Curitiba
Elio Gaspari: O que falta a Bolsonaro é seriedade
O capitão, seu ex-chanceler e o ministro Ricardo Salles viajaram numa maionese de excentricidades e pirraças
A diplomacia americana está fritando Bolsonaro. O capitão, seu ex-chanceler e o ministro Ricardo Salles viajaram numa maionese de excentricidades e pirraças. Do outro lado, o Departamento de Estado levantou um muro. Quando um porta-voz disse que espera “seriedade” do governo brasileiro na cúpula do clima que começa quinta-feira, cravou uma estaca na agenda.
Enquanto o Departamento de Estado pedia “seriedade”, o primeiro-ministro francês, Jean Castex, justificava o bloqueio a viajantes brasileiros e arrancava risadas na Assembleia francesa ao lembrar que “o presidente da República, em 2020, aconselhou a prescrição de hidroxicloroquina, e gostaria de lembrar que o Brasil é o país que mais a prescreveu”.
Bolsonaro passou de piromaníaco a pedinte. Admitiu acabar com o desmatamento até 2030 e estragou sua nova posição numa única frase: “Alcançar esta meta, entretanto, exigirá recursos vultosos e políticas públicas abrangentes, cuja magnitude obriga-nos a querer contar com todo apoio possível.” Coisas assim se fazem, mas não se dizem, sobretudo se esse mesmo governo desdenhou a ajuda estrangeira e esvaziou o Fundo Amazônia. Colocar o Brasil, ou qualquer outro país, na posição do cachorro que olha para os espetos de frangos, como fez o doutor Ricardo Salles, é apenas burrice.
O Império e a República cuidaram da Amazônia de todas as formas, mas nunca falaram em dinheiro. Essa é a pior maneira para se começar uma negociação diplomática. Com ela, chega-se apenas a uma velha piada, atribuída ao ex-secretário de Estado Americano Henry Kissinger.
Numa versão politicamente correta, ela fica assim:
“Todos têm um preço”.
“Há coisas que eu não faço, nem por um milhão de dólares”.
“Você já está discutindo seu preço”.
Veneno
A carta de Bolsonaro a Joe Biden ocupa sete páginas.
Fosse qual fosse seu efeito, ele foi anulado pela curta notícia do afastamento do delegado Alexandre Saraiva, que chefiava a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas e acusou o ministro do Meio Ambiente de advogar no interesse de desmatadores.
Lula e Bolsonaro
Uma Lava-Jato e três anos depois, Lula ficou maior, e Bolsonaro está menor.
Suprema criatividade
Quem entende de Supremo Tribunal Federal arrisca: com a anulação das sentenças que Curitiba impôs a Lula, algo como dez réus de Sergio Moro, em condições similares, pedirão o mesmo benefício. Para negá-lo, será necessária inédita criatividade.
Sumiço
Um experimentado empresário do agronegócio registra que a militância dos agrotrogloditas entrou num período de entressafra. Deram-se conta de que colheram (ou queimaram) o que podiam.
Profissional e amador
O embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, é um diplomata de carreira. Como o ex-chanceler Ernesto Araújo também é, entende-se que profissionais acabem se comportando como amadores. Em 2019, quando estava sendo sabatinado pelos senadores americanos, Chapman classificou as queimadas da Amazônia como “ocorrências anuais”. Perdeu uma oportunidade de ficar calado, mas pode-se entender que não quisesse melindrar Bolsonaro, o bom amigo de Donald Trump.
Passou o tempo, Trump foi para a Flórida, e na Casa Branca está Joe Biden. O embaixador Chapman reuniu-se com integrantes da “Articulação dos Povos Indígenas do Brasil”. A Apib queria um “canal direto” de comunicação com o governo americano, e o encontro foi diluído com a presença de indígenas indicados pelo governo. Uma salada.
Não é boa ideia que um embaixador de povo estrangeiro se reúna com representantes dos “povos indígenas”, mas seria descortesia não conversar. Podia ter destacado um diplomata de escalão inferior para o encontro.
Chapman poderia consultar os arquivos do Departamento de Estado para estudar um valioso precedente. Em 1876, quando viajava pelos Estados Unidos, D. Pedro II teve seu trem parado por um grupo de índios Sioux, chefiados pelo famoso “Touro Sentado”. O cacique pedia que o Imperador intercedesse pelos índios americanos junto ao presidente Ulysses Grant. É improvável que D. Pedro tenha tratado do assunto.
Apocalipse
No mesmo dia em que se noticiava a morte, na cadeia, do vigarista Bernard Madoff, que em 2008 foi apanhado num golpe de US$ 15 bilhões, Jair Bolsonaro disse que o Brasil se tornou “um barril de pólvora”: “Estamos na iminência de ter um problema sério”.
O que ele quis dizer com isso, não se sabe. Desde o ano passado, Bolsonaro acena com um Apocalipse. Ora falava em saques, ora advertia para o caos. Morreram mais de 360 mil pessoas, faltaram testes, vacinas, oxigênio e remédios. A desordem esteve no governo, e os saques, quando ocorreram, atacaram a Bolsa da Viúva.
Madoff também apostou no Apocalipse. Muita antes de ser apanhado, ele sabia que sua pirâmide explodiria e, preso, contou:
“Eu queria que o mundo acabasse. Quando aconteceu o atentado de 11 de setembro de 2001, eu achei que ali estava a saída. O mundo acabaria.”
Doutores cloroquina
É possível que o repórter Fabiano Maisonnave tenha entregue de bandeja um presente à CPI da Pandemia. Seria o depoimento dos médicos Michelle Chechter e Gustavo Maximiliano Dutra, que foram a Manaus em fevereiro para aplicar a “técnica experimental ‘nebuhcq líquido’, desenvolvida pelo dr. Zelenko”. Eram nebulizações de cloroquina.
Quatro pacientes grávidas receberam o tratamento. Todas morreram.
Uma delas teve um vídeo gravado, postado no dia 20 de março pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni. Ele informava que “de 0 a 10, melhorou 8”.
Talvez Lorenzoni não soubesse, mas ela morrera no dia 2.
Milton Ribeiro zangou-se
O ministro Milton Ribeiro, da Educação, zangou-se com uma reportagem de Paulo Saldaña mostrando a existência de um esquema para fraudar pagamentos do Financiamento Estudantil, boca rica administrada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE.
Como os repórteres são uma raça maldita, o doutor Ribeiro bem que poderia estender sua zanga ao edital do FNDE de 2019 que pretendia torrar algo como R$ 3 bilhões na compra de equipamentos para a rede pública de ensino. A Advocacia-Geral da União sentiu o cheiro de queimado, porque numa só escola 255 alunos receberiam 30 mil laptops (118 para cada um). Outros 335 colégios receberiam mais de um laptop para cada aluno.
O edital foi suspenso e cancelado. Passaram-se dois anos, três ministros da Educação e pelo menos três presidentes do FNDE, mas ninguém sabe quem botou esse jabuti no edital.
Fernando Luiz Abrucio: Para o País sair do pesadelo, é preciso oposição mais forte
É preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, como o da Brazil Conference neste sábado, mas também pela imprensa escrita e televisiva
Quem assistiu ao debate organizado pela Brazil Conference com cinco potenciais candidatos à Presidência da República – Ciro Gomes, João Doria, Fernando Haddad, Luciano Huck e Eduardo Leite – teve contato com diagnósticos precisos e bem elaborados sobre a realidade brasileira. A despeito das diferenças políticas, e numa discussão que evitou a polarização tóxica, prioridades comuns foram destacadas: melhorar a educação, combater a desigualdade, criar um modelo de desenvolvimento sustentável, modernizar a gestão pública, fortalecer a saúde pública, em suma, sintonizar o País com os desafios do século 21.
O problema é que o Brasil está sendo governado por uma postura oposta. Vigora o negacionismo científico frente à pandemia, o descaso educacional, o desastre ambiental, a postura presidencial autoritária e a incompetência governamental. As luzes do debate de ontem se contrapõem ao pesadelo vivido pelo País hoje.
Mas 2022 pode repetir 2018, não se pode esquecer disso. Duas coisas podem evitar isso. Primeiro, todos devem estar contra Bolsonaro e aumentar sua pressão contra o presidente. O sofrimento diário dos brasileiros na pandemia precisa de uma oposição mais forte do que a atual. E a grande lição deste sábado: é preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, mas também pela imprensa escrita e televisiva. Isso não pode ocorrer somente no período eleitoral de dois meses. Em boa medida, a falta de discussão política da última eleição favoreceu a escolha que gerou o pesadelo. Melhores ideias precisam vencer o populismo autoritário.
*Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Gestão Pública da FGB-EAESP
Eliane Cantanhêde: Enfraquecido em várias frentes, Bolsonaro atiça 'seu povo' e 'seu Exército' contra a democracia
Enfraquecido em várias frentes, Bolsonaro atiça 'seu povo' e 'seu Exército' contra a democracia
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou duas vezes no Supremo, com a anulação de suas condenações na Lava Jato e a correspondente volta ao jogo eleitoral, e essas duas vitórias devem ser aprofundadas nesta semana com a ratificação em plenário da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. Significa começar tudo do zero, para ficar no zero.
A grande dúvida é quanto ao “efeito sistêmico” das decisões que envolvem Lula, tanto na questão da competência de Curitiba para julgá-lo quanto na suspeição de Moro. Se valem para Lula, por que não valeriam para todos aqueles condenados brancos, poderosos, de colarinho branco? E o que sobra da Lava Jato?
Um a um, os ministros do Supremo negam a possibilidade, argumentando que cada “paciente” é um “paciente” e o que cabe para Lula não cabe, ao menos necessariamente, para os outros da Lava Jato. E o jornalista Carlos Alberto Sardenberg lembra que, pela psicanálise, se tantos precisam insistir que não cabe, é justamente porque cabe – ou pode caber.
Há excitação entre condenados e alvoroço entre seus advogados, mas, quando a Segunda Turma do STF decidiu pela suspeição de Moro, o ministro Gilmar Mendes enumerou fatos que distinguem a situação de Lula da dos demais e jogam luz no que seria uma perseguição política específica.
A esses fatos: prisão coercitiva de Lula sem motivo; divulgação de uma conversa obtida fora do prazo legal entre ele e a então presidente Dilma Rousseff, para impedir sua posse na Casa Civil; o vazamento de partes da delação do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas da eleição. Sem falar nos diálogos da The Intercept Brasil e no ponto fraco de Moro: o cargo no governo Bolsonaro, com as urnas ainda quentes.
Dificilmente houve algo assim em relação a empreiteiros, executivos da Petrobrás e de empresas privadas, governadores e parlamentares, os peixes graúdos da Lava Jato. Logo, a estratégia no Supremo para evitar o tal “efeito sistêmico” é focar em Lula como alvo político, diferentemente dos demais.
Toda decisão envolvendo Lula mexe com eleição, paixões, temores e ímpetos golpistas, porque tem dois efeitos opostos para Jair Bolsonaro em 2022. Ajuda, porque a polarização fortalece a unidade do seu lado e pode atrair parte do centro – caso não se encontre, como não se encontrou até hoje – uma alternativa competitiva. Mas ameaça porque, afinal, Lula é Lula.
Bolsonaro está irado, enfraquecido, nas mãos de um Centrão que não é de brincadeira e pressionado até por líderes do capital e, claro, pelos Estados Unidos de Joe Biden. Nada está fácil. Covid, registros de morte pela cloroquina, Orçamento maluco, corrosão do meio ambiente, terra arrasada na política externa e a diligência de STF, TCU e MP. A economia teria de ser um sucesso estupendo para equilibrar. Não é nem será.
Assim, Bolsonaro perde todas na CPI da Covid: não queria a CPI e ela foi instalada; achou que teria maioria, não tem; tentou tirar Randolfe Rodrigues da vice e Renan Calheiros da relatoria, perdeu; e Omar Aziz foi o “menos ruim”, o que restou ao Planalto para a presidência, mas ele não vai sabotar a comissão, até porque é do Amazonas, exemplo de dor, asfixia e tragédia.
Resta a Bolsonaro atiçar sua turba contra o Supremo, pelos votos de Lula, os governadores, cara a cara com a pandemia, e a mídia, que relata toda a história. Parte do plano é martelar que essa turba é o “povo”. Se 200 ou 500 alucinados atacarem de novo o prédio do STF, Bolsonaro apoiará: “Não jogarei o ‘meu’ Exército contra o ‘povo’!”. Saberemos então, finalmente, qual foi sua intenção ao derrubar toda a cúpula militar. A que saiu defendia a Constituição. A que entrou se escuda no “povo”, esse “povo”?
Míriam Leitão: Do chão da floresta à cúpula do clima
Um avião do Comando de Aviação Operacional da Polícia Federal foi a Manaus em novembro buscar policiais para ajudar nas eleições no sul do Estado. O superintendente da PF, Alexandre Saraiva, perguntou ao piloto: “Na volta, tem como sobrevoar os rios Madeira e Mamuru para ver se tem balsa da madeira?” Um agente foi junto para fotografar e trouxe farto material. Assim começou a maior apreensão de madeira feita pela Polícia Federal. A ação foi comemorada em nota pela Secom do Planalto. Saraiva esteve no Conselho da Amazônia para explicar a operação e discutir o destino da madeira. A reviravolta ocorreu quando o ministro Ricardo Salles foi ao Amazonas e passou a defender os madeireiros.
Na reunião de cúpula esta semana sobre clima, convocada pelo presidente Joe Biden, o presidente do Brasil vai mentir. Já há muita falsidade na carta enviada por Bolsonaro a Biden. A meta de zerar o desmatamento ilegal em 2030 é antiga, foi apresentada pelo Brasil em 2009, em Copenhague, e confirmada em Paris. No mesmo dia em que prometeu reduzir o desmatamento, o governo fez o oposto. A boiada de Salles é coisa que passa todo dia. Ele baixou, na quinta-feira, uma instrução normativa que constrange mais ainda a fiscalização ambiental.
— A instrução normativa condiciona a validação das multas ambientais à concordância de uma autoridade ‘hierarquicamente superior’. Já havia antes criado um conselho de conciliação para validar as multas — explica André Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade.
Tudo é complexo quando o assunto é Amazônia. Mas os fatos se juntam. Tanto a exoneração do superintendente Saraiva, quanto as recorrentes normas com as quais o governo Bolsonaro mina o edifício legal construído em governos anteriores, que havia feito do Brasil um exemplo de combate ao desmatamento.
O delegado Saraiva, na sexta-feira, reapresentou a notícia-crime contra o ministro Ricardo Salles no STF por “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato das questões ambientais”. A relatora será a ministra Cármen Lúcia. Ele havia tido dificuldade de incluir no sistema eletrônico, mas, mesmo após o anúncio de que seria exonerado, insistiu. Está convencido de que o que ele viu é crime. E dos grandes. O governo achava o mesmo. A nota da Secom, no dia 24 de dezembro, trazia a bandeira do Brasil ao lado da inscrição “O gigante verde” ilustrando a foto dos caminhões enfileirados da “Operação Handroanthus GLO”. A carga, dizia a Secom, “representa mais de 6,2 mil caminhões lotados”. E isso quando se achava que eram 131 mil m3 de madeira. Na verdade, foram mais de 200 mil m3. Salles diz agora que era tudo legal.
— A madeira que estava nas balsas não correspondia à madeira descrita no Guia Florestal. Nem nos caminhões. Os documentos que os empresários apresentaram têm fortes indícios de fraude, apesar disso o ministro os defendeu — disse Saraiva.
Esse é um fato. Há milhares de fatos estranhos na rede que sustenta o abate da floresta. Contra isso o Brasil aprovou leis e assumiu compromissos internacionais. Na gestão Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente foi feito o PPCDAm, o mais bem estruturado plano de combate ao desmatamento. Era maio de 2005. Por causa dele o Brasil derrubou em 80% o desmatamento nos anos seguintes. Em 2009, para a COP-15, quando o ministro era Carlos Minc, foi anunciada a Lei Nacional de Mudanças do Clima. Assim nasceram as metas do Brasil. Elas não foram inventadas agora pela dupla queima-floresta Bolsonaro&Salles.
— A carta de Bolsonaro a Biden é mais que triste, é dramática. Ele fala em proteger indígenas, e o governo é autor do projeto que legaliza mineração, exploração de madeira, agropecuária, gás, petróleo e usina elétrica em terra indígena. Ele enterrou o PPCDAm mas pede dinheiro alegando que o Brasil reduziu o desmatamento. Caiu por causa do plano que ele desmontou — diz André Lima.
O MapBiomas tem feito perguntas pela Lei de Acesso à Informação ao vice-presidente, general Hamilton Mourão, sobre os crimes ambientais. Fez 66. A resposta é sempre a mesma. A de que o Conselho da Amazônia é só o coordenador. “Sugere-se que seja realizado o pedido ao órgão competente”. Mas o Ibama nem faz parte do Conselho.
Esse ataque múltiplo contra a floresta é a verdade do Brasil. Verdade que não estará na fala de Bolsonaro aos líderes mundiais.
Bernardo Mello Franco: Moraes expôs o método da República de Curitiba
O Supremo Tribunal Federal confirmou, por 8 votos a 3, a anulação das condenações de Lula. A corte concluiu que a 13ª Vara de Curitiba não tinha competência legal para julgar o ex-presidente. Isso equivale a dizer que sua prisão foi resultado de um processo irregular.
Lula vive em São Bernardo do Campo e foi acusado de receber vantagens de empreiteiras em Guarujá e Atibaia. Os três municípios ficam no Estado de São Paulo. No entanto, os casos foram levados para o Paraná, onde Sergio Moro pontificava nos julgamentos da Lava-Jato.
Na quinta-feira, o ministro Alexandre de Moraes disse que a transferência das ações violou o princípio do juiz natural. A Constituição afirma que “ninguém pode ser processado ou sentenciado senão pela autoridade competente”, definida por regras do Código de Processo Penal. “O juiz não pode escolher a causa que quer julgar”, resumiu o ministro.
Moraes expôs o método da República de Curitiba para driblar a lei e escolher réus, transformando-se numa espécie de “juízo universal” do país. “Em todas as denúncias, o MP jogava o nome da Petrobras e pedia a prevenção da 13ª Vara”, disse. O artifício deu poderes quase ilimitados ao juiz e aos procuradores da força-tarefa.
No caso de Lula, Moraes observou que o MP nunca provou a conexão entre os desvios na Petrobras e as obras no sítio no tríplex. “A partir do genérico, sem nenhuma ligação com fatos específicos, se acusou e se denunciou o ex-presidente”, criticou. A defesa repetia isso desde 2016, mas o Supremo levou cinco anos para declarar que o processo foi ilegal.
A transferência das ações para Curitiba foi o primeiro ato de um vale-tudo judicial contra Lula. O Supremo participou do baile ao retardar o julgamento de ações que questionavam se era permitido prender um réu sem condenação definitiva. A manobra permitiu a prisão do petista às vésperas da eleição presidencial de 2018.
“Se essa inversão não tivesse sido feita, a história do Brasil poderia ter sido diferente”, disse na quarta-feira o ministro Ricardo Lewandowski. “Foi uma opção que o Supremo fez e que teve consequências muito sérias”, acrescentou. A principal consequência atende pelo nome de Jair Bolsonaro.
A propaganda enganosa
O general Augusto Heleno divulgou na sexta um vídeo que exalta a “Nova Funai”. A propaganda diz que a entidade ouve os povos indígenas e defende o meio ambiente. No mesmo dia, uma audiência promovida pela OAB empilhou críticas ao discurso chapa-branca.
“A Funai foi tomada por setores do agronegócio que imprimem uma política totalmente contrária à defesa dos direitos dos povos indígenas”, afirmou o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário, Antônio Eduardo Oliveira.
A deputada Joenia Wapichana diz que a “Nova Funai” deixou de cumprir sua tarefa mais importante: a demarcação de terras indígenas. Ela também reclama da omissão diante do avanço do garimpo ilegal na Amazônia. “A situação é muito preocupante. E a Funai só atende o lado que está de acordo com as ideias do governo”, acusa.
Ricardo Noblat: Todos juntos contra Bolsonaro
O primeiro debate entre aspirantes a candidato a presidente
O painel de encerramento da sétima edição da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento organizado pela comunidade de estudantes brasileiros de Boston (EUA), em parceria com o jornal O Estado de São Paulo, reuniu ontem, pela primeira vez, cinco aspirantes à candidato a presidente do Brasil na eleição de 2022.
O que mais uniu Ciro Gomes (PDT, os governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o apresentador de televisão Luciano Huck: duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo, embora todas elas feitas sem que perdessem o prumo.
Ninguém desafinou quanto a isso. O clima foi cordial entre eles, que defendem que é preciso “curar as feridas provocadas pela polarização política” e construir “um projeto de país” para barrar a eventual reeleição de Bolsonaro. As críticas mais ácidas ao presidente partiram de Doria, Ciro e Haddad.
Os três chegaram a taxar de “genocida” a atuação do governo no combate à pandemia do coronavírus. E apontaram como traços do comportamento antidemocrático do presidente sua revolta com decisões do poder Judiciário e as tentativas de interferir na Polícia Federal bem como nas polícias militares estaduais.
Doria: “Lembro que o Brasil responde por 12% dos óbitos (no mundo) e menos de 3% da população (mundial). Significa dizer que 270 mil brasileiros morreram não em função do vírus, mas em função da péssima gestão que se faz da pandemia. É preciso pressionar o governo para que acelere o ritmo da vacinação”.
Haddad: “Quando o presidente é acusado de genocídio, ele não está sendo ofendido, são dados objetivos que mostram que o governo brasileiro falhou na grave crise que estamos enfrentando”. E acrescentou “que a palavra genocida” não é modo de falar, mas “uma descrição” da conduta de Bolsonaro ao longo da pandemia.
Ciro não seria Ciro se não usasse palavras mais fortes para distinguir-se dos demais debatedores. Chamou o governo de “fascista”, e Bolsonaro de “genocida boçal”. E vaticinou que “o delírio do presidente é formar uma milícia para resistir de forma armada à derrota eleitoral que se aproxima”.
Leite e Huck preferiram se ater mais à questão ambiental. O governador do Rio Grande do Sul citou os sucessivos recordes nos índices de desmatamento na Amazônia em outras regiões, dados que a seu ver têm sido motivo de desprestígio para o Brasil aos olhos de outros países do mundo.
Houve um momento do debate em que Huck censurou os seus colegas. Foi quando disse: “Só estou enxergando narrativas pelo retrovisor, vendo dificuldade de olhar para frente. Temos que deixar de lado nossas vaidades e entender que, mesmo com o enorme potencial, o Brasil não deu certo”. Para quê falou isso…
Ouviu de Haddad em troca: “Olhar para trás é um aprendizado, não é de todo ruim”. Doria também afirmou que entender o passado pode ajudar a projetar adequadamente o que fazer no presente. Ciro declarou “que é preciso, sim, conhecer o passado para que os erros não sejam repetidos”.
Huck recuperou-se ao voltar ao tema do meio ambiente: “A Amazônia tem tudo para ser o vale do silício da biotecnologia global. Tem muito dinheiro na mesa. Estima-se que tem mais de 50 trilhões de dólares no mundo para serem investidos em energia limpa, investimentos que iam para petroquímica, óleo e gás”.
O debate terminou com um afago de Haddad em Doria e Leite: “Quero me solidarizar com os dois governadores que são do PSDB, mas que têm sofrido ataques indignos e intoleráveis. Queria manifestar o meu repúdio ao tratamento que os governadores em geral vêm recebendo. Todo mundo aqui merece ser respeitado”.
Valdir Oliveira: O justiceiro da vontade popular
Não existe quem possa defender a impunidade. As ações de combate a crimes de colarinho branco são apoiadas por toda a população. Não é de hoje que a sociedade repudia atos de corrupção. Noel Rosa, em 1933, já trazia essa pauta com a música Onde Está a Honestidade? O período do rock também foi muito rico nesse tema. Em Alvorada Voraz, Paulo Ricardo até citava os casos famosos de gente importante, como ele dizia. Com tantas insatisfações, Renato Russo chegou até a gritar: “Que pais é esse?”
Passaram-se ciclos de poder, com nomes e partidos diferentes, mas os casos de desvios se mantiveram presente como se a corrupção fosse parte do DNA do poder. A corrupção é parte da imperfeição humana, por isso, a sedução pelo dinheiro ou pelo poder é um perigo constante.Leia mais
Uma investigação mudou a história recente do Brasil e alterou os rumos do país. A partir dela, renasceu a esperança do fim da impunidade e, inevitavelmente, novos heróis nacionais. A operação, conhecida como Lava Jato, saiu da burocracia jurídica dos processos penais e ganhou as ruas, transformando-se em bandeira política de grande mobilização nacional. O que antes era crime de gente importante, como dizia a música de Paulo Ricardo, se transformou em crime hediondo, popularizando a repulsa pela corrupção, como a que sentimos com os crimes que nos chocam, nos atingem a alma.
Autores de crimes de colarinho branco sempre foram considerados inatingíveis pela polícia e pela Justiça. O dinheiro e o poder sempre foram a proteção à impunidade. A compreensão era de que, no campo jurídico, esse embate não lograria êxito. Assim como na operação italiana Mãos Limpas, que parece ter sido a inspiração para a operação Lava Jato, a estratégia usada foi levar a investigação e julgamento para as ruas, para que os acusadores conseguissem lutar no campo político, vez que no campo jurídico a lição mostrava insucessos.
Ao levar a investigação e o julgamento para as ruas, o juiz pôs em risco sua imparcialidade e comprometeu todo o processo. A política é tão sedutora quanto o dinheiro e a corrupção oriunda da vaidade é capciosa. O conhecimento público de um processo de interesse nacional não é ruim, desde que isso não seja maior do que o próprio processo e que não se torne bandeira de outros interesses que não o da própria Justiça. Caso ocorra, a mácula na Justiça atingirá a confiança daqueles que alimentaram a esperança de um país mais justo e colocará por terra a crença que a impunidade não resistirá aos homens de boa fé.
Ao ganhar as ruas, ancorado na esperança do povo brasileiro, o herói nacional correu o risco de transmudar seu papel, de juiz para justiceiro e, efetivamente, o fez. Adotou, como princípio, a máxima de que os fins justificavam os meios e transformou seu julgamento em guerra a qualquer custo, assumindo, também, o lado de acusador, abstendo-se, por consequência, da imparcialidade, fundamental em um processo justo. Existiram, assim, naquela operação, apenas dois polos: o da acusação e o da defesa.
Quem de nós já não se deparou com uma situação onde a raiva despertou a vontade de fazer justiça com as próprias mãos? Seja em um desencontro no trânsito ou no trabalho ou até em agressões a vulneráveis? O despertar da repulsa nos estimula a reagir impensada e impulsivamente, na profunda certeza de que, de fato, os fins justificam os meios. Porém, por vivermos em sociedade, não podemos permitir que esse limite seja ultrapassado. Caso contrário, como um bumerangue, tal processo tortuoso, um dia, voltará, inapelavelmente, contra nós mesmos.
Um justiceiro pode ser fruto de uma insatisfação profunda ou até da busca pelo fim impunidade. Pode ser, também, fruto da vaidade das conquistas individuais. Seja em um caso ou outro, o justiceiro sempre falha com a Justiça, porque, ao ultrapassar o limite da imparcialidade, da lei e das verdades dos fatos, ele contamina o resultado do seu trabalho. Um justiceiro, sob o manto da cegueira de suas razões, tende, ao final, a vitimizar o réu e passa a navegar, ele mesmo, nas águas da injustiça que se propôs a combater.
O fim da operação Lava Jato também traz nova mudança para os rumos do país. Assim, da mesma forma, a condenação a qualquer preço imperará no julgamento do justiceiro, decorrente da frustração, do engodo, do abuso da boa-fé, do sentimento da perda da oportunidade do combate eficaz e limpo da corrupção. O justiceiro se torna réu do próprio julgamento e, com isso, subtrai do povo a esperança da justiça e do fim da impunidade. A corrupção da vaidade é crime tanto quanto a corrupção de recursos públicos.
A história nos relega uma lição. O povo não deve personalizar irrevogavelmente a esperança. Afinal, somos todos imperfeitos, sujeitos a erros que, muitas vezes, nos igualam. O limite entre o juiz e o justiceiro está na lei e jamais devemos ultrapassa-lo, por mais que haja motivos que estimule essa ousadia. Afinal, como Júlio Cesar, na Roma antiga, devemos nos lembrar sempre que somos mortais e jamais poderemos estar acima do bem e do mal. A lei será sempre o limite do nosso poder.
*Valdir Oliveira é superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Distrito Federal (DF).
Janio de Freitas: Habituados às delações traidoras, integrantes da Lava Jato se delataram em gravações
Próprios integrantes da Lava Jato se delataram em gravações
“Presente da CIA.”
A frase começa por suscitar curiosidade com seu sentido dúbio e logo ascende, vertiginosa, à mais elevada das questões nacionais —a soberania. As três palavras vêm, e passaram quase despercebidas, entre as novas revelações das tramas ilícitas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol, envoltas em abusos de poder e de antiética no grupo de procuradores.
Seca, emitida como um repente fugidio de saberes velados, a frase de Dallagnol celebrava a informação mais desejada: Sergio Moro determinara, no começo da noite daquele 5 de abril de 2018, primórdio da campanha para a Presidência, a prisão do candidato favorito Lula da Silva. Na véspera, o Supremo Tribunal Federal acovardou-se ante a ameaça golpista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Por um voto de diferença, entregou a candidatura e, para não haver dúvida, o próprio Lula à milícia judicial de Curitiba.
A frase pode dizer presente “da CIA” porque destinado à agência do golpismo externo dos Estados Unidos. Ou “da CIA” porque vindo da articuladora do presente. Não importa o que agora Dallagnol diga. Não será crível. O mesmo sobre quem embalou e entregou o presente, Sergio Moro.
A dubiedade cede à certeza quando se trata do pré-requisito para que Dallagnol compusesse a frase. Em qualquer dos dois sentidos, a preliminar é a mesma: o coordenador da Lava Jato tinha conhecimento da relação entre pretensões da CIA na eleição brasileira e a exclusão da candidatura de Lula. Nem lhe ocorreu falar de candidatos favorecidos, nem sequer do êxito da ideia fixa que dividia com Moro e disseminara nos companheiros. Era a CIA na sua cabeça.
Não faz muito, foi noticiado o envolvimento de agentes do FBI com a Lava Jato de Curitiba. FBI como cobertura, mas, por certo, também outras agências (NSA, Tesouro, CIA, por exemplo). Um grupo de 17 desses agentes chegou à Lava Jato em outubro de 2015, acobertado por uma providência muito suspeita: Dallagnol escondeu sua presença, descumprindo a exigência legal de consultar a respeito, com antecedência, o Ministério da Justiça. Eram policiais e agentes estrangeiros agindo com a Lava Jato, não só sem autorização, mas sem conhecimento oficial. Violação da soberania, proporcionada por procuradores da República, servidores públicos. Caso de exoneração e processo criminal.
O sigilo é tão mais suspeito quanto era certo que o governo nada oporia, como não veio a opor. Há até uma delegação permanente do FBI no Brasil, trabalhando inclusive em assuntos internos como as investigações de rotas do tráfico. O motivo real do sigilo é desconhecido, e só pode ser comprometedor.
Também interessante é outra providência do coordenador. Logo depois da prisão de Lula, o obcecado Dallagnol viajou. Para os Estados Unidos. “Foi à Disney.” Logo naqueles dias tumultuosos, que lhe pareceram até exigir, como recomendou, medidas especiais de segurança dos integrantes da Lava Jato.
Talvez se tenha que esperar por livros estrangeiros para saber o que foi e como foi, de fato, a Lava Jato conduzida por Deltan Dallagnol e Sergio Moro, este, hoje, integrado a uma empresa americana que lida com procedimentos do submundo empresarial. Mas nem tudo continua sob sombra ou como dúvida.
Habituados às delações traidoras, os próprios integrantes da Lava Jato delataram-se em gravações. A procuradora Carolina Resende, por exemplo, não disfarçou o objetivo do grupo: “Precisamos atingir Lula na cabeça (prioridade número 1) pra nós da PGR”. Falou no melhor vernáculo miliciano.
UM SHOW
No mesmo dia em que era noticiado o próximo fim do estoque de vacinas, o general do Ministério militar da Saúde dizia no Senado que “a Pfizer oferece 2 milhões de vacinas ao Brasil, mas não vamos comprar. É muito pouco”.
O general Pazuello mostrou, o tempo todo, desfaçatez admirável. Um exemplo, dos mais inofensivos: “Vamos vacinar 50% da população vacinável no primeiro semestre e 100% até dezembro”. O Brasil vacinou apenas 1,3% da população e já está parando, não se sabe até quando.
Sabe-se, isto sim, que, se a variante do vírus, chamada no exterior de Brasil ou Amazonas, se espalhar aqui, ocorrerá uma calamidade. Americanos e europeus estão assustados com essa variante, mas aqui o governo e seus 26 militares do Ministério militar da Saúde nem sabem dessa nova criação da sua incúria.
Merval Pereira: Farsa tupiniquim
O procurador-geral da República, Augusto Aras, escancarou nos últimos dias sua intenção de controlar a Lava-Jato
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, quer que “o natural, bom e antigo” combate à corrupção substitua o que chama de “lavajatismo”, um neologismo muito usado pelos bolsonaristas quando querem menosprezar alguma atividade de que não gostam, como “mundialismo”, em vez de globalização.
Isso não quer dizer que o que Aras está fazendo com a Lava-Jato corresponda a uma ação direta de conluio político com o presidente que o escolheu por fora da disputa interna no Ministério Público. Mas que, tentando desmoralizar a Lava-Jato, está ajudando Bolsonaro a manter o Centrão protegido, isso está.
Defendendo a tese de que a Polícia Federal não pode fazer busca e apreensão em gabinetes de parlamentares, Augusto Aras também faz com que o “antigo” jeito de combater a corrupção no Brasil volte a prevalecer, o que sempre levou a que autoridades, empresários e políticos não caiam nas malhas da Justiça.
Isso não é novidade nos países em que a corrupção avassaladora foi combatida por uma nova geração de juízes e promotores que não se deixaram amarrar por uma burocracia que sempre beneficia os infratores. Na Itália foi assim com a Operação Mãos-Limpas. Com apoio popular grande durante os primeiros anos, a Operação acabou atingida por diversas denúncias que, mesmo não tendo sido comprovadas, corroeram a confiança popular.
Os juízes Di Pietro – que mais tarde entraria na política - e Davigo foram convidados para serem ministros no Governo Berlusconi, resultante do movimento contra a Mãos Limpas, mas recusaram diante da evidência de que o que Berlusconi queria mesmo era desmobilizar a Operação.
Entre nós, algo parecido aconteceu. O então juiz Sérgio Moro, e boa parte do eleitorado, foram seduzidos pela falsa promessa de Bolsonaro de que combateria a corrupção com base na Lava-Jato, e entrou no governo. Bastou que investigações chegassem perto da família presidencial, todos ligados a Fabricio Queiroz, para que Bolsonaro quisesse controlar a Polícia Federal, especialmente a seção do Rio, local de atuação de Queiroz e dos Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, a tentativa petista de desmoralizar as condenações do ex-presidente Lula levou a um vazamento de conversas dos procuradores da Lava Jato em Curitiba, entre si e com o então juiz Sérgio Moro. Durante meses o site The Intercept-Brasil publicou essas conversas, geradas pela ação de um grupo de hackers que está na cadeia, e não revelou nenhuma ação que distorcesse a investigação, que forjasse provas inexistentes, que indicasse conluio contra qualquer investigado da Operação Lava Jato, muito menos o ex-presidente Lula, o objetivo evidente da operação de invasão de celulares.
Na Itália, tomou corpo, depois de anos de apoio da opinião pública, uma campanha de difamação contra as principais figuras da Operação Mãos Limpas, em especial o Juiz Di Pietro, e acusações de abuso de poder nas investigações. O mesmo vem acontecendo com o ex-juiz Sérgio Moro, os Procuradores do Ministério Público Federal e membros da Polícia Federal que fazem parte da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato.
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, escancarou nos últimos dias sua intenção, latente desde que foi escolhido por Bolsonaro, de controlar a operação. Uma das alegações mais risíveis é a comparação de quantos terabytes (unidade de medida utilizada para armazenamento de dados na informática) de informações a força-tarefa de Curitiba tem em relação ao Ministério Público.
Como são dez vezes mais, isso significa para Aras não indicação de produtividade, mas sinal de que alguma coisa secreta está acontecendo por lá. Em vez de aprovarem reformas que evitariam a corrupção, na Itália houve uma reação do sistema político, dos próprios investigados, pessoas poderosas e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade.
Aqui está acontecendo a mesma coisa, com a mutilação de medidas propostas por Moro para combate à corrupção e decisões judiciais, até mesmo do Supremo Tribunal Federal, que dificultam o combate à corrupção. O fim da prisão em segunda instância e dificuldades para as delações premiadas são apenas exemplos mais recentes. A historia se repete como farsa tupiniquim.
Reinaldo Azevedo: Os porões da Lava Jato se agitam; esqueletos buscam a luz
É preciso pôr fim à farsa da operação para que o combate à corrupção se dê de forma legal
Ou o lavajatismo dá um golpe de vez nas instituições, com o consequente fim do devido processo legal e do Estado de Direito, ou, então, os valentes terão de responder por sua obra. Ainda dispõem de poder de retaliação e têm guardadas bombas de fragmentação. Vamos ver.
Estão de parabéns os respectivos presidentes do Senado e do Supremo, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Dias Toffoli, por terem impedido não a busca e apreensão no gabinete do tucano José Serra, mas a invasão do Senado pela polícia. Até a ditadura foi mais contida.
Minha opinião a respeito não é nova: até onde sei, fui o único na imprensa a criticar duramente, em setembro do ano passado, a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, que autorizou a PF a invadir —sim, escolho esse verbo!— os respectivos gabinetes do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e do deputado Fernando Bezerra Coelho Filho (DEM-PE) sob o pretexto de colher provas de desvios de recursos públicos supostamente ocorridos entre 2012 e 2014.
Bezerra Coelho pai é líder de um governo pelo qual chego a sentir repulsa física. E daí? A questão é institucional. Será que o Legislativo pode ficar à mercê das opiniões singulares de 13 mil promotores e procuradores e de 17 mil juízes, ainda que a maioria seja composta de varões e varoas de Plutarco? Basta que 10% não sejam —ou 1%, fatia modesta de mau-caratismo em qualquer grupo, incluindo o das pessoas que amamos— para que o Congresso vire a Geni de justiceiros de meia-tigela e PowerPoint.
O erro primitivo, filho do espírito do tempo do “pega pra capar” que chegou também ao STF, está na alteração cartorial do foro por prerrogativa de função. A maioria do tribunal mudou a regra ao votar mera questão de ordem e decidiu contra a letra explícita da Carta. Cedeu ao alarido de grupos organizados, que, sob o pretexto de combater a impunidade, já chocavam os ovos do neofascismo caipira.
Nos marcos atuais, o que impede um juiz de primeira instância de determinar busca e apreensão no gabinete de um ministro do STF ou do presidente da República? Este, por exemplo, não pode ser responsabilizado por crimes anteriores ao mandato, mas investigado pode. É jurisprudência do tribunal. Já aconteceu com Michel Temer.
“Ó, combate à corrupção! Quantos crimes se cometem em teu nome!” Parodio Manon Roland, personagem da Revolução Francesa a caminho da guilhotina —referia-se, no caso, à liberdade. Deve ser mentira. Prestes a perder a cabeça, acho que o decoro pede menos pompa.
Que dias singulares! Leio que ações recentes contra políticos, com acusação de caixa dois —convertida, claro!, em “lavagem de dinheiro e corrupção passiva”— têm origem na “Lava Jato Eleitoral”. Hein? Que bicho é esse, coleguinhas? Quando foi criado? Iniciativa de quem? Trata-se de uma força-tarefa, de uma grife ou de uma senha para o vale-tudo?
A mais recente peça de propaganda da Lava Jato a circular nas redes sustenta que o compartilhamento com a PGR de dados da operação, corretamente determinado por Toffoli, franquearia a Augusto Aras, procurador-geral, o acesso à investigação de 20.137 pessoas jurídicas e 17.897 pessoas físicas. É mesmo?
Isso quer dizer que a Lava Jato investigou quase 18 mil pessoas e mais de 20 mil empresas? Seria deselegante perguntar se o fez com a devida autorização judicial? Ou tamanho furor investigativo se exerceu informalmente, a exemplo da parceria ilegal da força-tarefa com o FBI?
É preciso pôr fim à farsa publicitária da Lava Jato para que o combate à corrupção seja eficaz e se dê nos marcos da legalidade.
A Segunda Turma do STF tem de decidir em breve se anula ou não a condenação de Lula. Têm pululado na imprensa nestes dias notinhas sobre a candidatura de Sérgio Moro a presidente ou a vice. A simples leitura provoca sentimento de vergonha —em quem tem vergonha.
A luz chegará aos porões da Lava Jato. Resta a cada ministro do STF escolher se associa seu nome ao Estado de Direito ou ao terror policial-judicial que erigiu falsos profetas que nos legaram como herança o abismo da cloroquina moral.
Elio Gaspari: O STF quebrou um pé da Lava Jato
Chamar roubalheiras de políticos de caixa 2 sempre foi um sonho de consumo
Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os delitos de caixa dois e as práticas que lhes são conexas devem ficar no âmbito da Justiça Eleitoral. Jogo jogado.
Em 2006, por unanimidade, o mesmo Supremo decidiu que a cláusula de barreira era inconstitucional. Ao fazer isso, as togas dos 11 ministros serviram de cobertura para pequenos partidos que mamavam recursos do fundo partidário e o tempo dos horários gratuito de televisão. Veio a Lava Jato e, com ela, escancarou-se a roubalheira nacional. Graças ao clima que Curitiba criou, o Congresso aprovou uma nova modalidade de barreira.
Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que estava na unanimidade de 2006, disse que “hoje muitos de nós fazemos um mea-culpa, reconhecemos que foi uma intervenção indevida, inclusive pela multiplicação de partidos”. (Ele foi o único a fazer o mea-culpa, mas deixa pra lá.)
O 6 a 5 de quinta-feira poderá ser avaliado daqui a anos. Entre a unanimidade de 2006 e o mea-culpa de 2017 passaram-se nove anos.
Chamar de caixa dois as roubalheiras de políticos sempre foi um sonho de consumo. Esse truque saiu da cartola de Lula em 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão.
Quando o Supremo matou a cláusula de barreira, os ministros sabiam que, junto com a defesa da liberdade de expressão, abriam a porteira para otras cositas más. Hoje, na estrada do caixa dois há 50 tons de capilés. Numa ponta está o candidato que aceita uma ajuda (monetária ou não) e deixa de registrá-la junto à Justiça Eleitoral. Na outra, está o magnífico Sérgio Cabral. Até bem pouco tempo ele dizia que amealhara dezenas de milhões de dólares valendo-se do desvio de dinheiro eleitoral.
Era mentira. Num exagero, mandar para a Justiça Eleitoral o processo de um coletor de propinas porque ele diz que tudo era caixa dois seria o mesmo que começar numa Vara de Família o processo do assassino de um casal que deixou quatro filhos, tornando-os órfãos.
Num voto seco, técnico, o ministro Luis Roberto Barroso sintetizou a questão: o que importa não é para onde o dinheiro vai, mas de onde ele vem. Se ele vem de propinas, o delito não é eleitoral, mas corrupção.
Barroso ficou na minoria.
A sessão do Supremo teve um momento de teatralidade com Gilmar Mendes chamando procuradores de “gângsters”, mas foi ele quem melhor definiu o debate: ”O que se trava aqui é uma disputa de poder”. Saiu satisfeito o lado de quem tenta esconder suas roubalheiras atrás do caixa dois, e quem perdeu foi a turma da Lava Jato.
O tempo mostrará as consequências do 6 a 5. Em cinco anos, a República de Curitiba destampou a panela da corrupção nacional como nenhum grupo de procuradores ou tribunal conseguiu fazê-lo desde que a Terra dos Papagaios chama-se Brasil.
A turma da Lava Jato acertou muito e errou pouco, mas tropeçou na soberba.
Sergio Moro não deveria ter divulgado o grampo de uma conversa de Dilma Rousseff com Lula sabendo que ela ocorreu fora do prazo autorizado pela Justiça. Também não deveria ter divulgado um anexo irrelevante e inconclusivo da colaboração do comissário Antonio Palocci no calor da campanha eleitoral do ano passado. Talvez não devesse ter deixado a Vara de Curitiba, e certamente os 12 procuradores signatários do acordo que criaria uma fundação de direito privado com recursos da Petrobras deveriam ter medido melhor os riscos que corriam.
Tanto a turma de Curitiba como os seis ministros do STF acharam que são supremos.
VENDA DE ALMA
Enunciando mais um pilar de sua diplomacia paleolítica, o chanceler Ernesto Araújo informou que “nós queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma”.
Resta saber se alguém quer comprar essa alma.
RADIOATIVIDADE
O Ministério Público não quer ouvir o sobrenome Bolsonaro no caso do assassinato de Marielle Franco.
Antes que se pense que há nisso alguma forma de blindagem, o motivo real da preocupação é técnico. Se algum Bolsonaro entrar na roda, o foro do caso sai da alçada do MP. A prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz mostra que as promotoras pegaram o fio da meada.
TESTE
Como ficariam as coisas se:
1) Adélio Bispo, o autor da facada contra Jair Bolsonaro, fosse vizinho de Fernando Haddad no condomínio Vivendas da Barra.
2) Se um delegado informasse que a filha de Adélio namorara um filho de Fernando Haddad.
3) Se Adélio tivesse chegado ao local junto com um cidadão filiado ao PT.
4) Se a polícia encontrasse 117 fuzis pertencentes a Adélio na casa de um amigo dele.
CRIME DE ÓDIO
O delegado Giniton Lages, que investigava o assassinato de Marielle Franco, atribuiu o provável motivo da ação atribuída ao ex-PM Ronnie Lessa a “uma obsessão por determinadas personalidades que militam à esquerda política”. Crime de ódio, enfim. Essa é forte.
Adélio Bispo diz que esse foi o motivo que o levou a esfaquear JairBolsonaro. Até hoje não apareceu pista de mandante.
O Brasil teve outros três famosos atentados movidos pelo ódio político.
Em 1897, Marcelino Bispo atentou contra a vida de do presidente Prudente de Moraes e matou o ministro da Guerra. Em 1915, Manso de Paiva matou o senador Pinheiro Machado com uma facada. Eram lobos solitários.
No terceiro caso, tratava-se de ódio alugado, pois havia mandante. Em 1954, a guarda pessoal de Getúlio Vargas tentou matar o jornalista Carlos Lacerda e assassinou um major da Aeronáutica. Deu no que deu.
Quatro presidentes americanos foram assassinados por ódio político. Em três casos, foram ações de lobos solitários (John Kennedy, William McKinley e James Garfield). No quarto, o de Abraham Lincoln, houve quadrilha, mas não houve mandante.
Juntando-se todos esses atentados, jamais os criminosos tiveram negócios com o jogo clandestino e com milícias. Somando-se todas as armas dos atentados brasileiros e americanos, não se chega nem perto do arsenal de 117 fuzis de Ronnie Lessa. Conta outra, doutor.
RECORDAR É VIVER
Para que os operadores políticos de Bolsonaro percebam o peso que os políticos dão aos seus pedidos.
Em 1962, o vice-presidente americano Lyndon Johnson pediu a John Kennedy a nomeação de uma juíza para Dallas. Nada feito. Johnson era um protegido do presidente da Câmara e ele avisou ao governo: enquanto ela não for nomeada, a sua pauta está trancada. A nomeação saiu no dia seguinte.
No início da tarde de 22 de novembro de 1963, diante de um mundo perplexo, Kennedy estava morto e Johnson foi levado para o avião presidencial, onde deveria prestar juramento diante de um juiz federal.
O ar refrigerado do Air Force One estava desligado e fazia um calor horrível em Dallas. O novo presidente pediu que achassem a juíza Sarah Hughes, pois queria que ela presidisse a cerimônia de sua posse.
Poucas pessoas notaram que ele fora à forra.
Merval Pereira: Curitiba deve perder
A disputa entre o sistema judiciário e o que o ministro do Supremo Gilmar Mendes chama de “Justiça de Curitiba” parece caminhar para um fim no julgamento que começou ontem do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja maioria tende a aprovar que os crimes conexos aos de caixa 2, como corrupção ou lavagem de dinheiro, devem ser encaminhados à Justiça Eleitoral, que definirá se tem competência para julgá-los, ou se os encaminha para a justiça comum.
Prevaleceu a interpretação fixada em jurisprudência de mais de 30 anos, como frisou o ministro Alexandre de Moraes. Os promotores de Curitiba, que vinham forçando uma interpretação alargada da legislação em nome do combate à corrupção, tiveram a primeira grande derrota, que pode se transformar em golpe mortal nas investigações da Lava Jato contra políticos que não têm foro privilegiado, como no caso que começou a ser julgado ontem, o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes.
Nesses cinco anos de existência da Operação Lava Jato, interpretações legais ajudaram a levar adiante as investigações e condenações de políticos corruptos, na continuidade do comportamento pioneiro do STF no julgamento do mensalão.
O ministro Luis Roberto Barroso, do STF, encarna esse espírito quando diz que “tudo o que é certo e justo tem que encontrar lugar no Direito”. Condenações de políticos por crimes de corrupção e assemelhados não era um fato normal na Justiça brasileira, seja no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seja no Supremo Tribunal Federal (STF), e a razão para essa dificuldade é que não são tribunais estruturados para tratar de fatos criminais.
Os procuradores de Curitiba sugerem que a dificuldade seja a relação promíscua entre políticos e membros dos tribunais superiores. No caso do TSE, muitos deles foram ou são também advogados de partidos e políticos.
O julgamento foi influenciado por um erro de estratégia dos procuradores de Curitiba, que nos últimos dias fizeram uma ação intensiva para defender a competência da Justiça federal nos crimes conexos aos eleitorais. Essa inabilidade ficou patente num artigo do procurador Diogo Castor no blog O Antagonista, com críticas tanto ao TSE quanto ao STF.
O advogado de defesa aproveitou o previsível repúdio dos ministros, inclusive porque a ministra Rosa Weber preside o TSE e vários deles já o presidiram, para levantar a tese de que estava havendo uma disputa ideológica de Curitiba contra os tribunais superiores.
O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, demonstrou sua indignação anunciando que faria uma representação no Conselho Nacional do Ministério Público. Para completar o quadro contra os procuradores, Castor fazia parte da fundação privada que os procuradores de Curitiba idealizaram, em conjunto com o governo dos Estados Unidos, para gerir parte da multa bilionária que a Petrobras teve que pagar pelos prejuízos causados aos investidores americanos.
Diante da reação negativa, os procuradores desistiram dele, mas o estrago na imagem estava feito. Fortaleceu-se a impressão, que já era grande entre os ministros do Supremo, de que a “Justiça de Curitiba” queria atuar autonomamente, emparedando os tribunais superiores.
As reações ao que chamava de “abusos” começaram mais nitidamente há tempos nas declarações e decisões do ministro Gilmar Mendes, que ontem parece ter alcançado a maioria do plenário. O ministro Alexandre de Moraes chegou a dizer que os procuradores queriam se transformar em uma “Liga da Justiça sagrada representando o bem contra a Justiça do mal”.
Tanto no STF quanto no STJ, ministros vinham, em algumas de suas turmas, interpretando a legislação a favor de Curitiba. No final do ano passado a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de suas turmas decidindo que prevalece a Justiça Eleitoral nos casos de crimes conexos.
O Supremo caminha para decidir a favor dos membros da Segunda Turma, que já vinham enviando à Justiça Eleitoral os casos de políticos acusados de corrupção e de caixa 2, sem separá-los.
A maioria da Segunda Turma é formada pelos ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Ontem os ministros Marco Aurélio de Mello, relator, e Alexandre de Moraes aderiram à tese, e pelo menos um ministro mais, o presidente Dias Toffoli, deve acompanhar o relator, formando a maioria.
Nota
O Ministério Público do Rio de Janeiro enviou uma nota dizendo que "é incorreta a informação de que o MPRJ buscou impedir a atuação da Polícia Federal ou teria recusado a colaboração do órgão em apoio às investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A instituição, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça, adotou, desde o primeiro dia de instauração do inquérito, a postura de abertura e declarou publicamente a importância da colaboração da PF no caso, o que não deveria ser confundido com o deslocamento de competência pretendido na tentativa de federalização das investigações".
Reafirmo as informações publicadas na coluna de quarta-feira, com base em informações do então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann.