cúpula do clima

RPD || Bazileu Margarido: Pagando pra ver!

A Cúpula sobre o Clima, convocada pelo presidente Joe Biden, marcou o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris. No evento, os Estados Unidos apresentaram uma nova meta de redução de emissões de 50% a 52% de carbono até 2030 em comparação com 2005. O Japão e o Canadá também elevaram suas metas. 

O discurso de Bolsonaro surpreendeu pela assertividade e radical mudança de tom, mesmo que a grande maioria de líderes e especialistas duvide das suas promessas. Dessa vez, não reclamou da brutacampanha de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal de que o Brasil seria vítima, “escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil“, nem colocou a culpa pelo recorde de queimadas no caboclo e no índio, como fez na última Assembleia Geral da ONU. 

Ao contrário, o mandatário brasileiro reafirmou o compromisso brasileiro de reduzir em 37% a emissão de gases de efeito estufa até 2025 e 47% até 2030. Prometeu ainda “neutralidade climática” até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior. Isso significaria radical inflexão na política ambiental brasileira, até o momento marcada pelo conluio tácito com madeireiros e mineradores ilegais, perseguição a fiscais do Ibama que cumprem seu dever e desarticulação da capacidade de atuação dos órgãos ambientais. 

Não tenho motivos para acreditar em mudanças substantivas nas posições do presidente Bolsonaro. Mesmo quando suas convicções se mostram evidentemente equivocadas, como o tratamento precoce da COVID e o desrespeito ao distanciamento social, ele dobra a aposta ainda que isso comprometa sua popularidade.   

Por que Bolsonaro abriria mão de suas igualmente equivocadas convicções em relação à ocupação da Amazônia? Sua formação retrógrada, agarrada à visão militar da década de 70, mantem a concepção da Amazônia como um espaço a ser ocupado mesmo que de forma predatória, onde a floresta é um obstáculo para a exploração mineral e a expansão da pecuária extensiva. “Integrar para não entregar” era o lema dos governos militares para a Amazônia há 40 anos atrás, referindo-se aos interesses estrangeiros escusos que foram ressuscitados pelo presidente no discurso na Assembleia da ONU do ano passado. 

Parece ter sentido a mudança no cenário internacional com a derrota de Trump, o que agrava o isolamento do Brasil nos fóruns multilaterais. Se for isso, essa adaptação ao novo cenário representa mudança estratégica de orientação de sua política ambiental ou apenas recuo circunstancial e momentâneo? Não tenho dúvidas em apostar na segunda hipótese. 

Não posso desconsiderar o poder de atração de alguns bilhões de dólares, estratégia usada pelos Estados Unidos para deslocar a política ambiental brasileira para uma rota de maior responsabilidade com o desenvolvimento sustentável e com a redução do desmatamento e das queimadas na Amazônia e no Pantanal.  

O Brasil foi para a Cúpula do Clima como um pedinte, com o “sinistro” do Meio Ambiente brasileiro usando a infeliz imagem de um cachorro abanando o rabo em frente a uma máquina de frango assado para convencer a equipe de negociação americana a nos doar um punhado de dólares. 

Bolsonaro parece ter uma noção muito particular de cooperação internacional. Vejam o que vem acontecendo com o Fundo Amazônia, paralisado com um saldo em caixa de cerca de R$ 3 bilhões porque o governo considera que a Noruega e a Alemanha têm a obrigação de doar recursos sem que o Brasil tenha, em contrapartida, a obrigação de respeitar as regras de governança pactuadas e que possa fazer o que quiser com os recursos, sem apresentar os resultados que as partes interessadas esperam da cooperação. 

As negociações de um eventual acordo entre Brasil e Estados Unidos voltado à proteção da Amazônia parecem estar trilhando o mesmo caminho, com a aparente expectativa brasileira de contar com a benevolência americana baseada em promessas vagas, feitas num discurso de conveniência.  

Espero estar errado e que o discurso na Cúpula do Clima represente guinada na política ambiental brasileira. O presidente teria, finalmente, compreendido que o desenvolvimento sustentável e a economia de baixo carbono é um caminho sem volta e sem atalhos, e que o suposto direito de desmatar a Amazônia leva ao isolamento internacional, à perda de investimentos e ao aumento da pobreza? 

Estou pagando pra ver… 

*Bazileu Margarido é engenheiro de produção e mestre em economia. Foi presidente do Ibama (2007-2008), secretário de Fazenda de São Carlos-SP (2001-2002), chefe de gabinete da ministra de meio ambiente Marina Silva de 2003 a 2007 e atualmente é assessor econômico da liderança na Rede no Senado.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de maio (31ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

Fonte:


Maria Hermínia Tavares: Sem lastro nem rumo

Em 29 de março passado, a insanidade finalmente deixou o Ministério das Relações Exteriores de braços dados com aquele que a alçara a princípio norteador da atuação internacional do país. A diplomacia brasileira parece ter encontrado a normalidade sob comando de um titular discreto e treinado nas boas práticas do ofício. Pelo menos tem as suas digitais o discurso do presidente na Cúpula de Líderes pelo Clima. Foi o seu primeiro pronunciamento para o mundo que não agrediu a língua ou a lógica, embora encharcado de compromissos mais que duvidosos.

Os atributos do Itamaraty, porém, estão longe de dar conta do necessário para reconstruir a imagem do país e a sua política externa. O prestígio que o Brasil conquistara lá atrás sucumbiu sob o peso do descalabro ambiental e da tragédia sanitária —ambos promovidos por um desgoverno que, de um lado, flerta com o ilícito devastador do patrimônio amazônico e ameaça as populações originárias; e, de outro, desorganiza a política de saúde e estimula comportamentos que só fazem agravar a pandemia.

Talvez as evidências mais claras de seus efeitos estejam nas falas dos eurodeputados, de esquerda e de direita, na recente sessão do Parlamento Europeu dedicada à crise da Covid-19 na América Latina. Desde os tempos da ditadura militar não se ouviam críticas tão implacáveis a Brasília—evidenciando que a reconstrução da imagem nacional dependerá mais do que de discursos e da boa praxe diplomática.

Políticas externas consequentes espelham, de uma forma ou de outra, os projetos que norteiam os objetivos nacionais e as políticas que lhes dão vida: o que se quer para o país dentro e além de suas fronteiras.A ideia de uma nação democrática, menos pobre e iníqua, apta, enfim, a obter benefícios de suas trocas com o mundo vertebrou a diplomacia tanto dos governos do PSDB como do PT. A de Fernando Henrique, mais otimista em relação aos ganhos a extrair da globalização; a de Lula, mais inclinada aos arranjos entre países emergentes. Ambas dispostas a explorar estratégias multilaterais para fortalecer o protagonismo internacional do país e abrir oportunidades de crescimento interno.

O morador da “casa de vidro” não tem —nem nunca teve— projeto ou políticas que mereçam esses nomes. Seu alvo sempre foi destruir o que se logrou sob a democracia da Constituição de 1988; atiçar os ódios de que se nutrem os seus seguidores fiéis; disseminar preconceitos e crendices —e, naturalmente, beneficiar sua família e seus asseclas. Nada que sirva para dar lastro a uma política externa coerente, que dirá governar.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/05/sem-lastro-nem-rumo.shtml


Mariliz Pereira Jorge: A morte é política

Como não politizar a morte se a política adotada pelo governo federal na pandemia continua a enterrar milhares por dia? Quanto mais demorarmos a vacinar a população contra a Covid-19, mais gente morrerá. Escrevi isso no dia 9 de dezembro, quando o país chegava a 180 mil óbitos e testemunhávamos a primeira pessoa no mundo a ser imunizada, uma britânica de 90 anos.

O texto seguia: a incompetência, o desdém e a demora do governo, na figura do presidente, serão culpados por todas as mortes que poderiam ser evitadas com uma vacina. De lá para cá, mais do que dobramos o número de vidas perdidas, e a CPI em curso deve mostrar o que eu disse na ocasião: Bolsonaro é um genocida.

Como não politizar a morte se a política adotada pelo governo federal na pandemia continua a enterrar milhares por dia? É resultado da gestão assassina que ignorou as medidas básicas que poderiam ter protegido a população.Com quase 415 mil mortos e vacinação em marcha lenta, Jair Bolsonaro segue empenhado em boicotar as poucas maneiras de evitar que a doença continue a devastar o país. Em menos de 24 horas, diz que a obrigatoriedade do uso de máscara “já está enchendo o saco”, sugere que a China faz guerra biológica e volta a ameaçar com decreto as medidas de isolamento adotadas pelos estados.

Nesta terça (4), quando o país inteiro se comoveu com a perda do ator Paulo Gustavo, a tragédia brasileira mais uma vez ganhou um rosto e luto coletivo. Mistura-se à tristezaa revolta contra o governo. A partida do comediante, jovem e brilhante, é o retrato do negacionismo de Bolsonaro. Assim como a de outros milhares, poderia ter sido evitada com uma vacina, se não fosse o desprezo que Bolsonaro tem pela vida, pela ciência, pelas instituições.

A melhor prova é que o Brasil registrou queda no número de óbitos de profissionais da saúde e de idosos que foram vacinados. Paulo Gustavo morreu porque pertencia ao mesmo grupo de risco que todos nós: o de brasileiros governados por um delinquente.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2021/05/a-morte-e-politica.shtml


Pedro Cafardo: O culto à cloroquina e ao teto sacrossanto

Enquanto o mundo pensa no pós-pandemia, Brasil se vê envolto na discussão sobre limites fiscais rígidos demais

Uma frase banal - fazer do limão uma limonada - move quem está pensando na economia da era pós-covid. Ainda que as aflições com o desastre humanitário global em andamento desencorajem esse olhar economicista, muitos países já puseram o tema em discussão e tomam medidas olhando para o futuro imediato.

Quem prestou atenção nos discursos da Cúpula do Clima da semana passada viu o “caminho das pedras” da nova economia. A ideia geral é que o principal mecanismo para criar empregos após a pandemia serão os investimentos na economia verde.

O presidente dos EUA, Joe Biden, está presenteando os americanos com um programa econômico que vai muito além do auxílio emergencial. Já aprovou um pacote de estímulos fiscais de US$ 1,9 trilhão e propõe investimentos de longo prazo de até US$ 3 trilhões. Esta segunda parte é a limonada, porque aproveita a crise para sugerir uma grande transformação estrutural da economia americana, ao mesmo tempo em que promete reduzir as emissões de gases-estufa em 52% até 2030. Pode parecer estranho, mas a infraestrutura americana está velha e precisa ser renovada. Não há no país, por exemplo, ferrovias de alta velocidade, coisa comum na Europa. As novas linhas de trens devem substituir transporte aéreo, altamente poluidor.

Então Biden quer renovar a infraestrutura do país e, ao mesmo tempo, descarbonizar a economia, que é para onde vai a fronteira tecnológica em função do aquecimento global. Além disso, ele promete investir em educação e saúde pública com recursos obtidos pela maior taxação dos ricos americanos.

O plano Biden, pela sua enorme dimensão, provoca controvérsias. As declarações que mais preocuparam foram as do ex-secretário do Tesouro Larry Summers, por ser um economista de centro-esquerda, que teoricamente deveria apoiar o investimento público. Summers acha que o pacote fiscal, grande demais, pode gerar inflação de demanda, alta de juros e recessão.

Com ou sem polêmica, o fato é que os americanos já planejam a economia do pós-covid e pouco se lixam com o aumento dos gastos. Europeus vão pelo mesmo caminho. Na França, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, mandou às favas o neoliberalismo e disse que vai proteger a economia francesa “a qualquer custo”. Prometeu investir para garantir soberania e domínio de tecnologias que “moldam o futuro” do país. Vai proteger as empresas com taxações e novos financiamentos. A ideia é “reinventar o modelo econômico do país” com base na inovação e na indústria livre de carbono.

Enquanto o mundo pensa no pós-pandemia, aqui o governo ainda aposta na cloroquina, provocando gargalhadas no exterior. Promessas, como as feitas na Cúpula do Clima, soam falsas. O comando econômico só pensa em conter gasto público. A discussão da política macroeconômica se limita ao teto de gastos, jabuticaba pouco razoável num momento em que mundo decidiu aplicar recursos para combater a doença e renovar a economia nos novos parâmetros.

Nem no incentivo ao carro elétrico, óbvia tendência mundial, estamos pensando ainda, como mostrou Marli Olmos no Valor de ontem. Não se trata de defender a ideia de que o bom para os EUA ou para a Europa é bom para o Brasil. Trata-se de seguir o rumo da economia mundial ou de ficar sentado na sarjeta, chorando e esperando pelos milagres da cloroquina ou do teto de gastos.

José Luis Oreiro, professor da UNB, que acaba de lançar o livro “Macroeconomia da Estagnação Brasileira” em parceria com Luiz Fernando de Paula, anda enfurecido com o que chama de “fé no teto sacrossanto”, que só existe no Brasil com esse rigor, incluído na Constituição e com poucas regras de saída. “Se preservar o teto, a economia cresce; se violar, não cresce”, esse é o dogma. “Por que?”, pergunta.

Em tempo: na opinião de Oreiro, Summers está equivocado e “Biden deve ficar para a história como o novo Roosevelt”.

Pontes abertas

Mudando de assunto, mas nem tanto, os quadrinhos acima, uma velha metáfora comum nas paredes de barbearias dos anos 1960, representam bem o que vêm fazendo as duas forças políticas progressistas do país há quase três décadas. Nunca saíram do primeiro quadrinho e foi preciso aparecer um radical totalitário para desconfiarem que estão no mesmo lado. Ameaçam agora passar para o segundo quadrinho.

As propostas das duas não são conflitantes. Quando governaram, controlaram inflação, buscaram crescimento, reduziram analfabetismo e mortalidade infantil, tiveram a responsabilidade fiscal possível e melhoraram a distribuição de renda. Seria utopia pensar numa aliança progressista entre elas? As pontes estão abertas. Mas será preciso superar ambições pessoais de poder em ambos os lados e alguém tomar a iniciativa de atravessar as pontes. As propostas podem ser mescladas para salvar um país entregue a quem não faz planejamento econômico, ignora a ciência e o desafio ambiental, descuida da educação e da saúde e promove discórdias.

Se não se unirem, as duas forças serão condenadas pela história. Pode dar com os burros n’água a ideia de deixar a centro-esquerda de fora e formar um bloco puro-centro, que é móvel, infiel e fragmentado, como mostrou pesquisa publicada sexta-feira pelo Valor. Também não há como isolar de um acordo a centro-direita, porque a esquerda não forma maioria. Não seria melhor escantear os extremistas, parar, negociar e decidir se vão comer juntos primeiro as mortadelas da esquerda ou as coxinhas da direita?


Míriam Leitão: Governo afastado dos brasileiros

O governo Bolsonaro está descolado dos brasileiros na área ambiental e climática. Empresas anunciam compromissos de zerar emissões, de fiscalizar sua cadeia produtiva, porque isso é um diferencial competitivo. Governadores fazem pontes com governos e empresas. Bolsonaro estrangulou o orçamento dos órgãos ambientais, um dia depois de dizer ao mundo que os fortaleceria. Ontem, na Câmara dos Deputados, o delegado Alexandre Saraiva, da Polícia Federal, mostrou provas explícitas da ilegalidade da madeira que o ministro Ricardo Salles diz que é legal. “O ministro tornou legítima a ação de criminosos”, disse Saraiva, que foi exonerado da Superintendência.

O engenheiro Tasso Azevedo, do Observatório do Clima, observou esse descolamento entre o governo e a sociedade.

— Temos algo acontecendo aqui. A sociedade está fervilhando, o mundo inteiro está olhando para isso. No setor empresarial, do segundo semestre do ano passado para cá, todos os conselhos passaram a falar sobre o tema, querendo entender. Saiu do nível de gerente, foi ao CEO e chegou ao conselho. Várias empresas estão assumindo compromissos e alguns são bem fortes — diz.

Está curioso ver, exemplifica Tasso, a corrida entre as três maiores empresas produtoras de proteína animal, JBS, Marfrig e Minerva:

— Parece que as três estão disputando quem acaba primeiro com as suas emissões. A carta dos 200 CEOs pedindo mais ambição nas metas, tudo está indo nessa direção.

Algumas empresas sempre estiveram nessa trilha, como a Natura. Mas são muitas as companhias que sabem que precisam anunciar metas, verificáveis, prestar contas do esforço que estão fazendo.

O governo federal, apesar do que Bolsonaro disse na reunião de cúpula, segue o seu projeto de desmonte do Ibama, do ICMBio, e até da PF. No Congresso, tramitam projetos perigosos, como o que enfraquece o licenciamento ambiental e regulariza terras roubadas. O depoimento do delegado Saraiva mostra que 70% da madeira apreendida na operação Handroanthus, que Salles diz ser madeira legal, não apareceu nem o suposto dono para reclamar. Há casos de falsificações grosseiras nos documentos. Esse é o projeto do governo Bolsonaro de legalizar o crime. Mas não é o da maioria do povo brasileiro, não é o das grandes empresas, nem dos grandes bancos. O capital converteu-se? Não. Ele está falando de negócios, como sempre. No mundo de hoje, produção ambientalmente suja não é financiada, não tem clientes, perde a competição.

Os governadores fizeram dois movimentos inteligentes. Primeiro, na carta ao presidente Biden lembraram que construíram mecanismos em suas administrações para a cooperação internacional. Segundo, o consórcio dos estados da Amazônia celebrou a divulgação da Leaf Coalition, tão logo foi lançada. Essa iniciativa vem sendo costurada há algum tempo por um grupo de países — Estados Unidos, Reino Unido e Noruega — e de empresas internacionais.

— O Leaf começou em várias frentes e a Amazon esteve bem envolvida no começo. Foi montado um grupo de trabalho. A plataforma se parece com a do Fundo Amazônia, mas em escala global. Cria-se uma linha de base para mostrar a partir desse ponto a queda do desmatamento e há um conselho independente para acompanhar os compromissos. Os países podem se inscrever, mas também os estados, as regiões, para angariar fundos. Os estados brasileiros estão fazendo isso. Vale a partir de 2022, mas em comparação com os cinco anos anteriores — diz Tasso.

Pelo que se sabe, já foi fixado até o preço da tonelada de carbono, num valor acima do que era calculado o Fundo Amazônia. Uma empresa como a Microsoft, por exemplo, que quer zerar suas emissões — não apenas as de agora, mas as que emitiu ao longo da sua história — tem muito a comprar nesse mercado.

Os governadores da região Norte já estavam em contato com os organizadores e por isso no próprio dia do anúncio o governador Flávio Dino, presidente do Consórcio dos Estados da Amazônia Legal, saudou o lançamento da “nova aliança público-privada Leaf Coalition”.

A sociedade, as empresas, os bancos, os governos estaduais estão se conectando com o mundo e a agenda da preservação ambiental. Bolsonaro e seu ministro fazem seu trabalho de demolição das florestas tropicais, e de legalização do crime, descolados do mundo e do próprio Brasil.


Carlos Nobre: 'Brasil precisa diminuir desmatamento da Amazônia ainda neste ano para não receber sanções'

Cientista defende que o grande potencial econômico da floresta é mantê-la em pé, mas que é preciso um forte combate ao crime organizado para zerar a degradação o quanto antes

Felipe Betim, El País

O climatologista Carlos Nobre é uma das principais vozes da ciência que alertam para os riscos de savanização da Amazônia caso o desmatamento não seja freado e zerado até, no máximo, 2030. Em entrevista ao EL PAÍS por telefone às vésperas da Cúpula do Clima, o cientista afirmou que ou o Governo Jair Bolsonaro muda sua conduta ou corre o risco de sofrer sanções econômicas. “Se o Brasil quiser deixar de ser o pária ambiental do planeta, não dá para ficar em cima do muro nem deixar para mudar de postura depois, para a COP-26”, explica o cientista, referindo-se à conferência do clima da ONU que será realizada em novembro deste ano, em Glascow (Escócia). “Eu acho que vai ter muita sanção econômica. Podem enterrar de vez o acordo entre Mercosul e União Europeia, por exemplo. Por isso, é muito importante que o desmatamento caia ainda neste ano. Já se sabe que não vai cair muito, mas não pode crescer”, alerta ele.

Atualmente, pouco mais de 80% da cobertura original da Amazônia está preservada. O número parece alto, mas estudos científicos indicam que a floresta está “na beira do precipício da savanização”: a estação seca está três ou quatro semanas mais longa no sul da região e a floresta absorve menos carbono e recicla menos água, explica Nobre. “Há colegas meus que dizem que savanização ja começou. Eu ainda acho que dá para evitar o pior se a gente zerar rapidamente o desmatamento e restaurar grandes áreas, gerando chuvas e diminuindo temperaturas. Mas isso tem que acontecer a jato”. Para salvar a Amazônia, o mundo também precisa ter sucesso na aplicação do Acordo de Paris e não deixar que a temperatura do planeta suba mais que 1,5 grau celsius. Caso contrário, todo esforço de preservação será em vão, explica Nobre. Os desafios são enormes.

Durante seu discurso de três minutos na Cúpula do Clima nesta quinta-feira, Bolsonaro garantiu que o Brasil tem a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030. De acordo com Nobre, mais de 90% de todo o desflorestamento da Amazônia é ilegal e não tem a ver com produção agrícola, mas sim com o mercado de terra. Para mudar esse quadro, é preciso combater o crime organizado, o que praticamente zeraria toda a degradação da floresta, explica. Em sua fala, Bolsonaro reconheceu que medidas de comando e controle são parte da reposta. “Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização”, assegurou o presidente. As metas apresentadas pelos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, foram elogiadas pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em seu discurso de encerramento nesta sexta.

Porém, um dia depois do pronunciamento de Bolsonaro, aconteceu exatamente o inverso do que ele prometeu diante de 40 líderes internacionais: entre os vetos no Orçamento de 2021, o Governo federal cortou nesta sexta-feira 19,4 milhões de reais do Ibama, sendo que 11,6 milhões seriam destinados para atividades de controle e fiscalização ambiental e seis milhões para a prevenção e controle de incêndios florestais. Bolsonaro também retirou sete milhões do ICMBio, outro braço da fiscalização ambiental, que seriam destinados à criação, gestão e implementação de unidades de conservação. Também cortou 4,5 milhões do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. No total, os cortes do Ministério do Meio Ambiente somam 240 milhões de reais para o ano de 2021.

“Tem que haver um esforço de guerra para acabar ou diminuir o crime na Amazônia. Não pode ser só um discurso de tolerância zero, porque na prática o crime continua acontecendo”, enfatiza Nobre. Os anos de 2019 e 2020 registraram um importante aumento no desmatamento. Em 2021, o mês de março foi o pior dos últimos 10 anos. “O general Mourão [vice-presidente e responsável pelo Conselho da Amazônia] afirmou que o Exército iria sair da Amazônia no dia 30 de abril e que o Ibama iria contratar 700 fiscais temporários. Até agora não contratou nenhum. Muitos fiscais foram aposentados por idade ou estão fora de campo com a pandemia”, alerta o cientista, que teme novo aumento do desmatamento a partir de maio, quando começa o período mais seco na região amazônica.PUBLICIDADE

Nobre explica que o desmatamento das florestas tropicais representa 15% das emissões de gás carbônico no planeta, enquanto que a maior parte, 70%, vem dos combustíveis fósseis. Porém, o objetivo global de zerar as emissões até 2050 passa, necessariamente, por zerar o desmatamento ao mesmo tempo que se investe “em um mega projeto de restauração florestal em todos os trópicos para retirar gás carbônico da atmosfera”. Além disso, proteger as florestas significa, também, proteger a biodiversidade. “Existe um simbolismo imenso na proteção da Amazônia”, explica o cientista. Para ele, Biden percebeu essa preocupação dos consumidores de todo o mundo com a proteção da Amazônia. “E o Brasil tem a maior parte da floresta, o maior desmatamento, a maior incidência do crime organizado, de grilagem de terra, de roubo de madeira... Em função dos dois últimos anos de discurso do Governo federal contrário à proteção das florestas tropicais, o país se tornou o centro das atenções.”

Novo modelo econômico para a Amazônia

Nobre defende que a restauração da Amazônia não deve acontecer para compensar novas áreas desmatadas. Zerar o desmatamento e promover a restauração de áreas devem andar juntos. “Há áreas degradadas e baixa produtividade sem valor econômico. Há estudos indicando que poderíamos aumentar 35% da produção agropecuária reduzindo em 25% as áreas de pastagens. Só nessa brincadeira poderíamos liberar 150.000 quilômetros quadrados de áreas ruins que poderiam ser restauradas”, explica. Ele defende que parte dessa restauração seja feita para construir sistemas agroflorestais, “que são florestas com uma densidade maior de espécies com valor econômico”. Como exemplo cita a cooperativa de Tomé-Açu, no Pará, que gera “140 produtos diferentes a partir de 70 espécies, sendo a mais conhecida o açaí”.

Assim, ele reforça que “o grande potencial econômico da Amazônia” é mantê-la em pé. Também rebate a ideia, muito propagada pelo Governo, de que os mais 20 milhões de habitantes da região recorrem ao desmatamento para poderem sobreviver. “Os empregados do garimpo e da extração de madeira estão em semiescravidão e não ganham nem um salário mínimo por mês. São paupérrimos, estão na classe E. Não podemos dizer que isso é um modelo econômico”, argumenta. Além disso, argumenta que o minério e a madeira extraídos ilegalmente são contrabandeados. Não pagam impostos e nem geram riqueza ao país. “E veja o açaí, movimenta um bilhão de dólares [cerca de 5,5 bilhões de reais] na região e muitos produtores estão na classe C”.

O custo maior da mudança de modelo econômico seria na restauração florestal, garante Nobre. Com pouco investimento, afirma, é possível dobrar ou triplicar a produtividade da pecuária. Ele acredita que no setor privado o momento é positivo, com as grandes companhias de carne investindo em rastreabilidade para não comprar de áreas desmatadas. Sabem que o risco é perder mercados internacionais e investimentos. “O que precisamos, agora, é de uma grande mudança de postura nas políticas públicas, de efetividade no combate ao crime e na valorização da bioeconomia”, destaca.


Cristovam Buarque: Soberania decente

Proteção de nossas florestas

Cento e oitenta anos antes do Biden, Macron, Merkel estarem dando opinião sobre como devemos cuidar de nossas florestas, um parlamentar inglês aprovou lei dando direito à Marinha Britânica de intervir nos mares internacionais e nacionais e até nos portos de qualquer país, para proibir tráfico de escravos. Esta lei gerou uma forte indignação entre os traficantes, os fazendeiros e classes médias urbanas que dependiam da escravidão para fazer funcionar a economia e a sociedade.

A realidade social e econômica levou a população brasileira a se manifestar em defesa de nossa soberania, nosso direito a ter escravos, usar a escravidão a deixar nossos navios transportarem as mercadorias que nossa soberania aceitasse, inclusive mercadoria humana. Vista à distância, 180 anos depois, difícil entender a soberania de manter o que hoje parece infame a nossos olhos: o maldito tráfico de escravos.Mas, aos mesmos olhos de hoje, parece uma quebra de nossa soberania a intervenção de dirigentes estrangeiros querendo nos impor a proteção de nossas florestas, nos ensinar como cuidar delas.

Nos comportamos hoje como os escravocratas, defendendo nossos direitos soberanos para destruir o que é nosso; antes os nossos navios negreiros e nossos escravos, agora nossas florestas. Há uma diferença moral entre ter um escravo e derrubar uma floresta, mas destruir florestas é um genocídio contra os povos que nela vivem. Há uma diferença no conceito de soberania no século XIX e no século XXI. O mundo ficou um condomínio de nações interligadas.

A pandemia mostra isto, a globalização e o poder da técnica e da ciência também. Não é possível deixar que a soberania plena de cada nação permita ameaçar o bem estar e o futuro da humanidade: instalar uma mina nuclear na fronteira com outros países, comércio de drogas não é mais uma questão apenas nacional, sigilo bancário para proteger corruptos em paraísos fiscais. Mais do que tudo, o mundo requer regras internacionais para proteger o meio ambiente em cada país, sem o que provoca-se o desequilíbrio ecológico em todo o planeta, afetando a sustentabilidade da civilização ou até mesmo a sobrevivência da espécie humana. A Terra é hoje um condomínio de países e cada um deles precisa levar em conta os interesses do conjunto deles, da humanidade.

Da mesma forma que na época da escravidão a moral humanista deveria se sobrepor à soberania nacional, cada país precisa aceitar regras que definam os limites de seus direitos soberanos. A diferença é que no lugar de um só país impor-se aos demais, agora as interferências devem ser definidas de forma global. No lugar de em nome da soberania nos opormos a intervenção estrangeira, devemos proteger nossas florestas e participarmos da definição de regras internacionais para todos países. Aceitar a preocupação do mundo com nossas florestas e exigir que os Estados Unidos e Europa reduzam o nível de consumo que depreda o meio ambiente tanto quanto o desflorestamento. Provocar as nações do mundo a irem além da preocupação com as florestas, definirem um novo rumo para a economia, domando o monstro da produção e do consumo, em busca de um desenvolvimento harmônico entre as pessoas e delas com a natureza, graças a uma soberania decente que respeite valores morais humanista.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador


Dorrit Harazim: Planeta Terra

Em semana tão memorável para nosso planetinha, alvo, finalmente, de uma Cúpula do Clima com tonalidade de emergência global, vale relembrar quanto devemos à bióloga marinha e escritora americana Rachel Carson. Pioneira de uma escrita belíssima sobre a ciência e o mundo natural, Carson catalisou o movimento ambiental dos anos 1960 com a publicação do seu clássico “Primavera silenciosa”. O livro desarrumou para melhor as até então inexistentes políticas ambientais nos Estados Unidos e despertou a consciência ambiental moderna — começando pela cadeia de danos a todas as espécies causada por agrotóxicos. A obra serviu de referência para, entre outras medidas, a criação da Agência Federal de Proteção do Meio Ambiente (EPA, na sigla em inglês), a aprovação das leis de Ar Puro (1963), Áreas Selvagens (1964), Água Limpa (1972) e Espécies em Extinção (1973). Coisa grande, portanto. E, contra a maré dos preconceitos culturais do Pós-Guerra, então ainda prevalentes. “Por que uma mulher solteira, sem filhos, e comunista, está tão preocupada com a genética?”, indagava Ezra Taft Benson, que servira ao governo de Dwight Eisenhower por oito anos como secretário da Agricultura.

“O controle da natureza é um conceito concebido na arrogância, nascido na Era Neandertal da biologia e da filosofia, quando se supunha que a natureza existe para conveniência do ser humano”, escreveu a cientista do século 20. Na Cúpula on-line de 2021, as mesmas palavras foram repetidas em roupagens variadas e idiomas diversos. Apenas com um denominador comum novo — a urgência do tema. “É quase tarde demais, devemos começar já”, resumiu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Para a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, sempre na dianteira do progresso de seu povo, o elenco de medidas obrigatórias e imediatas passa pela precificação do carbono, pelo fim dos subsídios a combustíveis fósseis, pelo financiamento da conversão rumo a uma economia limpa. Até o FMI se manifestou a favor da instituição de um preço mínimo internacional para o carbono, aplicável aos maiores predadores do ar que respiramos.

Como se sabe, a chanceler alemã Angela Merkel, PhD em Química Quântica, é pouco afeita a arroubos retóricos e ainda menos ao uso de adjetivos superlativos. Já por isso, prestou-se atenção dupla quando ela definiu como “trabalho hercúleo” o combate urgente ao aquecimento global. Nesta luta contra o tempo, é possível que estejamos em situação apenas ligeiramente melhor que os 53 tripulantes do submarino indonésio KRI Nanggala-402, desaparecido nas profundezas do Mar de Bali, sem contato com o mundo desde a quarta-feira. Como não foi resgatado até ontem, sua reserva de oxigênio se esgotou.

Estima-se que nosso planetinha já existe há uns 4,5 bilhões de anos e deverá existir por mais outros 7,5 bilhões até ser absorvido pelo Sol. Não é ele que corre perigo com a mutação climática, e sim a biosfera, aquilo que chamamos de “mundo” — a camada de organismos cósmicos que envolve o globo e engloba todas as formas de vida, a partir de uma profundidade de 9,5 km abaixo do nível do mar até uma altura 8 km acima da superfície terrestre. A revista impressa “Lapham’s Quarterly” dedicou sua edição de outono de 2019 ao tema, com preâmbulo de Lewis H. Lapham, fundador, editor e alma da publicação. Para ele, o aquecimento do planeta, que já atinge os sete continentes, quatro oceanos e 24 fusos horários, é produto da dinâmica capitalista movida a energia fóssil, que tem entupido o mundo com riquezas muito além da necessidade, da imaginação ou de qualquer senso de medida humanos. “Somos guiados pela crença de que o dinheiro é capaz de comprar nosso futuro. Só que a natureza não aceita cheques. Veremos mais adiante quem pagará a conta — se o capitalismo sobreviverá à mudança climática ou se um clima alterado afundará o capitalismo”, escreve ele.

Com 78 anos de idade, e com a pandemia da Covid-19 a convulsionar imensos nacos da população global, o presidente americano Joe Biden já teve tempo de sobra para pensar na posteridade. Escolheu as vésperas do seu 100º dia como líder do colosso econômico, militar e campeão em poluentes para oficializar o papel que escolheu para si: locomotiva de uma nova era ambiental. O robusto programa de investimento em infraestrutura apresentado por Biden no mês passado, que consumirá perto de US$ 2,3 trilhões, está todo voltado a uma economia de baixas emissões. Se conseguir a difícil aprovação no Senado, sinalizaria o início de uma grande revolução estrutural no país. Também as ambiciosas metas/promessas ambientais dos EUA, feitas pelo presidente ao abrir os trabalhos da Cúpula, indicam que, se concretizadas, cada milímetro da atividade econômica do país acabaria atrelado a um futuro mais limpo. “A hora é agora”, anunciou Biden ao mundo. Tomara.

Lewis Lapham, o do ensaio citado, sustenta que depositamos demasiada fé na tecnologia como salvação da raça humana. Transformamos o mercado consumidor num lobo universal que devora e destrói não por instinto neolítico ou ideologia — simplesmente por termos nos tornado máquinas e, como boas máquinas, não sabemos fazer outra coisa. Para salvar a raça humana, só mesmo o humano — nem acima nem à parte da natureza.

Esta semana a Nasa conseguiu o feito inédito de converter dióxido de carbono da atmosfera marciana em oxigênio puro. Foi pouquinho, porém extraordinário — segundo a agência, os cinco gramas de oxigênio produzidos no planeta vermelho equivalem a algo como 10 minutos de ar respirável por astronautas. Como então não conseguirmos nos salvar por aqui? Se falharmos agora, talvez só nos reste mesmo zarpar para Marte. 


Marcos Lisboa: Tudo vai ser diferente?

Nossa tentativa de plano Biden não deu certo

Os EUA de Joe Biden pretendem investir US$ 2,3 trilhões em oito anos, sobretudo em infraestrutura. O programa custará, anualmente, 1,3% do PIB americano. Para equilibrar as contas, o governo propôs elevar impostos por 15 anos, como tributar o lucro das empresas em 28%.

Essa ousadia pode ser comparada com algumas políticas da nossa história recente. Deve-se ressaltar que os EUA são 6,5 vezes mais ricos do que o Brasil. Além disso, empresas aqui já têm alíquota nominal de 34% sobre o lucro.

O custo anual do plano Biden equivale, no Brasil, a cerca de R$ 100 bilhões, menos de três vezes o valor das emendas parlamentares em 2021. O Orçamento federal é de R$ 1,5 trilhão.

Entre 2009 e 2015, o Tesouro brasileiro concedeu, por meio do Programa de Sustentação do Investimento, subsídios de R$ 323 bilhões, ou 5,5% do PIB anual médio no período.

Ajustado pelo PIB americano, o programa equivaleu a 50% do plano Biden. E essa foi só uma das políticas públicas utilizadas naquele período para estimular investimentos. Cabe mencionar que o custo para Tesouro americano está perto de 0,5% ao ano e o nosso, na época, era quase 6% acima da inflação, 12 vezes maior.

De 1998 a 2007, a nossa carga tributária cresceu cerca de 6 pontos percentuais mais do que o PIB, o que significou uma arrecadação adicional de R$ 2,33 trilhões no período.

O aumento do gasto público, contudo, foi-nos de pouca valia. Os EUA cresceram mais do que o Brasil entre 1995 e 2016, e os países emergentes fora da América Latina, cerca de sete vezes mais.

A razão é simples. Parte dos recursos se perde nos interesses que capturam o Estado brasileiro, com menos benefícios para a população do que em outros países, ou poucos investimentos eficientes.

Desenvolvimento e combate à desigualdade são utilizados, em parte, como cortina de fumaça para garantir subsídios para o setor privado e reajustes para corporações.

Nos EUA, servidores deixam de receber seus salários caso o Orçamento não seja aprovado. A maioria não tem estabilidade, muito menos aposentadorias integrais.

Por aqui, a burocracia, com estabilidade e aposentadoria integral, garante seu quinhão. Semana passada, por exemplo, o Congresso decidiu que técnicos da Previdência devem receber como analistas tributários.

Segundo deputados, a medida privilegiou 1.800 servidores, que vão receber salários de até R$ 18 mil por função para a qual não prestaram concurso. A conta chega a R$ 2,7 bilhões.

No mundo desenvolvido, o Estado está a serviço da sociedade. No Brasil, a sociedade trabalha para sustentar o Estado e seus alcaides.

Já passou da hora de tratar a nossa disfuncional economia política.


Míriam Leitão: Com a palavra, os embaixadores

Os embaixadores da Noruega e da Alemanha em Brasília alertam que o Brasil deve tomar muito cuidado nos próximos três meses na Amazônia. São os de maior risco de desmatamento no ano florestal que termina em julho. Nils Gunneng, da Noruega, e Heiko Thoms, da Alemanha, afirmam que há meio bilhão de reais sendo usados do Fundo Amazônia e lembram que os recursos, quase R$ 3 bilhões, que estão congelados precisam apenas que o Brasil restaure o conselho do Fundo. “O Brasil não está sozinho no combate ao desmatamento”, diz o alemão Thoms. “Tem um mercado enorme para um país que tem florestas e queira mantê-las em pé”, completa o norueguês Gunneng.

Noruega e Alemanha são os financiadores do Fundo Amazônia, um bem-sucedido mecanismo em que os dois países doaram recursos para apoiar programas de proteção ambiental. Ele funcionava perfeitamente. Em junho de 2019, o ministro Ricardo Salles dissolveu o conselho que reunia representantes do governo federal, dos estados amazônicos, da sociedade e dos empresários. Sem essa estrutura, o Fundo Amazônia não pode liberar novos recursos. “Não há base legal para as decisões”, explica o embaixador da Noruega.

Eu entrevistei os dois diplomatas durante uma hora na sexta-feira, por uma chamada de vídeo. Eles demonstram conhecimento sobre o Brasil, admitem as culpas de seus próprios países nas emissões de gases de efeito estufa, comemoram a cúpula do clima, pela volta dos Estados Unidos aos esforços globais de combate às mudanças climáticas. Ambos disseram ter gostado da carta do presidente Bolsonaro ao presidente Biden e do discurso do brasileiro na reunião do clima. Mas alertam que é preciso ir além. “Queremos ver em breve os resultados dessas palavras nas taxas de desmatamento”, disse Nils Gunneng. “Estamos ansiosos para ver a tradução desse compromisso no plano concreto”, diz Heiko Thoms.

Os dois têm tido conversas com vários setores da sociedade brasileira, e, nos dias anteriores ao encontro convocado por Joe Biden, eles e outros embaixadores fizeram reuniões com políticos de diversos partidos, com empresários e ONGs. Perguntei o que eles têm ouvido. Segundo o embaixador alemão, todas as partes entendem que problemas ambientais têm um efeito negativo na reputação do país. “Os povos indígenas compreendem isso, os bancos compreendem isso”, diz Thoms.

O representante da Alemanha afirma que seu país é parceiro tradicional do Brasil na luta ambiental desde 1992, que a cooperação bilateral tem 70 anos e há um portfólio de investimento de US$ 9 bilhões. O representante norueguês conta que o Fundo Soberano tem investimentos de US$ 8 bilhões em ativos brasileiros. O grande nó das relações entre os dois e o Brasil atualmente é o Fundo Amazônia. Perguntei a Gunneng o que ele tinha a dizer sobre a afirmação de Salles de que o Fundo parou por decisão da Noruega. “É importante dizer que o Fundo foi congelado porque o governo brasileiro dissolveu a estrutura de governança unilateralmente sem o acordo da Noruega ou da Alemanha”, respondeu.

O embaixador da Alemanha acha que o “Brasil está bem posicionado” para se beneficiar da transição para a economia de baixo carbono. “Tem a tecnologia necessária, tem uma legislação sólida e produtores sérios.” Gunneng concorda e diz que o Brasil já mostrou ser capaz de produzir sem aumentar o desmatamento. “Nós queremos ver mais países pagarem por isso”. O embaixador alemão disse que “no mundo inteiro os consumidores querem saber de onde vem o bife que está no seu prato e como o seu smartphone foi produzido. Os investidores procuram opções verdes de investimento. Quem produz de forma sustentável tem vantagem competitiva”.

Perguntei a Gunneng o que a Noruega fará com sua economia tão dependente do petróleo, e a Thoms, sobre as emissões históricas da Alemanha. “Nós somos parte do problema”, admitiu o norueguês. “A Alemanha tem grandes desafios como o do carvão”, admitiu o alemão. Os dois, contudo, dizem que seus países estão determinados a fazer a necessária transição para uma economia de baixo carbono. Perguntei se era fácil explicar para os contribuintes os gastos com o Fundo Amazônia. “Sim e não. É fácil quando o desmatamento cai, é difícil quando ele sobe”, diz Nils Gunneng, da Noruega. No momento, então, está difícil explicar.


Jamil Chade: Cúpula do Clima revelou que o Brasil encolheu

Bolsonaro descobriu que, sob seu Governo, não foi apenas a floresta que diminuiu. A sociedade encolheu, a expectativa de vida caiu, a economia contraiu, a comida no prato foi reduzida, o emprego desapareceu e as possibilidades de cruzar as fronteiras foram limitadas

Em dezembro de 2005, o mundo se reunia em Hong Kong para uma conferência sobre o comércio. Ali, regras seriam negociadas para permitir a construção de um sistema internacional mais equilibrado e uma base mais favorável para o desenvolvimento das economias em desenvolvimento.

Os olhos do mundo estavam fixados numa aliança improvável de países emergentes, o G-20, que insistia que as placas tectônicas do planeta precisavam começar a se mover.

Nunca contei essa história. Mas descobri que os principais ministros do grupo se reuniriam antes da conferência dar início para costurar uma estratégia. A meta era frear eventuais gestos da Europa e EUA para tentar manter seus indecentes subsídios agrícolas.

Também descobri que a sala reservada para a reunião tinha paredes extremamente finas e pensei que, se ocupasse uma sala ao lado e permanecesse em absoluto silêncio, poderia ouvir o que aquela reunião traria. Funcionou.

Mas o que também me deparei foi com a constatação de que praticamente só um país falava, só um país dava as cartas: o Brasil. A liderança era incontestável.

Não era uma condição exclusiva daquele governo. De fato, a postura de liderança do Brasil em debates internacionais conta com dezenas de episódios, independente da tendência política do Governo ou da situação econômica do país. Nos anos 80, fragilizado, a diplomacia do país marcou posição nas negociações comerciais em Punta del Leste.

No início dos anos 90 e ainda com uma democracia frágil, coube ao Brasil liderar de forma histórica os trabalhos da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em Viena. Coube ao embaixador Gilberto Sabóia coordenar o comitê de redação da Declaração e Programa de Viena, uma primeira chancela internacional ao papel da democracia brasileira no mundo.

O país era protagonista da construção de um novo mundo que permitisse um espaço digno às economias emergentes. Chegou a ser visto como arrogante por parceiros menores e duramente criticado por apertar a mão de ditadores na busca por acordos.

Mas sempre considerado como líder, o Brasil buscava desenhar seu futuro. Nem sempre funcionou e, em certos momentos, a diplomacia nacional tentou exercer um papel que ia além da real dimensão do país no palco internacional. Mas nunca pecou por não se aventurar por esse caminho.

Nesta semana, porém, a Cúpula do Clima organizada para recolocar os EUA no centro do debate internacional, mostrou uma nova realidade: a de um Brasil encolhido, escanteado.

O presidente Jair Bolsonaro foi estrategicamente colocado para falar longe do momento em que os principais líderes davam seu recado. Deixado para o final da fila e com a palavra dada apenas depois que Argentina, Bangladesh, África do Sul ou Ilhas Marshall fizeram seus discursos, Bolsonaro descobriu que não lidera e não influencia parceiros.

Coincidência ou não, Bolsonaro discursou quando Joe Biden já tinha abandonado o evento.

Na cúpula, o brasileiro foi o símbolo de um presidente acuado, pressionado e sem a capacidade de dar as cartas, justamente no momento em que a comunidade internacional desenha o mundo pós-pandemia. Para se defender, mentiu. E o mundo não acreditou.

Ele terá de provar agora seu discurso. E não bastarão ações por parte de sua milícia digital e nem mesmo uma live. A comunidade internacional quer ver resultados concretos e redução real do desmatamento, mês à mês.

Enquanto tentava vender uma imagem de credibilidade para a comunidade internacional, o Planalto descobria que, pela sua gestão da pandemia, certas regiões do Brasil já contam com mais mortes que nascimentos, algo inédito na história do país.

A sociedade encolheu, a expectativa de vida caiu, a economia contraiu, a comida no prato foi reduzida, o emprego desapareceu e as possibilidades de cruzar as fronteiras foram limitadas.

Bolsonaro, na Cúpula do Clima, descobriu que, sob seu Governo, não foi apenas a floresta que diminuiu. O Brasil também encolheu.

Jamil Chade é correspondente na Europa desde 2000, mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e autor do romance O Caminho de Abraão (Planeta) e outros cinco livros.


Marcus Pestana: O Brasil e as mudanças climáticas

O fato mais importante da semana foi a realização da Cúpula de Líderes sobre o Clima, reunindo quarenta chefes de governos, ato preparatório para a COP-26, a Conferência do Clima da ONU, que terá lugar em Glasgow, na Escócia, em novembro. Marca importante mudança de postura dos EUA, Joe Biden à frente, sobre as questões ambientais e o desenvolvimento sustentável, após o turbulento Governo Trump e sua postura negacionista frente às mudanças climáticas e suas consequências, que culminou com a saída dos EUA do Acordo de Paris firmado em 2015.

Nos últimos trinta anos, a agenda do desenvolvimento sustentável ganhou papel central no planejamento e nas ações de governos, da sociedade e das empresas. A consciência ecológica ganhou corações e mentes a partir do esgotamento de um modelo de crescimento urbano-industrial baseado em energias vindas dos combustíveis fosseis (carvão mineral, petróleo, gás natural, xisto betuminoso) e na intensa poluição do ar, das águas e da terra.

Para o Brasil se abre uma enorme oportunidade, mas há também riscos e ameaças. Tudo dependerá das escolhas que fizermos. Até a pouco, nosso país era protagonista no jogo político e diplomático na arena de discussão sobre o desenvolvimento sustentável. Não foi à toa que a Cúpula Mundial, a RIO-92, se deu em terras brasileiras. Temos uma das matrizes energéticas mais limpas do globo. Temos um dos melhores arcabouços legais na área ambiental. Temos um verdadeiro tesouro ecológico com uma das maiores biodiversidades do mundo e a maior floresta tropical do Planeta.

O atual governo, que chegou a namorar com o negacionismo ambiental de Trump, parece estar processando uma mudança de rota. Apresentou na Cúpula de Líderes a proposta de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e antecipar em dez anos o compromisso de zerar as nossas emissões de gases poluentes. Na carta enviada à Biden, Bolsonaro falou em fortalecer os mecanismos de comando e controle, trabalhar na regularização fundiária, implementar o pagamento por serviços ambientais, trabalhar no zoneamento ecológico-econômico e promover a bioeconomia, transformando nossa fantástica biodiversidade em atividades geradoras de emprego e renda sustentáveis.

As palavras precisam agora encontrar consequências práticas. Não é “passando a boiada” tendo a pandemia como biombo ou nos alinhando com madeireiros e garimpeiros ilegais que chegaremos lá.

A transição para uma nova matriz energética não é nada fácil. Os países ricos dependem em 79% dos combustíveis fósseis. China, EUA, União Europeia, Índia e Rússia são responsáveis por 59% das emissões poluentes, o Brasil por 2,19%. As estratégias globais não podem passar por negar oportunidades aos países pobres e em desenvolvimento e nem pela taxação de importações que gerem barreiras comerciais. A parceria tem que ser pra valer, um jogo de ganha-ganha. E o Brasil pode ser um grande captador de investimentos ambientais se superar a armadilha ideológica do falso dilema entre soberania nacional e cooperação internacional.

Para quem quiser se aprofundar no diagnóstico e na agenda do desenvolvimento sustentável recomendo o artigo do ex-ministro do meio ambiente José Carlos Carvalho e da socióloga Aspásia Camargo, “Meio Ambiente e Sustentabilidade” (disponível em psdb.org.br/wp-content/uploads/2020/12/BRASIL-PÓS-PANDEMIA-FINAL.pdf).        

 *Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)