critérios
Joel Pinheiro da Fonseca: Redes sociais aceitaram sua responsabilidade, mas precisam de critérios mais claros
Se critério das empresas for a preferência ideológica ou pressões sociais do momento, coitada da liberdade de expressão
A invasão do Capitólio por extremistas, apesar de sem precedentes, não foi inesperada. É resultado preparado por anos de fake news, desinformação, discurso de ódio e teorias de conspiração nas redes sociais. Depois da longa negligência, a resposta das redes foi rápida. Donald Trump está banido da maioria delas, assim como, aparentemente, centenas de outros influenciadores de extrema direita.
Com a consolidação de um oligopólio nas redes —Google, Facebook e Twitter controlam todas as principais— essas empresas passam a ter um poder similar ao de grandes grupos de mídia no passado: o poder de varrer uma opinião ou pessoa do debate público pelo mero silêncio. Basta não dar espaço para alguém se expressar que essa pessoa desaparecerá da discussão e das mentes do público. Sem Twitter e fora da presidência, o dano que Trump pode causar é drasticamente reduzido. Quanto a influenciadores que nunca tiveram altos postos na política ou na mídia, sua capacidade de influenciar o debate cai a próximo de zero quando são banidos das redes.
Há, no entanto, diferenças. Na mídia tradicional, o poder de dar voz e silenciar era exercido na seleção de quem teria o limitado espaço da página de um jornal ou na grade de uma TV. A rede social, ao contrário, seleciona os poucos que não terão espaço, pois nela cabe todo mundo.
A decisão de excluir alguém de algo a que todos têm acesso exige uma justificativa muito mais sólida do que a de dar a alguns privilegiados algo que é escasso. No caso de Trump, sobram justificativas válidas: seus tuítes pregavam o descrédito de instituições fundamentais da democracia americana, encorajavam sedição e insurreição. Além disso, por seu cargo e número de seguidores, sua voz é poderosíssima em termos de possíveis consequências práticas. Se um zé-ninguém conclama a derrubada do Congresso, ninguém dá ouvidos. Se é o presidente da República, as mesmas frases se tornam armas perigosas.
Num primeiro momento, a perda de espaço nas redes sociais principais indicava que os extremistas iriam para redes sociais menores, como o Parler. Lá, embora a radicalização seja levada a níveis verdadeiramente alucinados (muitos dos que invadiram o Capitólio são figuras do Parler), a capacidade de influenciar as massas é muito menor. Só que mesmo esses redutos de extremismo estão sendo desbaratados: com boicote de Google, Apple e Amazon, o Parler não sabe se continuará a existir.
O sentimento de vitória esmagadora contra as forças do mal é uma delícia. Mas não é um bom guia. Há indícios de que as redes sociais são muito mais intolerantes com o extremismo de direita do que com o de outras variantes. Que Donald Trump tem sido tratado de maneira mais dura até do que o aiatolá Khamenei, cuja conta de Twitter já pregou o fim de Israel e, mesmo assim, não foi suspensa.
As redes estão se conscientizando da responsabilidade de não permitir que qualquer loucura —ainda mais com consequências perigosas— seja veiculada em suas plataformas. Mas para que isso seja feito de forma justa e evite abusos, precisam desenvolver critérios e mostrar transparência e isonomia em sua aplicação. Se o critério das empresas for a preferência ideológica de seus diretores somadas às pressões sociais do momento, coitada da liberdade de expressão. Hoje, o alvo é justo. Amanhã pode não ser.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.