crise
Merval Pereira: Uma questão pessoal
Presidente Bolsonaro demonstra uma maneira de lidar com as crises políticas que não o ajuda a governar
Ao definir como “de foro íntimo” os motivos para a demissão do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, seu ex-amigo Gustavo Bebianno, o presidente Bolsonaro revela muito mais do que parece, não se sabe se intencionalmente. Pelo depoimento gravado divulgado no final da noite, onde diz que continua acreditando na seriedade de Bebianno, o uso da expressão “foro íntimo” pode ter sido apenas um vício de linguagem.
Colocando a demissão no campo pessoal (“julgamento da consciência acerca de coisas morais”), Bolsonaro confirma, porém, que não houve razão funcional para descartar Bebianno com 50 dias de governo. O presidente Bolsonaro demonstra, assim, uma maneira de lidar com as crises políticas que não o ajuda a governar. A decisão de ir pessoalmente ao Congresso para entregar a reforma da Previdência, porém, mostra que o presidente procura reconstruir a confiança abalada entre os políticos.
Dizia-se, e Fernando Henrique assumiu essa definição, que as crises saíam menores de seu gabinete. Com Bolsonaro, é o contrário até o momento. Embora tenha dado sinais, esta semana, de que não pretende atear mais álcool na fogueira de vaidades que sempre cerca um presidente, Bolsonaro saiu menor desse episódio, seja pelo bate-boca com seu ministro, humilhando-o publicamente, seja pela demora de uma decisão.
Temos exemplos ultimamente de presidentes que demitiram ministros sem dó nem piedade, desde Dilma, que bateu recorde em quantidade, mas não em rapidez, marca que fica com Bolsonaro, passando por Lula e Fernando Henrique. Lula demitiu José Dirceu e Palocci, quando estes passaram a ser um fardo político. Fernando Henrique não hesitou em demitir seu amigo Clóvis Carvalho, para avalizar posições do ministro da Fazenda, Pedro Malan.
O ex-ministro Bebianno em si não tem importância, não tinha passado político nem mandato popular, e só ganhou importância devido ao bate-boca com Carlos, o filho de Bolsonaro vereador que se coloca como defensor do pai em várias situações.
Carlos, aliás, foi quem anunciou praticamente todos os ministros pelo Twitter, mas se recusou a anunciar a nomeação de Bebianno. Os dois disputavam, desde a campanha presidencial, o controle da comunicação digital de Bolsonaro, um instrumento básico para sua atuação política.
Bebianno levou para a campanha, e depois para o grupo de transição, o empresário Marcos Aurélio Carvalho, dono da agência AM4, identificado como o responsável pela campanha digital do presidente eleito, o que irritava Carlos. Como de hábito, essa irritação transbordava para o Twitter e tinha acolhida pelo pai. No caso da dispensa de Carvalho, que não ficou nem mesmo um dia no grupo de transição, a nota oficial do Palácio do Planalto o identificava como “o autointitulado marqueteiro digital da campanha”. Justamente o que Carlos postara mais cedo em sua conta pessoal.
A demissão de Bebianno, um dos primeiros a aderir à candidatura de Bolsonaro, afeta muito a confiança dos políticos no presidente, e está preocupando militares e assessores mais próximos, que alegam que não terão mais confiança nas conversas com ele sem saber o que os filhos pensam. Ou já colocaram no risco a possibilidade de ver um WhatsApp para o presidente vazar para o público. O Twitter dos filhos é um fator sem controle e pode alvejar qualquer um.
A Secretaria-Geral da Presidência, que agora será ocupada pelo general Floriano Peixoto, sempre teve papel importante na estrutura palaciana, pois seu titular é quem lida diretamente com o presidente da República, entra sem bater no gabinete presidencial e cuida da sua agenda — é uma espécie de secretário particular com todo o poder que secretários particulares sempre tiveram.
Exemplos claros desse poder são José Aparecido, com Jânio; Heitor Ferreira, com Geisel e Figueiredo; e Gilberto Carvalho, com Lula, já sob o nome de Secretaria-Geral da Presidência. É um lugar que pode ser estratégico, a depender da confiança do presidente em seu secretário particular.
A de Bolsonaro em Bebianno, que parecia grande, se deteriorou já na campanha, tanto que a estrutura do cargo foi esvaziada, e o general Floriano Peixoto foi colocado logo abaixo dele. Dizia-se que fora Bebianno quem o escolhera, para ter acesso aos militares que trabalham diretamente no Palácio do Planalto e adjacências. Com sua nomeação para substituí-lo, é mais provável o contrário.
José Casado: Por trás da crise, a disputa pelo controle do PSL
A crise tem nome, Jair Bolsonaro é o sobrenome do clã político que molda um projeto de poder desde a chegada do patriarca à Presidência. Um dos objetivos é a preparação do terreno para a próxima temporada eleitoral. Dentro de 20 meses acontecem eleições em 5,6 mil municípios e, desta vez, sem coligação partidária. O clã prevê concentrar interesses no Rio e mais 30 dos maiores colégios eleitorais.
Requisito elementar é controlar o partido, decidira partilhados fundos públicos e as alianças regionais.
O PSL tinha um par de votos na Câmara. Agora possui a segunda maior bancada, com 52 deputados. O “efeito Bolsonaro” se refletiu no caixa: o PSL terá 18 vezes mais dinheiro do Tesouro Nacional. Era empresa com faturamento anual de R$ 6 milhões, alcançando R$ 15 milhões nas safras eleitorais. Se tornou um negócio de R$ 110 milhões por ano, com chance de chegar a R$ 200 milhões.
Há um ano, o clã abandonou subitamente o Patriota/ PEN, ligado à Assembleia de Deus, e migrou para o PSL, do advogado Luciano Bivar, autor de “Psicoses socialistas”.
Numa “convergência de pensamentos”, como definiu Bivar, a família de políticos obteve “garantias reais” — na definição do vereador Bolsonaro — sobre controle do caixa e dos diretórios em 23 estados.
Bivar se contentou coma presidência do partido e domínio de 15% do fundo eleitoral.
Seu vice no PSL é Gustavo Bebianno, ex-coordenador da campanha presidencial. Ontem Bebianno foi demitido, num confronto público com o patriarca e seus filhos, que permeia o controle do partido e o projeto de poder do clã. Todos, com certeza, têm razão.
A curadoria militar do governo Bolsonaro se completa com o substituto de Bebianno, o sexto general a comandar mesa no Planalto. Na ilha civil resta o deputado Onyx Lorenzoni.
Porém, essa crise envolve manipulação de fundos na campanha eleitoral. E ninguém, ainda, esclareceu as obscuras transações com o dinheiro público. Entre elas, o custo de R$ 33 mil por voto no PSL, agora um milionário objeto de desejos.
Luiz Carlos Azedo: Arrivederci, Bebianno!
“A embaixada em Roma foi a última oferta feita pela turma do deixa-disso ao ministro Gustavo Bebianno, então secretário-geral da Presidência, para que deixasse o cargo sem estrilar”
O Palazzo Pamphilj, sede da embaixada do Brasil em Roma, no bairro Parioni, é um luxo. Localizado na Piazza Novona, começou a ser construído em 1630 pela poderosa família Pamphilj, à qual pertenceu o papa Inocêncio X. Em 1644, ganhou estruturas projetadas pelos arquitetos Girolamo Rainaldi e Francesco Borromini, que trabalhou também na construção da Basílica de San Pietro. E foi decorado com afrescos de Pietro da Cortona. Na reforma feita em 2000, restauradores brasileiros descobriram afrescos do século XVII, de Andrea Camassei, Gaspar Dughet e Giacinto Brandi. Mas a grande atração ainda é a Galeria Cortona, cujo teto tem um afresco de 33 m de Pietro Cortona, concluído em 1654. Com 12 portas de acesso, a galeria tem vista para a Piazza Navona e a famosa Fontana del Moro.
O núcleo originário do Palácio, na Praça Pasquino, foi adquirido em 1470 por Antônio Pamphilj, procurador fiscal da Câmara Apostólica, cujo filho, Angelo, casou-se com Emilia Millini, rica aristocrata romana. O dote dela incluía diversas casas na Praça Navona, o que possibilitou a junção das propriedades. A família Pamphilj morou no Palácio até meados de 1700, quando a última descendente, Anna Pamphilj, casou-se com Giovanni Andrea III Doria e se transferiu para outra luxuosa residência, na Via deI Corso. Desde então, as dependências do Palácio Pamphilj foram alugadas para intelectuais, cardeais e diplomatas. O grande salão do primeiro andar, consagrado ao compositor Pier Luigi da Palestrina, foi palco de apresentações da Academia Filarmônica Romana, depois de restaurado pelo arquiteto romano Andrea Busiri Vici. No andar térreo, havia lojas, garagens, oficinas de restauração e armazéns diversos.
Em 1920, parte do Palácio foi alugada ao governo brasileiro pela Princesa Orietta Doria Pamphilj. Em 1960, o contrato foi transformado em ato de venda. O embaixador do Brasil em exercício, Hugo Gouthier de Oliveira Gondim, foi o responsável pela compra, por 900 milhões de liras, o que gerou muita polêmica no Brasil e na Itália. No ano seguinte, foi concluída a restauração completa do Palácio, em conformidade com a orientação da Superintendência das Belas Artes da Itália, o que custou mais 350 milhões de liras. Desde então, é um dos postos mais cobiçados do Itamaraty.
Perde-perde
A embaixada em Roma foi a última oferta feita pela turma do deixa-disso ao ministro Gustavo Bebianno, então secretário-geral da Presidência, para que deixasse o cargo sem estrilar. A proposta anterior, uma diretoria na Itaipu Binacional, outro cargo muito cobiçado, também foi recusada. Ao presidente da República, Jair Bolsonaro, não restou alternativa a não ser encerrar a novela e exonerar o ministro, com os agradecimentos de praxe. A última conversa entre ambos, na sexta-feira passada, havia tornado a situação insustentável. No fim de semana, um festival de plantações na mídia, de ambos os lados, com troca de ameaças e farpas, inviabilizou as negociações de bastidor. Nas conversas com interlocutores, o ministro mostrava-se inconformado; nas declarações lacônicas à imprensa, mandava recados para Bolsonaro.
A turma do deixa-disso evitou um fogaréu ainda maior, mas era um jogo de perde-perde. Não se sabe qual seria o maior desgaste, a permanência de Bebianno, que daria veracidade à suposta tutela do presidente pelos militares, ou uma saída barganhada, na qual fosse nomeado embaixador brasileiro na Itália, o que passaria a impressão de que haveria algo a temer. Seria maior ainda o desgaste do governo, que estava na defensiva desde quando Bolsonaro deixou o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e voltou a Brasília, convencido pelos filhos Carlos (vereador), Eduardo (deputado federal) e Flávio (senador) de que Bebiano era uma espécie de quinta-coluna no Palácio do Planalto.
Previdência
O governo quer virar o jogo e retomar a sua agenda, como foi esboçado na entrevista do porta-voz da Presidência, Rêgo Barros, ao anunciar a exoneração e, logo depois, várias medidas administrativas sobre Brumadinho, portos e aeroportos, para mostrar que a vida do governo segue seu curso. A grande aposta é a ida do presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, amanhã, para apresentar a reforma da Previdência, que prevê idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e de 62 anos, para mulheres, ao fim de um período de transição de 12 anos. A proposta de emenda à Constituição (PEC) começará a tramitar pela Câmara dos Deputados. Volta a ser a prioridade, depois de quase uma semana de uma crise política que teve combustão espontânea, no círculo mais próximo do presidente da República.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-arrivederci-bebiannox/
O Globo: Gestão Bolsonaro tem segunda demissão mais rápida em início de governo desde a redemocratização
Considerando os últimos sete presidentes, primeira baixa no alto escalão ocorreu em média com 178 dias de governo
Por Marlen Couto, de O Globo
RIO — Com a saída de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral , a gestão do presidente Jair Bolsonaro tem a segunda demissão de um ministro mais rápida em um início de governo desde a redemocratização. A queda de Bebianno, 49 dias após tomar posse, só não foi mais rápida que a de Romero Jucá, em 2016, quando o então ministro do Planejamento de Michel Temer pediu licença do cargo 11 dias após assumi-lo. Na época, foram divulgadas gravações em que Jucá falava de um pacto para "estancar a sangria" provocada pela Operação Lava-Jato.
Desde o governo Sarney, a primeira demissão no alto escalão ocorreu, em média, com 178 dias de governo, ou seja, pouco mais de seis meses após o presidente tomar posse. O levantamento foi feito, a pedido do GLOBO, pelo cientista político e pesquisador Paulo Franz, do Observatório de Elites Políticas e Sociais, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Para Paulo Franz, especialmente após as manifestações de junho de 2013, a rotatividade ministerial tem sido intensa no país:
— As redes sociais, sem dúvida, têm cumprido um papel central nas decisões e recuos dos últimos governos. Da mesma forma, a tentativa de acomodar partidos nos ministérios de forma que se conquiste apoio o suficiente num parlamento ultrafragmentado leva o governo a recrutar atores e legendas pouco disciplinados. É o retrato da fraqueza institucional brasileira — avalia o pesquisador.
As primeira demissões ocorreram sob condições não favoráveis, marcadas por escândalos ou crises internas. A saída de Bebianno se enquadra nos dois critérios. O ministro caiu após denúncias envolvendo supostas irregularidades na sua gestão à frente do caixa eleitoral do PSL e em meio ao seu degaste com o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ).
A exceção foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No caso do petista, o então ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, deixou a pasta um ano após assumir o cargo, em meio a uma reforma ministerial.
O Globo: Governo oficializa exoneração de Bebianno e alega 'foro íntimo'
General Floriano Peixoto Vieira Neto vai assumir o cargo|
BRASÍLIA — Após a crise instalada desde a última semana no governo, a demissão do ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, foi confirmada na noite desta segunda-feira pelo porta-voz da Presidência da República, Otávio do Rêgo Barros. Em um pronunciamento à imprensa, ele leu uma nota na qual comunicou oficialmente que o presidente Jair Bolsonaro decidiu pela exoneração de Bebianno.
Perguntado sobre a razão da demissão, o porta-voz explicou que foi uma questão de "foro íntimo" do presidente. No pronunciamento ele não respondeu as principais perguntas sobre a crise, nem sobre a demora no anúncio da demissão. Rêgo Barros disse apenas que Bolsonaro usou o "tempo necessário" pensando na decisão.
POLITICANDO : Demissão não será a última decepção de eleitores
PERFIL : Bebianno, um fã que chegou ao coração da família Bolsonaro
Em nome do presidente Jair Bolsonaro, o porta-voz agradeceu ao ministro Bebianno e lhe desejou sucesso:
— O presidente agradece sua dedicação à frente da pasta e deseja sucesso na nova caminhada — afirmou Rêgo Barros em seu pronunciamento.
De acordo com o porta-voz, o general Floriano Peixoto Vieira Neto, que ocupava o cargo de secretário executivo do ministério,será o novo ministro da Secretaria Geral . Com a nomeação dele, o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) será o único ministro sem patente militar a despachar do Palácio do Planalto. Floriano Peixoto será o oitavo militar no primeiro escalão do governo.
O porta-voz negou ainda que o governo tenha intenção de fazer mudanças nas atribuições da pasta.
— O general Floriano passará a ser o Secretário Geral da Presidência de forma definitiva e não há a possibilidade de mudanças na estrutura da pasta — disse Rêgo Barros.
Agora, fora do governo, Bebianno diz que voltará a advogar . Segundo o empresário Paulo Marinho, um dos mais próximos aliados do ex-ministro, ele não descarta seguir na política.
A demissão ocorre após uma crise ao longo de toda a última semana. O ex-ministro foi chamado de mentiroso pelo vereador Carlos Bolsonaro, na última quarta-feira. No Twitter, o filho mais próximo do presidente disse que Bebianno mentiu ao falar ao GLOBO que havia conversado três vezes com o presidente no dia anterior. A declaração foi dada para negar que ele estava protagonizando a crise. Na ocasião, Bebianno disse que só havia tratado de assuntos institucionais e não sobre uma possível instabilidade no governo.
Carlos chegou a compartilhar um áudio do presidente para Bebianno como forma de comprovar que não o houve uma conversa entre os dois. As mensagens foram posteriormente compartilhadas pelo próprio Bolsonaro.
O processo de desgaste de Bebianno começou com denúncias envolvendo supostas irregularidades na sua gestão à frente do caixa eleitoral do PSL, partido dele e de Bolsonaro, publicadas na "Folha de S. Paulo". Bolsonaro e os filhos, no entanto, acusam o ex-coordenador da campanha de vazar informações para a imprensa.
A "fritura" do ministro ocorria desde a transição, quando o presidente esvaziou a Secretaria-Geral da Presidência para tirar poderes do desafeto do filho. Durante todo o período de mudança de governo, Bebianno evitou declarações à imprensa e se cercou de militares em seu gabinete como modo de se blindar no Planalto.
Bebianno nega as acusações e promete, fora do poder, comprovar com textos e áudios que não mentiu e que não é responsável pelos casos de candidaturas laranjas nos estados. Ele também está disposto a rebater os ataques de Carlos Bolsonaro.
Na semana passada, políticos e militares atuaram para tentar debelar a crise e evitar a demissão. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chegou a ligar para o ministro da Economia, Paulo Guedes, para dizer que a demissão poderia atrapalhar a aprovação da reforma da Previdência.
Na sexta-feira, durante uma reunião no Palácio do Planalto, Onyx disse a Bebianno que ele ficaria no governo, mas foi alertado a permanecer em silêncio.
No fim da tarde do mesmo dia, Bolsonaro e Bebianno se encontraram pessoalmente. O presidente chegou a a oferecer a ele um cargo na diretoria da hidrelétrica de Itapu, mas Bebianno recusou. Após uma conversa ríspida, com ataques de ambos os lados, Bolsonaro saiu decidido a demiti-lo e integrantes do governo vazaram para a imprensa que o ato de exoneração do ministro já havia sido assinado.
O Estado de S. Paulo: ‘Quando acabar vou dar satisfações’, diz Bebianno
Ministro tem avisado que não cai sozinho – uma referência a Carlos Bolsonaro – e reclama de tratamento desigual
Julia Lindner e Anne Warth, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, disse neste sábado, 16, que “quando acabar” sua participação no governo, “se sentir vontade”, vai “dar satisfações”. A frase foi dita em resposta ao ser questionado sobre seu desafeto, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.
O ministro, que deve ser demitido nesta segunda-feira, 18, passou o dia num hotel de Brasília. Bebianno não recebeu visitas ao longo do dia, mas, em conversas com pessoas próximas, deixou claras a frustração e a mágoa com Carlos Bolsonaro. O ministro desabafou que considerou uma covardia o fato de Jair Bolsonaro não ter tido coragem para demiti-lo e considerou inaceitável assumir um cargo em Itaipu, apesar do salário três vezes maior – pouco mais de R$ 1 milhão por ano. A amigos disse que não veio para o governo para ganhar dinheiro e que será leal até o último minuto em que permanecer ministro.
Nas conversas, Bebianno tem avisado que não cai sozinho, pois tanto a ala política, quanto a ala militar do governo, estão decididas a afastar Carlos da Presidência. Nos últimos dias o vereador tem sido mais comedidos nas redes sociais, compartilhando mensagens institucionais do governo e assuntos do Rio, como a venda da bebida em blocos de carnaval.
O ministro soube de parte das informações sobre sua demissão pela imprensa, na noite de sexta, o que o deixou chateado. Na madrugada deste sábado, publicou nas redes sociais um texto sobre lealdade e amizade. A jornalistas, afirmou que compartilhou porque “teve vontade” e que foi algo “conceitual”.
Também na fala à imprensa questionou o tratamento “diferenciado” em relação ao ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. No início do mês, Álvaro Antônio também foi alvo de suspeitas sobre o uso de candidaturas laranjas em Minas Gerais em 2018. Na época, o ministro do Turismo era presidente do Diretório Estadual. Ele foi mantido no cargo.
“Minha consciência está tranquila. Trata-se de bom senso, trata-se da lei, trata-se do estatuto do partido. Tanto é assim que, no caso do Marcelo Álvaro Antônio, por que eu não sou culpado, então?”, questionou, pois, segundo ele, os dois casos são semelhantes e só em um o culpam. Álvaro Antônio era presidente do PSL em Minas, no ano passado. No caso de Pernambuco, o presidente do diretório era o hoje deputado Luciano Bivar.
Em seguida, questionado por que estaria recebendo um tratamento diferente do ministro do Turismo, que permaneceu no cargo, Bebianno disse que não sabe. “Não sou eu que dispenso o tratamento, eu estou recebendo o tratamento com perplexidade. Quem dispensa o tratamento é que tem que explicar os seus motivos.”
Para ele, não há razão para ligá-lo ao caso de Pernambuco. “Não tem nada a ver comigo, isso é a lei, o estatuto do partido, é o bom senso. Como alguém na nacional pode controlar o que acontece no Acre, em Rondônia?” Bebianno disse que não fez “nada de errado” e está com a consciência “absolutamente tranquila e limpa”. / COLABOROU VERA ROSA
Vera Magalhães: Autocombustão
Crise que prolonga paralisia de governo que mal começou foi fabricada pelo presidente
O governo Jair Bolsonaro já estava paralisado sem nem ter começado. A expectativa era de que essa letargia cessaria com a alta do presidente da República após duas semanas de internação. Mas a prioridade de Bolsonaro e família ao deixar o hospital não era a reforma da Previdência, mas incinerar um aliado nas redes sociais, sem se dar conta de que a chama poderia voltar e chamuscar o próprio governo.
A semana terminou com Gustavo Bebianno ainda pendurado ao cargo por um fio. Parece que Bolsonaro vai demiti-lo oficialmente na segunda-feira, mas não é bom cravar nada. Afinal, o presidente chamou o seu secretário-geral da Presidência de mentiroso enquanto ainda estava no hospital, deixou o filho brincar de fritá-lo no Twitter, deu ordem para mantê-lo no cargo e, depois, o demitiu verbalmente. Mas nada está formalizado. Este, aliás, não é um governo que se atenha a formalidades.
Num show de horrores digno de programa de barraco familiar vespertino, Carlos Bolsonaro deixa vazar áudios privativos do presidente e o ministro atingido replica fazendo vazar conversas suas com o mesmo presidente. Eis a “nova era” da comunicação direta com o povo. Um coquetel perigoso de despreparo, arrogância, autoritarismo e ingenuidade leva os Bolsonaros a jurarem que estão revolucionando a forma de fazer política e se comunicar, mas se esquecem de que as armas que usam para aniquilar inimigos (mesmo aqueles que eram amigos até ontem) podem se voltar contra eles. Afinal, se não há privacidade assegurada, vale tudo na selva das redes sociais.
Quem mais tem a perder com isso é quem tem mandato. No caso, o presidente, que insiste em brincar no Twitter ou bancar o sujeito bonachão que se deixa fotografar de chinelo e camiseta pirata de time de futebol enquanto arbitra o futuro dos brasileiros na questão mais relevante de seu governo.
Acontece que o teatro do caos vai cansando mesmo aqueles que votaram nele. Sim, porque o coquetel demoníaco a que me referi faz com que o clã tuiteiro viva a ilusão de que o patriarca foi eleito única e exclusivamente pelas redes sociais, quando muitos apenas taparam o nariz e apertaram o 17 achando que era menos pior que o 13 do PT, que levou o País à bancarrota.
Bolsonaro foi eleito por 57.797.456 de pessoas. Menos que os 58.151.241 que votaram em Fernando Haddad, em branco ou nulo. Quando se somam a esse contingente de votos contra ele os 31.371.704 que se abstiveram, tem-se um número que deveria ser eloquente para qualquer mandatário sensato ver que precisa mostrar serviço sob pena de ver a popularidade ruir.
Agora, paralelamente à apresentação de um texto que mexe diretamente com a vida das pessoas, como é a reforma da Previdência, tem-se a encenação de uma ópera bufa da demissão de alguém que sabe tudo da vida da família Bolsonaro. O presidente parece não se lembrar de que Bebianno, antes de ministro do palácio e coordenador da campanha, foi seu advogado! Conhece, portanto, o histórico patrimonial da família, as relações de amizade, as entranhas dos gabinetes de todos e os acordos que foram feitos para o desembarque da tropa bolsonarista no PSL, que era e continua sendo uma legenda de aluguel nas mãos de Luciano Bivar.
O poder que tem alguém com esse nível de acesso, humilhado reiteradamente e com uma clara disposição de não ter a reputação destruída, é imprevisível. A frase dita a mim por Bebianno dá uma pista do que está por vir: “O que eles que chamam de inferno, eu chamo de lar”. A citação não é de nenhum filósofo. Como uma boa metáfora da era Bolsonaro, ela é o slogan do segundo filme da série Rambo, que retrata um militar expurgado, armado até os dentes e disposto a tudo para se vingar.
Julianna Sofia: Fora das catacumbas
Hesitação de Bolsonaro em defenestrar Bebianno fragiliza Planalto do embate pela nova Previdência
A cada vez que um deputado se aboletar na tribuna da Câmara para esmagar uma laranja podre, a exemplo do “pornopeesselista” Alexandre Frota (SP), ficará mais custoso para Jair Bolsonaro persuadir sua base de sustentação, ainda em estado gelatinoide, a votar pela reforma da Previdência.
A hesitação de Bolsonaro em defenestrar Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) do Palácio do Planalto fragilizou o governo e expôs falta de firmeza para lidar com o escândalo dos candidatos laranjas de seu partido. Situação ridícula e insustentável depois de o ministro ter sido chamado de mentiroso não só por Carluxo, o filho 02 do capitão reformado, como pelo próprio presidente da República. Qualquer caminho de volta à normalidade nos corredores palacianos passaria pela demissão voluntária, ou não, do subalterno.
Não se fez isso às claras nesta sexta (15), e o cheiro de fritura empesteou a Praça dos Três Poderes. A atmosfera infectada contamina o ambiente para tramitação da reforma das aposentadorias, que chegará na próxima semana ao Congresso.
Apesar do discurso buscando pacificação e uma tentativa de mostrar que Bebianno poderia ficar no governo, pairaram ao longo do dia conversas sorrateiras sobre como garantir uma saída honrosa ao ministro ou como isolá-lo e drenar paulatinamente seu poder.
O ex-presidente do PSL chegou a insinuar manter confidências da campanha presidencial do partido; depois retrocedeu (em nota diz que o presidente “não tem qualquer relação com outras candidaturas”); por fim vazou conversas privadas mantidas com o capitão reformado.
Bebianno no cargo não seria o primeiro zumbi a viver fora das catacumbas na Esplanada dos Ministérios.
O mais recente enfrentou do terceiro andar do Planalto a maldição da JBS e viu seus planos de aprovar uma nova Previdência serem sepultados em cova rasa. Assim como Michel Temer não tinha os votos para mudar as regras das aposentadorias, Bolsonaro também ainda não os tem.
João Domingos: A crise no ar
Por enquanto, fica a impressão de que os militares fazem pressão para que Bebianno fique
A demora do presidente Jair Bolsonaro em tomar uma decisão sobre o afastamento ou não do advogado Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência não contribui em nada para debelar a maior crise política de seus 45 dias de administração.
Enquanto Bolsonaro pensa no que fazer, prevalecerá a impressão de que o grupo de militares que atua no governo trabalha para que não se mexa com o ministro. Ou, então, que Bebianno sabe de coisas demais e que há risco de, na saída, sair atirando. Corre no governo a informação de que os militares preferiram ficar ao lado do ministro, que disse ter falado com o presidente quando este ainda estava no Hospital Albert Einstein, mas foi desmentido pela rede social por um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). O desmentido foi corroborado pelo pai um pouco depois.
A melhor solução para esse caso seria o afastamento imediato do ministro Bebianno. Se não em definitivo, pelo menos temporariamente, até que tudo seja esclarecido. Afinal, existe a suspeita de que o PSL, partido do presidente, usou candidatos laranja para a distribuição do dinheiro do Fundo Eleitoral. Por determinação de Bolsonaro, o ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, terá de cuidar da apuração do caso. Durante a campanha Bebianno presidiu interinamente o PSL. Foi ele o responsável por levar todo o grupo de Bolsonaro para o partido. Chefiou ainda a equipe de juristas e cuidou do caixa.
Quanto ao afastamento de Carlos Bolsonaro da possibilidade de dar pitacos nas questões de governo, decidida pelo pai, esse é um ato que se faz necessário de fato. O eleitor votou em Jair Bolsonaro para presidente da República. Não num mandato colegiado, que inclui também os filhos. Quem gosta de mandato coletivo é o PSOL. Em alguns locais, em Pernambuco e em São Paulo, por exemplo, o eleitor votou num candidato e levou cinco.
Voltando à crise política, ela veio forte porque envolveu de novo um filho do presidente em questões de governo, o próprio presidente, que deu apoio a Carlos, e o chefe da campanha vitoriosa, tornado ministro. Tudo isso, nas vésperas do anúncio do conteúdo do projeto de reforma da Previdência, a mais esperada e mais comentada reforma a ser feita pelo governo, um assunto sensível e de aprovação difícil. Ainda mais sabendo-se que o governo não teve competência para montar uma equipe de articuladores políticos que consiga garantir uma base de sustentação forte no Congresso.
Como admitiu o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), o governo não tem os 308 votos na Câmara e os 49 no Senado para aprovar a reforma da Previdência. Para construir a governabilidade, disse Waldir, sem nenhuma cerimônia, terá de oferecer cargos no governo aos partidos, e dar garantias de que vai liberar o dinheiro das emendas parlamentares ao Orçamento da União.
Pelo que se vê, a maçaroca para Bolsonaro desenrolar é grande. Vai do envolvimento de familiares nas questões de governo, na falta de uma solução para o ministro Gustavo Bebianno, e na confissão, pelo líder do partido do governo, de que o jeito será recorrer aos costumes da velha política, de construção de uma base governista sustentada no “toma lá, dá cá” que o presidente tanto combateu durante a campanha.
Fazer o quê? Como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao analisar esse momento da vida política brasileira: “Inicio de governo é desordenado. O atual está abusando. Não dá para familiares porem lenha na fogueira. Problemas sempre há, de sobra. O presidente, a família, os amigos e aliados que os atenuem, sem soprar nas brasas. O fogo depois atinge a todos, afeta o País. É tudo a evitar.” Taí um conselho que, mesmo detestando Fernando Henrique como detesta, Bolsonaro deveria seguir.
Hélio Schwartsman: Vocação para a picaretagem
Reportagens mostraram que o PSL lançou candidatas de fachada
O PSL, legenda do presidente Jair Bolsonaro, vai se revelando um partido bem picareta. Reportagens da Folha mostraram que a siglalançou candidatas de fachada para manipular dinheiro do fundo público de financiamento de campanhas reservado para mulheres.
O presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, sem ter como explicar as peculiaridades das operações, preferiu atacar a legislação, que estabelece uma cota mínima de 30% das candidaturas (e das verbas) para mulheres. Para Bivar, política é uma questão de vocação.
Cotas para Parlamentos funcionam? A literatura, como em tantos outros temas polêmicos, traz estudos que contentam a todas as freguesias. A comparação internacional é difícil, porque existem diferentes modelos de cotas. Há desde países, como Ruanda, que reservam cadeiras apenas para mulheres em eleições paralelas nas quais apenas mulheres podem votar, até nações como a Suécia, nas quais alguns partidos decidiram voluntariamente equilibrar melhor o gênero das candidaturas.
Para complicar mais as coisas, os efeitos de cada uma dessas alternativas variam conforme o sistema eleitoral. Uma cota partidária de candidatas significa uma coisa num modelo de listas abertas e outra, bem mais forte, num país que adota a lista fechada.
Se é lícito tirar uma lição geral dessa salada, acho que dá para afirmar que a adoção de algum tipo de cota tende a ampliar a participação das mulheres na política. Mas fazê-lo não é condição necessária para atingir um patamar elevado. Nos países escandinavos, mulheres já haviam superado a marca de 30% das cadeiras em 1990, antes da moda das cotas.
O Brasil está tão atrás na representação feminina (pouco mais de 10%, o que é menos da metade da média mundial) que eu penso que a utilização de uma cota “soft”, sem reserva de assentos, não nos fará mal. Ajudaria bastante se legendas como o PSL não pervertessem o sistema.
Claudia Safatle: Governo familiar não tem como dar certo
Bebianno não foi demitido nem vai pedir demissão
Governar é algo bem mais complexo do que parece supor o presidente Jair Bolsonaro. Não há modelo bem-sucedido de um governo em que o filho do presidente da República chama um ministro de Estado de "mentiroso" pelo Twitter. E, mais grave, com o aval do pai, que, algumas horas depois, replicou o tweet do filho sem a menor atenção aos ritos do cargo para o qual ele foi eleito, e não a sua família.
O caso, que envolveu o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, demandou ação dos ministros militares, que, ontem, não escondiam a preocupação com os rumos de um governo que, recém empossado, já está criando suas próprias crises ao tratar a Presidência da República como extensão da sua casa.
Na área econômica também havia inquietação, ontem pela manhã, com os possíveis efeitos desse episódio no ambiente político do Congresso, que, no dia 20, receberá a proposta da reforma da Previdência. A base de apoio do governo não está tão sólida que não possa, de repente, ruir.
"Esta é uma situação desagradável que precisa ser resolvida. Tem muitas coisas importantes e a atenção deve ser focada em itens relevantes e produtivos", disse um ministro com gabinete no Palácio do Planalto.
Ontem esse mesmo ministro, assim como o vice-presidente Hamilton Mourão, dentre outros, pretendiam conversar com Bolsonaro sobre as sérias implicações que esse modelo de gestão familiar pode trazer para o país. Na noite de quarta feira o presidente recebeu a visita, no Palácio da Alvorada, dos ministros do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
As relações de Bolsonaro com Bebianno, alvo do filho vereador no Twitter, não estão boas desde o governo de transição. O ministro, que conduziu o PSL (partido do presidente da República) durante a campanha eleitoral está, agora, no centro de uma denúncia de desvio de R$ 400 mil do fundo partidário para candidatura "laranja" do partido.
Na quarta-feira, questionado por um jornalista sobre eventual mal-estar no governo frente à denuncia, Bebianno respondeu que não havia mal-estar algum, tanto que ele tinha conversado três vezes com Bolsonaro.
Pela rede social, Carlos chamou o ministro de "mentiroso" e negou que o pai, ainda internado no hospital Albert Einstein, tivesse atendido as suas ligações.
À noite Bolsonaro declarou em um programa de televisão que, se o ministro da Secretaria de Governo estiver envolvido no laranjal de falsas candidaturas, ele voltará "às suas origens". O caso já está sob investigação da Polícia Federal.
As relações de Bebianno com os parlamentares que primeiro apoiaram a candidatura de Bolsonaro à Presidência também não estavam nada bem. Durante a campanha eleitoral, o ministro tratou de afastar os assessores e os deputados mais próximos do candidato. Vencido o pleito, as reações e queixas contra ele não tardaram a aparecer.
Do comando do PSL, Bebianno pretendia ser alçado a ministro da Justiça. Não foi. Ele demorou a ser oficializado como chefe da Secretaria de Governo, posto que ficou sem atribuições por que dele foram retirados a gestão do PPI (Projetos Prioritários de Investimentos) assim como a área de comunicação de governo, responsável pelas verbas publicitárias.
Foi exatamente nessa área que ocorreu o primeiro atrito público entre o Carlos e Bebianno, quando o presidente eleito pensou em colocar o filho no controle da comunicação do governo.
O ministro também tem seus defensores, como o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de quem ele é interlocutor no Palácio do Planalto. "Bebianno é um cara muito correto", disse o parlamentar.
Ontem o ministro não foi trabalhar. Sua aguardada demissão não aconteceu e, pelo que disse à revista "Crusoé", ele também não vai pedir demissão. Quanto ao motivo de ele estar sob ataques, respondeu: "O presidente deve estar com medo de receber algum respingo" das investigações sobre desvio de recursos do fundo partidário com uso de falsos candidatos.
Na entrevista que concedeu à uma rede de TV, que foi ao ar na noite de quarta-feira, o presidente disse: "Querem me colocar contra os meus filhos".
O receio de que a forma de administrar o país envolvendo a família não dê certo e possa produzir mais ruídos do que acertos nem de longe significa querer colocar Bolsonaro contra os seus filhos.
Pretende, sim, que seu governo respeite a liturgia do cargo, que não confere aos filhos o direito de governar.
Estatais
As 18 empresas estatais dependentes de recursos do Tesouro Nacional demandam cerca de R$ 14 bilhões por ano e empregam 75 mil funcionários. Essa é uma lista de companhias que está na mira do ministro da Economia, Paulo Guedes, quando ele menciona a possibilidade de extinção de estatais.
Mas nem tudo é liquidável e esse é um conjunto de estatais que tem que ser visto com cuidado. Há empresas dependentes do Tesouro que não devem desaparecer do mapa.
Um exemplo é a Embrapa. Com 97% do seu orçamento vindo de recursos da União, ela é uma empresa de pesquisa de importância inquestionável na área agropecuária.
Na mesma lista das dependentes do Tesouro Nacional tem, também, a Valec Engenharia e Construção de Ferrovias S/A. Criada nos anos 1970, ela foi redimensionada e ampliada pelo governo do PT em setembro de 2008, para aumentar os investimentos em ferrovias.
Além da construção da quarentona Norte-Sul que já era da sua alçada, a Valec tornou-se mais recentemente sócia da Transnordestina e responsável pela construção da Oeste-Leste, outro investimento multibilionário que, ao lado da Transnordestina, hoje está entregue às baratas. Essa é, portanto, uma forte candidata à extinção.
El País: Aliados saem em defesa de Bebianno e cobram de Bolsonaro pulso com filho
"Misturar família" gera insegurança, diz Rodrigo Maia. Presidente vai dar "ordem unida" à "rapaziada", diz Mourão. Ministro, ligado a escândalo das candidaturas de fachada do PSL, resiste no cargo, por enquanto
Gustavo Bebianno passou de estratégico dirigente da campanha de Jair Bolsonaro a cambaleante ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República em apenas poucos dias. No comando do governista PSL quando supostas candidatas-laranja receberam verba pública na campanha eleitoral, Bebianno estava na berlinda e isso por si só já era uma dor de cabeça para a gestão. Mas, ao entrar na linha de ataque de um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, o vereador carioca Carlos, o ministro acabou ganhando apoio de integrantes do núcleo militar do Governo, de parlamentares do PSL e até do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Todos têm um ponto comum: estão preocupados com a escalada da crise –quando o Planalto apenas dá os primeiros passos na reforma da Previdência– e com o tamanho da influência da prole do mandatário nos destinos do Governo.
Durante toda a quinta-feira, nos bastidores do poder em Brasília, a principal discussão era sobre o momento em que Bebianno seria demitido pelo presidente –até a conclusão desta reportagem, isso não havia acontecido. Nesta quinta-feira, o ministro passou boa parte do dia no hotel onde mora, em Brasília. Não foi recebido por Bolsonaro, que ainda se recupera da cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia. O presidente recebeu apenas um grupo de ministros e assessores no Palácio da Alvorada para tratar quase que exclusivamente da reforma da Previdência que enviará ao Congresso Nacional nos próximos dias.
Sempre que indagado se pediria demissão, Bebianno disse que não o faria. Como alguém que acompanhou de perto a trajetória do presidente, soou como quem enviava recados. Ao jornal O Estado de S. Paulo, provocou: “O que chamam de inferno, eu chamo de lar”. À revista eletrônica Crusoé, negou qualquer irregularidade nos repasses às candidatas do PSL, disse que não é moleque para ficar debatendo assuntos como esse na rede social e que Bolsonaro deve estar com medo de receber algum "respingo" da crise. “Não sou moleque e o presidente sabe. O presidente está com medo de receber algum respingo. Ele foi um mero candidato. Ele não participou da Executiva, ele não tinha mando no partido. Ele não tem responsabilidade nenhuma”.
A crise na qual se viu envolvido começou com as supostas candidaturas laranjas do PSL no período em que ele presidia interinamente o partido a mando de Bolsonaro. E chegou ao ápice – ao menos por enquanto – quando Carlos o chamou de mentiroso pelo Twitter e acabou replicado pelo seu pai. Seu processo de fritura pública começou na quarta-feira. O então ministro havia dito à imprensa que tinha conversado três vezes por telefone com Bolsonaro no período em que ele estava internado. O vereador entendeu que ele tinha tratado com o presidente sobre o suposto laranjal do PSL e quis afastar esse vínculo de uma possível irregularidade da campanha de seu pai. Carlos, então, publicou um áudio que Bolsonaro teria enviado a Bebianno em que ele se nega a atender seu assistente. Essa foi umas das mensagens replicadas pelo próprio Bolsonaro ainda na quarta. Mais tarde, em entrevista à TV Record, foi o presidente que chamou seu auxiliar de mentiroso e que, caso tivesse cometido algum erro, ele poderia “voltar às origens”.
Aproximação e defesas
Advogado de formação, Bebianno trabalha com Bolsonaro há apenas dois anos. Sua aproximação célere do presidente se deu um pouco antes da campanha eleitoral e sempre foi questionada por Carlos. Ambos chegaram a disputar quem comandaria a comunicação do Governo. Por fim, oficialmente, nenhum dos dois ficou com a máquina na mão. A Secretaria de Comunicação é hoje vinculada à Secretaria de Governo, ministério sob a batuta do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Na prática, contudo, é Carlos quem administra as redes sociais de seu pai.
Colocado como presidente interino do PSL de janeiro do ano passado até as eleições, cabia a Bebianno as decisões estratégicas da campanha. Ele foi o responsável por levar negociar a ida do então presidenciável ao partido ao invés de ir para o Patriota, com quem estava negociando antes de ser oficializado concorrente.
Se a queda de um ministro da cozinha do Planalto com menos de dois meses de Governo já preocupava governistas, a participação de Carlos Bolsonaro no episódio acendeu de vez os alertas. Desde antes mesmo da posse, o braço militar do Governo Bolsonaro tenta afastar a influência dos filhos dele na gestão. A questão ficou explícita nesta quinta-feira, quando, em entrevista à agência Reuters, o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, disse que o presidente vai dar uma ordem aos seus filhos. “A minha visão é que estamos num momento de acomodação. Também tem que ser levado em conta que o presidente vem passando por uma série de problemas de saúde. É óbvio que isso deixa a pessoa numa situação mais frágil. Agora está voltando sem a preocupação de ter de fazer mais cirurgias, de correr riscos, então eu acredito que ele vai dar uma ordem unida aí nessa rapaziada”.
No Congresso, alguns dos representantes do PSL e outros aliados, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), queixaram-se da postura de Carlos e dessa interferência familiar em assuntos de Estado. “A impressão que dá é que o presidente está usando o filho para pedir para o Bebianno sair. E ele é presidente da República, não é? Não é mais um deputado, ele não é presidente da associação dos militares”, reclamou Maia ao portal G1. "Ele tem que comandar a solução, e não pode, do meu ponto de vista, misturar família com isso porque acaba gerando insegurança."
Um outro que reclamou foi o líder do PSL no Senado, major Olímpio Gomes. “Carlos é um amigo. Eu o respeito. Algumas atitudes podem ser tomadas de filho em relação ao pai. É simplesmente ajustar a sintonia e se distinguir o que é a defesa, uma manifestação em função do pai, e quais são as atividades, as competências e o tamanho da responsabilidade da presidência”, afirmou. Já a oposição, segue na clara tentativa de constranger o Governo. Nesta semana, representantes de dois partidos opositores, PSOL e PCdoB, apresentaram requerimento de convocações de ministros e entraram com representações junto à Procuradoria-Geral da República.
Indícios de candidatura de fachada
O esquema de candidaturas laranjas do PSL foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo. Em reportagens publicadas nas últimas duas semanas, há indícios de que, enquanto o partido era presidido interinamente por Bebianno, ao menos três mulheres de Minas Gerais e de Pernambuco, sem nenhuma expressão ou militância política, teriam se candidatado a cargos de deputada estadual e federal apenas para compor a cota de 30% obrigatório definido pela legislação eleitoral. Essas candidaturas laranjas são consideradas um delito, pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Os contornos negativos foram amplificados quando se revelou que recursos públicos foram investidos nessas campanhas, por meio do fundo partidário. Uma delas, a de Maria de Lourdes Paixão, recebeu 400.000 reais provindos do diretório nacional, dirigido por Bebianno. A maior parte desse valor foi gasta em uma gráfica aparentemente de fachada. Outra concorrente, Érika Siqueira Santos, recebeu 250.000 reais, da mesma maneira. Os valores estão entre os maiores repasses do partido. No caso de Paixão, ela recebeu mais recursos que o próprio presidente e que a deputada federal mais votada do país, Joice Hasselmann. Nenhuma delas se elegeu. Paixão teve 274 votos para a Câmara. Érika, 1.315 para a Assembleia Legislativa de Pernambuco.
Além das duas candidaturas laranjas, também há suspeita de que algo similar tenha acontecido em Minas Gerais, onde o partido é comandado pelo deputado federal e ministro Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG). Todos esses esquemas passaram a ser investigados pela Polícia Federal.