datafolha
Mauro Paulino e Alessandro Janoni: Núcleo duro de Bolsonaro corresponde a 12%
Presidente é repudiado por 30%, que não votaram nele, reprovam atual governo e não confiam em suas declarações
Com o objetivo de melhor compreender o grau de afinidade e rejeição dos brasileiros ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o impacto das características de seu discurso junto a diferentes estratos sociais, o Datafolha elaborou uma análise de segmentação da última pesquisa nacional.
Por meio da combinação de três variáveis, chega-se a seis grupos distintos numa escala de intensidade que varia do grupo de apoiadores mais fiéis ao de detratores mais críticos do pesselista.
Foram utilizadas na análise o voto declarado no segundo turno da eleição do ano passado, a avaliação que o eleitor faz da atual administração e o grau de confiança nas palavras do presidente.
O núcleo duro de entusiastas de Bolsonaro, isto é, que votou nele no último pleito, classifica sua gestão como ótima ou boa e diz confiar muito nas suas declarações, corresponde a 12% da população brasileira. São bolsonaristas "heavy" (nomenclatura utilizada em pesquisas de opinião para enfatizar a intensidade de um fenômeno).
É o único segmento onde a maioria diz que Bolsonaro se comporta como presidente da República em todas as situações e que seus filhos mais ajudam do que atrapalham o governo.
É o grupo que mais vê melhorias na economia e se mostra otimista quanto ao futuro. Aprovam bem acima da média o desempenho do governo em todas as 18 áreas contempladas pelo estudo, especialmente o setor de comunicações, a política para o meio ambiente, a economia e o combate à corrupção, que na visão do estrato é um dos principais problemas do país.
Como prova da fidelidade a Bolsonaro, a maioria dos que compõem esse subconjunto, ao contrário de todos os outros, concorda majoritariamente com as frases de conteúdo pejorativo proferidas pelo presidente nos últimos meses. A única que não consegue aderência tão expressiva é a que sugere o “cocô dia sim, dia não”para combater a poluição ambiental.
Também relativizam mais a questão do desmatamento da Amazônia e constituem o único estrato onde a maioria não vê prejuízos de investimento em função da crise internacional gerada pelas queimadas. Dão apoio massivo a Bolsonaro no embate contra o presidente da França, Emmanuel Macron.
São na maioria homens, com participação masculina superior em seis pontos percentuais à média de eleitores bolsonaristas. São mais velhos do que o total da população —metade tem mais de 35 anos e quase um terço possui 60 anos ou mais.
Têm participação de brancos e aposentados muito acima da média e metade tem renda superior a três salários mínimos. Quanto à escolaridade, aproximadamente um terço possui nível superior.
No extremo oposto, são classificados como críticos "heavy" do atual presidente 30% dos brasileiros. São entrevistados que não votaram nele, reprovam sua gestão e nunca confiam no seu discurso.
Avaliam negativamente todas as áreas do governo Bolsonaro. A reprovação chega a 92% no combate ao desemprego, a 87% nas políticas contra a miséria, a 83% na área da saúde, 79% no meio ambiente e 77% na educação.
Percentuais parecidos são verificados no grupo ao rejeitarem as frases polêmicas do presidente, na percepção negativa sobre a crise internacional gerada pelas queimadas da Amazônia e ao apontarem os prejuízos que a participação dos filhos de Bolsonaro provoca no governo.
A maioria do estrato acha que tanto a inflação quanto o desemprego e a corrupção vão aumentar no país nos próximos meses.
Quanto ao perfil, o conjunto é composto majoritariamente por mulheres (59% contra 52% na população), além de moradores do Nordeste e negros acima da média da população. A grande maioria tem renda de até três salários mínimos.
Entre os dois extremos, completam o espectro segmentos de graus médio e “light” tanto entre bolsonaristas quanto entre detratores.
Os entusiastas médios correspondem a 22% dos brasileiros. Votaram em Bolsonaro, mas não alcançam grau máximo nas duas outras escalas —não o aprovam ou, se o fazem, não confiam plenamente nas palavras do presidente.
São evangélicos acima da média e, mais do que a população, se mostram otimistas quanto à economia e tendem a avaliar como regular o desempenho do governo nas diferentes áreas.
A maioria condena, no entanto, as frases polêmicas do pesselista e 1 em cada 4 mudaria o voto caso o segundo turno de 2018 fosse hoje.
O segmento bolsonarista “light” totaliza 4% da população. A maior parte tem baixa escolaridade e renda de até dois salários mínimos. Votaram no candidato do PSL, mas o reprovam e nunca confiam no que ele diz.
Na avaliação por área e sobre as frases polêmicas, as opiniões desse subconjunto são mais próximas do segmento de detratores do que de entusiastas —são até mais enfáticos nas críticas às políticas de combate à miséria e ao desemprego, por exemplo. Caso a eleição fosse agora, apenas 22% manteriam a opção por Bolsonaro.
No segmento dos que não votaram no presidente, o grau "light" é determinado pela avaliação no mínimo regular da atual gestão. É um segmento mais jovem que aprova o desempenho em algumas áreas do governo, especialmente esporte e combate à corrupção.
A maioria discorda das frases polêmicas de Bolsonaro e acha que sua agressividade pode atrapalhar investimentos estrangeiros no país. Correspondem a 18% do eleitorado, entre os quais a maioria manteria a rejeição ao candidato caso as eleições fossem agora.
O segmento dos críticos médios, que são 14% dos brasileiros, não votaram em Bolsonaro, mas demonstram algum grau de confiança no presidente.
De todos os estratos é o conjunto menos escolarizado e de menor renda. Reprovam acima da média o desempenho do governo, especialmente no combate ao desemprego. Repudiam de maneira enfática as polêmicas provocadas pelo presidente.
Como se vê, a estratégia de comunicação bolsonarista tende a encontrar aderência em pouco mais de 10% dos brasileiros, que demonstram alto grau de fidelidade ao presidente que escolheram.
Configura, no entanto, causa perdida junto a cerca de 30% dos eleitores e leva risco de ruído ao restante dos segmentos pendulares, onde políticas públicas adequadas se mostram mais urgentes do que qualquer tipo de discurso.
*Mauro Paulino
Diretor-geral do Datafolha
*Alessandro Janoni
Diretor de Pesquisas do Datafolha
Mauro Paulino e Alessandro Janoni: Com tom belicoso, Bolsonaro arrisca pregar apenas para convertidos
Ao se radicalizar, presidente comprometeu capital eleitoral segundo o Datafolha
Não é de hoje que o Datafolha alerta para a necessidade de Jair Bolsonaro (PSL) adequar-se ao cargo de presidente da República, caso queira melhorar sua imagem junto aos brasileiros.
Desde a primeira pesquisa de avaliação, realizada em abril deste ano, o comportamento do ex-deputado à frente da Presidência tem figurado nas análises estatísticas como variável determinante no posicionamento da opinião pública sobre seu governo.
Os resultados divulgados agora pela Folha mostram que, ao intensificar essa característica nos últimos meses, Bolsonaro comprometeu parcela simbólica de seu capital eleitoral.
Mesmo com o peso quantitativo de sua crescente impopularidade entre mulheres, entre os que têm menor renda e baixa escolaridade, moradores do Nordeste, talvez incomode mais o pesselista ver sua reprovação subir também entre homens, moradores do Sul e entre os que têm altas renda e escolaridade —perfis que o elegeram com expressivas taxas de apoio.
A prova do diagnóstico está no contingente de arrependidos —um em cada quatro dos que votaram no capitão reformado não repetiria a opção caso o pleito fosse hoje, garantindo a Fernando Haddad (PT) uma liderança apertada, mas fora dos limites da margem de erro.
Os mais arrependidos são os que têm entre 45 a 59 anos, faixa especialmente atingida pela reforma da Previdência.
A verborragia presidencial é abominada pela grande maioria da população e alcança quase 90% de reprovação quando se vale, por exemplo, de conteúdo escatológico.
Marcadores de preconceito e nepotismo, como nos casos das frases sobre os "governadores da Paraíba (Nordeste)" e da indicação do filho para embaixada brasileira nos EUA, alcançam o patamar de 70% de rejeição, tendência potencializada entre os mais escolarizados e mais jovens.
Mas Bolsonaro é afetado também pela polêmica envolvendo as recentes queimadas na Amazônia. O que ficava restrito ao plano da gestão pública, com domínio limitado pelo baixo alcance do tema —meio ambiente— espraiou-se por quase todos os segmentos sociais do país.
Da desqualificação do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) pelo governo, passando pelos registros da Nasa sobre o desmatamento, até o escurecimento do céu na tarde de 19 de agosto na cidade de São Paulo, gatilhos não faltaram para que diferentes setores da sociedade despertassem para o problema.
Em consequência, a resposta do governo à inquietação foi reprovada pela maioria absoluta dos entrevistados. Há percepção predominante na opinião pública de que tanto as queimadas quanto as reações passionais de Bolsonaro contra outros líderes mundiais prejudicam investimentos estrangeiros no país.
A maioria tomou conhecimento das discussões entre o presidente do Brasil e o da França, Emmanuel Macron, sobre o desmatamento da Amazônia e pior —a maior parte dos brasileiros vê o francês mais preocupado e equilibrado no debate sobre o tema.
Não à toa, o meio ambiente é, neste momento, uma das mais reprovadas do governo Bolsonaro, empatada com a educação. Em um ranking com 18 setores, ela só não é pior do que as políticas de combates ao desemprego, à miséria e as relativas à saúde.
Aliás, comparando-se os resultados atuais com os obtidos por presidentes anteriores como Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula e Dilma (PT), independentemente do período em que as pesquisas foram realizadas, percebe-se os pontos fortes e fracos da administração atual.
As reprovações às políticas públicas de Bolsonaro são maiores do que as avaliações negativas de antecessores em 16 das 18 áreas pesquisadas.
Em questões como combate à miséria, ao desemprego e defesa do meio ambiente, o desempenho negativo de Bolsonaro supera o de seus antecessores com escores próximos a 40 pontos percentuais. Na educação, esse contraste bate 30 pontos se confrontado com Lula depois de 10 meses do primeiro mandato.
As diferenças também são expressivamente negativas para Bolsonaro nas políticas culturais, nas relações exteriores, no setor de comunicações e na reforma agrária.
Em 2 dos 18 aspectos estudados, no entanto, a opinião pública confere melhor avaliação ao pesselista do que o fazia sobre os ex-presidentes —no combate à corrupção e na área de segurança pública.
Esse recall de temas da campanha eleitoral tem apelo popular, mas pode ofuscar eventuais conquistas na área econômica, gerando ruídos importantes principalmente em momento negativo para o ministro da Justiça, Sergio Moro.
A persistência no tom belicoso tende a desidratar a popularidade de Bolsonaro a níveis próximos de seu núcleo fiel: entre os 10% que o consideram um presidente ótimo e os 14% de bolsonaristas heavy, isto é, eleitores identificados pelo Datafolha que concordam com a maioria das pautas da agenda presidencial.
A estratégia contém o risco de reduzir ainda mais sua pregação apenas para convertidos, acentuando o que já ocorre nas redes sociais.
*Mauro Paulino
Diretor-geral do Datafolha
*Alessandro Janoni
Diretor de Pesquisas do Datafolha
Folha de S. Paulo: Maioria quer redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, segundo Datafolha
84% apoiam medida; dentre os favoráveis, 67% defendem que seja válida para qualquer tipo de crime
Por Marina Estarque, da Folha de S. Paulo
A maioria dos brasileiros, 84%, é favorável à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, segundo pesquisa do Datafolha. Apenas 14% são contrários à alteração —2% são indiferentes ou não opinaram.
O índice se manteve estável desde o último levantamento, em novembro de 2017. O apoio à diminuição da maioridade chegou a ser de 87% em abril de 2015.
Dos que são favoráveis à redução, 33% defendem que a medida deve valer somente para determinados crimes, enquanto 67% acham que ela deve ser aplicada a todos os tipos.
A idade mínima apontada pelos entrevistados foi de 15 anos, em média, para que uma pessoa possa ser presa por um crime. Para 45%, a faixa etária mínima deveria ser de 16 a 17 anos e, para 28%, de 13 a 15 anos. Uma minoria, de 9%, acha que a idade mínima ideal é de 12 anos. Na outra ponta, 15% defendem que uma pessoa, para ser presa, tenha pelo menos entre 18 e 21.
Foram entrevistadas 2.077 pessoas em 130 municípios em todas as regiões do país, entre 18 e 19 de dezembro de 2018. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
As mulheres, comparadas aos homens, tendem a ser mais contrárias à redução da idade penal: 17% delas não apoiam a medida. Entre os homens, esse índice é de 11%.
O mesmo ocorre com pessoas mais instruídas e mais ricas. Dos entrevistados com ensino superior, 22% são contrários à alteração, percentual que cai para 10% entre aqueles com ensino médio, por exemplo.
Entre brasileiros com renda familiar acima de dez salários mínimos, a parcela contrária à redução da idade penal é de 25%, enquanto apenas 12% das pessoas com renda de dois a cinco salários mínimos rejeitam a medida.
O debate em torno da redução da maioridade penal tende a ganhar força neste ano, com Jair Bolsonaro (PSL) na Presidência. Durante a campanha, ele defendeu a alteração da idade em seus discursos, e a proposta constava, de forma enfática, do seu plano de governo: “Reduzir a maioridade penal para 16 anos!”
Em entrevista à Band, após eleito, Bolsonaro chegou a dizer que considerava 14 anos a idade ideal. “Se não for possível 16 [anos], passa para 17, daí o futuro presidente, se tiver resultado, tenta o 16. Eu gostaria que fosse 14, mas se botar 14 a chance é quase zero de ser aprovado [no Congresso]”, afirmou.
O ex-juiz Sergio Moro, que comanda o Ministério da Justiça, disse ser “bastante razoável” a redução da maioridade para 16 em casos de crimes graves e citou projetos em tramitação no Congresso com esse teor.
“Pessoa menor de 18 anos deve ser protegida, o adolescente. Muitas vezes ele não tem uma compreensão completa das consequências dos seus atos, mas um adolescente acima dos 16 já tem condições de percepção de que, por exemplo, não pode matar. Então ter um tratamento diferenciado para esse tipo de crime me parece algo assim bastante razoável”, afirmou em entrevista coletiva em novembro passado.
No Senado, quatro propostas de emenda à Constituição (PEC) para a redução da maioridade penal tramitavam em conjunto desde 2015. Com o fim da legislatura, em 2018, três delas foram arquivadas definitivamente, mas uma proposta, que já havia passado pela Câmara, permanece na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado.
O texto inicial prevê que adolescentes de 16 a 18 anos deixem de ser inimputáveis se cometerem homicídio doloso (quando há intenção de matar), lesão corporal seguida de morte e crimes hediondos (estupro, por exemplo), e que cumpram pena separados dos maiores de 18 anos.
Para ser promulgada, a proposta precisa primeiro ser aprovada na comissão e, em seguida, ser apreciada em dois turnos pela Casa e ter a concordância de ao menos três quintos dos senadores, em cada uma das duas votações. Se houver alguma emenda, a proposta precisaria voltar para a Câmara. A nova configuração do Congresso em 2019, com forte bancada do PSL, deve facilitar a aprovação de projetos que interessam a Bolsonaro.
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo —726,7 mil presos, de acordo com dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), divulgados em 2017.
Em 2016, 25.929 adolescentes e jovens cumpriam medidas de internação, internação provisória e semiliberdade, segundo o Levantamento Anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, lançado em 2018. Em 2009, esse número era de 16.940 adolescentes, ou seja, houve um aumento de 53% no período.
Atualmente, infratores entre 12 e 18 anos vão para os sistemas de cumprimento de medida socioeducativa, geridos pelos governos estaduais.
Os adolescentes podem ficar até três anos internados —eles não cumprem uma sentença específica, mas passam por avaliação da Justiça periodicamente, que determina quando eles podem voltar para casa.
Bernardo Mello Franco: A mentirada que influencia a urna
O eleitor de Bolsonaro é quem mais se informa pelas redes sociais. Para o Datafolha, a indústria das ‘fake news’ tem ajudado a impulsionar o capitão
Manuela D’Ávila usou uma camiseta com a inscrição “Jesus é travesti”. O médium Chico Xavier previu a vitória de Jair Bolsonaro. Fernando Haddad disse que as crianças vão virar propriedade do Estado, que poderá escolher seu gênero.
As três frases acima são exemplos recentes de fake news, o nome da moda para as notícias falsas. A mentirada pode soar absurda ao leitor, mas tem enganado muita gente nas redes sociais. A fabricação de boatos se intensificou nos últimos dias e ameaça influenciar o resultado das urnas.
A tapeação virtual impulsionou a eleição de Donald Trump nos EUA. Agora ajuda a alavancar a campanha de Jair Bolsonaro, que não perde uma chance de imitar o presidente americano. Ontem Haddad protestou contra o bombardeio. “São acusações muito vulgares, com imagens vulgares”, reclamou.
Os eleitores do capitão são os que mais se informam (ou se desinformam) pelas redes sociais. De acordo com o Datafolha, 61% leem sobre política no WhatsApp. Entre os eleitores de Haddad, o índice recua para 38%. É difícil medir a força da boataria no aplicativo, que não deixa rastros fora dos celulares.
O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, acredita que a disseminação de boatos tem ajudado a turbinar a subida de Bolsonaro nas pesquisas. “O material está chegando fartamente pelo WhatsApp, o que certamente influencia o eleitor”, afirma.
Desde o último sábado, os grupos bolsonaristas fervilham com montagens contra os protestos do #EleNão. Algumas fotos, que mostram jovens de seios expostos, foram tiradas em atos anteriores às eleições. “São imagens que chocam a população mais conservadora. Inclusive as mulheres de baixa renda e os evangélicos, segmentos em que Bolsonaro cresceu”, observa Paulino.
Ao suspender o uso de um livro de ficção tachado de “comunista”, o Colégio Santo Agostinho cruzou a linha que separa o conservadorismo do obscurantismo. Sinal dos tempos.
El País: Os dilemas da estratégia do PT, que aposta em Lula como candidato ou cabo eleitoral
Pesquisa Datafolha mostra que ausência de ex-presidente aumenta brancos, nulos e indecisos
Por Talita Bedinelli, do El País
O cenário eleitoral de 2018 vai se tornando mais complexo e pulverizado e o eleitor reage a ele com alguma confusão e distanciamento. É o que emerge da pesquisa Datafolha divulgada nesta quarta-feira. Com a possível saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da disputa de outubro, por conta da condenação por corrupção em segundo grau na semana passada, aumentou o número de pessoas que não pretendem votar - a cifra de não votantesalcançou um número recorde na série histórica do instituto. Sua ausência também não transfere, pelo menos por enquanto, voto para o ex-governador da Bahia, Jaques Wagner, um dos petistas cotados para assumir a vaga do PT e a única alternativa do partido considerada no levantamento.
A pesquisa Datafolha foi realizada no fim do mês passado e é, portanto, a primeira a ser divulgada após a condenação no Tribunal Regional Federal 4 (TRF4) do ex-presidente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Caso os recursos de Lula neste tribunal sejam rejeitados, ele pode se tornar inelegível pela Lei da Ficha Limpa e acabar preso antes da eleição. Apesar disso, ele é tratado oficialmente pelo Partido dos Trabalhadores como o único candidato da legenda, em uma estratégia arriscada para a sigla, que pode ficar sem um nome viável para a disputa em outubr
O partido, neste momento, parece confiar na grande possibilidade de transferência de votos de Lula. A pesquisa divulgada hoje demonstra que 27% dos entrevistados votariam com certeza em um candidato apoiado por ele (ainda que 53% dos entrevistados rejeitem essa opção). Em um apoiado por Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, apenas 11% apresentaram a mesma certeza. No Nordeste, o capital político de Lula é ainda mais transferível: 46% certamente votariam em alguém apoiado por ele; esta taxa também aumenta entre os que cursaram até o fundamental (40%) e entre os que ganham até dois salários mínimos (36%). Mas a transferência de voto teve uma ligeira queda em relação à pesquisa de novembro, tanto no dado global (29%), como entre os eleitores do Nordeste (49%), os que fizeram até o fundamental (45%) e os que ganham até dois salários mínimos (39%), o que pode significar um sinal de alerta para a sigla. "Uma fatia de 27% votaria com certeza em alguém apoiado pelo petista, percentual suficiente, neste momento, para levar uma candidatura ao segundo turno da eleição presidencial, já que supera o obtido por outros candidatos nos cenários testados em que o nome do petista é excluído da lista de candidatos. Há ainda 17% talvez votassem em um candidato que tivesse o apoio de Lula", escreveu o Datafolha.
Múltiplos cenários e Huck
A pesquisa ofereceu aos entrevistados nove cenários possíveis para a disputa eleitoral, com variações de candidatos concorrentes, o que já demonstra a confusão de opções cerca de seis meses antes do início da propaganda eleitoral, que só começa em 16 de agosto e é tradicionalmente um fator decisivo na disputa. No cenário que, neste momento, se parece mais próximo do real —com candidatos mais certos como Jair Bolsonaro, Marina Silva, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Manuela D'Ávilla, Fernando Collor de Mello e Álvaro Dias; e outros ainda sob especulação, como Luciano Huck, Henrique Meirelles e Guilherme Boulos— os que declaram que pretendem votar em branco, anular ou estão indecisos aumenta dez pontos percentuais sem Lula.
Com esse time de candidatos e Lula, 14% dos entrevistados devem anular, votar em branco ou não escolher ninguém. Com o mesmo time e Wagner no lugar do ex-presidente, o número sobre para 24%, ultrapassando, inclusive, as intenções de voto em Bolsonaro, que ganha a liderança na ausência do ex-presidente e arremataria 18% dos eleitores. Wagner teria 2% dos votos, desempenho tão fraco como o de outros candidatos da esquerda que poderiam se tornar alternativa a Lula: Manuela teria 2% sem Lula e 1% com; Boulos seguiria com 0% nos dois casos. Marina Silva é a que mais ampliaria sua margem de eleitores com a saída do petista: iria de 8% para 13%. E Ciro subiria de 6% para 10%. Em um cenários sem Lula, Marina e Huck, o número dos que votam em branco, nulo e em nenhuma das opções chega a 32%, o maior dentre todos os pesquisados.
O aumento de brancos e nulos na ausência de Lula e a falta de transferência de votos do ex-presidente para Wagner pode ser o resultado de uma conduta de protesto: parte dos eleitores do PT avalia que o impedimento do ex-presidente de disputar as eleições invalidaria o processo eleitoral. E, por isso, prefere se abster. É um posicionamento estimulado, ainda que indiretamente, pelo próprio partido, que adotou como lema o "eleições sem Lula é fraude" e se recusa a apresentar um nome como plano B, argumentando que isso seria fazer a vontade dos que querem que o ex-presidente não dispute o pleito.
Diante da insistência em manter Lula como candidato, nomes que poderiam substituí-lo em outubro não estão sendo trabalhados. É o caso do próprio Wagner, que já tem pouca projeção nacional e é mais conhecido no Nordeste —nesta região, o número dos que pretendem votar nele, numa disputa sem Lula, varia de 4% a 6%, a depender dos concorrentes; no país em geral ele tem 2% e, no Sudeste, entre 0% e 1%. E também de Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e outra das possíveis alternativas petistas: ele tem pouca projeção nacional, apesar de sua importância como coordenador do programa de campanha do PT para as próximas eleições presidenciais. O nome de Haddad não apareceu como opção a Lula neste novo Datafolha (é possível que ele seja, no momento, mais cotado para a disputa ao Governo de São Paulo), mas no levantamento anterior, feito no final de novembro, ele aparecia com 3% das intenções de voto, número que se elevava para até 5% no Sudeste, a depender do cenário de candidatos na disputa, mas que caía para até 1% no Sul e para 2% no Nordeste.
A falta de projeção nacional dos dois nomes poderia ser uma vantagem, já que ela garante uma baixa rejeição. Enquanto os entrevistados que afirmam não votar de forma alguma em Lula chegam a 40% e em Jair Bolsonaro a 29%, apenas 15% rejeitam Jaques Wagner. E os que rejeitavam Haddad em novembro eram 22%. Candidatos com menos rejeição podem ter mais chances de crescer se fizerem uma boa campanha, como aconteceu com o atual prefeito de São Paulo, João Doria, há dois anos. O problema é que, em um cenário em que a campanha deve ser dominada por Lula até onde a Justiça permitir, sobram poucos espaços de propaganda para qualquer um dos nomes petistas.
Veja: Sete em cada dez são contra privatização, diz Datafolha
População com renda superior a dez salários mínimos por mês é a única faixa que apoia a venda de estatais
Segundo o levantamento, 67% da população entendem que a venda de companhias brasileiras para grupos estrangeiros traz mais prejuízos do que vantagens. Levantamento foi realizado no momento em que tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que propõe a privatização da Eletrobrás.
O ponto de vista predomina em praticamente todos os recortes contemplados por essa edição da pesquisa – tanto por região, quanto por sexo, escolaridade, preferência partidária ou aprovação à gestão do presidente Michel Temer.
A privatização só é aceita pela maioria no cenário que leva em conta a população com renda superior a dez salários mínimos por mês – 55% são a favor da ideia. O índice cai conforme a renda familiar mensal diminui. Entre as pessoas que ganham até dois salários mínimos, apenas 13% apoiam a privatização.
O Datafolha mostra ainda que a privatização sofre resistência até mesmo de eleitores dos partidos que costumam defender essa bandeira. Dos que afirmam votar no PSDB, 55% se opõem à ideia, enquanto 37% são a favor.
O instituto ouviu 2.765 pessoas e a margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Hubert Alquéres: Pedras no caminho
“Mongezinho, Mongezinho, tens um duro caminho”. As palavras que Martinho Lutero ouviu de um frei amigo quando da sua peregrin ação para Worms caem como uma luva para o duro caminhar do governador Geraldo Alckmin para se tornar protagonista da sucessão presidencial.
Sua maratona começa no próximo fim de semana quando, por consenso, será sacramentado presidente do PSDB na convenção partidária. Com a Pax tucana do momento, procura saltar a primeira pedra no meio do caminho: a eterna divisão interna que tantos prejuízos trouxeram em outras campanhas.
Se a balcanização do tucanato não fosse temporariamente estancada seriam diminutas suas chances de inverter a centrifugação do campo político situado entre os extremos Lula-Bolsonaro. Por falta de um polo catalizador, o centro navega à deriva, com suas possíveis candidaturas sofrendo de raquitismo eleitoral como mostram os dados do último Datafolha.
Diz-se de Geraldo Alckmin ser um político bafejado pela fortuna. A sorte parece lhe sorrir de novo, uma semana após a desistência de Luciano Huck. A conclusão do voto do juiz relator do julgamento de Lula no Tribunal Regional Federal da Quarta Região é uma confirmação da informação de Lauro Jardim, segundo a qual este julgamento acontecerá em marços ou abril.
Nunca se sabe o que se passa em cabeça de juiz, mas nove entre dez analistas acreditam na condenação de Lula. Nem ele mesmo acredita na sua absolvição. Mesmo que seja um cabo eleitoral fortíssimo, uma coisa é a urna eletrônica com Lula, outra é sem ele.
No mínimo caciques do PMDB vão refrear seu ímpeto de embarcar na canoa do caudilho. Ora, Alckmin ganha tempo com isso. A sorte pode estar tirando outra baita pedra do seu caminho. Sem Lula, o fantasma Bolsonaro perde gás. Eleitores que estão em sua órbita por ser antilulista podem voltar o leito do centro democrático.
E mesmo nos números do Datafolha é possível ver frestas de luz onde só se enxerga breu.
Ainda que a recuperação da economia acelere o passo, o impacto sobre o humor dos brasileiros não se dará a ponto de tornar competitiva uma candidatura saída do ventre do governo, tipo Henrique Meirelles ou Rodrigo Maia.
Com Maia não se dispondo a entrar em aventuras e Meirelles comportando-se como um elefante em loja de louça, sua entrevista à Folha mostrou isso, é bem capaz de o tucano virar o candidato do centro por W.O, assim como foi ungido presidente do PSDB.
Ninguém se elege só com a sorte. Sem a virtude, ela é de pouca monta. O candidato tucano terá de provar a sua competência para superar os próximos vários obstáculos na corrida presidencial. Sem um projeto para o país ser uma nação desenvolvida e socialmente justa, o PSDB não irá muito longe.
Outra pedra é o chamado“desembarque elegante”, uma verdadeira esfinge. A qualquer hora pode surgir novo curto circuito na relação com o governo Temer. A dubiedade da bancada do PSDB na Câmara Federal para aprovar a reforma da previdência pode inviabilizar a estratégia do paulista de ficar com o bônus do tempo televisivo dos partidos governistas sem o ônus de ser governo.
Esta é a parte mais delicada da estraté gia de Alckmin. De um lado, tem de fazer gestos a Michel Temer e ao PMDB, de outro, não pode colar sua imagem à de um governo de popularidade baixíssima. Político que se preza não dá o beijo da morte com ninguém. E Temer é o próprio beijo da morte.
Sobretudo é preciso construir uma explicação para a sociedade, a essas alturas pouco tolerante com a ambiguidade do tucanato. Há que se arrumar uma explicação convincente para duas perguntas caraminholadas na cabeça do seu eleitorado tradicional: por que sair do governo só agora? E qual a razã o para sair?
Tudo será inócuo se não promover a reconciliação do PSDB com seus eleitores. Seu baixo índice de intenção de votos no Datafolha também é produto da mágoa dos 51 milhões de brasileiros que votaram em Aécio e, legitimamente, se sentem traídos. Para Alckmin é fundamental a aliança com os partidos tradicionais, mas só terá chances reais de vitória se incorporar os sentimentos de renovação da política e de valorização da ética.
Só assim não será punido pelos eleitores e terá um final bem mais feliz do que o de Lutero que, ao encerrar sua dura caminhada, se salvou da morte, mas foi excomungado e condenado ao silêncio pela Dieta de Worms.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo