crise

José Roberto Mendonça de Barros: Existe futuro para a indústria?

Estamos longe da trajetória de crescimento sustentável, se comparado com o PIB global nas últimas décadas

O Brasil deixou de acompanhar o crescimento global desde 1980. Esse distanciamento se acentuou depois do novo milênio e, em particular, após 2010: nesse período, o PIB global cresceu 31%, enquanto o nosso mal se moveu, expandindo-se até o ano passado pífios 2% na última década.

A pandemia aumentará essa diferença, pois, na estimativa do FMI, o crescimento mundial deste ano será robusto, de 5,5%, e, para o Brasil, de 3,6%. A expectativa da MB é de um crescimento mais fraco, de apenas 2,6%. O cenário está desolador, com recrudescimento da covid, falta de vacinas, recorrentes restrições à mobilidade, piora generalizada nas expectativas, enfraquecimento do mercado de trabalho, fortes pressões inflacionárias e consequente elevação de juros e forte incerteza fiscal. Todos esses elementos dominam completamente a situação, ao contrário do mundo de fantasia que se vive em Brasília.

Mesmo o mais otimista observador do cenário brasileiro há de concordar que estamos muito longe de uma trajetória de crescimento sustentável. 

Nos anos mais recentes, observamos uma desaceleração forte e sistemática do crescimento industrial. Isso explica boa parte da perda de dinamismo da economia como um todo. Sugere também que, sem algo novo na indústria, será difícil retomar uma trajetória construtiva. 

Ao lado da queda da indústria, observamos uma expansão sistemática da agropecuária, baseada em investimentos e crescimento de produtividade. Esse processo se tornou endógeno e está levando a uma crescente utilização de produtos industriais e serviços no processo de produção (o modelo da agricultura de precisão). Expandem-se cada vez mais a produção de novos energéticos, alimentos e materiais, a partir das matérias-primas agrícolas, gerando uma produção industrial sustentável e biodegradável. 

Será possível voltar a crescer sem a participação intensa da indústria? Não creio. Boa parte do progresso tecnológico ainda ocorre no setor. O Brasil ainda não tem maturidade nem massa crítica em ciência e inovação para ser um gerador de tecnologias, de forma a viabilizar a criação de valor sem indústria.

Como, então, explicar sua queda sistemática? Por que o setor agroindustrial tem sustentabilidade em seu crescimento? Existe alguma lição que se possa extrair para a indústria? 

Boa parte das análises produzidas pelas lideranças industriais coloca exclusivamente no ambiente externo (o “custo Brasil”) a razão fundamental da perda de dinamismo. Estará aí toda a verdade? 

Estamos no momento em que é imperioso debater valores e elementos das estratégias das indústrias para refletirmos a respeito de ações e políticas que possam alavancar seu desenvolvimento. 

Junto com João Fernando Gomes de Oliveira, elaboramos um pequeno texto no qual, sob o título desta coluna, buscamos resumir nossa visão sobre como chegamos até aqui e o que deveria ser incorporado na formulação de bases para uma nova fase do setor. 

Tendo isso como ponto de partida, combinamos com Marcos Lisboa e o Insper a realização de um webinar no dia 6 de abril, quando analisaremos também casos bem-sucedidos, que podem iluminar caminhos futuros. Participarão adicionalmente do evento João Paulo Gualberto da Silva, diretor superintendente da WEG Energia, Eduardo Augusto Ayrosa Galvão Ribeiro, presidente da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), e Paulo Hartung, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores. (www.insper.edu.br/agenda-de-eventos/existe-futuro-para-industria) 

* * * * *

Consolidou-se a percepção de que a escassez de vacinas e a piora na situação da pandemia irão reduzir o crescimento esperado para o ano, levando muitos analistas a diminuir as projeções feitas em janeiro.

Embora não tenhamos alterado nossa previsão de crescimento (2,6%), elevamos a do IPCA para 5%.

Em consequência, agiu bem o Banco Central ao iniciar a normalização da política monetária nesta semana, embora tenha demorado para perceber que a pressão inflacionária é mesmo forte e tem de ser enfrentada. 

*ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE


Paulo Baía: A cidadania está ser ar

O governo de Jair Bolsonaro é quase uma unanimidade nas diversas mídias tradicionais e digitais como um fracasso na condução e gestão da crise sanitária da Covid-19, pelo ponto de vista da saúde pública, coletiva, humanitária, assim como do sistema econômico produtivo. Bolsonaro, seus ministros e autoridades de governo pouco se importam com o que é dito e redito com fatos, fotos, números, estatísticas, gráficos, cálculos e índices. Entramos no inferno de Dante, onde só enxergamos uma imensa escuridão, em contraponto aos governantes federais que seguem orgulhosos do cenário, afirmando estar tudo ótimo. As realidades são distintas e se movem em planos paralelos sem se comunicarem. Ou seja, o significado sociológico dos sorrisos e gargalhadas dos governantes revela a ideia de que a política de incentivo às mortes está efetivamente dando certo.

No início do mês de março, escrevi que vivíamos em um "Campo de Extermínio". Para esta vivência social e política é necessário que haja articulação fina e determinação intragovernamental dos gestores da República. Os dias se passaram e estamos atingindo a marca de aproximadamente 3.000 mortes por dia. O governo, sob pressão após a entrada em cena da possível candidatura de Lula após a anulação de suas condenações, decidiu mudar o ministro da saúde, e este já disse que vai continuar o trabalho do antecessor sob o comando direto de Bolsonaro. Isto é, "não temos meta, quando atingirmos a meta, dobramos a meta".

Estamos navegando na Barca de Caronte, a escuridão nos sufoca ao perceber que deveremos chegar a em torno de um milhão de brasileiros mortos por Covid-19. Em contrapartida, prefeitos e governadores acovardados, com a leniente cumplicidade dos poderes legislativos, não tomam as medidas recomendadas pelos especialistas, não miram nas experiências internacionais como a do colonizador português ou do hegemônico EUA de Joe Biden. Jair Bolsonaro e Paulo Guedes comandam uma política pública fazendária de morte e miséria em escala industrial cibernética, inspirados e lastreados nas ignóbeis teses da "Ponte Para o Futuro" do professor doutor Marcos Lisboa e seus "parças". O horror da política sanitária disciplinada de Pazuello-Queiroga é o espelho perfeito do sucesso de Paulo Guedes-Marcos Lisboa. Não existe acaso em governos. Tudo é planejado e decidido entre táticas e estratégias. Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, Pazuello, Ernesto Araújo e demais ministros não são "omissos", são operadores eficientes de um projeto político em andamento. Com isso, entramos na Barca deslizando por rios carregados de pulsão de morte, onde Thanatos está no controle nacional com eficiência e eficácia.

As ações de oposição a Jair Bolsonaro e a seu governo são como Ivermectina para Covid-19. A oposição está fazendo firulas cênicas, agindo como o vereador de Canela/RS, pretendendo pulverizar álcool gel na população com um avião. Pobre Canela, que já foi referência nacional no contexto da Serra Gaúcha.

Proponho, através das experiências bem sucedidas em termos micro e local de autoproteção experimentadas em várias favelas do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Recife, de Porto Alegre e Salvador, que formemos um "Fundo Financeiro Social" para compra de vacinas contra a Covid-19 de todos os laboratórios para imunizar a população. Nos rebelemos contra a política afirmativa de valorização da morte e promoção da doença de Bolsonaro, Paulo Guedes, Queiroga. Um Fundo Soberano, gerido por um consórcio da sociedade civil com a Transparência Brasil, a CUFA, a ANF, o AfroReggae, a Comissão Arns, o Banco da Providência e assemelhados.

O presidente Lula pediu ao presidente dos EUA Joe Biden uma reunião de emergência do G-20 para discutir a distribuição global de vacinas, pensando tanto no Brasil quanto nos países pobres. Além da iniciativa bem-sucedida de João Dória, que fez acordo para trazer a Coronavac da China em meados do ano de 2020. Dessa forma, Lula da Silva, Ciro Gomes, Henrique Mandetta, Alexandre Kalil, Guilherme Boulos, José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e quem mais chegar, que façam para ontem uma comitiva e visitem a Europa, a China, a Índia, a Rússia e os EUA para negociar diretamente com os laboratórios, os governos e a OMS vacinas para toda a população brasileira ainda em 2021.

Podem retrucar acerca do Fundo Financeiro Social com gestão direta da sociedade civil como "Coisa de Maluco", pois que seja. O que não podemos é ver e ouvir os aplausos dos mórbidos para Jair Bolsonaro-Paulo Guedes, e os seus, os quais certamente dançarão sobre as montanhas de cadáveres nos necrotérios e valas comuns coletivas Brasil afora. A nossa cidadania está sem ar, sufocada nas filas das UTIs, nos ônibus e trens abarrotados, usando máscaras no queixo com os olhos, narizes e bocas de fora. Precisamos ir além das notas de repúdio, cartas à humanidade, petições online, ações judiciais, discursos inflamados das tribunas parlamentares, para reverter a situação e tirar o "oxigênio" político institucional de Paulo Guedes-Pazuello-Queiroga.

Os consórcios de algumas prefeituras e de alguns governadores para compra direta das vacinas em diversos laboratórios é uma ação com mais substância eticopolítica e de efetivo enfrentamento a Jair Bolsonaro, que terá que lidar com o fato consumado, se é que vai ser consumado mesmo.

Para além do que se tem feito a partir de uma oposição atordoada, apostar também no que os favelados, periféricos e miseráveis nos ensinaram ao longo destes 12 meses de pandemia: autoproteção e autonomia social, já que o Estado brasileiro gerido por Bolsonaro é facilitador da morte por asfixia. Vamos esquecer que o doutor Marcos Lisboa, "parças" das universidades e associados das "Ruas Faria Lima" de nossas urbes existem. E ressignificar de acordo com o livro de Júlio Ludemir - "Sorria, você está na Rocinha" - ao nos deixar impregnar pelas iniciativas potentes de autoproteção dos favelados e periféricos brasileiros. Talvez assim possamos sair da escuridão e quem sabe alcancemos, que não seja o céu, pelo menos o purgatório de Dante.

*Paulo Baía é sociólogo e cientista político


O Estado de S. Paulo: Inquéritos da PF com base na Lei de Segurança Nacional crescem 285% com Bolsonaro

Número de investigações apresenta aumento significativo no primeiro biênio do atual governo em comparação com as gestões Dilma e Temer

Marcelo Godoy e Tulio Kruse, O Estado de S.Paulo

O número de procedimentos abertos pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro, na comparação com o mesmo período das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer. Houve um total de 20 inquéritos entre os anos de 2015 e 2016. Já entre 2019 e 2020, foram 77 investigações. Em relação a outras cinco categorias de inquérito pesquisadas pelo Estadão por meio da Lei de Acesso à Informação – que incluem os principais crimes contra a administração pública –, as apurações baseadas na Lei de Segurança Nacional (LSN) foram, de longe, as que registraram maior aumento. 

O uso da LSN é contestado por juristas, e há 23 propostas de alteração protocoladas no Congresso. A redação atual da lei é de 1983, na fase final do regime militar e anterior à Constituição.

A legislação tem sido usada para embasar investigações contra opositores do governo Bolsonaro. Investigações foram abertas após pedidos do ministro da Justiça, André Mendonça, contra pessoas que fizeram críticas e publicaram mensagens contra o presidente.

Há ainda apurações que têm como alvo também bolsonaristas. Dois inquéritos abertos após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), miram atos antidemocráticos, a divulgação de fake news e ameaças contra membros da Corte – o que levou à prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ)

Os casos envolvem tanto a PF quanto as polícias estaduais. Ontem, cinco manifestantes foram detidos pela Polícia Militar em Brasília após estenderem uma faixa com a frase “Bolsonaro Genocida” em frente ao Palácio do Planalto. A PM usou a lei para embasar a ação. A faixa mostrava uma caricatura do presidente com rabo e chifres, transformando uma cruz vermelha – símbolo da saúde – em uma suástica nazista. Segundo a PM, este foi o motivo da prisão.

A LSN estabelece como crime, em seu artigo 26: “Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.” 

O presidente da Associação de Delegados da PF, Edvandir Paiva, disse que autoridades estão usando o órgão como um braço para suas brigas políticas. “Eu gostaria que a Polícia Federal pudesse fazer seu trabalho, que é relevante no combate à corrupção, às facções criminosas e ao tráfico de drogas, e não ficasse sendo instrumentalizada em brigas políticas”, afirmou Paiva. “Quem dera a PF pudesse se manifestar para dizer que isso está atrapalhando o serviço dela.” 

Conforme dados da PF, no governo Bolsonaro, o número de inquéritos que miram supostas ameaças à segurança nacional aumentou mais do que investigações contra lavagem de dinheiro e organizações criminosas. Ao mesmo tempo, os delitos contra a administração pública – como fraudes em licitação e peculato – tiveram redução no número de procedimentos nos últimos dois anos.

Em nota, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública observou que a atribuição para investigar esses crimes é da PF. E afirmou que, se as Polícias Civis e Militares estão “atuando sem lastro”, é dever dos Ministérios Públicos apurar a “responsabilidades administrativa e penais.”

De acordo com Paiva, a maioria dos inquéritos abertos com base na Lei de Segurança Nacional são resultado de pedidos feitos por autoridades, como o Ministério da Justiça, a Procuradoria-Geral da República e o Poder Judiciário. “A PF está atendendo a requisições.” 

Segundo a advogada Denise Dora, diretora executiva da ONG Artigo 19, todos os índices que medem a liberdade de expressão no País têm caído nos últimos anos. “É uma novidade dos últimos dois anos: uma pessoa emitir opinião e ser processada pela LSN era algo que não estávamos mais convivendo, e é realmente um regresso ao passado.” 

Para o professor Cláudio Langroiva, especialista em direito processual constitucional da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), o uso da LSN é excessivo mesmo em casos em que os investigados extrapolam seus direitos e cometem infrações como injúria ou apologia ao crime. Ele lembra que o Código Penal já pune esses delitos, com uma diferença: a pena para difamação na LSN chega a quatro anos, mas é de três meses a um ano pelo Código Penal. Procurado, o Ministério da Justiça não havia se pronunciado até a conclusão desta edição. 

/ COLABORARAM ANDRÉ SHALDERS e EMILLY BEHNKE

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Marco Aurélio Nogueira: Pazuello saiu, mas o problema ficou

A troca do ministro da Saúde não foi uma resposta aos sensatos, mas uma tentativa de reduzir a tensão

O general foi sendo fritado aos poucos. Leal e submisso ao extremo, talvez não tenha percebido o óleo que esquentava. Talvez tenha participado da operação, cansado da guerra e ciente de que sua saída poderia ser uma saída para o presidente. O pior momento da pandemia também é o pior momento para Bolsonaro. Lula à parte.

A folha de serviços de Pazuello tem sua assinatura, e um dia, quem sabe, ele responderá por ela. Mas o endosso presidencial lhe deu condições de agir como agiu, fazendo o que seu dono mandava. O resultado está aí, nas mortes que se acumulam, nas vacinas que não chegam, na terra arrasada promovida no Ministério da Saúde. A falta de coordenação nacional, a despreocupação com a gravidade da pandemia, a insensibilidade, a ignorância em relação ao SUS, o desapreço pela vida, seria cansativo ficar enumerando os dados do desastre.

Pazuello saiu, mas o problema não. Ele tem nome e endereço. Não dá indícios de que mudará, por mais que possa haver assessores e aliados querendo isso. Até a opinião pública, que já não lhe é mais favorável, torce por uma mudança de rota. Os democratas, a população, a esquerda, não há quem deseje a piora da situação. Mas o presidente não está à altura das expectativas nacionais, na verdade demonstra não ter qualquer interesse em propor medidas para solucionar a crise, fechado que vive em um círculo de obsessões, ativistas ensandecidos, milicianos, filhos venenosos. Nem o Centrão consegue afastá-lo desse espaço tóxico, impregnado de violência.

Marcelo Queiroga, o novo ministro, não é um personagem conhecido fora da área cardiológica. Chega ao governo porque é amigo da família e sempre foi apoiador do chefe. Dizem que tem capacidade de articulação e bons contatos. Não é íntimo do SUS, nada sabe de Saúde Pública, mas falam que é bom gestor. Há uma compreensível excitação em saber o que ele pensa e o que acredita que fará, além de executar a “política do governo”, que de resto todos sabem não existir. Os jornais publicaram que ele já se manifestou a favor do isolamento social e contra “tratamentos precoces”. Pode ser. Mas isso não quer dizer absolutamente nada quando se fala de política no Brasil atual.

Terá Queiroga condições de imprimir outra direção, traçar uma política sanitária, recuperar a coordenação nacional, acelerar a compra de vacinas, organizar uma arena de reflexão e ação consistente para frear o vírus? Terá coragem de enfrentar os desatinos presidenciais, confrontá-los com firmeza, abrindo-se para os núcleos de inteligência médica, científica, e para suas recomendações?

Pelos dados que se têm, não dá para acreditar nisso.

Na verdade, não estamos perante uma oportunidade perdida. Não despontou nenhuma oportunidade. A defenestração de Pazuello não foi uma resposta aos mais sensatos, que pediam sua cabeça, mas sim uma tentativa de esfriar a temperatura e reduzir a tensão. Se não funcionar, como tudo indica, o óleo poderá queimar em outra frigideira.


Benito Salomão: A armadilha do baixo crescimento - Uma Avaliação entre 1998 e 2020

A economia brasileira conheceu o seu Produto Interno Bruto (PIB) referente ao quarto trimestre e o acumulado do ano de 2020. O resultado mostra uma visível recuperação no 4° tri que seria animadora se não fosse o turbilhão de problemas que o Brasil se encontra enfrentando nos primeiros meses de 2021 e que parecem deixar claro que a recuperação ficará para o 2° semestre ou para 2022. Mas não é o curto prazo que pretendo dissertar hoje, é preciso ler o resultado das contas nacionais de 2020 à luz de uma perspectiva mais longa e tentar extrair algumas lições e soluções para o futuro.

Em 2020 a queda acumulada da atividade foi de 4,1%, se não a maior, talvez uma das maiores da série histórica que tem início em 1901. Recortando o período histórico recente da economia brasileira entre 1998 e 2020, período que compreende os governos FHC II, Lula I e II, Dilma I e II, Temer e Bolsonaro, a variação trimestral do PIB[1] neste período teve média igual a 1,97%. Quando se repete o mesmo exercício, no entanto, para a década 2011 – 2020, a média do PIB cai para 0,29% ao trimestre (e ao ano). Tem-se, portanto, uma primeira evidência de que a economia brasileira se encontra em uma armadilha do baixo crescimento. Se a população cresceu em termos anuais a uma taxa média de 0,83% nesta década, o leitor já deve ter se convencido que o PIB per capita brasileiro diminuiu nesta década.

Em termos de crescimento econômico o Brasil está em seu pior momento dos últimos 120 anos. No período mais recente, o país foi acometido por três graves crises econômicas conforme é possível ver no Gráfico 1. A primeira crise importada do colapso financeiro americano após o subprime teve início no 3° tri de 2008, vale no 1° tri de 2009 de forma que no 1° tri de 2010 a economia brasileira já havia superado o período crítico e apresentava um crescimento de 9,2% naquele trimestre. Isto é o que os economistas chamam de recuperação é V.

A segunda crise não teve influência externa, erodiu no país no 1° trimestre de 2014, apresentou um longo período consecutivo de quedas até seu vale no 4° tri de 2015 de forma que a economia nunca mais voltou a apresentar taxas de crescimento semelhantes ao pré-crise, tendo o seu melhor momento a partir do 4° trimestre de 2017 quando o produto crescia a uma modesta taxa de 2,1% ao ano frente aos 3,4% verificados no trimestre imediatamente anterior desta crise. Finalmente, o terceiro ciclo recessivo da economia brasileira neste período é o do Coronavírus que teve início, segundo o Gráfico 1 no 4° trimestre de 2019, atingindo o seu vale no 2° tri de 2020 e, rodando a uma taxa de -1,9% no 4° tri de 2020, último período da amostra para o qual ainda se tem dados.

Em outras palavras, a análise dos ciclos econômicos mostra que a economia brasileira ainda não havia se recuperado da última crise, que havia sido demasiadamente longa e profunda, quando foi acometido pela nova crise. Isto traz impactos profundos sobre inúmeras variáveis como emprego, bem-estar social, desenvolvimento humano, desigualdades sociais, entre outros fatores. Para agravar a situação, as políticas tradicionais de controle de demanda de curto prazo estão praticamente esterilizadas. A política monetária pelo vetor da taxa de juros que atingiu o seu mínimo histórico no período recente, já a política fiscal segue sofrendo do crescimento compulsório do gasto e da dívida pública que inviabiliza qualquer intenção de construir uma nova política de investimentos.

Mas o elemento mais grave, está contemplado na linha vermelha do Gráfico 1, em que apliquei um Filtro de Hodrick Prescott para separar nos dados do PIB, o que é a sua variação trimestral e o que é a sua tendência de longo prazo. E o que se vê é uma redução da capacidade de crescer a longo prazo da economia brasileira que apresentava uma média de 4% no final da década de 2000 despencando para próximo de 0% no final da década de 2010. Isto significa que, na ausência de choques novos e positivos, o Brasil está condenado a uma trajetória medíocre de crescimento nesta década que se inicia em 2021.

PIB Brasil (Variação % Trimestral frente a igual período do ano anterior) e Tendência de Longo Prazo

Reverter uma tendência de longo prazo requer um esforço em termos de coordenação, planejamento e liderança. É preciso salientar que isto vai muito além da mera agenda de equilíbrio das contas públicas. No Longo prazo, a economia se comporta de acordo com sua capacidade de acumular, de forma agregada, capital físico e humano. A acumulação de capital físico depende de segurança jurídica, marco regulatório adequado, manutenção das taxas de juros em níveis civilizados e de bons projetos. A acumulação de capital humano depende de um esforço, em todos os níveis de governo e também da iniciativa privada de aumentarem a escolaridade média dos brasileiros e também sua qualidade. Isto, no entanto, não produz efeitos de curto prazo, quando a tendência de baixo crescimento da economia brasileira está condenada à mediocridade. Porém, se um esforço neste sentido tiver início já, é possível terminar a década que acaba de começar em condições muito melhores.

*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia.


Ricardo Noblat: Mansão de Flávio Bolsonaro vira dor de cabeça para seu pai

Rapaz treloso

É estranho que Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) tenha comprado uma mansão em Brasília no valor de 6 milhões de reais se tem, como senador, a custo quase zero, o direito a um amplo apartamento em área nobre de Brasília e mais perto do seu local de trabalho da Praça dos Três Poderes?

Sim, seria estranho se recuarmos no tempo algo como 36 anos. Enquanto durou a ditadura militar de 64, apenas os mais destacados servidores do Estado moravam em casas luxuosas da chamada Península dos Ministros, no Lago Sul da cidade, com direito a todo tipo de mordomia. O acesso ali era controlado.

Havia quadras nas Asas Sul e Norte do Plano Piloto, como ainda há, destinadas a deputados, senadores e ministros de tribunais superiores. Mansões eram para os ricos do Distrito Federal que as construíam, ou para representantes de empresas que atuavam como lobistas, ainda poucos para os padrões atuais.

Ostentar riqueza pegaria mal para um parlamentar, era simplesmente inconcebível. A política ainda não tinha virado um grande negócio capaz de encher os bolsos dos mais ousados. A corrupção existia, embora não fosse admitida nos vastos salões, corredores e gabinetes do Congresso.

Um deputado ou senador comemorava quando conseguia emplacar um afilhado político em algum cargo de escalões inferiores do governo. No máximo, o afilhado retribuía mais adiante indicando fornecedores de serviços públicos que poderiam ajudar seu padrinho a pagar despesas das próximas eleições.

Àquela época, uma Lava Jato não teria feito o menor sucesso. O último presidente da ditadura, o general João Figueiredo, deixou o poder com alguns cavalos de raça a mais, presentes que recebeu de bom grado. E teve depois seu Sítio do Dragão, na região serrana do Rio, reformado de graça por empreiteiras.

O presidente Jair Bolsonaro conhece muito bem essas histórias, mas não as admite. Disse que criou os filhos para que comessem filé mignon, não carnes inferiores. Uma vez assim criados, com o pai a empregar na Câmara funcionários fantasmas, natural que eles queiram desfrutar das coisas boas da vida.

Nesse ramo, dos três primeiros filhos de Bolsonaro, Flávio é o que mais sabe aproveitar. Acusado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, demonstrou estar convencido de que ficará impune a ponto de comprar um dos melhores e mais caros imóveis do exclusivo Setor de Mansões de Brasília.

Além do conforto, a casa oferece discrição. Fica num condomínio onde só entram os donos e seus convidados. Nada do que acontece por lá é visto de fora. Quem chega de avião a Brasília não precisa passar por nenhum ponto da cidade se quiser se reunir com Flávio. O aeroporto fica a 15 minutos de distância.

O senador consultou o presidente sobre a transação selada em dezembro passado e ele deu seu ok. Aconselhou-o, porém, a ser discreto. Flávio teve esse cuidado. A escritura de compra e venda foi assinada em um cartório de Brazlândia, cidade a 45 quilômetros de Brasília. O vendedor é um dos devotos do seu pai.

Mas aí deu ruim. Como, com a renda mensal que ele tem, pôde comprá-la? Mais uma pergunta a juntar-se a tantas outras que incomodam o presidente. Exemplo: por que Fabrício Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michelle, a primeira dama?

Em 7 vídeos, como Bolsonaro sabotou a vacinação contra o vírus

O apocalipse sanitário está logo ali

Os vídeos abaixo, aqui oferecidos em ordem cronológica, são uma pequena amostra do que disse o presidente Jair Bolsonaro de outubro último para cá a respeito da vacinação em massa contra a Covid. Todos estão postados no Youtube.

Eles indicam com clareza que Bolsonaro sempre teve duas preocupações: pôr em dúvida a eficácia das vacinas e livrar-se de qualquer culpa pelo número de mortos que nas últimas 24 horas bateu um novo recorde, o terceiro em uma semana: 1.840.

1 Bolsonaro diz que vacina contra covid-19 “não será obrigatória, e ponto final” (19/10/2020)

Não seria mais fácil investir na cura do que na vacina?”, perguntou Bolsonaro (28/10/2020)

Bolsonaro diz que não vai tomar a vacina (18/12/2020)

4 Bolsonaro questiona ‘pressa’ para acessar vacina (20/12/2020)

5 Bolsonaro diz que fabricantes de vacinas contra covid-19 deveriam procurar o Brasil (28/12/2020)

6 Bolsonaro afirma que apenas 50% da população brasileira pretende tomar vacina contra a Covid-19 (7/1/2021)

7 Enquanto Mourão vê vacina como saída para crise, Bolsonaro volta a defender tratamento precoce(2/3/2021)


William Waack: Cada um por si

A pandemia acelerou a já existente perda de autoridade do governo

Já é lugar comum afirmar que o maior efeito da pandemia ao redor do mundo foi o de acelerar ou agravar problemas já existentes. No caso do Brasil, ela escancarou a falta de governo, além da desigualdade, miséria e ignorância, mazelas bem antigas. No Brasil, a pandemia não “inventou” a má gestão pública nem o desperdício de recursos. Ela ensinou que não há governo efetivo sem capacidade de liderança política – outro problema do qual padecemos há tempos. 

A extraordinária incapacidade de Jair Bolsonaro para liderar e coordenar criou com a pandemia um fenômeno novo na política brasileira. É o cada um por si dos entes da Federação, e a instituição da dupla de primeiros ministros nas figuras dos presidentes das casas legislativas. Em linguagem militar, talvez ainda familiar a alguns ocupantes do Planalto, o Estado Maior da crise não está como deveria estar na Casa Civil e no Ministério da Saúde (instâncias do Executivo sob o comando nominal de generais) mas, na prática, foi para o Congresso

É nas casas legislativas que se decide agora o essencial para se tentar minorar os devastadores efeitos da maior tragédia da nossa história recente. É para lá que correm prefeitos e governadores na linha de frente do combate ao vírus. É lá que se negocia a aprovação de um mínimo de ajuda que impeça pessoas de morrer de fome. É lá que existe pressa e urgência para flexibilizar e acelerar a aquisição de imunizantes por quem quer que seja, incluindo empresas privadas. O arcabouço jurídico foi criado pelo STF, que transformou um de seus integrantes em virtual ministro da Saúde. 

Um resultado evidente dessa situação cujo alcance Bolsonaro não parece ter percebido ainda é a profunda desmoralização política associada a um governo visto como incompetente. Presidentes anteriores já foram desmoralizados por eventos abrangentes em parte piorados por eles mesmos, como ocorreu com Sarney/Collor (hiperinflação) e Dilma (recessão). No caso de Bolsonaro, além do estelionato econômico eleitoral do qual Paulo Guedes está se tornando cúmplice, é a pandemia que acelera perigosa desmoralização. 

A confluência de crise econômica, tragédia de saúde pública e incapacidade de liderança política (com seus graves riscos de populismo fiscal) compõe a “tempestade perfeita” mencionada por agências de classificação de risco ao publicarem no começo da semana cenários a curto prazo para o Brasil. O agravamento da crise de saúde pública faria as demandas sociais crescerem em ritmo mais rápido do que o “tempo político” necessário para a aprovação de medidas de contrapartida à continuidade da ajuda emergencial, trazendo ainda mais insegurança aos agentes na economia. 

Bolsonaro está no modo de sempre, dedicado a buscar culpados e livrar-se de responsabilidades. A aparente tranquilidade com que enfrenta um quadro que se agrava nitidamente vem de dois fatores proporcionados por sua estreita visão da realidade. O primeiro é a percepção de garantia política dada pela dupla de primeiros ministros – que, na verdade, mal controlam as próprias casas, como ficou demonstrado no episódio da PEC da imunidade ou impunidade dos parlamentares. 

O segundo é o aparente conforto trazido pelo aparelhamento das instâncias superiores do Judiciário – nomeações “casadas” para o STJ e STF, em estreito entendimento com os movimentos políticos evangélicos. Percalços jurídicos policiais de curto prazo em relação à família do presidente estão afastados, ao mesmo tempo em que não existe nada remotamente parecido à presença de uma Lava Jato para criar dificuldades políticas agudas para o atual governo (como aconteceu com Dilma). 

Desmoralização é um fenômeno político forte e de difícil reversão, que costuma nascer e se propagar primeiro nos vários componentes de elites (administração pública, setores empresariais e financeiros, profissionais liberais, elites culturais em sentido amplo). A perda de autoridade de Bolsonaro já se fazia sentir antes da pandemia, fato demonstrado pela maneira como o Legislativo e o STF encurtaram seu poder. A pandemia, como se diz, acelerou o que já existia. 


Merval Pereira: O futuro não chega

A aposta parecia factível em 2003. Se o Brasil crescesse em média 3,6% ao ano, chegaria em 2050 a ser a quinta economia do mundo, ultrapassando a Itália em 2025, a França em 2031, Inglaterra e Alemanha em 2036. Ela constava de estudo da Goldman Sachs que lançou ao mundo a sigla Brics, países que eram vistos como o futuro da economia mundial: Brasil, Índia, Rússia e China.

Mas a projeção não levou em conta peculiaridades brasileiras, como o maior escândalo de corrupção já desvendado no país, quiçá no mundo, uma crise econômica provocada por uma presidente que acabou impedida pelo Congresso de continuar governando, a chegada ao governo de um capitão tresloucado, uma pandemia que mata mais de 1.800 pessoas por dia. Resultado: a economia brasileira teve um crescimento na última década de pífio 0,3% ao ano, com o resultado de 4,1% negativos anunciado ontem pelo IBGE.

Após crescer 4,7%, em média, durante o período de 2004 a 2007 e de se expandir em 5,2% em 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, em 2009, caiu 0,3%. De 1990 a 2003, o crescimento médio foi de 1,8%; de 80 a 2003, 2%. Essa média cresceu um pouco com o resultado dos 8 anos do governo Lula, que teve um crescimento médio de 4% ao ano, mas voltou ao nível de 2% no governo Dilma.

O país já teve também períodos de crescimento sustentado de níveis asiáticos: de 1950 a 1980, média de 7,15%; de 1960 a 1969, média de 6,12%; de 1970 a 1979, de 8,78%. O problema é que já tivemos crescimento médio de 5,3% durante 50 anos, mas ele caiu nos últimos 40 anos, crescendo menos que o PIB mundial. Entre 1981 e 1990, o PIB brasileiro cresceu a mísero 1,55% ao ano. Daí até 2000, o crescimento médio foi de 2,65% ao ano, até 2010 chegou a 3,7%, retomando a performance prevista pela Goldman Sachs.

De um país que era visto como o futuro da economia mundial, junto com Rússia, Índia e China (Brics), o Brasil perdeu quase metade de sua participação no PIB do mundo nos últimos anos. Em 1980, representava 4,3% e, nesta década, passará a menos de 2,5%. O estudo da Goldman Sachs, coordenado pelo economista Jim O’Neill, lançado em 2003, mas com a medição a partir de 2000, mostra que o Brasil manteve-se no trilho da projeção até 2014, quando a crise do segundo governo Dilma jogou o número para baixo.

O economista Robinson Moraes, coordenador de pesquisa econômica do jornal “Valor”, fez uma projeção para o crescimento do Brasil nas duas últimas décadas, comparando com o previsto pelo estudo americano: deveríamos ter crescido 101,7% nos últimos 20 anos e crescemos apenas 43,6%. O Brasil, que no começo da década era a sétima economia do mundo, passou a cair de posição a partir de 2014, chegou a oitava economia em 2017, a nona até 2019 e hoje encontra-se na 12ª posição entre as maiores economias, ultrapassado por Canadá, Coreia do Sul e Rússia.

O ministro Paulo Guedes, numa espécie de recado metafórico, disse que, se o país tomar o rumo errado, dentro em pouco seremos uma Argentina, ou talvez até Venezuela. Isso na semana em que se debatia a intervenção do presidente Bolsonaro na Petrobras, para controlar o reajuste de preços da gasolina (“o cidadão tem que encher o tanque do carro”, disse o futuro presidente da Petrobras, general Joaquim Luna e Silva) e do diesel, por causa dos caminhoneiros.

A desmoralização que vem sofrendo com as seguidas intervenções do presidente na área econômica — também o Banco do Brasil vai trocar seu presidente, que pediu para sair depois que Bolsonaro estranhou o fechamento de agências — parece ter colocado Guedes em posição de aguardo. Está tentando a última cartada, apostando no compromisso do presidente da Câmara, Arthur Lira, de levar adiante as reformas.

Mas, se ficar aguardando essa boa vontade dos parlamentares e o engajamento de Bolsonaro, pode ficar sem tempo de reagir. A partir do segundo semestre, não haverá mais espaço para discussão de reformas, ainda mais as impopulares, como a administrativa, e as difíceis, como a tributária. Guedes também alertou que, se quisermos ser igual à França ou à Alemanha, teremos que fazer um esforço para o outro lado, durante bons 20 a 30 anos. Em 2050, onde estaremos?


El País: Pandemia varre as pequenas cidades do interior levando dor e a busca desesperada por um leito de UTI

Com apenas 28.000 habitantes, Coromandel , no Triângulo Mineiro, registrou em fevereiro duas vezes mais mortes por covid-19 do que no ano passado todo, sobrecarregando leitos de internação de cidades vizinhas maiores. Cenário se repete pelo país, que já tem 17 capitais com UTIs superlotadas

Nilson Braz e Beatriz Jucá, El País

A enfermeira aposentada Luiza Telma da Silva, de 69 anos, sentiu a respiração pesar pela covid-19 justo quando sua cidade encontrava a fase mais dura da pandemia. Coromandel ―um município com pouco menos de 28.000 habitantes localizado no Triângulo Mineiro― registrou somente neste mês de fevereiro duas vezes mais mortes causadas pelo coronavírus do que no resto da pandemia toda: dez pessoas faleceram entre maio de 2020 e janeiro deste ano, enquanto o número de mortes somente nas três primeiras semanas de fevereiro de 2021 chegou a 23. Sem leitos de UTI, a cidade depende historicamente de transferência para outras cidades de referência, em um fluxo que ganhou maior complexidade durante a crise sanitária, quando as cidades maiores também começaram a colapsar. Em 10 de fevereiro, Telma amanheceu com dificuldade pra respirar. Sentia-se fraca, e seus familiares decidiram levá-la ao pronto-socorro. Ela foi então internada e passou a receber suporte ventilatório com oxigênio enquanto esperava por um leito de terapia intensiva. Não deu tempo. Acabou morrendo no mesmo dia, no hospital onde trabalhou durante 10 anos.

Até o fim de janeiro, a cidade do Triângulo Mineiro, contava 473 casos de covid-19. Três semanas depois, o número já era quase três vezes maior, com 1.274 casos. O crescimento acelerado levou o sistema de saúde local ao colapso, já que nem mesmo os leitos de enfermaria da cidade estavam sendo suficientes. Em média, cerca de seis pacientes são transferidos todos os dias a cidades maiores ―como Belo Horizonte, Uberaba, Uberlândia, Divinópolis e Montes Claros― para receber assistência. São desde casos mais graves até aqueles que precisam apenas de atenção especializada ou exames. O problema é que parte dessas cidades, como Uberlândia, por exemplo, também já chegou a um esgotamento em suas redes de saúde. Praticamente já não há mais leitos. Lá, 81 pessoas estão à espera de uma vaga de UTI em hospitais públicos e privados. O Governo de Minas Gerais precisou organizar uma força-tarefa para transferir os pacientes a cidades ainda mais distantes, como a capital Belo Horizonte, que fica a mais de 500 quilômetros de Coromandel.

agravamento da pandemia tem pressionado sistemas de saúde em várias regiões do país. Segundo dados da Fiocruz, publicados pela Folha de S.Paulo, 17 capitais já estão com ao menos 80% de seus leitos de UTI ocupados. Mas, diferentemente do que aconteceu no ápice da crise no ano passado ―que atingiu principalmente as capitais―, agora a interiorização da covid-19 tem levado também cidades médias e pequenas ao colapso. O problema já se repete em várias partes do país. No Rio Grande do Sul, a turística Gramado foi a primeira a identificar a presença da nova variante brasileira do coronavírus e está à beira do colapso. Com leitos hospitalares superlotados, as autoridades municipais colocaram até carro de som nas ruas para alertar sobre a necessidade de manter o distanciamento social. São várias as capitais brasileiras, em todas as regiões, que têm visto a demanda por hospitalizações crescer devido à covid-19. Fortaleza, Salvador e João Pessoa, por exemplo, aumentaram as restrições e determinaram toque de recolher.

Em São Paulo, a pandemia também tem se agravado. A capital bateu o recorde de internações em UTI desde o começo da crise sanitária e afirmou, na última quarta-feira, que se as taxas de internação continuarem a crescer na atual proporção, já não haverá leitos disponíveis no Estado no final do mês que vem. Na última segunda-feira (22), haviam 6.410 pacientes em leitos de terapia intensiva enquanto o recorde na primeira onda foi de 6.257 internados, em julho. Em cidades do interior, como Araraquara, Jaú e Valinhos, a situação também é crítica ―Jaú já tem casos confirmados da nova variante do coronavírus, potencialmente mais transmissível. A estratégia nestes locais tem sido utilizar UPAs (unidades de pronto-atendimento para casos mais leves) para estabilização de pacientes, solicitação de transferências ao Estado e a abertura de novos leitos. Mas com a demanda alta, as novas vagas também são ocupadas rapidamente.

Medidas mais restritivas para frear internações

Na porta do pronto socorro de Coromandel, o pequeno município do Triângulo Mineiro, tem se intensificado a movimentação de pessoas que chegam a esperar horas para tentar informações de seus familiares ou um fazer um aceno a eles antes da remoção para outras cidades. Sob um sol forte, no último fim de semana Daniela Machado Moreira aguardava a transferência da mãe, Maria Aparecida Machado da Silva, de 64 anos, que estava internada há mais de uma semana e seria levada para Uberaba. Daniela contou ao EL PAÍS que todo o atendimento na cidade está comprometido e que só conseguiu ter ideia da gravidade do caso da mãe depois de providenciar, pela rede particular, uma radiografia que apontou um comprometimento de 50% dos pulmões.

“Eles [os médicos] falaram que vão transferir só por segurança, porque lá tem mais condições de fazer mais exames. Mas a gente fica com o coração na mão, porque a gente sabe que essa doença é assim, na mesma hora que está bom, não está. É imprevisível”, afirma Daniela. Ela diz que a família tentava seguir com rigor os cuidados preventivos contra o coronavírus, especialmente porque Maria Aparecida é idosa, e Daniela está tratando um câncer. “Eu não moro com ela. Quando ela começou a ter sintomas, foi no dia da minha terceira [sessão de] quimioterapia. Depois que testou positivo ela ficou dentro de casa. A gente só chegava na varanda, levava comida, só de longe ou por chamada de vídeo”, conta. “Abraço e beijo desde que começou a pandemia a gente não está fazendo. Pensando em preservar ela, porque tem mais de 60 anos”.

Em Coromandel quase todo mundo se conhece, ainda que seja de vista. Por isso a dor da perda e a aflição pelas internações são sentidas por todos. Daniela amparava e era amparada pelos três filhos e pela neta de outros dois pacientes internados: o casal Maria das Dores Vieira Gonçalves, de 70 anos, e Célio Gonçalves, de 71. Só a esposa seria transferida naquele dia, para Belo Horizonte, porque estava dependendo muito do oxigênio e poderia ter o estado agravado. Maria das Dores ainda tomou o cuidado de pedir que não comunicassem o marido para não preocupá-lo. “Nesses casos que envolve saturação de oxigênio não se pode sentir muitas emoções. A gente nem queria que eles se encontrassem aqui no pronto-socorro. Eles têm uma ligação muito forte, são casados há mais de 50 anos”, contou o Célio Rodrigo Gonçalves, um dos filhos do casal, ainda emocionado pelo breve encontro com a mãe antes da transferência.

Maria das Dores e Maria Aparecida são duas das dez pessoas transferidas da cidade em 21 de fevereiro. Nove de Coromandel e uma de Monte Carmelo, cidade que fica a pouco mais de 50 quilômetros de distância, e que precisou da ajuda da cidade vizinha para transferir um paciente por não ter um aeroporto. Na semana passada, o prefeito de Monte Carmelo, Paulo Rocha, chegou a fazer um apelo nas redes sociais pedindo a doação de cilindros de oxigênio vazios, já que os equipamentos disponíveis já não dão conta. A cidade, de 48.000 habitantes, está com uma demanda pelo insumo 10 vezes maior por conta da pandemia, segundo o gestor. E também tem transferido pacientes a cidades como a vizinha Uberaba e a já distante Belo Horizonte pela falta de leitos. O cenário é dramático: o único hospital da cidade para o tratamento da covid-19 mantém a ocupação total dos 16 leitos de UTI que dispõe há cerca de um mês.

Coromandel limitou as atividades comerciais no dia 16 de fevereiro por conta do agravamento da pandemia. “Eu nunca vi isso aqui em Coromandel”, diz Sebastiana Joana da Costa, de 91 anos, pelas grades do portão da garagem de casa. Se a pandemia já vinha mudando a rotina da cidade há um ano, nas últimas semanas estas alterações ganharam novos contornos. Barreiras sanitárias foram posicionadas pela administração municipal nos quatro acessos à cidade. Ali, servidores da saúde e policiais militares param os veículos para aferir a temperatura dos motoristas e passageiros. Pessoas que apresentam febre são orientadas a procurar o pronto-socorro e as orientações como o uso da máscara e o distanciamento social são reforçadas. A situação da cidade motivou a visita do secretário estadual de saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, que anunciou reforços de um médico intensivista, um infectologista, um enfermeiro, um técnico em enfermagem e um fisioterapeuta para auxiliar os profissionais locais.

Perto dali, uma cidade maior, Uberlândia, também sente forte pressão sobre seu sistema de saúde. No município de quase 700.000 habitantes, 81 pessoas aguardam na fila de espera por um leito de UTI. O assessor técnico da rede de urgência e emergência de Uberlândia, Clauber Lourenço, diz que, no ano passado, houve um pico de infecções mais concentrado em Uberlândia. Agora, a pandemia tem se agravado em toda a região. “Uberlândia está no centro de entroncamento que tem os dois maiores atacadistas do Brasil. Temos uma circulação de pessoas de todo o país, desde caminhoneiros, passageiros de avião, por causa do posicionamento geográfico. Isso prolifera não só o vírus, como até mesmo o risco de termos outras cepas”, diz. Ele também ressalta que o fluxo migratório para a cidade tem um papel forte na pressão sobre o sistema de saúde. “Pessoas procuram os nossos pronto atendimentos. A gente não pode negar o atendimento por não serem de Uberlândia. O atendimento de urgência e emergência tem que ser dado, isso sobrecarregou o nosso sistema”, diz.

Uberlândia ultrapassou 1.000 mortes por covid-19 na última terça-feira (23) e a prefeitura decretou luto oficial de três dias. A cidade tem uma média de 450 novos casos diariamente. O recorde de mortes em um único dia foi de 19 pessoas na última segunda-feira, 22 de fevereiro. Com esses números, a prefeitura optou por decretar toque de recolher das 20h às 5h, a proibição da venda de bebidas alcoólicas em tempo integral por pelo menos 15 dias e a construção de um hospital de campanha nos espaços vazios do Hospital Municipal de Uberlândia. Nada disso alcançou Aveline Roberta Sousa Macedo Veloso, de 34 anos. Ela havia testado positivo para a covid-19 em 6 de fevereiro e, segundo o tio Elias Peres de Macedo, estava sendo acompanhada em casa por falta de leito para internação —Lourenço, assessor técnico da rede de saúde da cidade, justifica que a decisão sobre a internação de pacientes com síndrome respiratória aguda grave é clínica e cabe ao médico. No dia 18, ainda em casa, ela foi encontrada morta. “Não tem essa de ser só com gente com comorbidade, de idade. Chega para todo mundo. E não se consegue internação, ficam protelando, indicam medicamentos sem comprovação nenhuma. Acaba nisso, infelizmente”.


RPD || Dora Kaufman: A complexidade da decisão da Ford de deixar o Brasil

A pandemia da Covid-19 acentuou a mudança comportamental com impactos no futuro da mobilidade e preocupação com a sustentabilidade. Contexto influiu na crise da Ford e decisão de fechar suas fábricas no Brasil

A 51ª Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial, pela primeira vez realizada virtualmente por conta da pandemia da Covid-19 (janeiro, 2021), teve como tema central “The Great Reset”, compromisso de reconstrução das bases do sistema socioeconômico visando um futuro “mais justo, sustentável e resiliente”.

O Relatório de Riscos Globais de 2021 do Fórum, um dos mais importantes desde sua concepção em 2006, identificou como um dos principais riscos à degradação ambiental (condições climáticas adversas e perda de biodiversidade); a meta é descarbonizar a economia até 2030.[1]

Não por coincidência, o retorno dos EUA ao “Acordo de Paris” foi um dos primeiros atos assinados pelo Presidente Joe Biden. A agenda da sustentabilidade impacta todas as indústrias, particularmente a indústria automotiva. Guiadas pela “economia verde”, as montadoras estão investindo pesado na ampliação de suas linhas de veículos elétricos (EVs - Electric Vehicles).

É interessante observar que a liderança desse segmento pertence à Tesla, empresa de tecnologia e não uma das tradicionais montadoras, detendo 50% do valor de mercado, seguida pela Toyota e Volkswagen. A Ford, atualmente está classificada na posição 15, com planos de eletrificação começando por modelos “populares", como o Mustang Mach-E SUV.[2]

Além dos carros elétricos, com a migração da queima de combustível fóssil para corrente elétrica, eliminando os impactos climáticos negativos. Outros três fatores são responsáveis pela transformação da indústria automotiva: o conceito de acesso substituindo a propriedade, o veículo autônomo e a mudança comportamental. Em 2000, o economista americano Jeremy Rifkin publicou o livro A Era do Acesso e defendeu que a noção de propriedade tende a ser substituída pelo acesso, e a relação entre vendedores e compradores para a de fornecedores e usuários.

Nesse ambiente econômico, as empresas, no limite, entregarão gratuitamente seus produtos apostando no relacionamento com seus clientes, baseado na prestação de serviços. A garantia de acesso ao bem, quando e como preferir, torna-se mais importante do que a propriedade desse bem. Experiências como Uber sinalizam nessa direção estimulando, inclusive, serviços de aluguel de veículos por parte de montadoras.

A comercialização de carros autônomos enfrenta desafios ainda não equacionados - conexão com a infraestrutura das cidades e arcabouço regulatório incluindo a responsabilidade por eventuais danos -, mas as expectativas são promissoras. O relatório [3], conduzido pela KPMG com 751 executivos norte-americanos, inclusive da área de transportes, apontou que 82% dos entrevistados acreditam que os veículos autônomos serão uma realidade nos próximos 10 anos, com 35% prevendo que o fato ocorrerá nos próximos cinco anos.

A pandemia da Covid-19 acentuou a mudança comportamental com impactos no futuro da mobilidade, como aponta estudo da consultoria McKinsey[4], ampliando os canais digitais e as preocupações com a sustentabilidade, favorecendo a mobilidade compartilhada, e a micromobilidade com veículos leves tais como as bicicletas (expectativa de aumento de 5% no uso), as scooters e os ciclomotores. Esse é o contexto para compreender a crise da Ford com a subsequente decisão de fechar suas fábricas no Brasil, ela que foi a primeira montadora a se instalar no país no longínquo ano de 1919. A Ford não conseguiu se posicionar bem neste novo cenário, está atrasada com as soluções inovadoras (carro elétrico, carro autônomo) e, pior, não teve sucesso em concretizar coligações ou fusões com outras montadoras seguindo o movimento global, como bem ilustra a recém constituída Stellantis, fusão entre Fiat Chrysler e Peugeot Citroën.

Adicionalmente, as condições desfavoráveis do Brasil configuram externalidades negativas. O coordenador do Observatório de Inovação da USP, Glauco Arbix, alerta para redução mais acelerada da participação da indústria brasileira no PIB, comparativamente ao resto do mundo, caracterizada por “desindustrialização prematura”, gerando uma economia disfuncional, elevando ainda mais o “custo Brasil”. Esse movimento, segundo Arbix, atinge fortemente o setor automotivo, dentre outros fatores pelo declínio da indústria com base no petróleo.

No caso da Ford, o atrativo do tamanho do mercado consumidor brasileiro não compensou as condições de produção mais favoráveis da Argentina. Em dezembro último, a montadora alemã Mercedes-Benz anunciou o fechamento de sua fábrica em Iracemápolis, no interior paulista, onde produzia os modelos Classe C sedã e o utilitário esportivo GLA. Resta-nos torcer para não virar tendência entre as montadoras.

*Dora Kaufman é doutora em Mídias Digitais pela USP, pós-doutora pela COPPE-UFRJ e pesquisadora dos impactos sociais de Inteligência Artificial em seu pós-doutorado no Centro de Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TID D|PUC-SP), sob supervisão de Lucia Santaella, e participa do grupo de IA do Instituto de Estudos Avançados e do Centro de Pesquisa Atopos, ambos da USP.


[1] (http://reports.weforum.org/global-risks-report-2021/). 

[2] (https://www.visualcapitalist.com/worlds-top-car-manufacturer-by-market-cap/)

[3] "Vivendo em um mundo de IA" (Living in an AI world,https://advisory.kpmg.us/content/dam/advisory/en/pdfs/2020/transportation-living-in-an-ai-world.pdf.)   

[4] (https://www.mckinsey.com/industries/automotive-and-assembly/our-insights/from-no-mobility-to-future-mobility-where-covid-19-has-accelerated-change)


Míriam Leitão: Crise de produção e preços em alta

Os preços estão subindo fortemente dentro da indústria e há uma crise de suprimento. Altas da ordem de 60% no aço e de 63% nas resinas para plásticos. Embalagens continuam em falta. E os chips. Resultado de uma forte desorganização produtiva. O IPA industrial subiu 30% em 12 meses, e só em janeiro chegou a 4,48%. Para os consumidores também as contas estão chegando, os planos de saúde, combustíveis e material de limpeza sobem. Os preços dos alimentos vão cair porque a safra foi boa, mas menos do que se esperava. O IPCA mensal vai ficar em níveis baixos, mas o índice anual vai subir.

Dentro da indústria, o que está acontecendo é definido pelo economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, como “pancada de custos e falha no suprimento”.

— Quando a economia parou, aqui e no mundo, todas as grandes aciarias desligaram fornos. Foram cinco desligados. Para religar, leva 60 a 90 dias, porque se perde os refratários internos. Isso gerou um atraso que não se tirou até hoje. Quando a demanda voltou em junho não tinha como entregar. Na metalurgia, muitas plantas anteciparam a manutenção preventiva. Nas embalagens, falta caixa de papelão, assim como latas de cervejas, porque no Brasil 70% do papelão é produzido por matéria-prima dos recicladores, as carrocinhas das grandes cidades — diz José Roberto Mendonça de Barros.

Os produtores de vidro durante a crise tiveram um alto custo. Para não parar os fornos eles produziam, quebravam os vidros e retomavam a produção. Agora tem demanda, mas a barrilha é importada, o dólar subiu, e o gás teve alta de preços, explicou uma fonte do setor.

— Falta frasco de vidro, garrafas, vidro para conservas. Garrafas para cerveja, se houver aumento de demanda, não têm para entregar —diz Mendonça de Barros.

Quanto disso vai ser repassado para o consumidor? A demanda vai cair neste primeiro semestre e deve segurar parte desse repasse. O IPCA de janeiro vai ser divulgado hoje e não será alto. Deve ficar entre 0,30% e 0,35%, mas ao longo do primeiro semestre o índice baterá em 6,5% em 12 meses, explica o professor Luiz Roberto Cunha. É que no ano passado os índices foram baixos ou negativos.

— A alimentação está desacelerando gradualmente, mas tem pressão de diesel, o vestuário está em alta. Em fevereiro, deve pesar a educação e tem uma certa confusão na energia elétrica que agora está sem a bandeira vermelha, mas que durante o ano vai subir — diz Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio.

Em 2020, o consumo de energia caiu. Por mais estranho que pareça, consumidor vai pagar mais por isso. A distribuidora teve prejuízo com a queda da demanda, e agora a conta vai para o consumidor. As empresas explicam que, para dar garantia de fornecimento, elas compram antecipadamente a energia. Se a demanda cai, ela continua pagando por essa energia. Em resumo: o consumidor sempre paga a conta.

A economia está vivendo um período bem confuso. Recessão com choque de custos, falta de produto e dificuldade de importar.

— Quando a demanda voltou, o dólar estava em R$ 5,50 e faltava navio. No mundo inteiro, houve aumento de pedidos e faltou navio. O preço do frete subiu. O preço de transportar por contêiner multiplicou-se por quatro — diz Mendonça de Barros.

Para o consumidor, o começo do ano sempre tem vários gastos extras, mas desta vez a pressão vem em momento de queda de renda e de elevação da incerteza. Além da energia, que pode ter reajustes de dois dígitos durante o ano, os planos de saúde estão cobrando a conta e a compensação por terem reajustado menos no ano passado.

Tanto para o consumidor quanto para o produtor industrial a situação está complicada. A desorganização produtiva fez com que em muitos casos o produto esteja pronto, esperando apenas uma peça. É por isso que há 250 mil carros vendidos e não entregues e 150 mil motos. E há coisas surpreendentes.

— Falta chip no mundo inteiro. Aqui e em outros países. Todo mundo trabalhando em casa houve uma demanda extra por equipamentos de informática. E como os chips para informática são mais sofisticados do que os que vão nos carros, os fabricantes mudaram a produção e agora falta produto — diz José Roberto.

Mendonça de Barros diz que “está sempre acontecendo coisa nova ruim no Brasil”. Desta vez, contudo, há um grau exagerado de confusão.


Folha de S. Paulo: Baleia acusa Lira de mentir e vê rival de salto alto em disputa na Câmara

Candidato de Rodrigo Maia afirma também que adversário está cantando vitória antes do tempo

Danielle Brant, Folha de S. Paulo

Candidato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à Presidência da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) tem plantando notícias mentirosas e está de “salto alto” na disputa, afirma seu adversário na corrida eleitoral, deputado Baleia Rossi (MDB-SP).

Baleia, presidente do MDB, é o nome apoiado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para sucedê-lo. Nos últimos dias, ganharam força notícias de que o bloco de Maia estaria enfrentando defecções importantes, inclusive dentro do DEM, partido do deputado.

A eleição acontece nesta segunda-feira (1º), no plenário da Câmara.

Em entrevista após participar de uma rodada de perguntas promovidas pela frente parlamentar contra a corrupção nesta quinta-feira (28), Baleia afirmou que seu adversário está desesperado.

“Quem está ganhando a eleição não precisa mentir. E os nossos adversários estão mentindo muito, e isso é sinal de desespero”, afirmou. O presidente do MDB disse que está conversando com deputados e descartou qualquer possibilidade de o DEM migrar para o bloco de Lira —aliados do líder do centrão calculam ter dois terços de apoio no partido de Maia, que nega.

“Vejo um desespero muito grande por parte do nosso adversário. Vejo plantações de notícias mentirosas, vejo eles de salto alto, cantando vitória”, afirmou. “E vejo também uma interferência brutal do Palácio do Planalto na tentativa de diminuir o debate da Câmara, de fragilizar o trabalho dos parlamentares.”

Na quarta-feira (27), o próprio Bolsonaro admitiu interferência nas eleições à Presidência da Câmara.

Para tentar eleger Lira, o Planalto tem, desde o final do ano passado, acenado com cargos e emendas e ameaçado retirar de funções na máquina federal indicados políticos de deputados federais de siglas como MDB e DEM.

Em reação, Maia afirmou que essa intervenção vai deixar sequelas para os lados envolvidos na disputa.

“É um alerta aos deputados e deputadas que a intenção do presidente é transformar o Parlamento num anexo do Palácio do Planalto, o que enfraquece o mandato de cada deputado e cada deputada e, principalmente, o protagonismo da Câmara dos Deputados nos debates com a sociedade.”

O presidente da Câmara estimou que o Executivo tenha prometido cerca de R$ 20 bilhões em emendas extraorçamentárias para tentar assegurar apoio a Arthur Lira (PP-AL).

Nesta quinta, Baleia afirmou ainda que pretende votar a reforma tributária, relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ainda no primeiro trimestre. Segundo ele, caso as mudanças já tivessem sido aprovadas, a montadora Ford não teria deixado o país.

“Nós temos a saída da Ford como algo muito forte nesses últimos tempos. Se nós tivéssemos a simplificação tributária pela PEC [Proposta de Emenda à Constituição] 45, da união dos cincos impostos federais, estadual e municipal, já implementada, com certeza a Ford não sairia. Nós não estaríamos vivendo esse processo de desindustrialização que nós estamos vivendo hoje.”

O presidente do MDB disse ainda ser favorável à regulamentação do lobby. “Esse é um tema que já se arrasta na Câmara há muito tempo”, disse. “Não entendo por que ainda não houve deliberação do assunto.”