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Crise na relação entre Bolsonaro e Mourão atinge um dos piores momentos
Encontro do vice com presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, irritou presidente, que até já ouviu desabafo em tom de ameaça de renúncia
Daniel Gullino e Gabriel Mascarenhas / O Globo
BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, há tempos vivem um casamento típico de fachada, daquelas relações com quase nenhuma sintonia. A crise permanente — o general, em tom de desabafo, já chegou até a falar em renúncia — atingiu um dos piores momentos nas últimas semanas. Bolsonaro se sentiu traído ao descobrir pela imprensa que Mourão havia se encontrado às escondidas com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, um dos seus principais desafetos e contra quem ele promete apresentar um pedido de impeachment no Senado.
O encontro que irritou o presidente por pouco não ocorreu. Um interlocutor já havia tentado agendá-lo, mas, inicialmente, Barroso resistia. O cenário só mudou quando os tanques foram para a rua: ao saber que Bolsonaro havia convocado seus ministros para acompanhar um desfile de veículos militares na Esplanada dos Ministérios, no último dia 10, horas antes de a Câmara derrotar a proposta de voto impresso, uma das principais bandeiras bolsonaristas, Barroso, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), voltou atrás e pediu para o amigo em comum marcar a conversa com Mourão.
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A reunião, revelada pelo jornal “O Estado de S.Paulo”, ocorreu no dia do desfile militar, e terminou com o vice dizendo o que o ministro queria ouvir: que as Forças Armadas não embarcariam em aventuras inconstitucionais. Bolsonaro não se conformou.
Desde então, alguns ministros tentam distensionar a relação entre presidente e vice, como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Nogueira, que tem boa relação com Mourão, esteve na última segunda-feira na Vice-Presidência para uma “visita de cortesia”, nas palavras de sua assessoria de imprensa. Já Heleno vestiu o uniforme de bombeiro por ser próximo a ambos. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, também se mostrou disposto a auxiliar numa reaproximação.
Entre os argumentos apresentados a Bolsonaro, estão o de que Mourão, general da reserva, é respeitado entre os militares. O esgarçamento da relação pode incomodar estrelados personagens da caserna e, consequentemente, trazer prejuízos em 2022, com a perda de apoio entre os fardados, a base de sustentação eleitoral que garantiu a Bolsonaro sete mandatos como deputado federal.
Teste próximo
O resultado das investidas de Heleno e Nogueira poderá ser medido nas próximas 48 horas: antes do incêndio provocado pela reunião com Barroso, Mourão já havia convidado Bolsonaro a comparecer à próxima reunião do Conselho da Amazônia, colegiado presidido pelo vice, agendada para esta terça-feira. Bolsonaro ainda não respondeu se comparecerá.
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Em outro recente episódio de constrangimento público, Bolsonaro disse, durante uma entrevista, que seu par não é da família. Comparou o vice a um cunhado, que “atrapalha” mas “tem que aturar”. Não ficou sem resposta, como revelou o colunista do GLOBO Lauro Jardim. Na semana seguinte, eles se encontraram durante um evento no Palácio da Alvorada, na presença de outros ministros. Ao cumprimentar seu vice, Bolsonaro repetiu:
— Fala, cunhado.
Mourão emendou:
— Cuidado, cunhado não é parente, Mourão para presidente.
A frase lançada em tom de piada foi propalada no início da década de 1960 por apoiadores do ex-governador Leonel Brizola, cunhado do então presidente João Goulart. O objetivo era empurrar Brizola para fora da lista de nomes impedidos de concorrer à Presidência da República por razões genealógicas.
Antes desse momento de crise aguda, o casamento esteve por um fio no final do ano passado. Na conversa mais dura que a dupla já teve, sem testemunhas, Mourão falou em renúncia. O episódio ocorreu no dia 16 de dezembro, no Palácio do Planalto. De acordo com o que o vice relatou a pessoas de sua confiança, deu-se o seguinte monólogo.
— Bolsonaro, se você quiser, eu entrego a minha cadeira hoje, mas vou te avisar: no dia seguinte, o Centrão toma conta disso aqui — desabafou o militar da reserva naquela tarde. Bolsonaro, que numa hipotética renúncia do vice teria o presidente da Câmara como seu substituto imediato, ouviu e silenciou.
Pouco mais de oito meses depois, com a presença de Mourão, Ciro Nogueira, um dos principais líderes do bloco, tomou posse como ministro da Casa Civil.
Na mesma conversa do final do ano passado, além de ameaçar sair do posto em que está até hoje, o vice quis deixar claro que não representava uma ameaça.
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— Eu não quero o seu lugar e jamais fiz absolutamente nada para ocupá-lo. E, quando tiver dúvidas a meu respeito, basta me chamar que venho aqui imediatamente — disse Mourão, segundo ele contou a interlocutores.
Essa reunião ocorreu dois dias após o vice-presidente lamentar publicamente que não tinha uma “conversa particular” com o presidente havia “algum tempo”.
Mourão também já considerou a possibilidade de entregar o outro assento que ocupa, no Conselho da Amazônia, colegiado interministerial capitaneado por ele e responsável por desenvolver políticas públicas voltadas à preservação da região. O vice não se conformava com a falta de empenho do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles nas missões estabelecidas pelo Conselho. Salles quase não ia às reuniões e, por vezes, sequer enviava um representante. Mourão confidenciou a algumas pessoas sua desconfiança de que Bolsonaro encorajava Salles a boicotar o Conselho, para fragilizá-lo.
Pautas ignoradas
Por outro lado, Bolsonaro propaga internamente que, embora de direita, o vice não abraça as pautas conservadoras e trabalha contra seu governo.
Até assumir o Conselho da Amazônia, Mourão não tinha função no Executivo. Um episódio no primeiro ano de governo ilustra o clima. Bolsonaro não queria ir à posse do recém-eleito presidente da Argentina, Alberto Fernández, candidato da esquerda. Um de seus auxiliares brincou e sugeriu que ele enviasse Mourão, já que o vice não tinha compromissos. Bolsonaro levou a sério, e Mourão representou o Brasil na cerimônia.
Esse acúmulo de desgastes deve virar separação em 2022. Bolsonaro costuma dizer entre aliados que terá outro vice na disputa pela reeleição. Mourão, por sua vez, flerta com a candidatura ao Senado pelo Rio Grande do Sul.
A Vice-Presidência afirmou que não iria comentar as desavenças. A Presidência não retornou.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/crise-na-relacao-entre-bolsonaro-mourao-atinge-um-dos-piores-momentos-25165613
Autoridades dizem não ver saída para estancar crise entre Poderes
Nenhum dos lados, nem Supremo nem Jair Bolsonaro, dá sinais de que vai recuar, e paz fica distante por ora
Coluna Painel / Folha de S. Paulo
A semana terminou da pior forma possível na avaliação de líderes partidários e ministros de cortes superiores. Os que acreditavam que seria possível amortecer as tensões terminaram a sexta-feira (20) decepcionados. Mais do que isso, essas pessoas agora dizem não enxergar uma saída para a crise institucional que o país atravessa, sem precedentes na história recente, segundo essa leitura. A avaliação é que nenhum dos lados, nem Supremo nem Jair Bolsonaro, dá sinais de que vai recuar, e a paz parece longe neste momento.
Os principais nomes que atuam em busca de amenizar as tensões estavam sem palavras nos minutos seguintes a Bolsonaro entregar ao Senado o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes na noite de sexta. A principal mensagem de uma ala do Supremo é de "calma".
Entre aliados do presidente, a sensação descrita é de que, de fato, como previsto, é impossível controlá-lo.
DEMOCRACIA BRASILEIRA
Mesmo que já seja sabido que Bolsonaro age sempre dessa maneira imprevisível, e gosta da polarização, auxiliares apontam que a operação da PF autorizada por Moraes esvazia os movimento para tentar segurar seus atos impulsivos.
No mundo político a leitura é a de que já não importa muito como a briga começou, mas cada ataque servirá para justificar uma reação supostamente de defesa, de lado a lado. Líderes partidários falam em momento delicadíssimo, que pode caminhar para uma situação trágica. A avaliação é que Bolsonaro está definitivamente partindo para o tudo ou nada.
Eles dizem que o envio do pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes na noite desta sexta-feira (20) acabou com qualquer chance que ainda existia.
Dois movimentos importantes devem manter baixa a esperança daqueles que tentam colocar panos quentes na situação. O presidente da República prometeu entregar o segundo pedido de impeachment nos próximos dias, o de Luis Roberto Barroso. O segundo ponto é que há promessas de que a mobilização no dia 7 de setembro será grande, com atos que pedem a saída de ministros do STF.
Ao mesmo tempo, as investigações que foram abertas para conter os excessos de Bolsonaro e seus apoiadores seguem em andamento, podendo ter novidades a qualquer momento.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/08/tensao-chega-ao-auge-tregua-parece-longe-e-autoridades-dizem-nao-ver-saida-para-estancar-crise-entre-poderes.shtml
Rogério Furquim Werneck: Um beco com saída
Salta aos olhos que há um surto na 'demanda' por um candidato de centro viável nas eleições em 2022
Rogério Furquim Werneck / O Globo
Na esteira da frenética mobilização do governo com o projeto da reeleição, o país se viu arrastado para grave crise institucional. Ao angustiante desalento com o provável desfecho da disputa presidencial, soma-se agora crescente apreensão com as tensões políticas e sociais por enfrentar, na longa e tumultuada travessia até o final do mandato de Bolsonaro.
É natural que estejamos assombrados por cenários soturnos. Mas a verdade é que ainda é muito cedo para nos deixarmos levar pelo pessimismo. A esta altura, parece mais frutífero explorar os limites do possível e tentar vislumbrar contornos de cenários mais promissores.
O quadro torna-se mais claro quando se tenta entrever as dificuldades da reeleição. Bolsonaro tem hoje três preocupações básicas. Duas delas perfeitamente legítimas: proteger sua retaguarda no Congresso e recuperar a popularidade perdida.
Sua terceira preocupação — assegurar a possibilidade de não aceitar uma derrota eleitoral — tem-se mostrado completamente tóxica. Não só para o país como para o próprio projeto da reeleição.
Para proteger sua retaguarda no Congresso, o presidente colocou todas as suas fichas no Centrão. Já tinha contratado um seguro básico contra o impeachment, em meados de 2020. Dobrou a aposta, em fevereiro, ao apoiar a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara. E redobrou-a, agora, ao entregar a “alma do governo” a Ciro Nogueira.
Na fantasia de que poderá recuperar sua popularidade com uma farra fiscal, em 2022, Bolsonaro conta com sólido apoio do Centrão. Seus aliados só têm aplausos para a determinação do Planalto de fazer o que for preciso — whatever it takes — para viabilizar expansões eleitoreiras de gasto público no ano que vem.
Mas nem tudo são flores. Longe disso. Se há algo que não interessa em absoluto à cúpula do Centrão é dar respaldo à aposta de Bolsonaro numa escalada de confrontação que dê margem a um desfecho autoritário.
Nem tanto por convicção democrática, mas pela consciência clara de que o poder do Centrão advém das dificuldades de governabilidade do regime democrático vigente. Numa autocracia, todo esse poder desapareceria como por encanto.
Como Bolsonaro continua a dar sinais claros de que não abandonará a aposta na possibilidade de contestar o desfecho da eleição, as contradições de sua complexa relação com o Centrão deverão se exacerbar.
E tudo indica que tal aposta será tão mais pesada quanto mais convencido estiver o presidente de que não conseguirá ganhar no voto.
Mesmo que Bolsonaro deixe de ser um candidato tóxico, o Centrão ainda poderá ter boas razões para abandoná-lo, caso sua candidatura não tenha perspectiva clara de vitória. Não sendo um agrupamento monolítico, o Centrão poderá abandoná-lo aos poucos, à medida que seus membros reavaliem, à luz de seus desafios regionais específicos, a aliança que mais lhes convém na disputa presidencial.
Não faltará, claro, quem argua que, se a candidatura de Bolsonaro murchar, a vitória de Lula será inevitável. Mas vale a pena examinar outras possibilidades. São mais do que conhecidas as dificuldades envolvidas no surgimento, a tempo, de um candidato de centro com boa chance de ser eleito.
Merece atenção, contudo, o timing da percepção, a cada dia mais generalizada, de que Bolsonaro não é uma alternativa aceitável a Lula. E que, ademais, corre alto risco de ser por ele derrotado.
Seria bem pior se isso só ficasse óbvio em meados de 2022. Mas a escalada precoce de confrontação das instituições por Bolsonaro vem deixando isso mais do que claro desde já, bem mais cedo do que se temia. O que talvez crie, no campo fértil da ampla aliança que vem sendo formada para conter Bolsonaro, ambiente político favorável ao surgimento, a tempo, de um candidato de centro com chance de ser eleito.
Salta aos olhos que há um surto na “demanda” por um candidato de centro viável. O mínimo que se pode dizer é que a probabilidade de que tal candidatura desponte parece agora bem mais alta do que se imaginava há poucos meses.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/um-beco-com-saida-25162809
Vera Magalhães: O clamor golpista saiu do WhatsApp
Vera Magalhães / O Globo
Faz um ano e meio exatamente do momento em que revelei que Jair Bolsonaro usou sua conta no WhatsApp, no carnaval de 2020, para convocar para a realização do primeiro de uma série de atos antidemocráticos em 15 de março daquele ano. O mundo caiu, com razão, e o presidente mentiu, como sempre, dizendo que eu inventara a informação e que não era da sua laia (das poucas verdades que já proferiu, diga-se).
Uma pandemia, 572 mil mortos e uma crise institucional depois, o presidente saiu do escurinho do WhatsApp e conclama ato contra o Supremo Tribunal Federal ao microfone numa solenidade oficial, como fez nesta quinta-feira em Cuiabá. Se isso não é sinal cristalino de que limites foram atropelados num curto espaço de tempo, nada mais será.
O Sete de Setembro de conformação golpista que vem sendo meticulosamente organizado por Bolsonaro e seus bolsões de apoiadores, ou “células”, como o próprio Movimento Brasil Verde e Amarelo as chama, oferece três refeições a quem for, tem cadastramento aberto em site, bolsões de estacionamento para trailers e caminhões e presença confirmada de Bolsonaro em carne e osso.
Uau! Para quem reclamava do pão com mortadela, transformado pelo discurso bolsonarista em símbolo das manifestações petistas, o negócio foi bastante incrementado. Nem mais essa narrativa, entre todas as outras desculpas esfarrapadas para apoiar um deputado medíocre para presidente, restou mais. O repasto oferecido a quem se dispuser a marchar sobre Brasília pedindo fechamento do Supremo e do Congresso e intervenção militar para um autogolpe será pago com um lauto banquete.
Em vídeo que circula com a convocação para as caravanas que vão a Brasília, um pseudojornalista apresenta os apoiadores da patacoada. Estão lá os indefectíveis Sérgio Reis e pastor Silas Malafaia. E também Antonio Galvan, presidente nacional da Aprosoja. A associação de uma entidade do agronegócio com movimentos de viés golpista preocupa a própria entidade, que faz questão de dizer que não financia nem apoia os atos. Eis uma tarefa difícil: dissociar a entidade, criada em 1990 para defender produtores de soja endividados, de seu principal nome, um bolsonarista empedernido e figurinha carimbada de outras manifestações anti-Supremo.
E é neste ponto de delicada tensão que se encontra o Brasil. Ao mesmo tempo que o agronegócio é o principal esteio da economia, os produtores sérios se preocupam com a cooptação de grupos do setor para discursos que turvam o ambiente institucional e, consequentemente, de negócios. Um grupo das principais associações do agro deverá soltar uma nota na semana que vem condenando os atos golpistas de Sete de Setembro.
Ao esticar a corda até limites insondáveis, Bolsonaro vai perdendo apoio nesses setores que até ontem eram monolíticos em sua defesa. Como em sã consciência um empresário que exporte sua produção pode querer ser ligado a um governo que investe contra o meio ambiente e trama uma ruptura institucional que jogaria de vez, se bem-sucedida, o Brasil no rol dos párias globais?
A decisão de não realizar o desfile cívico-militar no Dia da Independência, que teve a pandemia como justificativa, é um raro momento recente de bom senso nas Forças Armadas. Misturar fardados e equipamentos militares com caminhões e motor homes levados a Brasília à custa de movimentos de ruptura é só o que falta para que o país mergulhe na incerteza quanto à confiança em que as Forças Armadas não acabarão por ser cooptadas para uma aventura de tentar solapar a democracia.
Neste ambiente em que o calendário funciona como uma bomba-relógio, falar em diálogo entre os Poderes soa a conversa mole para boi dormir. Nenhum ministro do STF cairá nessa ladainha. Não até ver o que vem por aí no Sete de Setembro.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/o-clamor-golpista-saiu-do-whatsapp.html
William Waack: Restou a confusão
Nem ‘aliados’ de Bolsonaro conseguem apaziguá-lo ou contê-lo, num quadro perigoso
William Waack / O Estado de S. Paulo
Estão diminuindo depressa as opções políticas para Jair Bolsonaro. No momento ele aposta na mais perigosa delas: pôr gente nas ruas. Consciente dos riscos, e agindo como chantagista, mandou mais de um emissário dizer a várias instâncias em Brasília que não sabe se terá controle do que possa acontecer a 7 de setembro quando – dependendo da fonte bolsonarista – fala-se de protesto ou até insurreição.
O problema para Bolsonaro é que ele está sendo levado pouco a sério, pois confundiu blefe com bravata. Revelou-se intutelável, missão na qual fracassaram representantes do PIB (via Paulo Guedes), dos militares (via generais de pijama) e de partidos do Centrão (via caciques fisiológicos). O resultado disso é o fato de operadores políticos “aliados”, como Arthur Lira e Ciro Nogueira, e chefes de poderes, como Rodrigo Pacheco e Luiz Fux, terem transitado daquilo que em política externa se chama de “appeasement” para “containment”.
“Appeasement” nestas latitudes acaba sendo traduzido como “bater palmas para louco dançar”, que é basicamente o que aconteceu, bastando ver o sorriso amarelo de Arthur Lira quando questionado se Bolsonaro tem palavra. Já o modo “contenção” (cerco, isolamento) tem tido pouco êxito na crise institucional por conta de um cenário abrangente bem mais grave que os desequilíbrios do presidente. É o fato de o governo não ter um rumo, um sentido, uma estratégia, ou um estágio ao qual se pretenda levar o País – além da ambição de Bolsonaro de permanecer no poder e se reeleger.
São vítimas dessa falta de sentido político amplo e capacidade de coordenação as grandes reformas estruturantes, como administrativa, tributária e eleitoral – para não falar no desgoverno irresponsável e criminoso em questões específicas, como ficou claro na CPI da pandemia. É essa geleia geral o grande impedimento bloqueando operadores políticos de notória habilidade e capacidade de negociação, e especialistas em sobrevivência, como os caciques do Centrão (que, diga-se de passagem, por razão existencial defendem interesses setoriais antes dos nacionais).
Assim, fica difícil “trabalhar” isolando Bolsonaro e focando na relevância das várias pautas legislativas – como demonstra pretender o presidente do Senado, por exemplo – se ninguém sabe exatamente em qual direção e com qual objetivo. O descaminho da reforma tributária que o diga. Na essência, os atributos clássicos de poder do Executivo não são os da caneta presidencial, mas, sim, os de ditar o sentido da agenda política.
Bolsonaro é um personagem transparente que não esconde o que vai pela sua cabeça, não importa se habitada por delírios, fantasmas, teorias abjetas, explicações absurdas e imbecilidades –é o que compõe a visão de mundo dele e, consequentemente, o que julga perceber como realidade da política e baliza de suas ações e comportamento. Para ele, o “golpe” já aconteceu e foi dado pela usurpação de poderes por parte do STF (instância cavernosa habitada por esquerdistas, pedófilos, cúmplices de traficantes, corruptos, ateus e oportunistas).
Cabe, então, o “contragolpe”, para o qual Bolsonaro se julga legitimado pelo “apoio do povo”, e suficientemente escorado pela norma legal (a espúria interpretação do artigo 142 da Constituição) e pelos instrumentos clássicos de poder e manutenção da ordem (Forças Armadas). Visto pela ótica de Bolsonaro, é tudo defensivo e garantista: da liberdade e da lei. Mas como aplicar o contragolpe?
Seria demais exigir de uma figura como Bolsonaro que tivesse um plano claro. Ele age por impulso, por arroubo, de supetão, embora tenha um considerável instinto tático. Ao mesmo tempo é hesitante e confuso. Até aqui não conseguiu enfrentar nem superar os limites impostos pelo Judiciário e pelo Legislativo, e percebe seu potencial eleitoral derretendo a um ponto que talvez já seja irreversível. É o que resta de opção: a confusão.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,restou-a-confusao,70003815092
Exercício da Marinha não encerra a crise aberta por desfile em Brasília
General Brito diz que comandantes militares viraram 'artistas circenses' após desfile de tanques dos fuzileiros navais no Distrito Federal
Marcelo Godoy / O Estado de S.Paulo
Caro leitor,
Após ordenar o desfile dos fuzileiros pela Esplanada, em Brasília, Jair Bolsonaro se fará acompanhar, hoje, no campo de instrução de Formosa, em Goiás, dos comandantes militares para assistir ao que o Ministério da Defesa chama de "Demonstração de Manobra Tática para autoridades e imprensa". Lançadores de foguete, tanques e aviões usarão munição real. Segue-se uma tradição. Há quase 80 anos, o exercício era em Gericinó, no Rio. Lá também uma fileira de ministros compareceu ao lado de um presidente – Getúlio Vargas – que incentivava o desembarque militar na política.
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A cena de Vargas em Gericinó marcou o então coronel Humberto de Alencar Castelo Branco. Ele costumava chamar os militares que tinham um pé no quartel e outro na política de "anfíbios". Contou Luiz Viana Filho que, após Vargas, na mensagem de 15 de novembro de 1933, ter julgado "natural que, como qualquer cidadão, o militar exerça atividade política", Castelo decidiu manifestar-se. Assinou um artigo anônimo no jornal Gazeta do Rio, como "Coronel Y".
"O oficial do Exército, como qualquer cidadão, pode aspirar os cargos políticos. Seria odioso vedar-lhe o ingresso ao Parlamento e aos cargos administrativos, fechar-lhe as portas da política, que devem ser acessíveis ao militar que 'evidencie competência e pendores especiais' corno bem diz o chefe do governo em sua mensagem." E completou: "O que, porém, deve ficar assentado é em que situação o oficial fica, quando ingressa na política. O militar, antes de tudo, pertence a uma classe, faz parte de uma hierarquia, concorre em promoções e conta tempo de serviço em seu próprio benefício. Passando a desempenhar uma função civil, é militarmente lógico e individualmente honesto que ele se tome um egresso de sua classe."
DESFILE MILITAR - OPERAÇÃO FORMOSA
Bolsonaro e seus generais romperam com o ensinamento de Castelo. Não faltam Pazuellos nessa história. E essa foi apenas uma das exceções criadas por um governo que as produziu aos borbotões, 'cupinizando' o Estado e a democracia. Castelo, cujo retrato é exposto na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, preocupava-se com a ciência e a arte militar, com o profissionalismo dos que, em silêncio, treinavam em Gericinó, enquanto colegas compareciam à manobra ao lado de Vargas, trajando terno e gravata. A vida nos gabinetes e salões lhes parecia natural. Tentavam, sobretudo, disfarçar a corrupção dos modos sob a máscara da missão.
Bolsonaro não inventou nada neste País. Nem os generais que o apoiam. O capitão esteve no sábado, dia 14, ao lado do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, em uma solenidade da Academia das Agulhas Negras. E instigou ambição nos cadetes. Não a do compromisso de se preocupar com a Defesa Nacional, mas a do querer seguir seus passos. Bolsonaro quer ver os jovens na política, que tenham o desejo da Presidência e pensem no orgulho do exercício de um poder, que não é o militar.
A captura do Estado por uma corporação leva inexoravelmente à degradação. Não faltam exemplos no mundo. Da Venezuela a Mianmar. Aos cadetes, o presidente se mostrou como quem voltou a pôr os pés na Academia como comandante supremo das Forças Armadas, algo que, nas suas palavras, "não tem preço". Mas esse preço existe. Quem o paga é a democracia e sociedade brasileiras. Sua defesa ficará descurada e ineficaz, na medida em que a Presidência se transforma na ambição de seus futuros oficiais.
Depois da cerimônia na Aman, o comandante do Exército disse ao jornal O Globo que "não há interferência política na Força". E garantiu que o Alto Comando (ACE) está com o comandante. Ou seja. Não haveria divisões entre bolsonaristas e antibolsonaristas no ACE. Quando esteve há um mês no Rio Grande do Sul, o general Paulo Sérgio se encontrou com o governador Eduardo Leite (PSDB). Discutiam sobre a nova escola de sargentos que a Força estuda abrir, quando o general disse que o Exército tem compromisso com a legalidade e não se envolverá em aventuras.
BOLSONARO E O GENERAL PAULO SÉRGIO NOGUEIRA
O problema seria então apenas Bolsonaro? E o papel dos demais? Quando as manobras e cerimônias militares viram provocações, o espetáculo do poder se transforma em violência simbólica, e a política, em circo. Bolsonaro fez isso em Brasília com a ajuda do comandante da Marinha, almirante Almir Garnier. E quem afirma é um oficial general. Assim escreveu o general Francisco Mamede de Brito Filho, que participou do governo, mas dele se dissociou abertamente. "Com todo o respeito devido aos artistas de circo e teatro mambembe, o que vimos foi a ultrajante transmutação de comandantes militares em profissionais do gênero para oferecer um triste espetáculo de subserviência e anacronismo. Decepção, é o que sinto como militar da reserva."
Com todo o respeito devido aos artistas de circo e teatro mambembe, o que vimos foi a ultrajante transmutação de comandantes militares em profissionais do gênero para oferecer um triste espetáculo de subserviência e anacronismo.
Decepção, é o que sinto como militar da reserva. https://t.co/I3fU7wKHIC
— General Brito (@GeneralBrito) August 10, 2021
A subserviência apontada pelo general Brito é dos que dão mais importância às eleições futuras do que aos desafios do dia a dia. Jean-Paul Sartre escreveu em 1945 um artigo, publicado em Nova York: Qu’est-ce qu’un Collaborateur? O que é um colaborador começa com o relato do príncipe Olaf, o futuro rei Olaf V, da Noruega, que retornara ao país escandinavo após a ocupação alemã. Ele estimava que os colaboradores com o invasor seriam em torno de 2% da população. Quantos são os que apoiam o golpismo de Bolsonaro afinal? Seu número é maior do que os 45 cavaleiros húngaros da Guerra dos 30 anos?
Independentemente de sua dimensão, Sartre dizia que sempre houve colaboradores dissimulados em nossas sociedades. Na França de Vichy, nenhum deles acreditava na derrota da Alemanha, assim como nenhum dos que favorecem Bolsonaro acredita em uma futura derrota nas urnas. Não apenas a ambição e o interesse os movem. Dizem ser realistas; não podem lutar contra fatos. E é fato: Bolsonaro é o presidente. Nas Forças Armadas isso significa o dever de obediência ao comandante supremo.
Mas Garnier foi além. Conforme o relato de Eliane Cantanhêde, propôs a Bolsonaro o desfile dos tanques. E viu tudo como "coisa normal". Bolsonaro é presidente, e o exercício dos fuzileiros se prestaria a mostrar o preparo da Marinha. Seria um fato que tudo fora planejado antes de o Congresso marcar para o mesmo dia a votação da PEC do Voto Secreto. Muito barulho – e fumaça – por nada.
Os colaboradores – dizia Sartre –usam um certo realismo para dissimular o temor de assumir a tarefa dos homens, que consiste em dizer sim ou não de acordo com princípios, em "empreender sem esperança, perseverar sem sucesso". Preferem o cálculo, um certo "apetite místico por mistério, uma docilidade para o futuro, que se renuncia a forjar, limitando-se a desejar, a sonhar". A submissão aos fatos logo se torna submissão aos caprichos do líder. Contenta-se com um papel subalterno, pois, ao menos, haverá um papel a desempenhar na nova ordem. O colaborador é o inimigo que as sociedades democráticas trazem em seu interior.
"A democracia sempre foi um viveiro para os fascistas porque tolera, por natureza, todas as opiniões", disse. Sartre defendia uma política baseada em princípios e leis para que não houvesse liberdade de se agir contra a liberdade. A guerra havia acabado. O nazismo e o fascismo de Vichy foram derrotados. "A resistência mostra que o papel dos homens é dizer não aos fatos mesmo quando parece que a eles nós devemos nos submeter." Há coragem em dizer a verdade. E ela está ligada nas instituições militares à discordância leal. Não adianta culpar Bolsonaro por tudo o que acontece em Brasília quando não lhe faltam sócios e colaboradores.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,exercicio-da-marinha-nao-encerra-a-crise-aberta-por-desfile-em-brasilia,70003812059
Senadores indicam veto às coligações proporcionais
Proposta foi aprovada em primeiro turno pela Câmara e promete ser mais uma fonte de atrito entre as duas Casas do Legislativo
Paulo Cappelli / O Globo
BRASÍLIA — Senadores governistas e da oposição criticam a volta das coligações proporcionais, em consonância com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e sinalizam que votarão contra a medida, se ela entrar em pauta. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi aprovada em primeiro turno pela Câmara na semana passada e a votação em segundo turno está marcada para amanhã. Para valer nas eleições do ano que vem, o texto precisa ser chancelado pelo Senado até outubro. A disposição dos senadores em não dar seguimento à medida promete ser mais uma fonte de atrito entre as duas Casas.
PSDB: Doria tenta reverter apoio de deputados a Eduardo Leite
Derrubada pelo Congresso em 2017, a coligação proporcional permite, em sistema de aliança partidária, que candidatos menos votados, e muitas vezes sem afinidade ideológica, se elejam na esteira dos votos computados pelo conjunto de legendas que integram o bloco. Ao acabar com essa possibilidade, o objetivo dos parlamentares foi, junto com a aprovação da cláusula de barreira, reduzir o número de partidos, sobretudo os de aluguel.PUBLICIDADE
Líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF) afirma que o apoio à volta das coligações proporcionais na Câmara não encontra eco no Senado, e diz que o modelo privilegia o “cálculo eleitoral” em vez da “afinidade programática”:
— Os parlamentares (da Câmara) pensaram primeiro neles próprios. Qual a forma mais fácil de se reeleger? Com coligação. Ocorre que, pelo sistema de coligação, os partidos fazem aliança com base no cálculo de quantos deputados podem eleger, e não com base em conteúdo programático. São interesses eleitorais. Na Cidade Ocidental, em Goiás, o DEM fez coligação com o PCdoB em 2016. Ou seja, o eleitor vota em um liberal e acaba elegendo um comunista. Ou o contrário.
Na semana passada, o presidente do Senado disse considerar a retomada das coligações proporcionais um “retrocesso”. Sobre a tramitação no Senado, afirmou que consultará os colegas para definir um encaminhamento. Logo após a votação, em um jantar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu a Pacheco que paute o projeto assim que recebê-lo.
Eleições de 2022: Políticos sem mandato tentam unir diferentes grupos
Líder do PT, o senador Paulo Rocha (PA) disse que o partido está unificado, no Senado, contra a medida. Na Câmara, os petistas fizeram parte do acordo para aprovar a proposta, apresentado como alternativa à adoção do distritão, também criticado por especialistas.
No distritão, a eleição para os legislativos seria majoritária, ou seja, os mais votados de cada estado seriam eleitos, sem levar em conta os votos nos partidos, como é hoje no sistema proporcional. Críticos do distritão afirmam que ele enfraquece os partidos e dificulta a renovação de vagas.
— Nós, do PT, somos contra (a volta das coligações proporcionais). É um retrocesso. Seria um retorno dos partidos cartoriais, que existem só para fazer coligação. Partidos que não têm força nenhuma pegam carona naqueles que têm força política e organização perante a sociedade — disse Paulo Rocha.
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), mostrou-se contrário à aprovação da medida às pressas, o que faria com que já vigorasse no ano que vem:
— Causa suspeita quando se faz reforma política de dois em dois anos. Fica parecendo que o Congresso fez de cobaia os vereadores na eleição de 2020. Sou favorável à análise de uma reforma política, inclusive com a questão das coligações, mas sou contra aprovar qualquer mudança às pressas, até outubro deste ano, para que já entre em vigor no pleito do ano que vem. Acho que para haver reforma política tem que ter diálogo e sintonia entre Câmara e Senado.
Câmara: Criação de federação de partidos pode dar sobrevida a nanicos
Após a eleição municipal do ano passado, a primeira sem coligações proporcionais, a fragmentação partidária diminuiu nas Câmaras de Vereadores. Levantamento feito pelo GLOBO apontou que isso aconteceu em sete de cada dez cidades.
Também alinhado ao Palácio do Planalto, o senador Jorginho Melo (PL-SC) endossou as crítica à proposta:
— Isso não tem a menor chance de ser aprovado no Senado.
Sem alinhamento
O Senado, por exemplo, deu um freio na nova Lei de Segurança Nacional (LSN) que havia sido aprovada em maio pela Câmara sob críticas por ter tido uma tramitação rápida. A proposta só foi chancelada pelos senadores na semana passada, três meses depois.
Outro episódio girou em torno da PEC do voto impresso. Enquanto Arthur Lira, em um gesto incomum, levou para o plenário a proposta, mesmo após ser rejeitada em comissão especial, Pacheco descartou ressuscitar iniciativa semelhante engavetada no Senado.
Relatora da reforma na Câmara, a deputada Renata Abreu (Podemos-SP), já reagiu à sinalização contrária do Senado, afirmando que essa postura “vai gerar uma crise institucional”.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/senadores-indicam-veto-as-coligacoes-proporcionais-contrariam-deputados-25156499
Planeta vai esquentar 1,5ºC uma década antes do previsto
Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC) mostra que janela de oportunidade para limitar efeitos dessas mudanças está se fechando; secas e queda da produção agrícola são problemas esperados para o Brasil. Planeta também vai enfrentar efeitos climáticos extremos.
Emilio Sant’Anna , O Estado de S. Paulo
A Terra está esquentando mais rápido do que era previsto e se prepara para atingir 1,5ºC acima do nível pré-industrial já na década de 2030, dez anos antes do que era esperado. Com isso, haverá eventos climáticos extremos em maior frequência, como enchentes e ondas de calor. A mensagem clara foi dada nesta segunda-feira, 9, pelo Painel Intergovernamental sobre o Clima da ONU (IPCC).
O que faremos imediatamente com essa informação irá definir o tamanho do impacto na vida de 7,6 bilhões de pessoas no planeta. Certo é que os efeitos do aquecimento virão. A redução sustentada nas emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito estufa, no entanto, ainda pode limitar as ameaças dessas mudanças climáticas. Caso contrário, alguns dos efeitos diretos para países como o Brasil serão secas mais frequentes e a queda na capacidade de produção de alimentos.
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Desde 1850, já avançamos ao menos 1,1ºC na média da temperatura global. Mais de 0,4ºC de aumento irá produzir número maior de secas severas, ondas de calor, chuvas torrenciais, enchentes, tornados, incêndios florestais e reforçar a tendência de aumento do nível do mar. Todos esses efeitos já ocorrem em nível superiores aos do passado.
A lista, no entanto, vai além e a frequência desses eventos extremos está diretamente ligada ao quanto nós veremos a Terra esquentar neste século. Ou seja, ainda resta uma “janela de oportunidade”, cada vez menor, para tentar limitar o aquecimento abaixo de 2ºC até 2100, como definido no Acordo de Paris em 2015 (pacto assinado por quase todos os países para conter o aquecimento do planeta). A postura negacionista de autoridades - como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o ex-líder americano Donald Trump - tem sido apontada por especialistas como um dos principais obstáculos.
O caminho seguro é um só: limitar o gás carbônico (CO2) na atmosfera, atingindo pelo menos zero líquido de emissões (saldo das emissões descontada a absorção do carbono), juntamente com grandes reduções em outras emissões de gases do efeito estufa. O Acordo de Paris prevê zerar as emissões líquidas até 2050. “Damos conta de apontar a situação de acordo com a ciência. Se isso pode ou vai ser feito cabe aos tomadores de decisões”, diz Paulo Artaxo, autor-líder de um dos capítulos do relatório do IPCC e professor da Universidade de São Paulo (USP).
O motor do aquecimento está na queima de combustíveis fósseis, como petróleo, gás e carvão mineral, por veículos a combustão e usinas termoelétricas, e a consequente produção de CO2. Mas não só: o metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), resultantes de atividades agropecuárias, compõem a trinca do efeito estufa. Some-se a isso a produção de aerossóis.
Os 234 cientistas de 66 países reunidos pelo IPCC produziram um relatório com mais de 14 mil referências citadas, com um total de 517 contribuições de outros autores. No documento, o Painel é taxativo: “É um fato estabelecido que a influência humana aqueceu o sistema climático e que mudanças climáticas generalizadas e rápidas ocorreram”.
“É importante observar que nas últimas duas semanas foram publicados artigos científicos muito contundentes, e que não foram considerados neste relatório, mostrando que estamos muito próximos desse ponto. O relatório aponta que é fato”, diz Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil. “O relatório subiu muito o tom da mensagem.”
A essas evidências científicas somam-se catástrofes causadas por eventos extremos atuais, como a onda de calor no Hemisfério Norte com temperaturas recordes em países como o Canadá. Na Turquia, isso chegou a um nível de 8°C superiores à média e um forte incêndio atingiu as florestas do país. Na Alemanha, enchentes devastaram cidades. Tudo isso em meio à pior crise sanitária dos últimos cem anos causada pela pandemia de covid-19.
Embora não seja objeto do relatório, diversas pesquisas também vêm apontando a relação entre desmatamento e alterações do equilíbrio ecológico com o surgimento de novas doenças. Danos ambientais, portanto, podem nos impor novas pandemias à humanidade.
Cenários futuros
A forma como as pessoas já percebem e como experimentarão tamanhas alterações no clima dependem de fatores regionais. Atualmente, o aquecimento em terra é maior do que a média global e é mais do que o dobro no Ártico, por exemplo. O IPCC apresenta de forma detalhada os cenários futuros para cada uma das grandes regiões do planeta. Com 1,5ºC ou até 3ºC acima dos níveis pré-industriais regiões como o Hemisfério Norte o Ártico sofreriam impactos maiores do que outras áreas.
O relatório também projeta cenários futuros possíveis decorrentes do aumento da temperatura global em curto, médio e longo prazos. Entre as menos impactantes estão, por exemplo: “A temperatura da superfície global continuará a aumentar até pelo menos meados do século em todos os cenários de emissões considerados. O aquecimento global de 1,5° C e 2° C será ultrapassado durante o século 21, a menos que profundas reduções de CO2 e outras emissões de efeito estufa emissões de gases ocorrerão nas próximas décadas”.
As projeções mais impactantes incluem aumentos na frequência e intensidade de extremos de calor, mudanças nas correntes marinhas, fortes precipitações, secas com efeitos na produção agrícola, aumento na proporção de ciclones tropicais intensos, e reduções na cobertura de neve e na permafrost.
Após quatro anos sob a gestão do republicano Trump, apenas neste ano os Estados Unidos se realinharam aos compromissos assumidos no Acordo de Paris, assinado, em 2015, por 175 países. À época, os EUA se comprometeram a reduzir suas emissões entre 26% e 28% até 2025 em relação a 2005. Trump retirou o país do acordo e, neste ano, o recém-eleito presidente Joe Biden fixou a meta de neutralidade de carbono (o mesmo que zerar as emissões líquidas) até 2050. Os EUA são o 2º no ranking dos maiores emissores do mundo.
A China, no topo dessa lista, responsável por mais de 25% das emissões mundiais, comprometeu-se a reduzir as emissões de CO2 em relação ao PIB entre 60% e 65% até 2030. Em setembro de 2020, o país anunciou que pretende atingir a neutralidade de carbono até 2060. Como isso será feito, no entanto, não está claro.
No ano passado, após o anúncio de que ficaria de fora da conferência do clima (COP) da ONU, na qual alguns países repactuaram e apresentaram novas metas, o Brasil se comprometeu a atingir zero de emissões líquidas de gases de efeito até 2060. Na ocasião, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que a meta poderia ser antecipada, mas condicionou o avanço ao financiamento de outras nações. "Se tivermos o recebimento de recursos para o Brasil na ordem de US$ 10 bilhões por ano a partir de 2021", disse o ex-ministro.
Sexto maior emissor do planeta, o Brasil vai na contramão do que se espera do país e é cada vez mais pressionado por países como os EUA a assumirem metas mais ambiciosas. Sob a gestão Bolsonaro os índices de desmatamento da Amazônia e do Cerrado dispararam e bateram recordes negativos. Atividades ilegais como grilagem, garimpo sem licença e invasões de terras públicas também são cada vez mais comuns.
O novo relatório do IPCC aponta que muitas das mudanças observadas no clima não têm precedentes em milhares e centenas de milhares de anos. Algumas dessas alterações, como o aumento contínuo do nível do mar, já são irreversíveis em períodos também de centenas a milhares de anos.
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*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Em meio à crise, Lira defende separação e harmonia entre Poderes
Manifestação do presidente da Câmara ocorre em meio à escalada de atritos entre Jair Bolsonaro e ministros do STF
O Estado de S. Paulo
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), defendeu neste sábado, 7, a separação entre os Poderes, citando a busca por uma convivência civilizada, harmônica e independente. “É como dançar junto, quem sabe até separado, mas sem pisar no pé de ninguém”, completou. A manifestação ocorre em meio à escalada do atrito entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Neste fim de semana, sejamos ainda mais inspirados pelos ensinamentos de Aristóteles, Locke e Montesquieu, quando pontificaram sobre o sistema de freios e contrapesos que formam a separação entre os Poderes,” escreveu o deputado em seu perfil no Twitter.
A tensão entre os Poderes Executivo e Judiciário tem aumentado nas últimas semanas, especialmente por reiteradas críticas e ameaças de Bolsonaro às eleições de 2022. O presidente defende a implementação do voto impresso para o pleito e repete acusações falsas de fraudes em votações passadas, sem ter apresentado provas. Em mais de uma ocasião, disse que a eleição seria cancelada caso o sistema não mude.
Suas críticas também têm sido direcionadas a membros do STF, em especial ao ministro Luís Roberto Barroso, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na tarde de sexta, 6, Bolsonaro o xingou de “filho da p…” durante encontro com apoiadores em Santa Catarina.
Já na manhã deste sábado, o presidente voltou a repetir as críticas ao sistema eleitoral e a ministros do STF e fez um aceno a parlamentares, um dia após Lira ter anunciado que vai levar a discussão sobre o voto impresso para o plenário. "Não são meia dúzia dentro de uma sala secreta que vai contar e decidir quem ganhou as eleições; não vai ser um ou dois ministros do Supremo. Quem tem legitimidade além do presidente (da República) é o Congresso Nacional”, afirmou.
Barroso rebateu as ofensas. “Eu não paro para bater boca, não me distraio com miudezas. O meu universo vai bem além do cercadinho”, disse na sexta-feira. As críticas à postura do presidente se repetiu por outros membros do STF. O presidente da Corte, Luiz Fux, em discurso de abertura dos trabalhos da Casa após recesso, reagiu aos ataques de Bolsonaro. “Harmonia e independência entre os Poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições”, disse ele.
Na quinta-feira, 5, Fux cancelou uma reunião que haveria entre os chefes dos três Poderes, dizendo não ser possível tolerar os insultos do presidente da República. “Como tem noticiado a imprensa brasileira nos últimos dias, o presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, sendo certo que quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro”, afirmou o ministro.
A defesa de Arthur Lira deste sábado tenta, então, amenizar o conflito entre as instituições. Em uma segunda publicação, o deputado escreveu: “É como dançar junto, quem sabe até separado, mas sem pisar no pé de ninguém. Assim é um baile bom, assim é a vida, assim deve ser a nossa convivência civilizada e sempre democrática, sempre harmônica, sempre independente.
Voto impresso
O projeto para a implementação do voto impresso sofreu a sua primeira grande derrota na Câmara na última quinta-feira, 5, quando o relatório do deputado Filipe Barros (PSL-PR) foi derrubado por 23 votos contrários e 11 favoráveis em votação de comissão especial da Casa.
Um dia depois, Lira anunciou que levaria a questão para o plenário da Câmara, em uma estratégia para agradar o Planalto. Ele, no entanto, avisou que não aceitaria uma possível ruptura institucional caso a matéria seja rejeitada novamente. “Continuarei pelo caminho da institucionalidade, da harmonia entre os Poderes e da defesa da democracia. O plenário será o juiz dessa disputa, que já foi longe demais”, disse em pronunciamento na noite de sexta.
A proposta que institui o voto impresso no Brasil deve ser votada no plenário da Câmara até a próxima quarta-feira. Para ser aprovado, o texto precisa de pelo menos 308 votos em duas votações, na Câmara e no Senado, número que dirigentes de partidos acham muito difícil de alcançar em razão do cenário de crise institucional.
O Estado de S. Paulo
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
CNPq não consegue resolver falha e Lattes completa 10 dias fora do ar
Órgão que fomenta a pesquisa havia prometido restabelecer sistemas nesta segunda (2)
Paulo Saldaña, da Folha de S. Paulo
As principais plataformas da ciência brasileira, Lattes e Carlos Chagas, completaram dez dias de inoperância. O governo Jair Bolsonaro prometeu que os sistemas seriam restabelecidos nesta segunda-feira (2), mas os problemas da área de tecnologia que causaram a queda dos sistemas ainda não foram resolvidos.
As plataformas estão fora do ar desde o dia 23 do mês passado. Os dois sistemas são de responsabilidade do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), responsável pelo fomento à pesquisa no país. O órgão é ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
O CNPq afirmou na última semana que não houve perda de informações e que o equipamento danificado já estaria sendo restaurado. Apesar da previsão de restabelecimento do acesso para esta segunda, o órgão publicou nota informando que "continua em andamento a verificação completa".
O informe do CNPq não traz uma data com previsão para que os sistemas voltem ao ar. "Essa verificação envolve uma série de testes, que foram realizados ao longo de todo final de semana, com pontuais instabilidades que estão sendo ajustadas para restabelecer a capacidade completa do storage".
O apagão dos sistemas foi provocado pela queima de um dispositivo em um equipamento que tem a função de controlar os servidores onde as plataformas ficam hospedadas. Isso teria ocorrido durante a migração dos dados para um novo servidor. O presidente do CNPq, Evaldo Vilela, descartou a ação de um hacker.
Em e-mail obtido pela reportagem, um funcionário do CNPq relatou, no último dia 26, que o principal servidor do conselho fora atingido e que o equipamento estaria fora da garantia e sem contrato de manutenção. Isso impediria um reparo imediato e traria a necessidade de contratação de empresa externa, como de fato ocorreu.
Questionado pela Folha, o CNPq e o Ministério da Ciência não responderam sobre a operação estar sem garantia e manutenção.
O Lattes é um banco de dados com todos os currículos de pesquisadores, e ações como a aprovação de bolsas dependem da consulta à plataforma. Já pela Carlos Chagas é que se operacionalizam chamadas públicas e editais de fomento à pesquisa, gestão e pagamento de bolsas.
Cerca de 84 mil pesquisadores são financiados com recursos do CNPq. Mas outros órgãos de pesquisa também realizam operações ancoradas no Lattes.
Os prazos para ações como a submissão de propostas, prestação de contas e de vigência das bolsas estão suspensos e serão prorrogados. Novas datas serão divulgadas assim que os sistemas forem restabelecidos, diz o CNPq, que garante o pagamento de bolsas sem atrasos.
Segundo o CNPq informou na última semana, já havia sido concluída a transferência do backup dos dados da plataforma Lattes para um novo servidor. Mas o órgão diz agora que preferiu estender testes nos equipamentos.
"Para garantir a segurança, a estabilidade e o bom funcionamento do equipamento, optamos por estender os testes até ser possível oferecer esse cenário seguro para disponibilização dos sistemas", diz nota desta segunda.
Funcionários apontam a falha como reflexo da queda de orçamento pela qual vive o CNPq. Isso foi rechaçado pelo presidente do CNPq.
O órgão tem em 2021 o menor orçamento ao menos desde 2012, mesmo em valores nominais. A dotação atualizada do órgão para o ano é de R$ 1,2 bilhão –entre 2013 e 2015, por exemplo, o orçamento executado superou os R$ 2 bilhões.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2021/08/cnpq-nao-consegue-resolver-falha-e-lattes-completa-10-dias-fora-do-ar.shtml
Fernando Henrique Cardoso: Hora de decisão
Há períodos em que se necessita ter muita imaginação, ou o senso de dever aguçado, para cumprir compromissos. Pois bem, olhando em volta, e com minha escassa imaginação, só resta mesmo o senso do dever para escrever este artigo: o desânimo em volta acaba por inibir, se não a todos, a muitos de nós, brasileiros. Será que tal processo só acontece conosco, ou é a pandemia que tira da maioria – queiramos ou não – a vontade de falar, de escrever? Tenho dúvidas. Mas o fato é que o desânimo tolhe muito a imaginação: ao redor, mortes e enfermos; por enquanto há esperança de vencer mais este vírus. Mas escrever sobre política…
Francamente, com o governo atordoado e o povo desinteressado, pois o dia a dia consome as energias e boa parte da população deixa de lado tudo o que existe além do trabalho e da família, parece até estranho que alguém se disponha a conjecturar sobre o futuro ou sobre o mundo. Em meu caso, não fosse o “senso de responsabilidade” (herdado de pais e avós militares), preferiria “flanar”, como se dizia antigamente, a trabalhar sobre tais temas. Mas não há escolha: ao trabalho, portanto.
Para ver mais longe e não choramingar sobre o cotidiano local, convém pensar no positivo e no global. Apesar do encolhimento econômico, os que mais sabem parecem ver caminhos e, bem ou mal, a democracia se manteve onde ela resplandece. Nos Estados Unidos há um novo presidente, eleito pela maioria. Já isso é reconfortante.
Até que ponto a decisão americana nos atinge ou alcança? Por mais que acreditemos que nosso país é grande (somos mais de 200 milhões) e, afinal, a América Latina pesa para os Estados Unidos, é melhor não esquecer o ditado, como se diria em latim: modus in rebus. Ou, mais popularmente, devagar com o andor, pois o santo é de barro. O mais provável é que, descontando as boas palavras e as regras de convivência, como é do feitio diplomático, as mudanças no panorama americano não mudem muita coisa entre nós. E ainda bem.
No mundo internacional os interesses definem mais a ação do que a boa vontade ou mesmo os valores (salvo em casos extremos). Saudemos, pois, a mudança de governo por lá, porque o novo presidente pertence a um partido democrático. Mas paremos por aqui e cuidemos do nosso quintal.
Não sei se é correto falar em “nosso” quintal. O mundo está tão integrado economicamente e as influências cruzadas são tantas que é melhor ser prudente. De qualquer modo, a eventual insatisfação com o rumo das coisas por aqui não afeta os interesses maiores de lá, nem os de lá aqui. Se algo puder acontecer, deverá ser por vontade da maioria daqui mesmo.
Ou seja, o olhar panorâmico ajuda, mas a decisão dos rumos há de ser local. Convenhamos: as maiorias se formam e nem sempre seus resultados são os melhores. Mas quem julga? Na democracia, o eleitorado. E este, se não houver lideranças que abram seus olhos, pode resultar no que, ao ver de alguns, ou mesmo de muitos, seja a escolha de um mau caminho. Paciência. Como tenho escrito nesta página, melhor esperar novas eleições do que tumultuar o processo. À condição de que se preparem alternativas mais consistentes com nossos valores, aqueles em que acreditamos.
Escrevi “nossos valores”. Quais? Há alguns conflitantes e essa é a beleza do jogo democrático: não se sabe de antemão se a escolha foi boa, mas tem-se a certeza de que haverá chance de refazê-la. Desde que a maioria mude de opinião. Convém, portanto, não apenas aceitar resultados eleitorais, mas propor alternativas. É esta a fase em que estamos: os arreganhos de uns e outros deixam entrever que há vários caminhos. É hora para os candidatos se apresentarem e dizer o que propõem. E me refiro aos candidatos de diversos partidos. Além de que, como se sabe, há mais de um candidato em alguns partidos.
Que pelo menos se comprometam a respeitar o jogo democrático; se ocupem de defender nossos interesses, como povo e como cultura; e tenham a capacidade de decidir, qualidade que é indispensável nos regimes presidencialistas. Talvez esta seja a crítica mais geral que se possa fazer a quem ganhou as últimas eleições. Têm-se a impressão de que o eleito foi “uma família”, e não seu chefe. E que este às vezes se cerca mal. E talvez fique, em certos momentos, menor do que a cadeira que ocupa.
Se dentre os candidatos houver um ou dois capazes de cumprir esses requisitos, o barco retornará a andar. O País, nesse sentido, é mesmo grande: é só mostrar o rumo que ele caminha. Isso, se não serve de consolação, pelo menos explica como foi possível chegar aonde chegamos. Com muitas mazelas, é certo, mas caminhando para melhorar as condições de vida. Por enquanto, não de todos, mas talvez de boa parte. Está passando da hora de querer que seja pelo menos a condição de vida da maioria. E venha quem vier, se não enveredar pelo caminho do crescimento econômico e de mais renda para muitos, que encontre, se não a oposição – que seria salutar –, pelo menos o desprezo da maioria.
*Sociólogo, foi presidente da República
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,hora-de-decisao,70003700766
O Globo: ‘Tenho que lutar dez vezes mais do que pensei’, diz Guedes
Thiago Bronzatto,, Marcello Corrêa e Manoel Ventura, O Globo
BRASÍLIA — O ministro da Economia, Paulo Guedes, costuma medir em percentual o apoio de Jair Bolsonaro à agenda liberal. Nas eleições de 2018, era 100%. Depois, passou para 99% — e, aos poucos, essa taxa foi caindo. Até que, agora, está em 65%, embora nos momentos mais críticos o presidente tenha bancado o seu Posto Ipiranga no cargo.
Em entrevista ao GLOBO, Guedes reconhece que a aderência ao seu plano de trabalho em Brasília é menor que imaginava. “Estou tendo que lutar dez vezes mais do que eu pensei que fosse lutar”, afirma o ministro.
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Apesar disso, ele diz que não pensa em desistir. “Eu tenho um senso de responsabilidade muito grande”, afirma. E garante que não ficará só na defensiva — quer partir para o ataque com a sua equipe, colocando em prática medidas para reduzir o desemprego e a pobreza.
Guedes entrou na mira de senadores oposicionistas da CPI da Covid-19. Para ele, a comissão parlamentar de inquérito faz parte do jogo democrático, mas pode atrapalhar o andamento das reformas no Congresso.
Nesta entrevista, o ministro também antecipou medidas para incentivar a geração de empregos no país e criticou o questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da autonomia do Banco Central.
Como o senhor vê o andamento da agenda econômica?
Eu tinha três hipóteses quando eu vim para cá. Uma, que o presidente ia apoiar o programa de uma aliança de conservadores e liberais. O presidente ia apoiar o programa liberal na economia. O presidente mesmo brinca que já foi 99%, agora é 97%, ele fala. Aí eu brinco: “Não, presidente, o senhor está em 65%”. A segunda hipótese é que temos um Congresso reformista, que ia nos ajudar a fazer as reformas. E não era só o Congresso. É o Congresso, o Supremo e a mídia, que era a minha terceira
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Como o seu trabalho se adapta a esse processo de reavaliação?
Na nossa democracia, eu continuo apostando. Eu só estou recalibrando. Eu tinha uma fé um pouco ingênua de que tudo seria muito mais rápido e de que as transformações seriam muito mais profundas. Eu estou só recalibrando tudo um pouquinho para baixo, mas sem mudar em nada a direção, a esperança. Só está me dando mais resiliência. Estou tendo que lutar dez vezes mais do que eu pensei que fosse lutar. Porque a aderência é um pouco menor do que eu pensei. Mas sem reclamação. É a democracia. Nas horas críticas, o presidente sempre nos apoiou. E o Congresso reformista tem nos ajudado também. Eu acredito na dinâmica de uma grande sociedade aberta.PUBLICIDADE
Mas por que a aderência é menor?
No capítulo um, o presidente está atento a dimensões políticas que arrefecem os impulsos de transformação. Você quer fazer uma transformação rápida, privatizar rapidamente. (Alguém diz) “Espera aí, tem um efeito político, uma reclamação aqui, outra ali”. Isso não é uma reclamação. É um reconhecimento de que quem manda é a política. E não é só o presidente. Eu, por exemplo, parti para uma reforma que teria capitalização na Previdência, e o Congresso disse “não”.
Por isso que eu atenuei um pouco o entusiasmo inicial. Porque tanto o presidente quanto o Congresso e a mídia vieram com menos ímpeto na direção das transformações. Aí o trabalho tem que ser muito maior para um resultado menor. Talvez essa seja a experiência de todo mundo que já passou pelo governo um dia. Quem está de fora olhando acha que tudo é mais simples.
Para o senhor, esse esforço vale a pena?
Sem falsa modéstia, eu sei que fui crucial em momentos decisivos. Eu tenho um senso de responsabilidade muito grande. Não só com a pessoa que confiou em mim, que foi o presidente. Mas principalmente com quem ele representa, que são 200 milhões de brasileiros. A nossa velocidade de resposta à crise, a nossa capacidade de fazer uma política econômica integrada, tudo isso só foi possível porque tinha esse comando único na economia.
O senso de responsabilidade e o compromisso com os brasileiros que estão lá fora são muito maiores que a preocupação de ficar bem na fotografia. É muito simples falar: “Não privatizaram duas ou três empresas, vou sair porque não estão me atendendo”. Como é que vai sair no meio de uma pandemia, com pessoas morrendo? Você está no meio de uma guerra e vai pensar: “Não estou bem na foto”?.
Não é razoável. Se tem gente que diz que eu fui avalista, tenho que ter um compromisso de entregar isso na próxima eleição do jeito que peguei. Eu peguei uma democracia e entregarei uma democracia. Peguei uma inflação alta e entregarei uma inflação mais baixa. Peguei o país crescendo 1% e o entregarei crescendo 3%. Peguei o país com 12 milhões de desempregados e o entregarei com dez. Temos que ter compromisso de melhorar o país.
Como o senhor recebe as críticas de que o seu plano não saiu do papel?
É um negacionismo dizer que não temos plano, que não estamos fazendo nada, que promete e não entrega. Isso dói. Isso é uma falta de reconhecimento ao trabalho, uma negação de coisas que são autoevidentes e empíricas. “Eles não fizeram”. Não fizeram o quê? A reforma da previdência? “Ah não, mas o Temer ia fazer”. Por que não fez? É uma negação dos nossos méritos. Nosso programa é reconhecido por todos e dizer que não o conhece é negacionismo ou uma desonestidade intelectual. Até as pedras sabem do nosso programa.
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O senhor perdeu os seus principais secretários. Por que houve mudanças em sua equipe?
Nós jogamos dois anos na defesa. Agora nós vamos para o ataque. Quais foram os dois anos na defesa? Controle na dinâmica de gastos do governo. Fizemos a reforma da Previdência, derrubamos a dívida/PIB e o déficit no primeiro ano. No primeiro ano de governo, o déficit primário era 2% do PIB e caiu pela metade. A dívida era 76,4% do PIB e caiu para 75,4%.
Não demos aumentos de salários por três anos e nenhum governo fez isso. Jogamos na defesa, travando as despesas. Depois de dois anos jogando assim, há desgastes naturais na equipe. O que aconteceu agora foi uma reavaliação do grupo, o que no setor privado acontece com uma frequência. Isso estava marcado para acontecer no início de 2020, mas a pandemia chegou. Nós não recuamos na nossa política e não nos retiramos de combate.
Nós podemos ser derrotados, mandados embora, aniquilados, vencidos. Mas não tem rendição. O lema do grupo é: “Não desistimos”. Então, se alguém desistir sai do grupo. O Salim (Mattar, ex-secretário de Desestatização) desistiu.
Há uma pressão política para recriar o Ministério do Planejamento?
Durante a campanha e logo depois da eleição do presidente, houve um esforço enorme para não deixar juntar os ministérios. Houve muito lobby contra a fusão dos ministérios, particularmente em relação ao Ministério da Indústria e Comércio. Agora, há, sim, algumas pressões para desmembrar.
Mas o presidente não conversa sobre isso comigo. Ele nunca conversou sério disso comigo. Ele só brinca. Fala: “Olha, você sabe que, volta e meia, tem pressão política aí para fazer isso”. Eu falo: “Eu sei, presidente”. Mas a nossa capacidade de implementar uma política consistente, como estamos fazendo, depende de estar junto. Se tiver comando duplo, triplo na economia, rapidamente vamos para a desorganização. Aí, você diz assim: “Bom, o Ministério do Planejamento não fez falta no Orçamento?”. Nenhuma.
E qual foi o problema do Orçamento?
O governo achou o eixo político de sustentação e começou a avançar. Aí veio o primeiro exercício de fazer o Orçamento juntos. Nesse exercício conjunto, o time mostrou seu desentrosamento. Eu falo que toda informação tem um sinal e um barulho. O barulho é que tem uma crise terrível, tremenda. A informação é que é o primeiro Orçamento elaborado por uma nova configuração política. É uma coalizão política tentando dar seus primeiros passos juntos. E isso está muito claro hoje. Alguns atores se excederam durante a elaboração do Orçamento.PUBLICIDADE
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O senhor disse que os chineses teriam ‘inventado’ o vírus da Covid-19. Essa declaração criou um ruído e o colocou no foco da CPI da Covid…
Criou. Desde o início do governo, falei que o Brasil ia dançar com todo mundo. Nunca houve movimento meu contra a China. Eu considero aquele comentário meu dentro de um contexto. Eu quis dar o exemplo de quando a economia de mercado é forte e robusta, ela consegue se adaptar em pouco menos de um ano e criar uma vacina ainda mais eficiente do que as vacinas produzidas na própria região que está muito mais habituada a esse tipo de doença. Aí desvirtuam tudo. Eu, aliás, tomei a CoronaVac.
Como o senhor vê a possibilidade de ser convocado pela CPI da Covid?
Eu fui nove vezes ao Congresso em tempo real durante a pandemia. Se me chamar, vai ser a décima vez. Eu quero elogiar a comissão mista (da Covid-19)do Congresso sob orientação do senador Confúcio Moura e do deputado Francisco Júnior. A CPI é parte do jogo democrático. Dito isso, usar isso que eu falei para confundir com CPI, eu acho um oportunismo. Quero fazer uma reflexão.
Estamos em meio à pandemia. Isso é equivalente a fazer um tribunal de guerra durante a guerra contra o vírus. Para mim, é inédito. Você acha que a classe política vai sair bem disso? Foi o que eu sempre falei: subir em cadáveres para fazer política numa hora dessas… Acho que a população brasileira não vai apreciar isso. Ela quer resolver o problema. Ela quer a preservação da vida e dos empregos.
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A investigação da CPI não é importante para corrigir os rumos das políticas públicas contra a pandemia?
Eu acho que levantar o tema, de que nós vamos fazer uma CPI, já estimularia a correção de rumos. Temos um desafio difícil pela frente: evitar que a politização da crise piore a gestão da crise. Vacinação em massa e reformas é o ganha-ganha. Acho que precisa desse equilíbrio: de um lado, vamos fazer a CPI que eles acharem que é oportuno fazer, mas, por outro, não paralisem as reformas.
Temos nos próximos 90 dias as reformas administrativa e tributária e os marcos regulatórios para destravar os investimentos. Quer fazer a agenda de CPI, pense que estamos no meio de uma pandemia. Faça, mas com alguma moderação para não desorganizar tudo. Tanto as medalhas quanto as avaliações nos tribunais de guerra são feitas logo após a guerra.
De que maneira o atraso da vacinação em massa penalizou a retomada do crescimento econômico?
É claro que durante uma guerra há falhas. Nós, por exemplo, lançamos um programa de crédito no início que não funcionou bem.
A autonomia do Banco Central, já aprovada, está sendo questionada no STF por PT e PSOL e até mesmo pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Como o senhor vê isso?
Acho que merece um alerta muito sério. Estamos dessincronizando o ciclo político da gestão monetária. Há muitas acusações a governos passados que usaram o Banco Central para reeleição. Você vê a ironia. Quando você faz uma política de Estado, vem a própria oposição, o PT, e questiona a política de Estado. Eu não vou questionar a PGR. Com Justiça, a gente não fala nada, só olha. Mas eu acho que merece uma profunda reflexão. Quando há aumentos setoriais e transitórios de preços, como que impede que se transformem em alta generalizada de preços? É justamente um Banco Central independente.
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O governo pretende ampliar o Bolsa Família, mas ainda há o desafio dos trabalhadores informais. Qual é o plano para lidar com o desemprego e o aumento da pobreza?
A primeira coisa é a vacinação em massa. A segunda medida estamos chamando de Bônus de Inclusão Produtiva (BIP). Da mesma forma que se dá R$ 200 para uma pessoa que está inabilitada receber o Bolsa Família, por que não poderia dar R$ 200 ou R$ 300 para um jovem nem-nem? Ele nem é estudante nem tem emprego. Ou seja, é um dos invisíveis.
Agora, esse jovem vai ter que bater ponto e vai ser treinado para o mercado de trabalho. Ele vai ser servente de pedreiro, mecânico… É uma oportunidade. Ele é a vítima da nossa legislação trabalhista. Quando você bota lá o salário mínimo, um rapaz filho de uma classe média, que estudou em uma boa universidade, fala duas línguas, ele consegue emprego com salário mínimo.
Qual seria a contrapartida da empresa?
Zero. Ajuda o Brasil, treina o menino. Estamos estudando. Isso deve vir rápido para esse segmento dos invisíveis. Temos que erradicar a miséria. A grande lição do ano passado foi que, com o dinheiro que vai direto para quem precisa, tivemos a maior redução de pobreza em 40 anos. Essa lição não pode ser esquecida. Vamos ter que reforçar o Bolsa Família e criar os programas de inclusão produtiva.
O maior exemplo de compromisso com a saúde é que eu falei que tem que criar voucher. Acho natural que, com as novas tecnologias, as pessoas queiram viver 100 anos. O grande desafio é como ajudaremos nesse sentido as camadas mais frágeis. Por que um sujeito rico se interna no (hospital) Albert Einstein e o pobre tem que ficar numa fila do SUS durante dez dias? Se o pobre tiver um voucher e não tiver vaga no SUS, ele vai na rede privada. São soluções privadas efetivas para problemas públicos gravíssimos.
O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, determinou a realização do Censo pelo IBGE. Como o senhor vai responder a isso?
O nosso Orçamento enviado ao Congresso tinha previsão dos recursos para o Censo. O Congresso, acredito que pensando na pandemia, e não nas verbas, deve ter achado sensato tirar (do Orçamento). Se fizemos a previsão é porque sabemos a importância de ter o Censo para orientar políticas públicas. E esperamos agora, depois da decisão do ministro Marco Aurélio, a orientação da Advocacia-Geral da União (AGU). Imagino que o Congresso tenha visto o Censo como elemento de risco para a pandemia. Mandar um pesquisador de casa em casa para fazer perguntas pode criar um agente de transmissão do vírus.
Fonte:
O Globo