crise
Bernardo Mello Franco: O pit bull que morde o governo
Sem cargos no governo, os filhos de Bolsonaro vão se especializando em fabricar crises. Desta vez, o tumulto tem origem no dedo nervoso de Carlos, o Zero Dois
Jair Bolsonaro costuma chamar o filho Carlos de “meu pit bull”. Ontem o cão raivoso voltou a morder o governo. O Zero Dois atacou o secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Chamou de mentiroso um dos ministros com gabinete no Planalto.
O tuíte de Carluxo abriu uma nova crise no bolsonarismo. O ministro já estava na berlinda desde que reportagens da “Folha de S.Paulo” revelaram um laranjal nas campanhas do PSL. Agora é fritado a fogo alto pelo filho mais próximo do presidente. O Zero Dois é vereador no Rio, mas prefere disputar poder em Brasília.
Na transição, ele escreveu que morte de Bolsonaro não interessaria “somente aos inimigos declarados, mas também aos que estão muito perto”. A frase foi interpretada como um recado ao vice Hamilton Mourão.
Desta vez, o ataque foi mais direto. Carluxo desmentiu Bebianno, que disse ter falado três vezes com o presidente na terça. O relato foi uma “mentira absoluta”, rebateu o herdeiro do presidente. Ele também divulgou um áudio em que o pai se recusa a atender o ministro.
Os latidos do pit bull já causavam incômodo no governo, especialmente entre os ministros militares. Ontem, parlamentares aliados também reagiram. “O filho do presidente está tentando criar uma crise dentro do governo”, acusou a deputada Joice Hasselmann. “É uma coisa de louco”, acrescentou. Não foi a primeira a associar a palavra ao Zero Dois.
Bebianno presidia o PSL durante a campanha e era responsável pela divisão do fundo eleitoral. Há fortes indícios de que o partido desviou dinheiro público. A sigla informou à Justiça que direcionou quase R$ 700 mil a cinco candidatas que somaram apenas 2.348 votos. O ministro deve explicações, mas Carluxo elevou a pressão sobre o Planalto ao torpedeá-lo.
Sem cargos no governo, os filhos do presidente vão se especializando em fabricar crises. Antes da eleição, o Zero Três ameaçou fechar o Supremo com “um cabo e um soldado”. Depois o Zero Um entrou na mira do Coaf, sob suspeita de embolsar salários de assessores. Agora o tumulto tem origem no dedo nervoso do Zero Dois.
Vera Magalhães: E, de novo, vai sobrar para os generais contornar a crise
Com 44 dias de mandato, dos quais 15 passou internado, Jair Bolsonaro promoveu ontem um processo de fritura de um ministro que começou pelas redes sociais e tendo o filho como instrumento, evoluiu para uma entrevista à TV e colocou até Sérgio Moro no olho do furacão de uma crise política que preocupa os militares e não se sabe que extensão terá.
Gustavo Bebianno praticamente foi demitido no ar por Bolsonaro, depois de um dia inteiro sob óleo quente no qual foi colocado primeiro por Carlos Bolsonaro e, depois, pelo pai em pessoa.
Embora pouco seja visto nesta função, “Carluxo” tem mandato de vereador no Rio. Mesmo não tendo cargo na gestão do pai, é um de seus principais protagonistas. Chamou de mentiroso pelo Twitter o secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Para corroborar sua tese, divulgou na mesma rede o áudio de uma conversa privativa de Bolsonaro com o auxiliar.
A indisposição de Carlos com Bebianno remonta à campanha. Por pouco ele não ficou sem ministério, mas a gratidão do então presidente eleito ao advogado, que comandou o PSL na campanha, superou a birra do filho. Agora, a suspeita de que mais de uma seção estadual do partido usou laranjas para destinar recursos do Fundo Partidário foi o pretexto para “Carluxo” voltar à carga, sob os auspícios do pai.
Caberá aos generais tentar contornar a bagunça. A área de inteligência do governo considera precedente gravíssimo o vazamento de conversas privativas do presidente. Também não aprova a interferência da família na gestão. Ao autorizar a impostura do filho e endossá-la, Bolsonaro mostra que não entende a dimensão republicana do cargo que ocupa. Mais digno seria demitir o ministro de uma vez.
Bebianno, aliás, disse que não pedirá demissão pois não fez nada de errado no caso do laranjal do PSL. O risco político de se fritar um aliado que sabe muito é que, ao cair, ele pode decidir não sair pela porta dos fundos do palácio. E então estará armada uma crise cujos desdobramentos podem implodir o partido do presidente e dificultar a aprovação da reforma da Previdência. Não custa lembrar que ela estava prestes a ser aprovada no governo Michel Temer quando veio o caso JBS e implodiu tudo.
Folha de S. Paulo: Apoiado por Bolsonaro, filho ataca ministro e agrava crise
Filho de Bolsonaro ataca ministro, e caso dos laranjas do PSL abre crise no governo. Carlos Bolsonaro chamou Gustavo Bebianno de mentiroso; Folha revelou caso dos candidatos
SÃO PAULO E BRASÍLIA - A revelação do esquema de candidaturas laranjas do PSL pela Folha provocou uma crise no governo de Jair Bolsonaro, alavancada pelo ataque do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno.
Nomes importantes da bancada do PSL na Câmara se manifestaram sobre o caso, aumentando a tensão no partido, que está sob pressão com a série de reportagens do jornal sobre o uso de candidaturas laranjas para desviar verba do fundo partidário nas eleições.
No centro da crise estão o presidente atual do PSL, o deputado federal Luciano Bivar (PE), e Bebianno, que presidiu o partido no ano passado, inclusive durante o período eleitoral.
Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) afirmou nesta quarta-feira (13) em rede social que o ministro mentiu ao dizer que conversou três vezes com seu pai, o presidente Jair Bolsonaro (PSL), no dia anterior.
“Ontem estive 24h do dia ao lado do meu pai e afirmo: 'É uma mentira absoluta de Gustavo Bebbiano [sic] que ontem teria falado 3 vezes com Jair Bolsonaro para tratar do assunto citado pelo Globo e retransmitido pelo Antagonista'.”
O presidente quer uma solução rápida para o caso, discutiu com o ministro e o fez cancelar agendas, o que aumentou a pressão entre aliados para que Bebianno peça para sair do governo.
O deputado Alexandre Frota (PSL-SP) afirmou que o seu partido “não passará a mão na cabeça de bandido”. “Ontem [terça (12)], a maioria dos partidos de esquerda que subiram aqui [na tribuna da Câmara] falou que o PSL é um partido de laranjas. O PSL não é um partido de laranjas”, afirmou Frota.
“Qualquer secretário, deputado, ministro envolvido em qualquer coisa, essa laranja podre vai cair”, disse.
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) criticou Carlos Bolsonaro pelo ataque feito a Bebianno. "Não pode se misturar as coisas. Filho de presidente é filho de presidente. Temos que tomar cuidado para não fazer puxadinho da Presidência da República dentro de casa para expor um membro do alto escalão do governo dessa forma", disse Joice.
Reportagem da Folha deste domingo (10) revelou que o grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), recém-eleito segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, criou uma candidata laranja em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição de 2018. O dinheiro foi liberado por Bebianno.
Maria de Lourdes Paixão, 68, que oficialmente concorreu a deputada federal e teve apenas 274 votos, foi a terceira maior beneficiada com verba do PSL em todo o país, mais do que o próprio presidente Bolsonaro e a deputada Joice Hasselmann (SP), essa com 1,079 milhão de votos.
O dinheiro do fundo partidário do PSL foi enviado pela direção nacional da sigla para a conta da candidata em 3 de outubro, quatro dias antes da eleição. Na época, o hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidência era presidente interino da legenda e coordenador da campanha de Jair Bolsonaro (PSL), com foco em discurso de ética e combate à corrupção.
Apesar de ser uma das campeãs de verba pública do PSL, Lourdes teve uma votação que representa um indicativo de candidatura de fachada, em que há simulação de atos de campanha, mas não empenho efetivo na busca de votos.
A candidatura laranja virou alvo da Polícia Federal, da Procuradoria e da Polícia Civil do estado.
Nesta quarta (13), a Folha revelou ainda que Bebianno liberou R$ 250 mil de verba pública para a campanha de uma ex-assessora, que repassou parte do dinheiro para uma gráfica registrada em endereço de fachada —sem maquinário para impressões em massa.
O ministro nega irregularidades e diz que cuidou apenas da eleição presidencial.
O PSOL protocolou nesta quarta representação contra o PSL na Procuradoria-Geral da República sobre as suspeitas de uso de laranjas em campanhas eleitorais de membros do partido.
A sigla oposicionista também entrou com um requerimento na Câmara para convocar Gustavo Bebianno para esclarecimentos. O pedido enviado pede ainda que o partido governista seja investigado por supostas apropriação indébita eleitoral, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Na semana passada a Folha havia publicado que o atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, patrocinou um esquema de candidaturas de fachada em Minas que também receberam recursos volumosos do fundo eleitoral do PSL nacional e que não tiveram nem 2.000 votos, juntas. Parte do gasto que elas declararam foi para empresas com ligação com o gabinete de Álvaro Antônio na Câmara.
Após essa revelação sobre o ministro do Turismo, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, afirmou que esse caso deveria ser investigado. A Procuradoria-Regional Eleitoral de Minas Gerais decidiu apurar o caso.
Hospitalizado até o final da manhã desta quarta-feira, o presidente Bolsonaro ainda não se pronunciou sobre o tema. Ele tem feito declarações por meio de redes sociais, mas não comentou o assunto até o momento.
O ex-juiz Sergio Moro, ministro da Justiça, afirmou, também sobre o colega de ministério, que o caso será apurado "se surgir a necessidade".
Ainda na terça-feira, o ministro negou que esteja protagonizando uma crise no governo Bolsonaro e disse que trocou mensagens sobre o caso com o presidente.
El País: Na TV, Bolsonaro diz que ministro mentiu e adverte o vice Mourão
Filho do presidente chamou ministro do núcleo duro do Planalto de "mentiroso" e foi retuitado pelo pai. Onyx defende colega, mas parlamentares se queixam de desgaste por causa dos indícios de sigla usou candidatas-laranja
Após 17 dias afastado do centro do poder político, o presidente Jair Bolsonaro(PSL) teve alta hospitalar e desembarcou nesta quarta-feira em Brasília com algumas bombas a desarmar. A principal delas é a crise provocada pelos indícios de que seu partido, o PSL, usou candidaturas-laranja na eleição e o mal-estar com o seu ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que comandava a sigla durante a campanha. Bolsonaro endossou críticas públicas a Bebianno feita por um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro. A conta oficial do Twitter do mandatário replicou a mensagem de Carlos que acusava o ministro, até então um dos homens-fortes do Planalto, de mentir ao mencionar contatos com o presidente. Depois, o próprio Bolsonaro disse o mesmo em entrevista à TV Record.
"É mentira", disse o presidente na entrevista ao canal de TV, negando ter conversado com seu ministro a respeito da crise enquanto ainda convalescia de uma operação intestinal no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Bolsonaro não anunciou, no entanto, que Bebianno deixaria o cargo. O mandatário disse ter ordenado à Polícia Federal que investigue os casos suspeitos no PSL. "Se (Bebianno) tiver envolvido, logicamente, e responsabilizado, lamentavelmente o destino não pode outro a não ser voltar às suas origens", seguiu.
Advogado de formação, Bebianno se aproximou de Bolsonaro há apenas dois anos. Em 2018, a pedido do então pré-candidato a presidente, assumiu interinamente o comando do PSL no período eleitoral, quando ao menos três candidaturas aparentemente fictícias foram lançadas pela legenda. Uma delas, a de Maria de Lourdes Paixão (PSL-PE), abocanhou 400.000 reais do fundo partidário, que é composto de dinheiro público. Outra, de Érika Siqueira Santos (PSL-PE), recebeu 250.000 reais, autorizados pelo hoje ministro. Os casos foram revelados pelo jornal Folha de S. Paulo.
O incômodo político-familiar cresceu depois que o ministro afirmou à imprensa que tinha conversado com Bolsonaro sobre as candidaturas-laranjas na terça-feira, quando ele ainda estava internado. Em um aparente movimento para blindar o pai do desgaste do escândalo, Carlos, usou suas redes sociais para dizer que Bebianno mentiu. “É uma mentira absoluta de Gustavo Bebbiano (sic) que ontem teria falado 3 vezes com Jair Bolsonaro para tratar do assunto citado pelo Globo e retransmitido pelo Antagonista.” Em mais um ineditismo de um Governo que orbita nas redes sociais, o vereador ainda publicou no Twitter um áudio no qual o presidente diz que não iria conversar com Bebianno naquele dia. “Ô Gustavo, tá complicado de conversar, ainda. Eu não vou falar, não vou falar com ninguém, a não ser estritamente o essencial. Estou em fase final de exames para possível baixa hoje. Tá, ok? Boa sorte, aí”, diz a gravação.
Horas depois, o presidente replicou as mensagens de Carlos. Já em Brasília, seguiu para o Palácio da Alvorada e não teve agenda pública. Bebianno, por sua vez, também não participou de eventos públicos nem respondeu às perguntas da reportagem, por telefone e por e-mail, sobre o tema. Ao G1, Bebianno disse que não pretende pedir demissão e que aguardará a decisão do mandatário.
Não há roupa suja a ser lavada! Apenas a verdade: Bolsonaro não tratou com Bebiano o assunto exposto pelo O Globo como disse que tratou: pic.twitter.com/pJ4bkvMMGj
Desgaste na base
Mesmo antes da entrevista da TV Record ir ao ar, entre assessores da presidência e alguns aliados do Governo a demissão de Bebianno era dada como quase certa. No plenário da Câmara, o deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP) queixou-se das críticas que a legenda vem recebendo. “A maioria dos partidos de esquerda que subiram aqui [na tribuna da Câmara] falou que o PSL é um partido de laranjas. O PSL não é um partido de laranjas”. Disse ainda que ninguém será protegido pelo Governo, caso cometa alguma irregularidade. “Qualquer secretário, deputado, ministro envolvido em qualquer coisa, essa laranja podre vai cair.”
Outra parlamentar que atua na linha de frente de Bolsonaro, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), reclamou das postagens de Carlos. “Não pode se misturar as coisas. Filho de presidente é filho de presidente. Temos que tomar cuidado para não fazer puxadinho da Presidência da República dentro de casa para expor um membro do alto escalão do governo dessa forma”, criticou.
O chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), amenizou a crise e defendeu seu colega na Esplanada dos Ministérios. “Ajustes nas relações são normais. Temos 40 dias de Governo. O presidente ficou quase 20 hospitalizado. Temos de ter calma. O ministro Gustavo Bebianno é uma pessoa superdedicada ao projeto, é um homem sério, responsável, correto”.
De oposição a Bolsonaro no Congresso, o PSOL apresentou um requerimentopedindo a convocação dele para prestar esclarecimentos na Câmara e uma representação criminal na Procuradoria-Geral da República.
Outras bombas a desarmar e advertência a Mourão
Em menos de dois meses de um Governo eleito com a bandeira anticorrupção, é o segundo caso em que o presidente é cobrado a se explicar. O outro, também em investigação, trata de movimentações suspeitas de um ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. Se não bastasse isso e agora a crise em seu partido, Bolsonaro terá ainda nos próximos dias de resolver problemas pontuais –e não tanto– nas mais diversas áreas. Na econômica, terá de dar encaminhamento à sua reforma da Previdência, escolhendo qual proposta será enviada ao Congresso até o dia 20. Na entrevista à TV Record, o presidente prometeu "bater o martelo" sobre a questão na tarde desta quinta-feira. Em outra frente, terá também de conter uma queda de braço entre os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tereza Cristina (Agricultura), que não se entenderam sobre a taxação de leite que é importado pelo Brasil. A taxa caiu. Depois da reclamação da bancada ruralista, voltou.
Todos esses ruídos já acendem os primeiros alertas nos investidores do mercado financeiro, que esperam ansiosos por sinais de estabilidade que possam reforçar as chances de o Governo aprovar no Legislativo reformas econômicas liberais, especialmente a mudança nas aposentadorias. A questão é que, na relação com o Congresso, o presidente também terá de deter os primeiros danos: as críticas feitas ao seu inexperiente líder na Câmara dos Deputados, o major Vitor Hugo (PSL-GO), um parlamentar em primeiro mandato. Com Bolsonaro hospitalizado, Hugo tentou reunir os líderes do partido aliado e não conseguiu. Tem sido vítima até de fogo amigo do PSL. Deputados entendem que era necessário ter alguém mais experiente no trato com os colegas. Por ora, o presidente deverá mantê-lo na função.
Já no Senado, o presidente também está em busca do líder de seu Governo. A ideia é que seja algum político fora do PSL. O nome ventilado até agora é o de Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Dois fatores pesam contra ele, no entanto, ser do MDB e aliado de Renan Calheiros (MDB-AL), o cacique que foi derrotado por Davi Alcolumbre (DEM-AP) na disputa pela presidência do Senado. Ainda falta definir também o líder do Governo no Congresso. Segundo o ministro Onyx, os nomes serão levados a Bolsonaro neste fim de semana e devem ser anunciados em breve.
Na entrevista à TV Record, o presidente acrescentou ainda um item na agenda de arestas: afinar os ponteiros com o vice-presidente, Hamilton Mourão. Questionado sobre a atuação do vice durante sua convalescência, Bolsonaro afirmou que o vice dá "escorregadas" ao falar com a imprensa, mas frisou que há harmonia entre os dois. "Circulou pela mídia que os generais do governo queriam que eu me afastasse para o Mourão assumir. Isso não houve, estamos muito bem no Governo".
Demétrio Magnoli: Ladrões de petróleo na Venezuela
Os malvados americanos não ditavam os preços do barril
‘A propriedade é um roubo!”, escreveu Pierre-Joseph Proudhon em 1840. Karl Marx fez gato e sapato do anarquista francês, explicando que a economia capitalista é um tanto mais complicada que isso. Não adiantou, a julgar pelas inclinações proudhonianas da esquerda contemporânea, em particular quando se trata de julgar as motivações do “imperialismo americano”. Fernando Haddad, por exemplo, mesmo ao criticar (suavemente) a presença de Gleisi Hoffmann na posse de Nicolás Maduro, dirigiu suas baterias contra a oposição venezuelana, acusando-a de “buscar um status quo anterior”, quando a Venezuela seria “um quintal cheio de petróleo para os americanos”.
A ideia do roubo de recursos naturais corre solta, em meio ao dramático declínio intelectual da esquerda. Há décadas, circula a tese de que os americanos planejam surrupiar a água doce da Amazônia, a fim de abastecer a insaciável Califórnia. Nunca se esclareceu se isso se faria por meio do transporte em baldinhos ou por via técnica menos dispendiosa. No caso do petróleo, porém, a noção infantil do roubo parece menos fantasiosa e, talvez por isso, ganhe ares de coisa séria o suficiente para ser incorporada ao discurso de um professor de Filosofia.
Mas qual roubo? No tempo em que a Venezuela era “um quintal cheio de petróleo”, os americanos o compravam, segundo cotações definidas pelo mercado mundial. Os malvados americanos não ditavam os preços do barril. Antes, a Opep o fazia, sob influência decisiva da Arábia Saudita. Depois, com a explosão do óleo de xisto nos EUA, o mercado tornou-se mais competitivo. Num ponto intermediário, os preços do barril saltaram a níveis recordistas, em torno de US$ 100. Nesse período, a Venezuela seguiu, alegremente, exportando óleo para os EUA — o que propiciou a Hugo Chávez expandir sua popularidade e consolidar seu regime.
A geografia separa radicalmente a Venezuela da China. O petróleo extrapesado da Faixa do Orenoco exige processos de refino singulares, para os quais estão adaptadas diversas refinarias dos EUA. Sob Maduro, Guaidó ou quem quer que seja, o mercado americano continuará sendo vital para as exportações venezuelanas. Hoje, graças ao óleo de xisto, custa muito menos para os EUA dispensar os suprimentos da Venezuela do que custa à Venezuela encontrar consumidores alternativos. Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a vã filosofia de Haddad.
Qual roubo, afinal? A tese talvez não se refira ao comércio, mas aos investimentos. A pérfida oposição venezuelana abriria os campos da Faixa do Orenoco aos investimentos das companhias “ianques”, rompendo o monopólio da PDVSA, a estatal petroleira da Venezuela.
O raciocínio, contudo, esbarra em duas dificuldades. A primeira é que inexiste monopólio da PDVSA. Sob o chavismo, empresas como a norueguesa Equinor (ex-Statoil), a espanhola Repsol e a americana (sim: ianque!) Chevron exploraram petróleo no Orenoco em associação com a PDVSA. A segunda é que, devastada pelo chavismo, a estatal extrai, hoje, pouco mais de um milhão de barris/dia, contra 3,1 milhões em 1998. De fato, a Venezuela precisa de investimentos estrangeiros. Sem eles, não recuperará sua capacidade de exportar — e, portanto, de importar bens de consumo e de produção.
Sob Lula e Dilma, o Brasil não cedeu à tentação de restaurar o monopólio estatal da exploração de petróleo. Os governos petistas limitaram-se a trocar o sistema de concessão pelo de partilha — e não cumpriram a promessa populista da redenção nacional pelo pré-sal. Por que a Venezuela deveria ser condenada por uma eventual tentativa de recuperar os níveis de extração alcançados antes do chavismo?
A lenda sobre o roubo do petróleo revela uma confusão mais profunda, que é a identificação de recursos naturais com riqueza social. Os primeiros são substâncias que ocorrem na natureza e encontram uso econômico útil. A segunda é a capacidade de inventar tecnologias que aumentem o bem-estar da sociedade. Atenção, Haddad: isso depende de educação e ambiente institucional. E não pode ser roubado.
El País: Pressionado por ultimato europeu, Maduro se nega a abandonar o poder
O líder chavista rejeita, em entrevista na TV, a possibilidade de convocar eleições presidenciais
O líder chavista Nicolás Maduro rejeitou neste domingo em uma entrevista ao programa Salvados, de La Sexta, a possibilidade de abandonar o poder ou convocar eleições presidenciais. "Eu não aceito ultimatos de ninguém, a política internacional não pode ser baseada em ultimatos, por que a União Europeia deveria dar ordens a um país?", questionou Maduro, referindo-se ao prazo de oito dias — que terminou à meia-noite europeia — que foi dado por vários países europeus, incluindo Espanha, França, Reino Unido e Alemanha, para convocar eleições presidenciais. Na segunda-feira, espera-se que esses parceiros europeus reconheçam claramente o autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, após o prazo de oito dias dado ao líder chavista.
Ao final da entrevista, o apresentador do programa, Jordi Évole, ligou para Guaidó na frente de Maduro, mas seu telefone estava desligado e a caixa de correio estava cheia. O líder chavista deixou uma mensagem: "Pense bem no que você está fazendo, que você é um jovem, que você tem muitos anos de luta, que você não machuque mais o país, que você abandonou a estratégia do golpe, pare de simular uma presidência para a qual ninguém o escolheu, e se ele quer contribuir com algo, ele que se sente a uma mesa de conversação, cara a cara, diretamente, e nós falamos sobre os problemas do país, as soluções, que a política não é um jogo para meninos, exige muita responsabilidade, muito bom senso, por isso estou pedindo que você não seja usado por governos estrangeiros ou pelos velhos caciques da direita ”.
Durante a entrevista, Maduro acusou repetidamente Guaidó. "Há apenas um presidente da Venezuela", disse ele. E acrescentou: "Esta pessoa não é autorizada por nenhum artigo [legal], é uma piada autoproclamada em uma praça, não tem base constitucional, legal, protocolar, formal...". "Eles buscam dividir e uma intervenção que impõe um governo fantoche, eles tentam gerar a impressão de um governo paralelo que existe na mídia internacional, mas não existe na realidade", acrescentou.
Maduro argumentou que o processo de mobilização da oposição e a autoproclamação de Guaidó é parte de um golpe de Estado. "É uma campanha muito perigosa, como a que fizeram na Líbia", alertou, e defendeu a decisão de armar as milícias populares. "São as pessoas organizadas com armas em bairros, fábricas, universidades, dois milhões, há 50.000 unidades com um sargento cada, as pessoas já estão se armando", explicou.
Quando questionado sobre o risco de um conflito armado, Maduro disse: "Não depende de nós". Ele acrescentou: "Tudo depende do nível de loucura e agressividade do império do norte e seus aliados, eles querem voltar para o século 20, para saquear nossos recursos naturais, não pode ser." Quanto à possibilidade de um diálogo com a oposição, assegurou que fez "mil propostas privadas e públicas" tanto à oposição quanto ao governo dos Estados Unidos, ao qual pediu "respeito" e atribuiu ao racismo a falta de de comunicação: "A supremacia branca que governa a Casa Branca absolutamente despreza nosso povo."
Folha de S. Paulo: Após crise, Itamaraty está sob tutela de militares do governo
Ação ocorreu após Ernesto Araújo assinar documento sobre a Venezuela sem consultar generais
Por Igor Gielow, da Folha de S. Paulo
A ala militar do governo promoveu uma espécie de intervenção branca no Itamaraty, tutelando os movimentos do chanceler Ernesto Araújo sobre temas considerados sensíveis —crise na Venezuela à frente.
O chanceler, que nunca comandou um posto no exterior, se indispôs com os militares logo na largada do governo, numa crise até aqui inaudita.
No dia 4 de janeiro, ele participou de reunião no Peru do Grupo de Lima, que reúne 14 países para discutir a situação política venezuelana.
O grupo, que considera ilegítima a reeleição do ditador Nicolás Maduro no ano passado, se encontrou para determinar novas medidas contra o governo em Caracas.
Quando o documento foi divulgado, militares ligados à área de inteligência ficaram de cabelo em pé com o item “D” das providências anunciadas: “Suspender a cooperação militar com o regime de Nicolás Maduro”, dizia o texto.
Só que Araújo não consultou a área militar sobre isso. E é justamente a cooperação com as Forças Armadas venezuelanas que mantém o Brasil minimamente informado sobre os passos da ditadura.
Isso ocorre tanto devido ao “backchannel”, informações de bastidor trocadas por oficiais, como com a observação direta da área de inteligência. Como diz um experiente negociador da região, o Brasil sabe mais sobre Caracas por meio dos próprios militares chavistas do que por canais diplomáticos regulares.
Isso aconteceu enquanto uma outra crise, essa pública, transcorria. Também na primeira semana do governo, o presidente Jair Bolsonaro e o chanceler defenderam a instalação de uma base americana no Brasil, algo que soa herético aos militares daqui.
O general da reserva Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) buscou o reduzir a um mal-entendido por parte da mídia —o fato de que o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, confirmou a oferta foi convenientemente deixado de lado.
No caso da Venezuela, alguns oficiais sugeriram que Araújo fosse demitido. Outros ponderaram sobre o dano de imagem que tal queda geraria e sugeriram que ele se consultasse mais com os ministros egressos da área militar.
Pelo menos dois generais com assento importante no governo conversam regularmente com o chanceler.
Um diplomata alinhado à nova chefia diz que isso é normal, dada a sobreposição de responsabilidades entre Itamaraty e militares.
Já um outro embaixador, em posição mais privilegiada mas no campo que Araújo promete remover de cargos de comando no ministério, afirma que não há comunicado sensível do chanceler que não tenha o teor discutido com a área de Defesa.
Seja qual for a gradação, o efeito da tutela foi visto ao longo do mês. Araújo reduziu sua visibilidade no caso Venezuela a poucas declarações e 7 das 22 postagens que fez no Twitter em janeiro.
Na mão inversa, o general Hamilton Mourão, o vice-presidente que ocupou a cadeira de Bolsonaro por seis dias no mês, falou em diversas ocasiões vezes sobre a crise.
Numa delas, na semana passada, indicou qual os caminho que as Forças Armadas da Venezuela deveriam tomar: oferecer uma saída ao ditador.
Mourão também antecipou movimentos que Araújo confirmou em entrevista coletiva na sexta (1º), como atender o pedido do líder oposicionista Juan Guaidó para o envio de ajuda à Venezuela e promover sanções econômicas contra membros do regime.
Até por não ser demissível, o general tem vocalizado a insatisfação. Como presidente interino, recebeu duas delegações árabes para dizer que não haverá a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, promessa de campanha de Bolsonaro repetida ao premiê israelense, Binyamin Netanyahu.
Araújo apenas disse que mudança está em estudo.
O movimento é destinado a agradar a base evangélica do presidente, que vê no reconhecimento da cidade como capital de Israel o restabelecimento de uma verdade bíblica e uma antessala para a volta de Cristo à Terra.
Os árabes, grandes compradores de aves brasileiras, prometem retaliar porque o status de Jerusalém é disputado entre palestinos e israelenses.
O vice também descartou, como já fizera o general Heleno e o próprio Bolsonaro, qualquer intervenção militar contra Maduro. A ideia foi ventilada várias vezes pelo presidente americano, Donald Trump, e os fardados temem que o chanceler se inspire em seu ídolo declarado.
Mourão também trocou farpas públicas com Olavo de Carvalho, o misto de escritor e ideólogo a quem Araújo deve seu discurso político e a indicação, feita por meio de Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL-SP. Ele, Araújo e o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, são alunos de Olavo engajados no projeto de “livrar o Itamaraty das amarras ideológicas”, como diz o presidente.
O vice também criticou o chanceler numa entrevista à revista Época, dizendo que ele não havia dito a que veio. Em particular, oficiais da ala militar e generais da ativa são bem menos diplomáticos, especialmente quando comentam o caudaloso discurso de estreia de Araújo. Outras manifestações, como o artigo em que creditou a Deus a união entre Bolsonaro e Olavo, são apenas alvo de chacota.
Não por acaso, Mourão tem se encontrado com embaixadores para tentar desfazer a má impressão que o governo Bolsonaro causa entre políticos estrangeiros —salvo, naturalmente, Trump e líderes assemelhados na Itália, Hungria ou Israel.
Folha de S. Paulo: Sob pressão de militares, Bolsonaro tenta deixar Flávio sozinho com crise
Setores sugeriram até que o filho do presidente não assumisse cadeira no Senado devido ao agravamento das suspeitas no Rio
Por Igor Gielow, da Folha de S. Paulo
Com o aumento da cobrança de setores militares, o governo Jair Bolsonaro (PSL) começou a deixar o filho mais velho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), sozinho para explicar o cada vez mais nebuloso caso envolvendo seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
O que os apoiadores do governo não sabem dizer ainda é se a tática será eficaz e, principalmente, se não veio tarde demais.
"Se por acaso ele errou e isso for provado, lamento como pai, mas ele terá de pagar o preço por esses atos que não podemos aceitar", afirmou Jair Bolsonaro nesta quarta (23) à Bloomberg, em Davos (Suíça), onde participa do Fórum Econômico Mundial.
A Folha apurou junto a oficiais generais da ativa, das três Forças, que existe um consenso de que Flávio não foi convincente até aqui nas explicações sobre o cipoal que mistura operações financeiras envolvendo imóveis no Rio com a movimentação atípica de valores seus e de seu ex-assessor.
Após a repercussão da declaração, Bolsonaro disse, em entrevista à Record, que acredita no filho e que as acusações contra ele são infundadas.
"Não é justo atingir um garoto, fazer o que estão fazendo com ele, para tentar me atingir", declarou o presidente.
A crise em torno do caso foi agravada na terça (22), quando uma operação liderada pelo Ministério Público fluminense mirou o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, suspeito de liderar uma milícia e um grupo de extermínio na zona oeste do Rio.
O gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio empregou a mulher e a mãe do ex-PM quando ele já era investigado, e o senador eleito jogou a responsabilidade sobre Queiroz pelas indicações.
Para um general ouvido pela reportagem, isso tornou rifar o primogênito dos Bolsonaros uma prioridade. Como fazê-lo sem envolver o presidente, essa é outra questão.
Ele afirma, no que concorda um almirante, que a mera ligação com o gabinete não implica culpa de Flávio, mas é basicamente impossível de ser respondida de forma satisfatória para a opinião pública.
Alguns setores da cúpula das Forças Armadas fizeram chegar ao núcleo militar do Planalto a sugestão de que Flávio não assumisse a cadeira no Senado, em fevereiro. Isso poderia, para eles, evitar a contaminação do debate legislativo pelo caso.
O temor é menos por efeitos objetivos, já que Comissões Parlamentares de Inquérito geralmente acabam em nada, mas pela necessidade de estabelecer um toma lá, dá cá logo de saída para garantir a tramitação das reformas econômicas que serão propostas pelo governo Bolsonaro.
A Folha ouviu de um defensor dessa tese que o preço a pagar, no caso de a situação de Flávio se agravar, será um maior distanciamento das Forças Armadas do governo.
Um membro do grupo militar no Planalto desconsidera a hipótese, por considerar que equivaleria a uma confissão de culpa. Acha também que Flávio precisa cuidar de sua defesa, mas que o Senado é um local adequado para isso.
A amigos, o senador eleito tem demonstrado tranquilidade. Foi ao Rio nesta semana para cuidar de sua mudança para Brasília, por exemplo, rejeitando quaisquer insinuações de renúncia preventiva.
Se ela acontecesse, ele perderia a prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal que reclamou e ganhou em decisão provisória na semana passada, travando as investigações, movimento que disparou o estágio atual da crise.
Se Flávio desistisse do cargo, assumiria sua cadeira o suplente Paulo Marinho, empresário que ajudou a articular a candidatura presidencial de Bolsonaro.
Na Suíça, apesar da declaração à TV da agência de notícias, Bolsonaro tem fugido do assunto. Alegando cansaço, segundo o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), o presidente deixou a imprensa atônita ao não aparecer para uma entrevista coletiva organizada pelo fórum —mais tarde, ele disse que seguiu recomendação médica.
O temor dos militares com o caso também passa pela incerteza em relação ao que ainda pode vir pela frente. Até terça, era uma confusa e suspeita sucessão de revelações sobre práticas financeiras dos deputados estaduais do Rio —como Flávio.
Agora, chegou no mundo das milícias, organizações formadas por policiais e ex-policiais que ocuparam espaços deixados pelo tráfico em favelas, cobrando por proteção e serviços aos moradores.
No caso específico da investigação sobre o ex-capitão Nóbrega, há um agravante político. O grupo de execuções extrajudiciais ao qual estaria ligado, o Escritório do Crime, é suspeito de envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), em 2018.
Autoridades deverão fazer uma ofensiva de comunicação para dissociar eventuais problemas de Flávio com a Receita de qualquer insinuação de ligação com a morte de Marielle pela via indireta de Nóbrega —que está foragido.
Não existe nada nesse sentido, mas politicamente a associação acaba sendo inevitável e já está sendo explorada pela oposição.
*Colaboraram Lucas Neves, de Davos, Talita Fernandes, de Brasília, e Rodrigo Borges Delfim, de São Paulo
Míriam Leitão: Custo da corrupção
O país ainda vive os tremores secundários do grande terremoto na economia provocado pelos casos de corrupção. Empreiteiras estão reduzidas a uma fração do que eram e os negócios nos quais estão correm perigo. A Odebrecht tem hoje 30 mil funcionários e já teve 130 mil, sua carteira de projetos caiu à metade e ela ainda não conseguiu honrar um compromisso que venceu há dias.
A sequência de sinistros na economia ainda não acabou. O aeroporto de Viracopos, que tem a UTC no grupo de controle, fez um pedido de recuperação judicial. A Andrade Gutierrez deixou de pagar uma parcela da sua dívida, da mesma forma que a Odebrecht. As duas também têm participação na Usina de Santo Antônio, que não está muito bem.
Os procuradores diziam no começo da Lava-Jato, há quatro anos, que era preciso inverter a equação do custo-benefício da corrupção. Até então, o benefício era certo, e o custo, uma possibilidade remota. Isso era um estímulo aos negócios ilícitos. Não mais. Hoje já se sabe que CEO vai pra prisão. Os custos da corrupção produziram uma redução drástica dos ativos das principais empreiteiras, a começar da Odebrecht.
A construtora teve prejuízo de R$ 2 bilhões em 2016 e mais R$ 1,17 bilhão de perdas em 2017. O grupo deixou de pagar R$ 500 milhões em um bônus da dívida e tem um prazo de carência até o dia 25 deste mês para quitar o valor. Como essa operação é garantida pela construtora, ela poderá perder ativos caso não cumpra o prazo. Mas o risco maior para o grupo é o de os credores pedirem o vencimento antecipado de outros créditos. A holding negocia com bancos um empréstimo de mais de R$ 2 bilhões. A ideia é quitar a dívida e usar parte dos recursos restantes para capitalizar a construtora.
Fabio Januário, o novo presidente da Odebrecht Engenharia e Construção, concorda que o custo da corrupção foi elevado. Ele conta que, depois das revelações da Lava-Jato, a conformidade com as melhores práticas passou a ser indispensável no mercado da construção.
— Estou convicto de que os participantes que não se adequarem não vão sobreviver. O mercado das construtoras no Brasil mudou. Converso com vários financiadores de obras, bancos, agências multilaterais e outros provedores de capital. O recado é claro. Eles não vão investir em construtora que não esteja em conformidade. O financiador também entendeu esse risco e não o aceita mais.
A atuação dos financiadores se transforma, assim, em poderoso incentivo para que as construtoras mudem. O risco, de fato, cresceu. A UTC não conseguiu vender sua participação em Viracopos e viu a concessionária entrar em recuperação judicial. Grande parte dos problemas da empreiteira, que acabaram batendo no aeroporto, decorre do escândalo que levou para a prisão o dono da empresa, Ricardo Pessoa. A recuperação judicial é o mesmo destino da OAS, que tenta reestruturar suas dívidas desde 2015 e que este ano atrasou salários de funcionários. No PIB, a construção civil registra perdas desde 2014. Em 2015, caiu 9%. No ano passado, outros 5%.
No setor de fusões e aquisições, o comentário é que ficou difícil encontrar comprador para os ativos das empreiteiras porque eles podem esconder problemas provocados pela corrupção como, por exemplo, contratos intencionalmente mal feitos.
A Andrade Gutierrez atrasou o pagamento de uma dívida de R$ 1,2 bilhão nas últimas semanas, após o TCU bloquear R$ 508 milhões da companhia. Para recuperar o fôlego, o grupo prepara uma captação de quase R$ 2 bilhões, mas terá que garantir parte da operação com o patrimônio dos acionistas.
A Odebrecht viu a carteira de projetos cair de US$ 30 bilhões para US$ 15 bi. E só agora alguns negócios começam a voltar. Nos últimos dias, a empreiteira anunciou que vai tocar a obra de um porto nos Espírito Santo, um projeto de R$ 2,1 bi. Ela construirá também a usina termelétrica de Santa Cruz, no Rio, estimada em R$ 580 milhões. Aguarda, ainda, a resposta de uma concorrência na Tanzânia de US$ 3 bilhões e disputa pelo mundo novos projetos avaliados em US$ 2 bi.
Para que o negócio das construtoras volte a dar certo, elas precisam mudar de fato. Não basta assinar novos códigos de conformidade. Antes, terão que sobreviver à turbulência. E a terra ainda treme.
(COM MARCELO LOUREIRO)
Nelson Mota: Aos amigos petistas
Petistas inteligentes sabem que o sonho acabou, ‘game over’, zé fini, pelo baixo nível e alta voracidade dos seus quadros
Nunca perdi um amigo por causa de política. Tenho vários amigos petistas que merecem meu afeto e respeito, alguns até minha admiração, e convivemos bem porque quase nunca falamos de política, talvez por termos assuntos mais interessantes a conversar. Mas agora o assunto é inevitável. E eles estão mais decepcionados do que eu.
Também tenho amigos tucanos, comunistas, conservadores, não meço a qualidade das pessoas pelo seu time, religião ou suas crenças políticas, em que sonhos, idealismo e equívocos se misturam com ambição, desonestidade e incompetência para provocar monstruosas perdas de vidas, dignidade e dinheiro ao coitado do povo que todos eles dizem amar.
O PT está caindo aos pedaços, depois de 13 anos no poder, com grandes conquistas e imensos desastres, mas a perspectiva de ser governado pelo PMDB ou pelo PSDB não é animadora. Claro que há gente decente e competente nos dois partidos, mas a maioria de seus quadros e dirigentes não é melhor do que os piores petistas, e vice-versa.
Chegamos finalmente ao “nós contra eles” que Lula tanto queria ... quando era maioria ... e agora se volta contra ele, perseguido como os judeus pelos nazistas e os cristãos pelos romanos ... rsrs.
Se não fosse tão arrogante e autoritária, Dilma mereceria pena, porque não é desonesta, mas é mentirosa e sua incompetência nos dá mais prejuízos do que a corrupção. Suas falas tortuosas são a expressão da sua confusão mental.
E se Lula não fosse tão vaidoso e ambicioso, tão irresponsável e inescrupuloso, não teria jogado a sua história na lama por achar que está acima do bem e do mal e que nunca descobririam que ele sempre soube de tudo.
Petistas inteligentes e informados sabem que o sonho acabou, game over, zé fini, não por uma conspiração da CIA, dos coxinhas ou da imprensa golpista, mas pelos seus próprios erros, pelo baixo nível e alta voracidade dos seus quadros, pela ganância e incompetência que nos levaram ao lodaçal onde chafurdamos.
É triste, amigos petistas, o sonho virou pesadelo, mas não foi a direita que venceu, foi o partido que se perdeu. O medo está dando de 7 a 1 na esperança.
Míriam Leitão: O fosso social
A desigualdade de renda é alta, ficou estagnada em 2017, e a verdade pode ser ainda pior do que as estatísticas mostram. O IBGE tem ampliado o escopo de suas pesquisas, mas é difícil captar toda a disparidade de renda no Brasil, por vários tipos de sub-declaração. Pelos dados, o grupo que está no topo, o 1% mais rico do país, recebe em média R$ 27,2 mil reais ao mês. O número parece subestimado.
A pesquisa capta principalmente a renda do trabalho. Segundo a nota técnica do Instituto, a pesquisa, que é amostral, pergunta ao entrevistado os valores de todas as rendas auferidas: salário, participação nos lucros, tíquete refeição e transporte, remuneração de investimentos financeiros, aposentadorias, pensões, programas sociais e aluguéis. Estudos de concentração de renda baseados em dados tributários são difíceis de serem feitos no Brasil, mas recentemente um grupo de especialistas encontrou números mostrando que a distância é ainda maior. Foi feito pelos professores da UnB Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio Ávila Castro e comparava os dados de 2006 a 2012. Quando entrevistei Marcelo Medeiros para o meu livro “História do Futuro" ele definiu essa discussão, de pequena alta ou pequena queda da desigualdade, como sendo um “debate de elevador". Chamou a atenção para a necessidade de ter “uma visão mais ampla sobre o processo de concentração de renda no Brasil".
No quesito desigualdade de renda o Brasil é tradicionalmente um dos primeiros da lista de qualquer classificação internacional que se faça. Isso foi de novo ressaltado ontem por Cimar Azeredo do IBGE, responsável pelas pesquisas de trabalho e renda. Há muitas formas pelas quais o país cria distâncias sociais. E o problema se desdobra em todas as outras desigualdades: regionais, de gênero, de cor e de nível de escolaridade. O retrato que o IBGE nos traz, de vez em quando, deveria acordar o país para este debate sobre as raízes mais profundas da nossa disparidade de renda, porque ela é crônica e persistente. E há também as razões conjunturais criadas pelos abalos que atingiram a economia nos anos recentes.
A crise afeta desigualmente a população de um país desigual como é o Brasil. Quando a inflação sobe, os pobres perdem mais capacidade de compra, quando a recessão se aprofunda, ela atinge mais quem tem menos proteção contra ela e é na base que o desemprego é mais vasto. Isso é que explica os dados divulgados ontem pelo IBGE.
No ano passado, apesar da queda da inflação e da saída da recessão, a desigualdade ficou estagnada e chegou a aumentar no Norte e Nordeste. Isso não significa que o recuo do IPCA e a superação do pior momento recessivo não tenham tido efeito positivo. Claro que tiveram, até porque a queda da inflação foi resultado principalmente da redução do custo da cesta de alimentos, justamente o item que mais pesa no orçamento das famílias pobres. Mas o desemprego continuou aumentando e chegou ao ponto máximo ao fim do primeiro trimestre do ano passado. E ele foi devastador entre os mais pobres. Um dado mostra isso: a renda do trabalho caiu 1,36%, a renda do trabalho entre os 50% mais pobres recuou 2,45%.
Um dado parece bom e não é. No Sudeste caiu o índice Gini de 2016 para 2017. Isso significa que a região foi a única onde houve queda da desigualdade. Mas isso foi, explica Cimar Azeredo, pela crise que atingiu os estados do Sudeste, principalmente o Rio, e que reduziu a renda dos mais ricos.
Dizer que a parcela que representa o 1% mais rico da população tem um rendimento 36 vezes maior do que a renda média de 50% da população, que ganha menos, é apenas um número a mais mostrando o tamanho do nosso fosso social. E ele pode estar subestimado. Na verdade, o mais importante é entender que o Brasil, que sonhou que poderia ir melhorando aos poucos esse velho problema, foi atingido por uma crise, desde 2014, que revogou todos esses microavanços. Esse é um debate que ainda está por ser feito no Brasil. E quando for, será possível ver todas as formas pelas quais sai, até dos cofres públicos, mais renda para os que estão no topo da pirâmide.
Luiz Carlos Azedo: A agenda da transversalidade e a saída pelo centro democrático
O jornalista Luiz Carlos Azedo, colunista político do Correio Braziliense e diretor-geral da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), fala da "agenda da transversalidade" necessária para criar uma força política renovadora do chamado centro democrático. O #ProgramaDiferentemostra que ele critica, de um lado, a concepção atual da esquerda brasileira e, do outro, a ideia hegemonista do liberalismo econômico da direita mais tradicional. Assista.