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Benito Salomão: Crescer, Estabilizar, Preservar e Distribuir

Este é o meu primeiro artigo de 2021 e também o meu primeiro artigo desta década que se inicia agora. Para mim simbólico porque em 2020 completei 10 anos desde meu primeiro artigo de jornal publicado em 22 de setembro de 2010. Ao contrário do que imaginava quando eu me lancei neste desafio de dialogar com o público sobre os grandes temas nacionais, os desafios do Brasil se ampliaram em muito. Na passagem da década de 2000 para a de 2010, o Brasil não apresentava os agudos problemas fiscais, ou a exacerbação das desigualdades e era a 6ª economia mundial. Era ainda considerado uma potencia ambiental e uma nação capaz de influenciar decisões internacionais como as missões de pacificação no Haiti e as negociações sobre o programa nuclear do Irã.

Dez anos se passaram e o Brasil é hoje a 12ª economia mundial e tem a difícil missão de reverter a trajetória de exacerbação das desigualdades, da pobreza, da miséria e da fome em um contexto de estabilização fiscal. As soluções perpassam por uma conciliação política aparentemente distante de se alcançar sobre a infeliz liderança de Jair Bolsonaro.

O título deste artigo resume bem os desafios a serem enfrentados nesta década que se inicia.

Crescer porque ao longo da década passada a taxa média de crescimento da economia brasileira foi próxima de 0%, o que indica um per capita negativo. O Brasil tem hoje um PIB per capta de igual magnitude ao que tinha em 2007, ou seja, todos (ou quase todos) se tornaram mais pobres. A melhor literatura que estuda o desempenho de longo prazo das economias atribui esta capacidade ao formato institucional. As instituições criam incentivos e os incentivos estimulam os agentes econômicos a pouparem e, portanto, acumularem capital (físico ou humano) e o processo de acumulação de capital dirige, ao lado dos aumentos de produtividade, o desempenho das economias. Para que o país volte a crescer é preciso que volte a poupar e para tanto é preciso de instituições estáveis que deem previsibilidade e segurança às relações econômicas.

Estabilizar porque, antes de mais nada, as instabilidades macroeconômicas desestimulam a poupança e o investimento. O Brasil tinha uma dívida pública de 51% do PIB em dezembro de 2013, em 2020 este endividamento segue para 92% do PIB. Esta trajetória de dívida pública que praticamente dobrou em 7 anos tornam as incertezas quanto a solvência do governo ainda mais fortes. Não se pode vislumbrar um futuro de médio prazo que não contemple volatilidade na taxa de câmbio; pressões inflacionárias; elevações da carga tributária e também da taxa de juros.

Preservar devido às características do capitalismo do século XXI. Por várias razões. Primeiro, os setores industriais de grande produtividade e de fronteira científica são, por definição, sustentáveis. Isto porque são setores relacionados a energias renováveis (baixo carbono, telecomunicações, inteligência artificial, nanotecnologia que dão escala à produção, poupando recursos. Investir em um padrão de desenvolvimento poluente é insistir em uma economia de segunda revolução industrial, de baixa produtividade e alto custo. Se o Brasil não for capaz de abandonar o padrão tradicional de crescimento e adentrar na quarta revolução industrial, conciliando isto com um padrão ambiental rigoroso, não será possível recuperar o crescimento perdido.

Por fim distribuir. Em uma análise retroativa de longo prazo, o padrão de desenvolvimento do milagre econômico (anos 1970) foi calcado no crescimento com concentração de renda. A partir da promulgação da Constituição dita cidadã, o padrão foi deslocado para a distribuição sem crescimento. O desafio desta década é crescer e distribuir simultaneamente. A distribuição aqui precisa assumir uma conotação mais ampla do que a simples mitigação da fome e da pobreza. Para tanto é preciso mais do que políticas de transferência de renda aos moldes do Bolsa Família ou do Auxílio Emergencial, é preciso educar centenas de milhares de brasileiros. É preciso dar a eles a possiblidade de um futuro melhor do presente, com melhores empregos, melhores condições de vida o que só será possível investindo pesadamente em educação de base.

Mas como distribuir em um cenário de insuficiência de recursos públicos por esgarçamento da situação fiscal do país? É preciso rever privilégios, sobre isto, retomo em artigo futuro. No momento desejo a todos um feliz ano novo e uma década nova mais promissora do que a que vivemos até aqui.

*Benito Salomão é economista.


Ribamar Oliveira: Um país viciado em subsídios

Só com o setor automotivo, o gasto será de R$ 5,9 bi

O lamentável comunicado da empresa Ford, de que vai encerrar suas atividades produtivas no Brasil depois de mais de um século, recoloca uma questão essencial para os dias de hoje, em que o setor público está quebrado, como informou o presidente Jair Bolsonaro, referendado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Até quando a sociedade brasileira vai conviver com um nível tão elevado de subsídios ao setor produtivo, estimados pela Receita Federal em R$ 307,9 bilhões neste ano, pouco abaixo de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Somente com o setor automobilístico, a previsão que consta da proposta orçamentária de 2021 é de um gasto de R$ 5,9 bilhões.

O gasto tributário ocorre quando o Poder Público concede anistia para determinada empresa ou setor, quando adia o pagamento de impostos ou contribuições, quando concede isenções de caráter não geral, quando reduz a alíquota de um tributo ou muda sua base de cálculo para conceder um tratamento preferencial a um grupo de contribuintes específico. Nestes casos, há uma renúncia de receita. Ou seja, o governo deixa de arrecadar.

Bolsonaro disse que a Ford não informou o verdadeiro motivo de sua saída do Brasil. Segundo o presidente, a empresa americana deixou o país porque o governo não aceitou dar a ela mais subsídios. Ele afirmou que, ao longo do tempo, a empresa recebeu R$ 20 bilhões dos cofres públicos sob a forma de incentivos. A verdade é que, desde que a indústria automobilística se instalou por aqui, ela fez pressão contínua sobre os dirigentes do país por benefícios tributários e creditícios que lhe garantissem a rentabilidade.

Dados da Receita Federal mostram que, de 2011 a 2020, o gasto tributário com o setor automotivo alcançou R$ 42,5 bilhões em valores correntes ou R$ 50,2 bilhões a preços de dezembro de 2020. Se a previsão para este ano for incluída na conta, o total sobe para R$ 48,5 bilhões, em valores correntes, ou R$ 56,1 bilhões, a preços de dezembro de 2020. O valor é quase duas vezes o que o governo gasta por ano com o programa Bolsa Família, que atende mais de 14 milhões de famílias carentes.

As empresas do setor automobilístico de qualquer região podem usufruir do programa Rota 2030, que prevê a dedução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) do valor correspondente à aplicação da alíquota do IRPJ e da CSLL sobre até 30% dos dispêndios realizados no país, desde que sejam classificáveis como despesas operacionais e aplicados em pesquisa e desenvolvimento. Adicionalmente, podem realizar, com isenção, a importação de partes, peças, componentes, conjuntos, subconjuntos, acabados e semiacabados, e pneumáticos, todos novos e sem capacidade de produção nacional equivalente, destinados à industrialização de produtos automotivos.

As empresas montadoras e fabricantes de veículos automotores instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste fazem jus a crédito presumido do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) como ressarcimento do PIS/Pasep e da Cofins, desde que apresentem projetos que contemplem novos investimentos e a pesquisa para o desenvolvimento de novos produtos ou novos modelos.

Vale lembrar que esses são apenas os gastos tributários federais. Muitas dessas empresas receberam vultuosos benefícios estaduais e municipais, desde vantagens relacionadas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) até doações de terrenos para a instalação de suas unidades produtivas.

A montanha de subsídio não foi suficiente para evitar a atual crise por que passa o setor automobilístico brasileiro. Ao contrário, como disse ontem o economista Marcos Lisboa, em entrevista à “Folha de S. Paulo”, a crise no setor vem de longa data e era previsível que várias unidades se tornariam inviáveis. “Só não eram antes pela quantidade de subsídios, então ficamos reféns de dar incentivos para preservar a produção de algo não eficiente no país”, afirmou.

O setor automotivo não é, no entanto, o único a receber uma enxurrada de subsídios. Na verdade, nem sequer ocupa as primeiras posições. Há benefícios tributários em profusão para todos. Medicamentos, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos recebem subsídios, assim como embarcações, aeronaves, gás natural, todos os produtos da cesta básica, biodiesel, motocicletas e água mineral, para citar alguns. São subsídios com prazos indefinidos e, a maior parte deles, sem avaliações conhecidas sobre os seus resultados.

O gasto com benefícios tributários passaram de 2% do PIB, em 2003, para 4,5% do PIB em 2015. De lá para cá, o governo tem obtido pequenas reduções, pois eles ficaram em 4,3% do PIB em 2018. Para 2021, o governo estima que eles fiquem pouco abaixo de 4% do PIB, embora ainda não tenha explicado como isso ocorrerá.

Desde 2018, os parlamentares tentam forçar o governo a definir uma estratégia de redução dos subsídios. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019, por exemplo, determinou que o governo apresentasse um plano de revisão dos subsídios, com um cronograma de redução de cada benefício para, no prazo de dez anos, diminuir a renúncia de receita para 2% do PIB. O plano foi apresentado ao Congresso, mas, até hoje, não foi divulgado oficialmente.


Celso Ming: A desistência da Ford

As condições para esse desfecho vêm do excessivo protecionismo, da incapacidade de competir no mercado internacional e do alto custo Brasil

fechamento das três fábricas da montadora americana Ford, depois de mais de cem anos de presença no Brasil, é um Boeing que despenca. Outros desastres o precederam. Em outubro do ano passado, a mesma Ford fechou a fábrica de caminhões de São Bernardo do Campo. E, em dezembro, a alemã Mercedes-Benz encerrou as atividades de sua montadora de automóveis em Iracemápolis, interior de São Paulo.

A indústria automobilística do Brasil sofre ainda mais do mesmo mal de que sofrem as montadoras dos Estados Unidos. Ficaram para trás em tecnologia, enfrentam custos excessivos, são mal administradas e dependem demais do balão de oxigênio fornecido pelos governos.

Já em 1990, o então presidente Collor se referia ao setor no Brasil como “produtores de carroças”. Bolsonaro agora está dizendo que a Ford quer tetas por onde se dependurar. Pelas contas do Ministério da Economia, em dez anos, as montadoras do Brasil foram alimentadas pelo governo federal em nada menos que R$ 43,7 bilhões. A essa conta precisam ser acrescentados outros favores velhos de guerra: isenções e créditos de ICMS, doações em terrenos e infraestrutura, proteção alfandegária, acordos comerciais que atuam como reservas de mercado...

Vejam o que o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama escreveu no seu último livro (Uma terra prometida) sobre as matrizes das montadoras lá instaladas: “O mal que aflige as três principais fabricantes americanas de automóveis (Ford, GM e Chrysler) é má administração, produtos medíocres, concorrência estrangeira, planos de aposentadoria com mais passivos do que ativos, custos altíssimos com saúde, dependência excessiva na venda de SUVs, com alta margem de lucro e grande consumo de gasolina”. 

E não para por aí. Lá pelas tantas, deixa escapar um curto lamento: “Não consigo entender por que é que Detroit (capital da indústria de veículos nos Estados Unidos) não consegue produzir um maldito Corolla”. Se a situação por lá é essa, o que não dizer das filiais brasileiras?

Essas e outras razões explicam por que uma única montadora moderna, a Tesla, dos Estados Unidos, que só vendeu 500 mil carros elétricos em 2020, tem um valor de mercado superior ao de todas as montadoras do mundo reunidas, cálculo que inclui a japonesa Toyota, a sul-coreana Hyundai e também as três tradicionais americanas que se dedicam à tecnologia convencional de carro a combustão.

Não é a queda do consumo em consequência da covid-19 nem a concorrência agressiva dos modelos japoneses, chineses e sul-coreanos que derrubaram a Ford no Brasil. Esse é um enfarte programado há anos e que não vai parar apenas nesse caso. É de uma inutilidade atroz o que disse o vice-presidente Hamilton Mourão: que a Ford poderia esperar um pouco mais para tomar essa decisão. É pretender que a agonia seja prolongada. 

Tem razão o governador da BahiaRui Costa (PT), quando afirma que o Brasil está virando um fazendão, querendo com isso advertir que a indústria de transformação, e não só a de veículos, está ameaçada.

Costa culpa a política industrial dos últimos cinco anos, querendo disso isentar o período petista no governo. Mas as condições para esse desfecho vêm de há mais tempo. Vêm do excessivo protecionismo, da incapacidade de competir no mercado internacional e, também, do alto custo Brasil: do sistema tributário escorchante, da infraestrutura insuficiente em rápido processo de sucateamento.

Se o diagnóstico é esse, o que teria de vir em seguida é claro. É preciso rumo. O País precisa saber o que quer. Se quer continuar a ter uma indústria que vive de espasmos graças a favores fiscais (estratégia que se mostrou fracassada); ou se quer uma indústria competitiva, capitalizada e independente. E têm de vir as reformas e a construção de um ambiente saudável, e não a artificialidade que está aí.