Cristovam Buarque
Cristovam Buarque: Celso Furtado - Além do centenário
Dos grandes autores lembramos o que escreveram, dos maiores adotamos o pensamento, mesmo sem saber o nome. Nós pensamos com base nas ideias de Baruch de Spinoza, Erasmo de Rotterdam, Adam Smith, René Descartes, Jeremy Bentham, David Hume, Aristóteles, John Maynard Keynes, Hannah Arendt e outros que romperam posições do passado e inventaram novas formas de entender a realidade.
Ainda quem nunca ouviu falar neles, pensa e age em função das ideias que eles construíram. Alguns brasileiros nos explicaram “de onde vem”, “como é”, “para onde deve ir” o Brasil. Entre outros, é possível citar Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre, Caio Prado, Sergio Buarque de Holanda, Josué de Castro, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e Paulo Freire. Cada um teve sua influência na formação da mente brasileira: como nós entendemos nosso país e o mundo ao redor.
Desses, Celso Furtado tem influência decisiva para explicar o “de onde viemos”, “por que somos subdesenvolvidos”, quais os “entraves ao nosso desenvolvimento”, “como nos desenvolvermos”; ele também nos alertou para os riscos do progresso.
Antes do livro Formação Econômica do Brasil, víamos a nossa história como uma sucessão de fatos, especialmente políticos. Graças a Celso Furtado passamos a entender como a história avançou: a lógica e as forças que nos empurraram. Graças também a ele, entendemos porque esbarramos, em vez de avançar. Seus livros Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico e Dialética do Desenvolvimento são básicos para entender como certas economias se desenvolvem e porque outras ficam estagnadas.
Mas ele não foi apenas analista, foi também formulador de caminhos. Devemos a ele os documentos básicos de estratégias para o desenvolvimento do Brasil, como o “Plano Trienal”, e para superar a tragédia da pobreza e da desigualdade regional. Foi formulador da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) e homem de ação. A engenharia política para aprovar no Congresso as leis que serviram de base à criação da Sudene e dos instrumentos de incentivos fiscais foi uma obra de genialidade conceitual e de articulação política; tal como Nabuco nos dias de maio de 1888 para aprovar a Lei Áurea.
Passados alguns anos, foi Celso Furtado quem, no seu livro O Mito do Desenvolvimento, nos trouxe a percepção dos limites do desenvolvimento, tanto quanto Nabuco nos lembrou que a Abolição não se completaria sem reforma agrária e sem educação.
Por tudo isso, cem anos depois de seu nascimento, o pensamento e o exemplo de Celso Furtado estão vivos, nas lembranças e homenagens que os historiadores, economistas e políticos fazem à sua obra. Vivo também em milhões de brasileiros que, sem saber, usam conceitos e palavras que ele criou, sonham para o Nordeste e para o Brasil rumos que ele definiu, temem resultados negativos para os quais ele alertou.
Raros intelectuais e homenageados são lembrados tantos anos depois de sua obra, por quem o estudou e por quem pensa como ele ensinou, mesmo sem conhecer sua obra. A maior homenagem a ele não é, entretanto, lembrar a importância de sua obra, mas ter a consciência de como ele nos faz falta em um momento em que o Brasil vive em transe, não em transição, sem coesão, nem rumo.
Cometemos muitos equívocos nas duas décadas sem Celso. Uma das maiores foi burocratizarmos e amarrarmos o pensamento. Burocratizamos nas carreiras universitárias e amarramos em siglas partidárias. Deixamos de usar plenamente a liberdade criadora, paramos de ousar, nos apegamos às ideias do passado como se fossem camisas de força de uma lucidez superada pela realidade. Ficamos críticos ou bajuladores, não analistas e intérpretes inovadores.
A maior lição de Celso Furtado foi seu exemplo de pensar com rigor analítico e com liberdade imaginativa, sem amarras, sem líderes e sem siglas partidárias. Ninguém amarrou o pensamento de Celso Furtado, ninguém tolheu sua imaginação e todos reconhecem seu rigor. É nisso que precisamos seguir avançando no que ele formulou. Seu pensamento um dia evoluirá graças aos que seguirem seu exemplo, tanto quanto ele fez avançar o pensamento de seus mestres.
Olhando para sua própria obra e para os desafios de hoje, a maior homenagem ao Celso, nos seus cem anos, é agradecer pelos pilares intelectuais que ele nos deu nas ideias e no caráter, e pensar novas ideias e novos instrumentos para enfrentar os novos desafios. Agir como ele agiria: pensando além do que ele nos ensinou.
*Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)
Cristovam Buarque: Nossos negacionistas
Para eles, estatal é sinônimo de público
Tudo indica que o atual governo deixará o Brasil em situação pior do que recebeu. A culpa não será da herança nem da epidemia, mas de seu obscurantismo, reacionarismo e falta de empatia. Bolsonaro olha o mundo por retrovisor embaçado, com raiva do passado e sem projeto para o futuro. Basta citar sua crença em mitos e narrativas sem comprovação científica; sua obsessão por ideias ultrapassadas, tanto as que adota quanto as que ele combate. Sua negação da realidade e da ciência, ao lado da falta de empatia, é o fator determinante para agravar a falta de coesão e rumo que enfrentamos há muitos anos.
Lamentavelmente, o negacionismo não é apenas dele e de seus seguidores. Muitas das lideranças na oposição também negam a realidade. Acreditam que estatal é sinônimo de público; que o Estado é sempre comprometido com justiça social, com eficiência e sem corrupção. Não enxergam que cada estatal tem também interesses próprios de políticos, servidores e dirigentes, às vezes opostos aos do público. Negam a realidade da corrupção, visível em malas com dinheiro, contas em santuários fiscais, propinas devolvidas. Veem a realidade como desejam que ela seja e divulgam as narrativas que lhes interessam.
Há momentos em que, para enfrentar catástrofes ou para executar projetos, governos responsáveis e solidários gastam mais do que arrecadam. Para isto, tomam empréstimos ou emitem moeda, mas sem negar que o déficit será cobrado depois por juros altos, aumento de impostos ou por desvalorização da moeda, com a desestruturação da economia e sacrifícios sobretudo para os pobres. Mas, enquanto bolsonaristas acreditam que a Terra é plana, oposicionistas acreditam que o Tesouro público é elástico, com dinheiro ilimitado. Outros confiam na lógica temerária de que os empréstimos ou emissões de moeda induzirão crescimento de produção que aumentará a arrecadação na dimensão necessária para cobrir déficits.
Negam também a realidade política ao optarem pelo acomodamento populista de aumentar gastos em uma prioridade sem sacrificar outras. Defendem que é possível fazer Copa e Olimpíada sem usar recursos que poderiam ir para educação e saúde; escondem que distribuir renda significa tirá-la de algum lado; negam que a gratuidade sempre é paga por alguém; e que aumentar gastos sociais exige reduzir subsídios e privilégios em outros setores; tratam privilégios como se fossem direitos; consideram que a vontade solidária não precisa respeitar a realidade.
Entre líderes e intelectuais progressistas, muitos negam os impactos das grandes transformações mundiais e seus impactos no Brasil: globalização, robótica, inteligência artificial, elevação na esperança de vida, redução na taxa de natalidade, limites ecológicos ao crescimento. Não percebem que, para construir progresso e justiça, a nova realidade do mundo exige reformar leis e regras da época em que a economia era nacional e a produção, manual. Tampouco enxergam que conhecimento e confiança são fatores determinantes da economia moderna. Por isso, não tomam a educação de qualidade para todos como o vetor do progresso e da justiça social; nem a estabilidade jurídica e monetária como os alicerces. Negam que o Brasil tem um sistema de apartação social no qual os trabalhadores sindicalizados do setor moderno não têm necessariamente interesse econômico, nem solidariedade política com os pobres excluídos. Não percebem que o equilíbrio ecológico vai exigir um novo modelo civilizatório que reduza padrões de consumo e substitua o PIB como indicador de progresso.
O terraplanismo não resiste à observação, mas as narrativas de nossos segregacionistas são convincentes e sedutoras, até que ocorram desastres. Por isso, o obscurantismo bolsonarista ameaça poucos anos e passa, o obscurantismo na oposição poderá ameaçar a coesão e o rumo por décadas.
*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília
Cristovam Buarque: Um antipanteão
Ao ler recente coluna do escritor José Paulo Cavalcanti Filho, na revista Será?, de Pernambuco, lembrei que toda nação requer um Panteão, onde lembrar personagens e heróis que fizeram o passado e formaram o presente. Estátuas são parte desses panteões. Mas, de vez em quando, descobrem-se pecados dos heróis e aparecem movimentos para
lhes retirar o nome e a estátua do Panteão. Nas últimas semanas, surgiram movimentos contra personagens que deram contribuições positivas ao mundo, mas patrocinaram escravidão e racismo.
José Paulo alerta para os riscos desses gestos bem-intencionados: ao derrubar estátuas de escravocratas, derruba-se parte da história da escravidão. Melhor do que pôr ao chão estátuas seria escrever os crimes no pedestal - escravocrata, torturador, explorador, colonialista - transformando homenagens em denúncias, sem apagar a história. Com isso, não se presta a homenagem do esquecimento a um escravocrata fundador de uma universidade, por exemplo.
Ao derrubar a estátua, os alunos se esqueceriam da origem do dinheiro que serviu para construir o prédio onde assistem às aulas, a biblioteca onde estudam, os laboratórios onde pesquisam. Todas as grandes e tradicionais universidades americanas foram fundadas por donos ou traficantes de escravos. Recentemente, elas assumiram os pecados.
Se criarmos estátuas apenas de personagens perfeitos, raros papas estariam ainda firmes em pedestais, raros filósofos resistiriam ao escrutínio de hoje, provavelmente nenhum general ou político. Porque o valor das lembranças é medido pelo que pensam as gerações no presente. Além disso, as estátuas não são apenas história e homenagem, são também obras de arte, e com valor e transcendência estética que merecem respeito, independentemente do que representam.
A estátua em pedestal é para homenagear e formar sentimento coletivo de nação. Para tanto, é preciso combinar memória e explicação plena da biografia do homenageado. Sem esquecer que foram escravocratas, mas lembrando que a sociedade do passado tolerava essa maldade.
No Brasil, ainda não fizemos a autocrítica. Até o final do século 19, quase todos
os que não eram escravos tinham escravos. Diz-se que alguns ex-escravos livres no Quilombo dos Palmares tinham cativos. Até então, prédios de faculdades eram construídos por escravos. Até hoje, são erguidos por operários com mínimos salários, e raros de seus filhos estudarão nelas. Algum brasileiro de hoje mereceria uma estátua, no futuro, quando forem lembrados os privilégios usufruídos por ele, diante das relações sociais perversas ao redor, graças à concentração de renda?
Quando cheguei ao Senado, minha sala ficava na Ala Senador Felinto Muller, lembrado por ter sido chefe da tortura nos tempos do primeiro governo Vargas. Eu não podia mudar o nome oficial, mas nos meus cartões colocava Ala da Biblioteca do Senado. Fui favorável a mudar o nome da Ponte Costa e Silva para Honestino Guimarães. A luta do estudante pela liberdade e igualdade tinha valor mais sintonizado com o futuro desejado do que a obra autoritária do general.
O casamento da lembrança histórica com os valores morais do presente fizeram Ruy Barbosa cometer crime contra a história ao queimar documentos da escravidão, apagando nome de escravos e seus donos com o propósito de expor a “virtude a favor do futuro”, impedindo que descendentes dos donos pedissem indenização ao Estado brasileiro.
Verdade, história e estética devem ser a base para justificar a permanência da homenagem e seu papel pedagógico. Formar a memória completa dos povos com os erros e acertos de seus heróis. No lugar de derrubar estátuas, melhor criar uma ala para manter o nome e a cara dos escravocratas, dos racistas, dos colonialistas. Nessa ala, os visitantes poderiam vaiar e cuspir nos malditos.
Teríamos dois panteões, uma ala para os bons e outra para os maus. Espécie de Divina Comédia da História, teríamos duas alas: a dos heróis e a dos malditos. Dependeríamos do humor de Deus na história que, de tempos em tempos, mandaria mudar o endereço da estátua - embora tenhamos o direito de desejar que racistas e escravocratas enferrujem no antipanteão.
*Professor Emérito da Universidade de Brasília
Cristovam Buarque: Um vírus duradouro
Mais modernidade e diálogo em diplomatas do talibã do que no Itamaraty
Ao longo de nossa história, o Itamaraty é um exemplo de sucesso ininterrupto, até mesmo durante regimes autoritários. Na ditadura Vargas, em plena II Guerra, o Itamaraty desempenhou suas funções com seriedade e competência. Alguns de nossos diplomatas são considerados heróis por terem salvado vidas de judeus. Com Oswaldo Aranha, nossa política externa foi determinante na criação da ONU. Apesar da pressão contrária dos Estados Unidos, fomos o primeiro país a reconhecer o governo independente e marxista de Angola; fizemos acordo nuclear com a Alemanha; reconhecemos o governo Comunista da China. Não devemos esquecer a ruptura com Cuba em 1964, mas com exceção da demissão arbitrária de alguns diplomatas, é preciso reconhecer que os 21 anos de ditadura não enfraqueceram nossas relações exteriores, nem desestruturaram o Itamaraty.
A democracia a partir de 1958 foi o grande momento de nossa política externa. O restabelecimento de relações com Cuba foi um dos primeiros atos do governo democrático de Sarney. Ele construiu a aliança com a Argentina e, junto com Raúl Alfonsín e Julio Sanguinetti, fez o Mercosul. Collor colocou o Brasil na liderança mundial da defesa do meio ambiente, quando isto ainda não era um tema palpitante. Fernando Henrique e Lula solidificaram nossa presença no mundo. O primeiro formou um time com Lampreia; o segundo formou quase uma instituição com Celso Amorim, a Lulamorim, no cenário mundial. Os dois presidentes e seus ministros colocaram a presença brasileira no ponto mais alto de nossa história. O primeiro foi tratado no nível dos presidentes de países ricos, o segundo conseguiu ser o líder dos presidentes dos países pobres, e com isto ganhar o respeito dos grandes do mundo. O primeiro criou a Bolsa Escola, reconhecida na autobiografia de Clinton, onde é citada em português em todos os idiomas em que foi traduzida; o segundo, com o nome de Bolsa Família, mostrou ao mundo uma política social inovadora. Nada disto seria possível sem a história de nossa política externa e sem o Instituto Rio Branco formando nossos diplomatas.
Fui professor e conferencista em diversas universidades, no Brasil e no exterior, em nenhuma tive um conjunto de alunos com o brilhantismo, a competência e o espírito público dos que encontrei e com os quais convivi naqueles dois anos no Instituto Rio Branco. Tenho orgulho de dizer que o atual ministro não foi meu aluno. Seu desempenho é uma tragédia que vai demorar mais do que a provocada pelo corona vírus. Está quebrando nossa fama e nosso prestígio de neutralidade, independência, solidariedade, eficiência e progressismo. O Itamaraty está contaminado por um vírus cuja consequência nefasta será mais duradoura porque ele infeccionou o Brasil, não apenas os brasileiros.
Ele está desarticulando a máquina do Ministério das Relações, fazendo o Brasil virar motivo de chacota no cenário internacional e na comunidade diplomática do mundo. Além de nos tirar das tradicionais posições de independência e conciliação, nos afasta das posições sintonizadas com os rumos da história, na ecologia, nos direitos humanos e na luta contra a tragédia da pobreza. Suas posições desastrosas pela oposição e preconceito em relação à China, Cuba, Argentina, estão levando ao isolamento e fazendo do Brasil um pária. Em relação à China, é além disto uma estupidez pro tudo que este país representa no cenário mundial e nas relações comerciais com o Brasil. Só um inimigo do Brasil seria capaz de provocar tantos problemas para o país.
Em fevereiro, ouvi de um diplomata estrangeiro que ele sentia mais modernidade e diálogo em diplomatas do talibã do que no Itamaraty de Bolsonaro. Depois de respirar, ele disse: “E vocês já foram os melhores do mundo”. E lembrou os nomes dos chanceleres nos últimos anos: Fernando Henrique Cardoso, Luiz Felipe Lampreia, Celso Amorim, Antônio Patriota, José Serra, Aloysio Nunes.
O trabalho mais difícil no mundo hoje, depois de profissional da saúde, é ser diplomata brasileiro servindo no exterior. E já foi um dos trabalhos mais respeitados e admirados.
O grave é que o estrago feito pela incompetência da diplomacia levará décadas para ser recuperado. Este é um vírus duradouro.
Um dia, os defensores de Bolsonaro poderão alegar que no dia 1º de janeiro de 2019, educação, saúde, economia, finanças não estavam bem, mas terão de reconhecer que o desastre nas relações exteriores foi um crime de Bolsonaro contra o Brasil, sob a incompetência do chanceler que ele escolheu e sob a impotência de líderes civis.
*Cristovam foi senador e governador
Cristovam Buarque: Renda inclusiva
Renda mínima merece apoio mas não tem consequência emancipadora da pobreza real
A crise social e econômica pela Covid-19 criou unanimidade na defesa da Renda Básica da Cidadania Universal. Este apoio à generosidade de uma renda para os pobres é natural, mas é incorreto passar a ideia de que ela promove inclusão social. Deve-se apoiar a ideia da renda mínima, alertando para o fato de que se trata de um gesto sem consequência emancipadora da pobreza real. Uma ferramenta positiva para reduzir a penúria, sem superar a realidade da pobreza.
Quando a ideia da Bolsa Escola foi divulgada, em 1987, no livro “A revolução nas prioridades”, seu nome era Renda Mínima Vinculada à Educação. Reconhecia o papel inspirador de Eduardo Suplicy, mas explicitava a diferença estratégica com a Renda Mínima. A adoção posterior do nome Bolsa Escola teve como propósito deixar claro que no lugar da renda era a educação que faria a inclusão, a bolsa era um salário à mãe para que seus filhos não faltassem às aulas.
A Renda Mínima parte do conceito de que a pobreza pode ser atendida pelo aporte de dinheiro à família para ela comprar o que precisa no mercado. Distribui uma pequena renda, sem distribuir patrimônio. A Renda Vinculada parte do conceito de que a pobreza decorre da falta de acesso a uma cesta essencial, composta por, no mínimo: comida; endereço com água potável, coleta de lixo e esgoto; educação de base com qualidade; atendimento ambulatorial e hospitalar; transporte público.
Parte da cesta essencial exige renda e compra no mercado, parte exige acesso a bens e serviços públicos. A Renda Vinculada à Inclusão funciona como um incentivo monetário que assegura renda para o beneficiário pagar pela comida e transporte público, e induz seu trabalho na produção de serviços de que sua família precisa para completar a cesta essencial: educação, saneamento, moradia. Além disso, diferentemente da distribuição mínima de renda, distribui também o patrimônio produzido.
A Bolsa Escola é um exemplo. Transfere renda para enfrentar as necessidades imediatas, mas, ao exigir que as crianças frequentem a escola até o final do ensino médio, promove a inclusão social. A bolsa atende à possibilidade de sobrevivência, a escola induz a sair da pobreza. O mesmo conceito se aplica aos outros incentivos sociais que atuam como rendas emancipadoras, tais como: pagamento condicionado a melhorar a própria moradia do beneficiado; renda vinculada à plantação de árvores no bairro, à construção ou cuidado de parques infantis, pintura de escolas; bolsa para analfabetos aprenderem a ler; renda para jovens fazerem serviço militar-civil ou para obterem um ofício; um salário para pessoas se submeterem a treinamento e depois cuidarem de crianças sem vaga em creche; emprego em obras de saneamento; pagamento de renda para promover desmigração de quem desejar sair de grandes cidades e voltar à sua cidade de origem.
O beneficiado que recebe uma renda mínima sem vinculação necessita ser rentista para sempre, sem sair da pobreza; aquele que recebe uma renda inclusiva, com vinculação, ao final de um prazo, tem o patrimônio que ele produziu: a casa ampliada, rebocada, pintada, com saneamento; os velhos alfabetizados e os filhos educados. A renda atende às necessidades imediatas, seu condicionamento promove a ascensão social, graças ao que será produzido.
O custo financeiro de um programa de Renda Inclusiva pela Vinculação seria o mesmo de um programa de Renda Básica da Cidadania; requer, entretanto, esforço gerencial do Estado na sua execução. Por isso, a simplicidade da ideia da renda mínima sem condicionamento sensibiliza os defensores da estratégia do “neoliberalismo social”, com o Estado mínimo, limitado a uma rede de agências bancárias, como está sendo feito com o Auxílio Emergencial.
*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília
Jornada da Cidadania: Construir identidade do partido e preservar a democracia é missão para formados
Live de encerramento do curso para 400 filiados e não filiados ao partido contou com a participação de Marco Marrafon, Luiz Carlos Azedo, Cristovam Buarque e Roberto Freire
Formados no curso Jornadas da Cidadania, 400 jovens têm a partir de agora a missão de ajudar a preservar a democracia, construir a identidade do partido e responder aos desafios que a eleição de um líder desumano e populista colocou para a política como espaço democrático de formação de consensos e avanços. Essa foi a provocação que fizeram lideranças do partido a filiados e não filiados que participaram da live de encerramento do curso neste sabádo (20).
Coordenador pedagógico do Jornadas da Cidadania, o professor de Direito do Estado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Marco Marrafon disse que o objetivo do curso é “preparar as pessoas pra defender as suas ideias com diálogo, baseando-se em evidências e discurso científico, especialmente em tempos tão sombrios em que vemos claramente que a eleição de 2018 foi uma eleição violenta e populista”.
Confira como foi a live!
Segundo ele, que é presidente do Cidadania-MT, o curso busca trazer aos alunos um “olhar que resgate a boa política”. Esse olhar, conforme Marrafon, envolve “mais encantamento pelo saber e pela inteligência, mais filosofia e menos grito, militarismo e ignorância”, que, segundo ele, “representam o forte retrocesso civilizacional que tem assolado o Brasil e outros países do mundo”. Para ele, a pandemia de Covid-19 reforça a necessidade de formar melhores quadros.
“Temos um problema em diferentes estados e municípios que está causando prejuízos econômicos gravíssimos e a morte de milhares de pessoas: incompetência de gestão. Gestões preocupadas com debates ideológicos estéreis, que só promovem o retrocesso e não se preocupam com o que é fundamental: resolver os problemas que existem, os problemas que afligem a vida dos brasileiros, as coisas mais simples do dia-a-dia hoje tão burocratizadas”, disse.
Nova geração
Alunos de todas as regiões do Brasil passaram por avaliações escritas e atividades complementares em 14 videoaulas e 42 miniaulas. De caráter acadêmico, o Jornadas exigiu um mínimo de 75% de aproveitamento dos participantes.
“Pessoas preparadas fazem a diferença. O bem não pode ser bobo nem preguiçoso. A razão ético-estratégica exige os melhores ideais e muito trabalho, porque a ética nos coloca limites que os que não estão preocupados com ela não têm. Isso significa que vocês vão dormir pouco, acordar cedo, levar a mensagem. Se pra 10 pessoas pouco importa, porque são 10 cidadãos. Não se preocupem com as fake news, mas sejam firmes pra rebater e impor suas ideais”, aconselhou.
Para o presidente da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), o jornalista Luiz Carlos Azedo, o curso se propôs a “discutir projetos utopias” e a pensar “a política como algo transformador da saciedade”, mas sem perder “a perspectiva de que é também é uma atividade prática, em que as pessoas precisam ter habilidade, vontade, empenho, criatividade e iniciativa”.
“Vocês representam uma nova geração de cidadãos que não vêem a politica apenas como articulação de bastidor, futrica e imediatista, que é o que predomina hoje e acaba rebaixando o papel e a importância desse exercício. O Cidadania é um novo partido que resulta de longa trajetória que vem do PCB, passando pelo PPS, e precisa construir agora sua identidade. Somos um somatório de várias tendências que ainda não conseguiram produzir uma síntese. Talvez essa tarefa seja de vocês. Vocês que vão construir para o futuro”, apontou.
Construção partidária
Presidente do Conselho Curador da FAP, o ex-governador e ex-senador Cristovam Buarque propôs aos formandos que buscassem responder a quatro cobranças: o que o Brasil esqueceu como nação que permitiu a eleição de alguém como Bolsonaro; como melhorar como país com o crescimento econômico inviabilizado pela pandemia; que mapa deve guiar os brasileiros no próximo centenário da independência; e como construir um partido que ajude na execução desses projetos.
“Esquecemos o povo ao longo da nossa história e isso levou a outros esquecimentos. A bandeira brasileira feita nos dias seguintes à proclamação tem escrito ordem e progresso e 65% dos brasileiros adultos eram analfabetos naquele momento. Aonde queremos chegar como potência? Na educação, na liberdade, na igualdade. E, definido onde, o que precisaremos fazer pra chegar lá, o que não poderemos esquecer. Precisamos fazer o povo acreditar. Como fazer o povo acreditar nesse projeto? Não nos deixem continuar esquecendo, nos ajudem a lembrar”, pediu.
Coube ao presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, o encerramento da live. Ele lembrou que os desafios que estão colocados “exigirão de todos nós uma prática”.
“Mesmo que não tivessem feito esse curso, vocês como cidadãos teriam de dar respostas. Com o curso, a resposta é de maior responsabilidade porque entenderam o poder da política para mudar a nossa realidade. Esse o nosso papel. Estamos vivendo uma rara infelicidade. A tragédia da pandemia e de ter na presidência alguém que não teve a minima capacidade para enfrenta-la unindo o povo. Ao contrário. Vemos alguém que, sem nenhuma empatia, apresentou sua face desumana”, sustentou.
Protagonismo em 2022
Freire, que vinha alertando para o risco da escalada autoritária de Bolsonaro, ponderou que as recentes investigações envolvendo o presidente e a prisão de seu ex-faz tudo Fabrício Queiroz tornam essa alternativa mais problemática para as Forças Armadas. Ele classificou Bolsonaro de “nacionalista exacerbado”, que “não respeita a liberdade nem a convivência democrática”e “tem na sua formação a violência e a destruição”. Segundo ele, trata-se de um órfão da ditadura como alguns de seus generais, mas a possibilidade de um golpe hoje está mais distante.
“A prisão do Queiroz colocou no colo do presidente da República a bomba da corrupção. Não é apenas rachadinha, que é um desvio criminoso de dinheiro. Lá estão caracterizados crimes muito maiores: vinculação com milicianos ligados a homicídios e venda de serviços como a construção de habitações ilegais, tendo como elo o atual prisioneiro Fabricio Queiroz. Impossível imaginar as Forças Armadas dando um golpe para entregar o poder a um corrupto ligado a milicianos”, argumentou.
Freire pontou, no entanto, que isso não deve fazer com que os jovens percam de vista a necessidade de se opor a qualquer risco de ruptura. “O país precisa daqueles que vão lutar pela defesa da democracia, pra que, superada essa fase de rara infelicidade, superada a pandemia, sustentem o processo democrático com essas eleições de 2020 e tenham o protagonismo que o Cidadania deseja ter em 2022”concluiu.
Cristovam Buarque: Reunião de horrores
Ministro da Educação de Hitler sentia horror às simples expressões ‘povo judaico’ ou ‘povo cigano’ ou ‘comunista’
Bernhard Rust foi ministro de Hitler para a Educação. Nomeado no primeiro dia do governo nazista, foi fiel até a morte, por suicídio, na rendição da Alemanha. Não se pode dizer que Rust era culpado pela situação da educação alemã em 1933. Apesar de muito melhor que a nossa hoje, a educação alemã sofria consequências da Primeira Guerra e dos fortes constrangimentos impostos pelo acordo de paz que comprometeu as finanças públicas. Tudo isso agravado por hiperinflação e caos político ao longo da década de 1920.
Rust não era o culpado da herança que recebeu, mas, em vez de montar um sistema educacional competitivo na Europa, concentrou-se na ideologia para desarticular o que chamava de cultura comunista e influência de judeus na vida intelectual da Alemanha. Ele via a universidade como antro do marxismo cultural. Einstein era recusado como judeu e a teoria da relatividade vista como parte da conspiração internacional comunista.
Rust não fez parte da engenharia do Holocausto, mas foi um dos criadores do pensamento que serviu de base à execução da solução final para extinguir povos não arianos que faziam parte da Alemanha, especialmente judeus. Ele sentia horror às simples expressões “povo judaico” ou “povo cigano” ou “comunista”. Seu tipo de patriotismo achava que na Alemanha havia um único povo, palavra que só se aplicava aos alemães. Para isso, demitiu professores, impediu escolha de reitores pela comunidade, vetou ideias incompatíveis com a tradição cristã.
Lembrei de Rust ao ouvir a participação do ministro da Educação do Brasil, na reunião de gabinete de 22 de abril. Ele não incentivou solução final para nossos índios, mas lançou a base para que isso ocorra. Não por morte em câmaras de gás, mas por morte lenta devido à negação dos direitos básicos de cada povo indígena. Ao sentir horror, sua cara passou a sensação de nojo ao povo indígena, passou a ideia de que o conceito de povo brasileiro nega permissão para a convivência fraterna com outros povos dentro do Brasil.
Ao dizer que tinha horror ao conceito de povo indígena, e manifestar que apenas o povo brasileiro com sua aparente identidade ocidental e cristã lhe interessa, ele repete o que dizia o ministro nazista para os judeus. Quase 100 anos depois, o ministro da Educação do Brasil senta a base ideológica para a ideia da pureza, se não racial, ao menos cultural, do povo brasileiro cristão e ocidental.
Não é por acaso que, logo após, o ministro do Meio Ambiente declarou que o governo deve aproveitar a atenção da mídia voltada aos mortos pela epidemia, para simplificar procedimentos que permitirão ocupar terras e destruir florestas onde vivem o que seu colega considerou “não povo” indígena. Dizimar as florestas onde vivem os índios é como colocá-los em “câmara de gás” que mata lentamente. Foi isso o que os dois ministros combinaram ser feito sem grandes dificuldades burocráticas, um sentando base ideológica pelo horror ao povo indígena e o outro definindo os meios administrativos para o genocídio. Diga-se a favor deles que talvez não tivessem consciência do que diziam, sem saberem quem foi Rust.
Por isso, nenhum outro ministro, nem o presidente, nem o vice, chamaram a atenção deles para o horror do que tinham dito. Acharam natural os sentimentos de horror com o conceito de povo indígena e com as amarras burocráticas que impedem derrubar florestas.
A reunião de 22 de abril passa a sensação de um ministério unido no uso de palavrões e na concepção de Bernhard Rust. Igualmente triste é imaginar que depois de nossos “Rusts”, dificilmente teremos um presidente com a visão do chanceler Adenauer, que, na primeira reunião para definir as prioridades do Plano Marshall, afirmou que a prioridade na reconstrução da Alemanha seria a educação, para recuperar o tempo perdido em décadas anteriores e corrigir o desastre nos anos nazistas.
*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília
Cristovam Buarque: Desigualdade endêmica
No mês em que o Brasil comemora 132 anos da Lei Áurea, a sociedade debate se o Enem deve ser adiado. É claro que fazer o exame logo depois da epidemia vai acirrar a brutal desigualdade de como a educação de base é oferecida, mesmo nos períodos normais.
Escolas privadas estão substituindo aulas presenciais por ensino a distância, com a mesma ou até melhor qualidade, desde que os alunos tenham os equipamentos necessários e contem com apoio de pais ou de professores particulares. Mas raríssimas escolas públicas conseguem se adaptar com a mesma rapidez ao uso dos métodos do ensino a distância e, dificilmente, seus alunos contam com celulares, tablets, notebooks ou com o apoio pedagógico familiar.
Por isso, é absurdo que o governo federal se recuse a adiar a realização do Enem para quando as escolas tiverem recuperado o tempo perdido. Felizmente, entidades estudantis e grupos preocupados com a educação estão lutando para forçar o adiamento do exame na tentativa de impedir o agravamento das consequências decorrentes da desigualdade de como a educação é oferecida às nossas crianças. Mas é lamentável que a sensibilidade à desigualdade só chame a atenção quando se trata do ingresso à universidade.
Os movimentos que agora defendem postergar o Enem por causa da epidemia ignoram que, há décadas, independentemente do coronavírus, o ingresso na universidade trata diferentemente os candidatos, conforme a renda da família. A desigualdade na qualidade de educação de base só é percebida quando se trata da entrada no ensino superior — é a desigualdade entre os que terminaram o ensino médio e se sentem em condições de disputar o vestibular ou o Enem.
Mais grave é a desigualdade que atinge os esquecidos que não terminam o ensino médio, abandonam a escola antes ou fazem um curso tão ruim, que não se atrevem a buscar vaga em faculdade. É preciso, portanto, barrar a maldade do governo ao impor um Enem da epidemia, mas as diferenças educacionais são antigas, não são culpa (ou apenas) da atual administração. É herança maldita de governos anteriores, inclusive os últimos democratas-progressistas, que geriram o país por 26 anos, e os da esquerda, por 13 anos.
Durante toda a nossa história, relegamos a qualidade média da educação. Cuidamos dela apenas para os filhos de poucos, abandonando os descendentes dos negros durante a escravidão e os filhos dos pobres depois da Abolição. E só descobrimos a desigualdade quando está em jogo o ingresso no ensino superior, mesmo assim, por seu agravamento durante o confinamento provocado pela epidemia.
Por 350 anos, os navios negreiros tinham marujos com ordem para não deixar os escravos pularem no mar durante o trajeto desde a África. Os traficantes sabiam que o suicídio de um escravo era prejuízo como jogar mercadoria ao mar. Depois do trajeto, quando um escravo se suicidava, os parentes eram punidos porque a morte representava descapitalização para o dono.
Nós não entendemos ainda que, ao abandonar a escola, o jovem está se suicidando socialmente e descapitalizando o país de seu potencial intelectual. Os traficantes de escravos não eram mais humanos e sensíveis do que nós, brasileiros republicanos, mas somos, igualmente, insensíveis e menos inteligentes.
Fechamos os olhos ao suicídio social de dezenas de milhões de brasileiros que saltam os muros da escola e ignoramos o prejuízo que isso provoca no país e na humanidade. O abandono escolar, como o salto ao mar dos escravos, decorre em parte da pobreza da família, exigindo que os filhos trabalhem, mas decorre, sobretudo, da má qualidade e da pouca atratividade da escola. A maior parte delas, como navios negreiros para o futuro.
Nossos constituintes sofreram dessa ignorância ao definirem que educação é um direito de cada brasileiro, mas não o vetor do progresso do Brasil. Por isso, lutamos contra o Enem neste momento, mas não para que a escola tenha a mesma qualidade, independentemente da renda da família. Por um lado, porque vemos a educação apenas como um direito, não como o vetor do progresso. Por outro, pelo elitismo de nossos movimentos sociais que se interessam pelo direito de quem terminou o ensino médio, mas não o direito dos que abandonarão a escola antes do vestibular ou do Enem.
A luta pelo adiamento do Enem deve ser apoiada, contudo, não basta: é preciso lembrar os que jamais farão vestibular, por nem sonharem com o ensino superior devido à má qualidade da educação de base que lhes foi oferecida.
*Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)
“O que virá depois?” é tema de webinar da Biblioteca Salomão Malina
Conversa online vai abordar mundo pós-pandemia do coronavírus e crise política no Brasil
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A Biblioteca Salomão Malina realiza, nesta sexta-feira (15), a partir das 18h30, roda de conversa online (webinar) com o tema “O que virá depois?”, para discutir o pós-pandemia do coronavírus. A webconferência terá a participação do ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque, do jornalista Luiz Carlos Azedo, do sociólogo Caetano Araújo e do historiador Victor Missiato. A transmissão será realizada pelo página da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) no Facebook e pelo canal da entidade no Youtube.
Cristovam lamenta a crise sanitária global provocada pela pandemia, que já matou mais de 11 mil pessoas no Brasil e 284 mil no mundo até o início desta semana, mas reforça que a sociedade precisa se organizar e participar de debates virtuais no período de isolamento social. “Não podemos deixar que a epidemia nos confia e impeça o desenvolvimento de nossas ideias”, afirma. “Já que estamos confinados, é fundamental fazermos rodas de conversas pelos meios de comunicação a distância. Não podemos ser vencidos pela epidemia”, diz.
O sociólogo Caetano Araújo, que também é diretor executivo da FAP, ressalta a importância da webinar da Biblioteca Salomão Malina também em razão da crise política que atinge o Brasil. “Eventos como esse são particularmente importantes porque estamos enfrentando problemas complexos, agudos. De um lado, uma crise sanitária sem precedentes no país nos últimos 100 anos e, de outro lado, estamos enfrentando crise política que envolve escalada golpista de extrema direita”, assevera.
De acordo com Araújo, a sociedade deve debater política mesmo durante o isolamento social. “A pior coisa a se fazer é parar de discutir política. Como não podemos fazer reuniões presenciais e manifestações, o que temos de fazer é organizar discussões e debates sobre esses temas pela via do possível, que é a da internet”, pondera, para continuar: “Temos que persistir, conversar, trocar ideias, avançar na formulação de possíveis soluções, prospectar cenários futuros”.
Na avaliação de Missiato, doutor em história pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), a webinar da biblioteca Salomão Malina é um exemplo de que a pandemia do coronavírus vem acelerando a tendência da “participação democrática dos cidadãos” no mundo digital. “Acaba sendo aceleração de uma tendência até por conta das dificuldades de as pessoas se reunirem em cidades com muito trânsito ou em eventos que tenham que demandar diferentes atores de vários lugares, por exemplo”, afirma.
Ele observa que a pandemia do coronavírus é a primeira grande pandemia globalizada no que diz respeito à informação, por meio da participação dos cidadãos nas redes sociais. “De certa forma, as redes sociais ampliaram, globalmente, o debate em torno desse assunto. Mesmo que muitas vezes de forma tumultuada, democratizaram muito o debate”, acentua.
Victor acentua que, apesar da grande participação popular nas discussões, o poder de decisão sobre os assuntos debatidos ainda é concentrado. “Todos os debates nas redes sociais trouxeram uma politização muito grande em relação à própria humanidade”, pontua. “A participação política do cidadão na era digital conferiu ao cidadão enorme participação. Não quer dizer que o ambiente esteja mais plural, mais respeitoso”, observa.
Roberto Freire e Marco Marrafon discutem futuro do Estado e governança estratégica
Em última live da Jornada da Cidadania, presidente nacional do Cidadania e coordenador do curso traçam perspectivas para o país
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Futuro do Estado e governança estratégica serão debatidos na última live da Jornada da Cidadania, que será transmitida, nesta sexta-feira (15), a partir das 19h30, para alunos do curso multimídia de formação política, exclusivamente, na plataforma de educação a distância. O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, e o coordenador-geral do curso, advogado Marco Marrafon, vão abordar o assunto e interagir com o público na conversa online, que também marca o encerramento do curso.
Na live de Freire e Marrafon, que é doutor e mestre em Direito do Estado pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), os alunos poderão conferir principais perspectivas sobre o Brasil, já que o país passa por uma crise política que agrava a pandemia do coronavírus. Além disso, eles destacam a importância da governança estratégica para êxito das ações.
A terceira e última live da Jornada da Cidadania também marca o encerramento do curso, que teve início no dia 12 de fevereiro, oferecendo 36 horas de conteúdo multimídia para os internautas, ao longo de 14 semanas. O último pacote de aulas foi disponibilizado, nesta quarta-feira (13), na plataforma de educação a distância.
Todos os alunos terão até o dia 15 de junho para concluírem o curso na plataforma de ensino a distância e receberem certificado com camiseta e caneca personalizadas da Jornada da Cidadania, no endereço cadastrado no ato da inscrição. Possíveis alterações do endereço devem ser comunicadas pelos alunos à FAP (Fundação Astrojildo Pereira), realizadora do curso.
O curso teve o objetivo de capacitar cidadãos acerca de conteúdos relevantes da política, além de fornecer bases fundamentais para possíveis candidatos que pretendem disputar as eleições municipais deste ano.
Primeira e segunda lives
No dia 24 de abril, os alunos assistiram à segunda live da Jornada da Cidadania. O ex-senador Cristovam Buarque abordou principais assuntos relacionados à perspectiva do mundo depois da pandemia do coronavírus.
No dia 20 de março, o curso de formação política realizou a sua primeira live, com a participação do jornalista Luiz Carlos Azedo, colunista político e especialista em mídias digitais, e do publicitário Moriael Paiva, pioneiro no uso de mídias digitais no segmento político. Eles abordaram o impacto da pandemia do novo coronavírus na vida das pessoas em tempos de comunicação em rede.
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Depois da epidemia: Cristovam Buarque participa de live da Jornada da Cidadania
Líder político vai avaliar perspectivas para o mundo após o coronavírus; acesso é exclusivo a alunos de curso de formação política
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O que as pessoas podem esperar de si próprias e umas das outras após o auge do coronavírus? Egoísmo e individualismo cederão lugar à solidariedade e empatia? O modo de vida voltará a ser o mesmo? Diversos são questionamentos e respostas que tomam conta do mundo inteiro e alguns deles serão discutidos, nesta sexta-feira (24), pelo ex-senador Cristovam Buarque, na live “Depois da epidemia”. Mediada pelo jornalista e colunista político Luiz Carlos Azedo, a conversa será realizada pelo curso de formação política Jornada da Cidadania, da FAP (Fundação Astrojildo Pereira). Será das 19h às 20h.
O acesso à live será exclusivo a alunos cadastrados na Jornada da Cidadania. Eles poderão acessar a plataforma do curso de formação política, com login e senha, clicar na opção “meus cursos” e, em seguida, na sala virtual de Cristovam. “Nós tínhamos e temos de escolher entre continuar o velho conceito de progresso, que é depredador da natureza, baseado no excesso de consumo, ou encontrar o novo rumo, um conceito alternativo ao progresso, capaz de conviver com a natureza em equilíbrio e quebrar a desigualdade social”, afirma. “A epidemia pode apressar a busca de um novo rumo, ou não”, destaca.
Durante a segunda live da Jornada da Cidadania, os internautas poderão interagir, enviando perguntas para Cristovam. De acordo com ele, o mundo já estava em uma “encruzilhada” antes mesmo de a epidemia explodir. “Não acho que a epidemia seja revolucionária”, observa. “Como nós, que defendemos mudanças, estamos muito acomodados, em vez de criar esperança na nossa luta, estamos criando esperança no vírus. É um acomodamento”, afirma.
Depois de descoberta a vacina contra o coronavírus, conforme analisa Cristovam, tudo poderá continuar como era antes da epidemia, com exceção de alguns costumes que poderão ser alterados. “Salvo as técnicas que vieram para ficar, como ensino a distância, e-commerce, o trabalho de casa”, exemplifica. Segundo ele, as relações de trabalho também poderão mudar, apesar de não acreditar que o coronavírus leve a uma “revolução da mentalidade”.
Cristovam ressalta que, neste momento, as pessoas que ficam em casa estão apenas vivendo uma autodefesa. “As pessoas estão vivendo uma defesa, ficando em casa, consumindo menos porque não podem ir às ruas. Mas não creio que haverá mudança de mentalidade para que as pessoas passem a consumir menos. Passada a epidemia, voltam a voracidade no consumo e o egoísmo”.
Primeira live
No dia 20 de março, a Jornada da Cidadania realizou a sua primeira live, com a participação do jornalista Luiz Carlos Azedo, colunista político e especialista em mídias digitais, e do publicitário Moriael Paiva, pioneiro no uso de mídias digitais no segmento político. Eles abordaram o impacto da pandemia do novo coronavírus na vida das pessoas em tempos de comunicação em rede.
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Cristovam Buarque: Keynes ético
Quem defendeu a Ciência na epidemia deve respeitar a aritmética fiscal
O coronavírus trouxe a percepção de que a economia deve ter compromisso com a solidariedade. Mesmo veículos como “The Economist” e “Financial Times” têm manifestado a necessidade de uma reorientação na relação da economia com a sociedade, para enfrentar a tragédia da pobreza e do meio ambiente. Percebe-se a indecência da concentração de renda, da persistência da pobreza, da barbaridade dos “mediterrâneos invisíveis” barrando os pobres para proteger aos ricos. Na crise econômica do coronavírus, até os mais arraigados defensores do liberalismo econômico a qualquer custo passaram a sustentar políticas e gastos públicos para atender a necessidades da saúde, assegurar renda, recuperar empregos e proteger empresas. Passaram a apoiar medidas keynesianas, mesmo ao custo da emissão de moedas e alargamento da dívida pública.
Descobriu-se que respirar e comer são igualmente importantes para a saúde e a vida, mas o oxigênio é mais urgente que a comida. Da mesma forma que na guerra em que a produção de armas e o salário dos soldados são mais urgentes do que a produção de automóveis e o salário dos operários. Por isso mesmo, passaram a chamar essas estratégias de economia de guerra. Este exemplo correto para os tempos da pandemia do coronavírus deveria servir para o momento posterior: uma economia de guerra para superar a persistência da pobreza. E enfrentar as outras epidemias que nos contaminam há séculos: 100 milhões de pessoas sem tratamento de esgoto, 35 milhões sem água, 12 milhões sem saber ler, 70 milhões sem educação de base, 13 milhões de desempregados, milhares com dengue, malária e sarampo. A economia de guerra adotada para enfrentar as consequências do coronavírus deve dar lugar a outra economia de guerra para enfrentar o “politicus vírus” que contamina as prioridades dos nossos gastos públicos.
Essa economia precisa entender que a pobreza não se erradica por transferência de renda mínima. O que eliminaria a pobreza é fazer com que todos tenham acesso aos bens e serviços essenciais a uma vida digna: educação de qualidade, água e esgoto, serviço de saúde eficiente, transporte urbano de qualidade e uma renda mínima. Uma solução é oferecer renda, condicionada a que a população pobre produza o que ela precisa para sair da pobreza: contratada para a construção de escolas, saneamento, sistemas de coleta de lixo, podendo consertar e pintar suas casas em terrenos com a propriedade assegurada por uma reforma da estrutura fundiária urbana, recebendo bolsas para garantir a permanência dos filhos na escola ou para os adultos serem alfabetizados. Isso é um keynesianismo produtivo e social.
Enquanto no keynesianismo tradicional dos países ricos o governo transfere renda para o beneficiado não produzir mercadoria, e o mercado oferece os bens privados para os pobres, que já contam com os serviços públicos básicos, no keynesianismo produtivo e social o governo promove incentivos sociais, transferência de renda condicionada à produção dos bens e serviços cuja oferta elimina a pobreza.
Passada a pandemia do coronavírus, o populismo vai defender a manutenção das atuais rendas criadas como emergência, sem aproveitar o poder mobilizador dessa transferência para que se produza o que os pobres precisam, em troca da renda. Mas, para que o pobre se beneficie plenamente, é preciso que o custo seja feito com responsabilidade. Quem defendeu a Ciência no enfrentamento da epidemia do coronavírus deve respeitar a aritmética fiscal, porque sem ela os pobres e os jovens pagarão depois o que receberem agora. Com a inflação e a dívida pública, como tem sido feito há décadas. Por isso, para ser eficiente e justo na guerra pela abolição da pobreza, o keynesianismo ético deve ser produtivo, social e responsável.