sucessão de Alcolumbre, que antes não parecia ser problema, se colocará no cálculo mais amplo das negociações dos grandes partidos, nas duas Casas.

Articular é preciso, e o chamado centro-liberal tem agora seu sua hora mais séria com a oposição: faltará a ambos, oposição e centro, grandeza para compreender o momento?

Pode ser o encontro marcado do país consigo mesmo.

*Cientista Político, professor do Insper


Ricardo Noblat: O Supremo Tribunal salva-se do vexame de rasgar a Constituição

Menos mal, mas nada a celebrar

Nada a comemorar quando o Supremo Tribunal Federal decide que os atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado não poderão ser reeleitos. Por maioria de votos, os ministros do Supremo limitaram-se apenas a respeitar o que está escrito no parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição que diz:

“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

A atual legislatura começou em fevereiro de 2019 com a eleição de David Alcolumbre (DEM-AP) para presidente do Senado, e a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Câmara. E se estenderá até fevereiro de 2023. Logo, eles não poderiam permanecer onde estão a partir de fevereiro próximo.

O que espanta é que até a semana passada houvesse no Supremo uma maioria de votos para favorecer os dois e, na prática, rasgar a Constituição. Ministros que acabaram votando contra, como Luiz Fux, por exemplo, presidente do tribunal, admitiam votar a favor com a intenção de barrar o avanço de Bolsonaro no Congresso.

O presidente da República queria a recondução de Alcolumbre, seu aliado, mas não a de Maia a quem considera um desafeto e aliado do governador João Doria (PSDB-SP) que deseja concorrer com ele na eleição de 2022. Agora, para que Bolsonaro consiga o que quer, precisaria aprovar uma emenda à Constituição. Mas como?

Emendar a Constituição requer dois terços dos 513 votos possíveis na Câmara e dos 81 no Senado. Bolsonaro não conta com mais do que 200 na Câmara, e menos da metade necessária no Senado. Resta-lhe trabalhar para que os sucessores de Alcolumbre e Maia sejam nomes pelo menos simpáticos ao seu governo.

Na Câmara, esse nome seria o do deputado Arthur Lira (PP-AL). Acontece que Lira é alvo de denúncias de corrupção e Maia se opõe à sua escolha. A parada para Bolsonaro poderá ser menos difícil no Senado onde são muitos os que desejam seu aval para se eleger. Muita água ainda rolará por debaixo da ponte até lá.

O Supremo salvou-se da vergonha de se meter onde não deveria e fechar os olhos ao que manda a Constituição – menos mal. Mas só o fez, é bom reconhecer, porque foi grande e unânime a reação da opinião pública. Pena que tenha sido acima de tudo por isso. O episódio não engrandeceu a toga.


O Estado de S. Paulo: Decisão do STF zera o jogo na disputa na Câmara e no Senado, avaliam líderes políticos

Resultado do julgamento surpreendeu parlamentares, que esperavam um aval para a recondução no Congresso

Jussara Soares e Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de barrar a reeleição dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), surpreendeu políticos que estavam acordados no fim da noite deste domingo, 6. A expectativa era a de que a Corte desse aval à recondução, conforme apontavam as tendências. Com a virada, as análises preliminares são que o resultado zera o jogo nas duas casas, mas a disputa se torna mais imprevisível no Senado.

Por 6 a 5, o STF decidiu não dar permissão à reeleição de Alcolumbre. No caso de Maia, a derrota foi ainda maior: o placar foi de 7 a 4. Os ministros Luís Roberto BarrosoEdson Fachin e o presidente do STF, Luiz Fux, votaram neste domingo contra a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara. Com os três últimos votos, o Supremo barrou a tese de reeleição no Congresso. 

No meio político, a avaliação é a de que a mudança no posicionamento dos ministros do STF ocorreu devido à pressão nas redes sociais diante da possibilidade de reeleição. No fim de semana, as hashtags #STFOrganizaçãoCriminosa e #STFVergonhaNacional foram usadas para criticar os ministros da Corte, que foram acusados de atentar contra a Constituição.

A eleição da cúpula do Congresso está marcada para 1.º de fevereiro de 2021. O resultado traz mais definição para a disputa na Câmara e reduz especulações. Apesar de Maia dizer a toda oportunidade que não era candidato à reeleição, a ideia permanecia.

Com isso, o grupo de aliados deverá definir agora o apoio em torno de um dos cinco nomes já pré-estabelecidos, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Baleia Rosssi (MDB-SP), Elmar Nascimento (DEM-BA), Luciano Bivar (PSL-PE) e Marcos Pereira (Republicanos-SP). Entre eles, deve prevalecer quem conseguir conquistar os partidos da oposição.

Rossi, no entanto, pode ter de sair da corrida para dar lugar ao seu partido no Senado. Com Alcolumbre fora da jogada, cresce a expectativa de que o MDB tenha maioria para fazer o presidente na Casa. O Senado tem um número menor de candidatos e esperava uma definição do STF para organizar o xadrez de 2021. O líder do MDB, a maior bancada da Casa, Eduardo Braga (AM), já se movimenta para a disputa. No mesmo partido, Eduardo Gomes (TO) e Simone Tebet (MS) são apontados como possíveis candidatos.

O presidente do PTB, Roberto Jefferson, autor da ação que levou ao julgamento ao STF, tratou o resultado como uma vitória do seu partido. “O PTB ganhou de 6x5 no STF. Acabou a farra da reeleição na Câmara e no Senado. Deus seja louvado. Vitória do povo do Brasil”, disse. Jefferson disse que não esperava esse resultado, mas acredita que a virada aconteceu por “medo do povo”. 

O presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira (PI), afirmou não ter se surpreendido com o resultado, mas disse que o cenário do Senado agora está imprevisível. Ele era contra a reeleição de Maia, mas a favor da de Alcolumbre.

Pré-candidato à presidência da Câmara, em um grupo de aliados de Maia, o presidente do Republicanos, Marcos Pereira, elogiou a decisão dos magistrados. “O STF agiu com responsabilidade ao recusar a tese casuística de reeleição no Parlamento. O § 4º do art. 57 da CF é absolutamente claro no seu teor, não cabendo interpretação diferente. Mudanças na CF devem ser promovidas dentro do Congresso Nacional, o locus adequado para isso”, escreveu Pereira, em sua conta no Twitter.

O líder do Novo na Câmara, Paulo Ganime (Novo-RJ), comemorou o resultado. “O STF decidiu hoje corretamente sobre algo que nem deveria estar decidindo. A CF é muito clara. O Brasil perdeu tempo, dinheiro e muito mais com essa discussão. Pelo menos não rasgaram a CF, não dessa vez”, disse, em sua conta no Twitter. 

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, disse que o STF agiu com perfeição. “Rosa Weber, Marco Aurélio, Cármen, Barroso, Fux e Fachin colocaram o gênio de volta na lâmpada. Queriam arrastar o STF pra uma aventura política que enxovalharia a Corte e diminuiria a democracia a pretexto de salvá-la. Na democracia, as instituições são maiores do que os homens”, avaliou.

Aliado do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Marcos Feliciano (Republicanos-SP) disse que o resultado enfraquece o DEM, partido de Maia e Alcolumbre. “Decidiram manter a vedação da reeleição no Congresso! Acabou-se o delírio imperial de Rodrigo Maia! Agora é bola ao centro e recomeça o jogo. DEM sai muito enfraquecido”, disse ele, por meio das redes sociais.

O líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), concordou com a decisão da Justiça. “Saem fortalecidas a Constituição, a democracia, a República. Saímos mais fortes desse episódio pra enfrentar os ataques de Bolsonaro a nossas instituições.”


O Estado de S. Paulo: STF barra reeleição de Maia e Alcolumbre

Os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux votaram neste domingo contra a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. Com os três últimos votos, o Supremo barrou a tese de reeleição na mesma legislatura

Rafael Moraes Moura,O Estado de S. Paulo

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na noite deste domingo barrar a possibilidade de os atuais presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disputarem a reeleição na mesma legislatura. A eleição da cúpula do Congresso está marcada para 1º de fevereiro de 2021. O resultado do julgamento muda radicalmente o tabuleiro político na sucessão das duas Casas.

Ao longo dos últimos dias, o STF sofreu uma série de críticas por conta do julgamento, o que influenciou o placar final, segundo o Estadão apurou.  O ex-presidente do STF Nelson Jobim, por exemplo, disse ao Estadão estar “perplexo” com a discussão. Também proliferaram críticas na classe política e no meio acadêmico.

Por 6 a 5, o STF decidiu não dar permissão para a reeleição de Alcolumbre. No caso de Maia, a derrota foi ainda maior, com o placar de 7 a 4. A diferença nos dois resultados se dá por conta do voto do ministro Nunes Marques. Indicado ao tribunal pelo presidente Jair Bolsonaro, Nunes Marques optou por uma solução intermediária — a favor de Alcolumbre, mas contra Maia –, alinhado aos interesses do Palácio do Planalto, que aposta na candidatura de um dos líderes do Centrão, o deputado Arthur Lira (PP-AL), para a chefia da Câmara.

Na noite deste domingo, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e  o presidente do STF, Luiz Fux, votaram contra a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado em 2021, marcando uma reviravolta no resultado final, que indicava uma tendência de vitória da tese a favor da recondução.

“A regra impede a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente a do primeiro ano da legislatura. Nesse ponto, a norma constitucional é plana: não há como se concluir pela possibilidade de recondução em eleições que ocorram no âmbito da mesma legislatura sem que se negue vigência ao texto constitucional”, escreveu Fux.

“Com efeito, não compete ao Poder Judiciário funcionar como atalho para a obtenção facilitada de providências perfeitamente alcançáveis no bojo do processo político-democrático, ainda mais quando, para tal mister, pretende-se desprestigiar a regra constitucional em vigor”, concluiu o presidente do STF.

O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez, observou ser “compreensível o sentimento de que existe uma assimetria no sistema constitucional dos Poderes ao não se permitir uma recondução dos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados”, ao contrário do presidente da República. “Entendo não ser possível a recondução de presidente de casa legislativa ao mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, porque esse é o comando constitucional vigente”, concluiu Barroso.

A eleição para a cúpula do Congresso é a disputa política mais importante do próximo ano. Os presidentes da Câmara e do Senado comandam a agenda legislativa do País, articulam a estratégia para a aprovação de reformas prioritárias do governo e são responsáveis por controlar não apenas a abertura de CPIs, mas também o andamento de pedidos de impeachment – do presidente da República, no caso da Câmara; dos ministros do STF, no caso do Senado.

O julgamento ocorreu no plenário virtual da Corte, uma plataforma online que permite que os ministros analisem casos longe dos olhos da opinião pública – e das transmissões ao vivo da TV Justiça.

Na madrugada da última sexta-feira, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, havia votado a favor da tese da reeleição, sendo seguido integralmente por Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. A divergência no julgamento foi aberta pelo ministro Marco Aurélio Mello.

“A tese não é, para certos segmentos, agradável, mas não ocupo, ou melhor, ninguém ocupa, neste tribunal, cadeira voltada a relações públicas. A reeleição, em si, está em moda, mas não se pode colocar em plano secundário o artigo 57 da Constituição”, escreveu Marco Aurélio.

Além de Fux, Fachin, Barroso e Marco Aurélio, as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia votaram contra dar aval às reeleições de Maia e Alcolumbre.

Ditadura. Há mais de meio século, a reeleição é proibida na cúpula do Congresso. Em 1969, o Ato Institucional número 16, editado pela ditadura militar, proibiu a recondução ao cargo dos presidentes da Câmara e do Senado. O veto foi imposto pelo regime ditatorial em uma manobra contra o então presidente da Câmara, José Bonifácio Lafayette de Andrada. Mesmo filiado ao Arena, Andrada provocou irritação em setores radicais do governo ao permitir que colegas parlamentares denunciassem da tribuna a repressão das Forças Armadas.

Antes disso, não eram incomuns a reeleição por mandatos consecutivos, como foi o caso de Ranieri Mazzilli, que comandou a Câmara por um período de sete anos (de 1958 a 1965). Arnolfo Azevedo (1921-1926), Astolfo Dutra (1915-1919) e Sabino Barroso (1909-1914) também foram reeleitos.

A Constituição de 1988, em pleno regime democrático, reforçou o veto à reeleição colocado pelos militares. “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente”, diz o artigo 57 da Carta.

De lá pra cá, o Supremo flexibilizou a regra: passou a permitir a reeleição no caso de mandato-tampão e em legislaturas diferentes.

Temores. Um dos temores no STF é o de que nomes mais imprevisíveis e mais alinhados ao presidente Jair Bolsonaro assumam o comando da Câmara e do Senado, o que poderia resultar em retaliações contra o Judiciário, como a abertura da CPI da Lava Toga e até mesmo a votação de pedidos de impeachment de ministros do STF. Até agora, Alcolumbre tem resistido à pressão de senadores “lavajatistas”.


Vera Magalhães: O velho casuísmo

STF, ‘guardião’ da Carta, estende tapetão para Maia e Alcolumbre

O Brasil precisa de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia no comando do Legislativo? Ambos e alguns ministros do Supremo Tribunal Federal parecem crer que sim. Ou pior: parecem querer convencer o Brasil de que sim, mesmo sabendo que se trata apenas e tão somente de uma briga pela manutenção de um importante naco de poder, num momento especialmente delicado da vida nacional.

O fato é que não, o Brasil não precisa dos dois mais dois anos à frente do Senado e da Câmara, mas sim, caso eles permaneçam lá (com a ajuda suprema), as decisões que eles tomarem terão amplo impacto na vida do Brasil, e não apenas interna corporis das Casas que comandam. O que torna o casuísmo supremo ainda mais deletério para o nosso sempre adiado amadurecimento institucional.

Gilmar Mendes fez um voto tão longo quanto confuso para tentar convencer o País e seus pares de que Rodrigo Maia poderia tentar não o quarto, mas o segundo mandato como presidente da Câmara. E que Alcolumbre pode, sim, se candidatar a mais um biênio na cadeira azul do Senado quando outras raposas que o antecederam bem que gostariam de fazê-lo, se a regra fosse mesmo essa.

Trata-se, como escrevi no BR Político, de querer tratar a Constituição como as irmãs da Cinderella fizeram com o sapatinho de cristal: atochando num pé maior e cheio de joanetes e jurando que serve direitinho.
Acontece que o Brasil vive sob o governo de um presidente da República que já deu inúmeras demonstrações práticas de que gostaria de quebrar o sapato de cristal da Constituição e andar de botinas por aí.

É uma contradição grave que seja justamente a Corte que tantas vezes veio em socorro da sociedade, impedindo atos que atentavam contra o Estado democrático de direito, defendendo o princípio do pacto federativo, e prestes a decidir sobre algo importantíssimo, como a obrigação do Estado de garantir vacina em uma pandemia, resolva fazer um recreio para dar uma forcinha para os amigos do prédio vizinho na Praça dos Três Poderes.

Ao fazê-lo, o STF volta a episódios recentes de triste memória, como aquele em que fatiou o que diz a lei do impeachment de forma textual para assegurar a Dilma Rousseff a manutenção dos seus direitos políticos.

Não surpreende que Alcolumbre, que na própria eleição deixou até de ir ao banheiro para não se levantar da cadeira de presidente do Senado, se lance a essa aventura. Era um novato do baixo clero antes de comandar a Casa, se beneficiou da repulsa nacional a Renan Calheiros e agora quer gozar de mais dois anos de notoriedade. Iria a pé a Macapá por isso.

Mas e Rodrigo Maia? O presidente da Câmara já deixou o baixo clero há tempos. É visto pelo mercado e por setores da sociedade como um garantidor das normas, da legalidade e da previsibilidade. Como esses princípios se encaixam numa narrativa, qualquer que seja ela, para se perpetuar no poder pelo inacreditável período de 2016 a 2022?

Não importa que do outro lado da disputa esteja alguém com as credenciais fisiológicas de Arthur Lira. Isso é fulanizar a discussão. Os 513 deputados que se virem e cheguem a um nome capaz de comandar a Câmara diante do brutal desafio econômico, posto desde já.

Rodrigo Maia tem, até fevereiro, de conduzir a Casa para resolver o nó do fim do auxílio emergencial, da manutenção ou não do teto de gastos e da votação do Orçamento. São tarefas urgentes, que não coadunam com a busca egoica por mais dois anos de poder.

Se for bem sucedido na agenda e se mantiver o importante contraponto que tem feito aos abusos e erros do governo Bolsonaro, terá todas as credenciais para fazer seu sucessor sem precisar se enrolar no tapetão que o STF está disposto a estender diante de seus pés.


Ricardo Noblat: O Supremo tem direito de errar, mas não de fingir-se de cego

A marcha da insensatez

Se por “excesso de provas”, o Tribunal Superior Eleitoral deixou de condenar a chapa Dilma-Temer acusada de abuso do poder econômico na eleição de 2014, por que o Supremo Tribunal Federal não pode simplesmente mandar às favas a Constituição, permitindo a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ)) e de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para o comando da Câmara e do Senado?

Em maio de 2004, o presidente Lula quis expulsar do país Larry Rohter, correspondente do New York Times, que dissera em reportagem que ele bebia além de conta. Durante uma tensa reunião no Palácio do Planalto, um assessor de Lula, com um exemplar da Constituição aberto na mão, apontou o artigo que impedia a expulsão do jornalista. Lula respondeu de bate pronto:

– Foda-se a Constituição.

À época, este blog foi o único meio de comunicação que publicou a história. Editores-chefes de vários jornais me telefonaram perguntando se a informação merecia crédito. Respondi que sim e lhes contei mais detalhes. Ela jamais foi desmentida. Um amigo de Lula me disse que ele mandara o assessor se foder, não a Constituição. Como não colou, desculpou-se: “Deixa pra lá”.

O placar no Supremo estava até ontem à noite em 4 votos a favor da recondução de Maia e Alcolumbre, um só a favor da recondução de Alcolumbre e dois contra. Votaram a favor Gilmar Mendes, o relator da ação, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Levandowisk. Só à favor da recondução de Alcolumbre, Kássio Nunes. Contra, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia.

Até o próximo dia 14, deverão votar Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, o presidente do tribunal. Marco Aurélio, em seu voto, foi curto, grosso e acertou no alvo:

“A tese não é, para certos segmentos, agradável, mas não ocupo, ou melhor, ninguém ocupa, neste tribunal, cadeira voltada a relações públicas. A reeleição, em si, está na moda, mas não se pode colocar em plano secundário o parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição”.

O parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição afirma: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Mais claro impossível.

O Supremo usurpa o papel do legislador quando se mete em fazer política e se afasta do seu que é o de aplicar as leis com correção. Por mais malabarismos que façam, argumentos delirantes que apresentem e citações que ilustrem seus raciocínios, os ministros não vão conseguir disfarçar que nesse caso preferiram de fato despir a toga para exercer um poder que não lhes compete.

Valem-se – quem sabe? – do que o tribuno Ruy Barbosa, em sessão do Senado no início do século passado, disse para o colega Pinheiro Machado que se insurgira contra uma decisão do Supremo:

“Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade.”

Sim, o Supremo tem direito a errar por último. Mas não quando o erro é clamoroso e só não o enxerga quem deliberadamente se finge de cego.


Ricardo Noblat: Só cabe ao Supremo Tribunal Federal respeitar a Constituição

Vale o que está escrito

Não fosse por um detalhe, a recondução de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro próximo, e a de David Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado seria bem vista por muitos que os enxergam como freios ao controle que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de exercer sobre o Congresso a dois anos de tentar renovar o seu mandato.

O ano da pandemia foi aquele onde, apesar da queda de popularidade por não ter sabido enfrentar a doença, e da derrota que colheu nas eleições municipais, Bolsonaro conseguiu mesmo assim aumentar o seu poder. Livrou-se de Sérgio Moro, passou a mandar na Polícia Federal e nomeou para o Supremo Tribunal Federal um ministro que obedece às suas ordens

É verdade que Alcolumbre tem se comportado mais como aliado do presidente da República do que como político à altura da grandeza do cargo que ocupa. De olho na eleição para governador do seu Estado em 2022, mendiga favores ao governo e em troca funciona como líder in pectore de Bolsonaro no Senado. Apesar disso, escuta Maia e nem sempre ultrapassa certos limites.

Mas é o detalhe que impede que ele e Maia fiquem por mais dois anos nos lugares onde estão. Infelizmente para os dois, e talvez também para o país, o parágrafo quarto do artigo 57 da Constituição diz de maneira a não restarem dúvidas:

“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

Alcolumbre e Maia foram eleitos para presidente do Senado e da Câmara em 2018. Ou seja: na atual legislatura que só se encerrará daqui a dois anos com a eleição de novos senadores e deputados. No caso de Maia, ele completou o mandato de Eduardo Cunha (MDB-RJ), presidente da Câmara, cassado em 2016 por quebra de decoro parlamentar. Reelegeu-se em 2017 e outra vez em 2019.

Bolsonaro quer ver Maia pelas costas porque acha que ele só lhe cria problemas e não o apoiará em 2022. Torce, porém, para que a Alcolumbre seja concedida a graça de se reeleger mesmo na contramão da Constituição. A graça a Alcolumbre e a Maia, ou apenas a um deles, só poderá ser concedida pelo Supremo Tribunal Federal que a partir de hoje começará a julgar a questão.

O resultado é imprevisível, embora não devesse porque a Constituição é clara e o Supremo deve respeitá-la. Mas ele já a ignorou pelo menos uma vez quando o Senado cassou o mandato da presidente Dilma, mas não os seus direitos políticos como previsto na Constituição. À época, a sessão do Senado foi comandada por Ricardo Lewandowski, presidente do tribunal.

Assim, Dilma pode ser candidata ao Senado por Minas Gerais na eleição de 2018. Os mineiros a cassaram.


Bernardo Mello Franco: A gambiarra da reeleição de Maia e Alcolumbre

O Supremo Tribunal Federal começa a julgar amanhã se os presidentes da Câmara e do Senado podem se reeleger. Em outros tempos, os ministros nem precisariam gastar seu latim com o assunto. A Constituição é clara: não podem.

A Carta proíbe expressamente a reeleição dos integrantes das Mesas do Congresso. De acordo com o artigo 57, é “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. O Supremo já admitiu uma exceção quando há mudança de legislatura. Não será o caso em fevereiro de 2021.

O objetivo dos constituintes foi impedir que os presidentes da Câmara e do Senado se eternizassem no poder. Isso evitou que o Congresso virasse uma versão candanga da Assembleia Legislativa do Rio, cujos chefões são quase vitalícios. O mais notório deles, Jorge Picciani, foi eleito seis vezes para o cargo. Só largou o osso ao ser preso pela Polícia Federal.

Desde 1988, a Câmara e o Senado foram comandados por figuras como Ulysses Guimarães, José Sarney, Antônio Carlos Magalhães e Renan Calheiros. Alguns deles mandaram mais que o presidente da República, mas nenhum tentou burlar a Constituição para se perpetuar na cadeira.

Agora há uma manobra em curso para permitir a reeleição de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. O Supremo já deu sinais de que pode lavar as mãos, declarando que a questão é interna corporis. Isso equivaleria a dizer que a Constituição não vale nada. O que conta são os arranjos de ocasião no Congresso.

“A reeleição na mesma legislatura é absolutamente inconstitucional. Se isso for permitido, qualquer um vai se sentir autorizado a descumprir a Constituição quando lhe interessar”, alerta o ex-deputado Miro Teixeira, que exerceu 11 mandatos na Câmara.

Os defensores do casuísmo dizem que Maia e Alcolumbre frearam a escalada autoritária de Jair Bolsonaro. Há controvérsias, mas nem isso justificaria a gambiarra da reeleição. Não se trata de julgar os atos da dupla, e sim de garantir o respeito às regras do jogo. Não se salva a democracia rasgando a Constituição.


Rosângela Bittar: Questão de ordem

Bolsonaro trabalha duro na eleição de prepostos na Câmara e no Senado

O capitão presidente Jair Bolsonaro e sua soldadesca parlamentar do Centrão trabalham duro na eleição de prepostos para substituir os atuais presidentes da Câmara e do Senado. De tal forma que, nos dois anos que lhe restam de mandato, possa assegurar o comando de dois poderes nas batalhas da sua campanha à reeleição. Embora pareça absurdo, é real. O presidente, que tem uma performance em tudo insatisfatória, quer ampliá-la.

Se assim for, seus concorrentes em 22 ficarão imprensados contra um Executivo e um Legislativo postos a serviço do candidato que controla cargos e verbas. A não ser que resistam à tomada de mais esta cidadela.

É o que buscam com a tentativa de reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado, na mesma legislatura, superando a proibição legal. À falta de instrumentos para conter Bolsonaro, a maioria quer manter os atuais dirigentes, confiante na autonomia relativa que demonstraram até aqui.

A consulta ao Supremo Tribunal Federal sobre a reeleição no Congresso não teria sido feita exatamente com este objetivo, mas é o mais provável.

Aberta a sessão legislativa de 2021, em fevereiro, uma voz levantará uma “questão de ordem”. Pedirá que se inicie o processo de eleição dos membros da Mesa, facultada a reeleição dos atuais titulares. Estarão cumprindo um rito traçado a partir de decisão do STF. Em julgamento virtual, que se inicia nesta sexta-feira, e deve seguir até o dia 11, o Supremo reconhecerá, segundo informações preliminares, que esta é uma questão interna do Congresso e cabe a ele decidir.

Há divergência de interpretação sobre os efeitos deste veredicto. Alguns argumentam que, ao não deliberar, o STF estará, na prática, impedindo a reeleição, pois o Legislativo teria dificuldades de exercitar sozinho esta prerrogativa. Outros, porém, têm opinião oposta. Afirmam que, se o STF decidir que a reeleição é um assunto “interna corporis”, será automático o lançamento das candidaturas dos presidentes atuais. Decisão embasada nos critérios de isonomia, de igualdade de oportunidades e de limites idênticos para todos, em um sistema de contradições e caos regulatório em todos os níveis.

O ministro Gilmar Mendes, o relator do processo, preparava-se para fazer um relato histórico da reeleição e da flexibilidade que o STF vem adotando na análise dos casos. A reeleição passou a ser admitida para o Executivo – presidente, governadores e prefeitos; é permitida também em Assembleias e Câmaras, nos Estados e municípios, sendo que, nestas, sem qualquer restrição quanto ao número de vezes e à legislatura; e é autorizada para o Congresso se for disputada em diferentes legislaturas.

A proibição se dá apenas para a reeleição na mesma legislatura. Por qual razão? Não se sabe. Eis o que se comenta: teria sido uma tentativa de limitar, através de ato institucional, o poder do Congresso. Impedir, com esta providência, o estabelecimento de lideranças fortes e estáveis. Não existem explicações, porém, para que se tenha deixado a situação chegar onde se encontra, atolada em um cipoal disforme de regras que aprofundam cada vez mais os equívocos deste instituto.

Se é assim, que o seja para todos até a bagunça normativa sofrer revisão. É este o pensamento dominante que pode ter inspirado a tendência da qual o Supremo emite sinais.

Mesmo para quem admite tal solução, restam duas questões a serem enfrentadas. A primeira é acompanhar o que juristas entenderão como “interna corporis”, qual o instrumento que deve ser usado na decisão. A questão de ordem não terá uma resposta pacífica. Outra voz pode enfrentá-la com recursos. A segunda é a necessidade de encontrar-se um líder destemido que possa propor a revisão da reeleição no Brasil, da Presidência da República aos clubes de futebol.