crise política

Alon Feuerwerker: O principal problema de um Bonaparte militar seria a falta da estratégia de saída

Diz a velha piada que revolução é o golpe que deu certo, e golpe é a revolução que deu errado. A antifascista Revolução dos Cravos em Portugal foi um golpe militar clássico. Idem nossa inicialmente liberal Revolução de 30. A “Intentona Comunista” de 1935 foi uma tentativa revolucionária militar derrotada, e portanto explicada até hoje como aventura golpista.

O assim denominado golpe de 64 foi inicialmente descrito como revolução anticomunista. O partido revolucionário eram as Forças Armadas. Os sucessivos presidentes militares foram escolhidos pelo partido. Melhor dizendo, pelo chefe da legenda, que às vezes considerava o sentimento e o movimento das bases. Como em todo partido, a escolha não era tranquila.

Tudo isso está bem detalhado na literatura disponível. Que mostra também a sabedoria dos nossos militares, ao terem percebido desde o começo que aquilo não seria para sempre. Aí vieram a descompressão, a distensão, a abertura. No fim, a caserna perdeu o controle da situação política em 1984/85 mas pôde voltar ao quartel organizadamente e sem maiores baixas.

Aquela estratégia de saída está na base da força e do prestígio hoje das FFAA, uma das instituições nacionais mais admiradas, senão a mais, pela população. Daí o terreno fértil para, apesar dos antecedentes, ecoar aqui e ali a ideia de que só a intervenção delas desfará o nó da nossa crise, em seus aspectos políticos, econômicos e, por que não?, morais.

Apesar do frenesi, isso está bem longe de acontecer de fato. A memória do processo de 64 ainda cobra uma fatura pesada dos quartéis. A convicção democrática entre nós ainda é razoavelmente forte. Algo assim enfrentaria também rejeição global. E, principalmente, porque uma intervenção militar não tem estratégia de saída viável ou visível.

Uma hipotética tomada do poder pelos militares poderia desdobrar-se em dois cenários: 1) a rápida devolução do poder aos civis, depois de uma “faxina moral”, ou 2) as FFAA tomarem para si o enfrentamento dos impasses nacionais. Qualquer um com a cabeça no lugar percebe o elevado risco, para elas, embutido em cada um dos dois possíveis caminhos.

São dois pântanos. Se as FFAA tomam o poder e dali a alguns meses devolvem a civis democraticamente eleitos, como garantir que estes não serão exatamente os que se queria remover? Quem faria a lista dos inelegíveis? Com base em que normas? Ou o “comando militar revolucionário” revogaria a legislação que o atrapalhasse, e imporia outra?

E o expurgo se daria só no plano federal ou desceria para os estados e municípios? E quem entraria no lugar dos expurgados? Os suplentes? Interventores militares? Civis nomeados pela “revolução ética”, após uma junta decidir que o sujeito está moralmente habilitado a desempenhar função pública? Vamos falar sério. Não parece minimamente operacional.

O segundo pântano é mais inimaginável ainda. Não dá para vislumbrar generais e coronéis tratando de resolver assuntos como a reforma da Previdência, a crise fiscal de estados e municípios, a reforma política, o financiamento da saúde e da educação diante da necessidade de cumprir o teto de gastos, o pavoroso déficit primário da União.

Claro que sempre seria possível convocar civis para tocar o serviço. Mas o poder político seria dos militares, e estes precisariam assumir em última instância a responsabilidade de descascar os espinhosos e ácidos abacaxis. Isso sem terem sido eleitos para tanto, e em plena era da internet, quando o controle da informação exige uma ditadura estatal absoluta.

Claro que tudo pode acontecer, mas a lógica ainda tem algum papel na análise. O bloqueio institucional e a pulverização do poder político em feudos impermeáveis à soberania popular são excelentes caldos de cultura para o bonapartismo, como já registrado algumas vezes aqui. Mas continua sendo mais provável que o Bonaparte venha da urna e não do quartel.

60/40

Quando tomados os votos válidos, as pesquisas mostram Lula batendo todos os adversários no segundo turno por algo em torno de 60% a 40%. Foi a divisão clássica do eleitorado entre 2002 e, digamos, 2013. Mas dificilmente Lula será candidato, e vai ser preciso esperar para ver se outro nome da esquerda consegue chegar ao 2o. turno, e reunir o rebanho na decisão.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Ricardo Noblat: Mãos sujas

Sem maioria no Congresso nenhum presidente governa. Mas nenhum Congresso integrado por tantos pecadores como este é capaz de salvar-se sem um aliado na presidência

Destina-se a produzir espuma e mais nada a segunda denúncia por corrupção contra o presidente Michel Temer remetida, ontem, à Câmara dos Deputados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Não que se trate de uma denúncia vazia. Não é. E assim o demonstrou fartamente o voto do ministro Luís Roberto Barroso, na linha do voto do relator do caso, o ministro Edson Fachin.

Haveria razões de sobra para que fosse aprovada na Câmara. Ao STF, depois, caberia examiná-la e decidir por seu acolhimento ou não. Uma vez acolhida, Temer responderia a processo.

Falta à Câmara, porém, sensatez, espírito público e compromisso com a busca da verdade. Sobra medo. Preferirá pela segunda vez a solução de deixar no poder um presidente sob suspeita.

O que seria pior? Permitir que a Justiça investigasse um presidente alvo de tão graves acusações? Ou condenar o país à incerteza sobre se permanecerá sendo governado por um criminoso ou inocente?

A escolha da Câmara já foi feita. Não haverá, ali, os 342 votos necessários para a aprovação da denúncia. Temer, de fato, é refém do Congresso. Mas o Congresso é também refém dele.

Sem uma larga maioria de votos no Congresso nenhum presidente governa. Mas nenhum Congresso integrado por tantos pecadores como este é capaz de salvar-se sem um aliado na presidência.

Um presidente pode muito – e mesmo sem apoio popular, Temer tem demonstrado que pode. Uma mão, portanto, lavará a outra. Ao fim e ao cabo, as duas continuarão sujas.

TAGS:políticaSupremo Tribunal FederalLuís Roberto BarrosoCâmara dos Deputados. congresso nacionalsupremo tribunal federal.michel temer.Michel Temerdenúnciasupremo tribunal federal (espumacongresso nacionalEdson Fachin

 


Míriam Leitão: O mais provável é que STF encaminhe à Câmara a denúncia contra Temer

A sessão de hoje do STF é uma das mais imprevisíveis e é nela que a nova procuradora-geral vai fazer sua estreia no cargo. A segunda denúncia contra o presidente Temer está na primeira parada, mas há uma grande dúvida sobre o que acontece em seguida. Ministros do STF admitem que na sessão tudo pode acontecer, mas que o mais provável é que ela seja encaminhada à Câmara.

A Procuradoria-Geral da República já fez a sustentação oral em defesa da tese da validade das provas mesmo em caso de rescisão do acordo de delação. Quem falou na ocasião foi o procurador Nicolau Dino. Por isso, Raquel Dodge pode falar sobre os outros itens da pauta, mas não fazer nova defesa do ponto de vista da PGR, porque passou o momento processual.

A convicção de dois ministros do STF com os quais conversei é que a denúncia tem que ser enviada imediatamente à Câmara porque, se o Supremo fizer qualquer movimento para analisar a validade das provas, já está se adiantando à investigação e, portanto, desrespeitando o preceito constitucional de que o presidente só pode ser investigado com a permissão da Câmara.

E lá o que acontece, quando chegar? O deputado Rogério Rosso (PSD-DF) faz um paralelo com a temporada de furacões:

— Se a primeira denúncia foi um furacão nível 5, a atual é tempestade de nível 1,5.

A convicção no governo é que a atual é menos preocupante do que a primeira, mas que também vai interromper a tramitação de assuntos que estavam na pauta para serem votados.

— Em 17 de maio estávamos a duas semanas de votar a reforma da Previdência. Depois daquele dia, tudo o que conseguimos com muita dificuldade foi votar a reforma trabalhista. A tramitação da denúncia interrompe o ritmo das votações inevitavelmente — diz o ministro Antonio Imbassahy.

A reforma política será resumida à proibição pelo STF das coligações, a reforma da Previdência não tem a menor chance de ser aprovada agora. A arrecadação melhorou em agosto, mas como a queda de julho foi grande demais, essa elevação não reduz muito a frustração de receita no ano, tornando difícil o cumprimento da meta, mesmo depois da sua ampliação. Neste contexto, o governo tem pouca moeda de troca para usar no esforço de vencer a segunda denúncia. Ainda assim, há riscos de novas concessões como a que está sendo feita aos ruralistas na dívida tributária que eles têm em relação ao Funrural. Quanto mais ameaçado o presidente Temer estiver, mais ele fará concessões, mesmo as que impliquem em aumento do gasto ou da renúncia fiscal.

A oposição ainda acha possível vencer o presidente Michel Temer na Câmara, mas diz que para isso o pivô central teria que ser o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Se ele fizesse algum movimento para aglutinar apoios, o presidente cairia, na visão de dois senadores da oposição. Mas o deputado Rodrigo Maia não tem participado de qualquer movimento para se colocar como opção para a Presidência.

Ontem, o presidente Temer teve um dia para falar como estadista, através do discurso na ONU, com o qual, tradicionalmente, o Brasil abre a sessão anual da Assembleia-Geral. Aproveitou para fugir de toda a realidade. Negá-la. Nenhuma palavra sobre o que nos consome os dias no Brasil, a luta contra a corrupção, na qual ele é um dos alvos. E na questão ambiental, deu uma fakenews: a de que está combatendo o desmatamento.

Temer não tem do que se vangloriar na área ambiental. Pelo contrário. Se o dado da queda do desmatamento se confirmar, quando for divulgado o número do Prodes, do INPE, será mais um ponto fora da curva do que a reversão da tendência iniciada no governo Dilma, que já elevou em 27% o desmatamento. Temer tem usado suas sucessivas concessões ao lobby contra o meio ambiente como parte do negócio de permanecer no poder. E esses sinais vão todos na direção de estimular a grilagem e o desmatamento.

Qualquer daqueles costumeiros tumultos no Supremo hoje será bom para Temer. Quanto mais tempo a denúncia demorar a chegar à Câmara, melhor para ele. O atraso o favorece, mas em algum momento ele terá que travar nova batalha na Câmara. Mesmo se vencer na segunda votação, continuará sendo um presidente fraco, refém dos grupos de interesse no Congresso.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

 


O Estado de S. Paulo: Câmara rejeita distritão para 2018

Plenário da Câmara derrubou proposta que estava sendo debatida havia meses; 205 deputados foram favoráveis à matéria, mas eram necessários 308 votos

Isadora Peron, de O Estado de S. Paulo

Em votação que encerrou uma discussão de meses, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, na noite de ontem, a mudança do sistema de eleição para o Legislativo do País. Os parlamentares recusaram a proposta de transição do atual sistema, chamado de proporcional, para o distritão nas eleições de 2018, quando serão eleitos deputados estaduais e federais, e de 2020, para a escolha de vereadores. Em 2022, entraria em vigor o distrital misto. A proposta de emenda à Constituição teve 205 votos favorá- veis, mas, por se tratar de uma PEC, eram necessários 308 para sua aprovação. Votaram contra o texto 238 deputados. A matéria foi derrubada em primeiro turno e não pode mais ser discutida no Congresso Nacional neste ano.

O plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, na noite de ontem, a mudança do sistema de eleição para o Legislativo do País. Os parlamentares recusaram a proposta de transição do atual sistema – chamado de proporcional – para o “distritão” nas eleições de 2018, quando serão eleitos deputados estaduais e federais, e de 2020, para a escolha de vereadores. Em 2022, entraria em vigor o “distrital misto”.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) não foi aprovada porque não atingiu o mínimo de 308 dos 513 votos. Foram 238 deputados contrários à alteração – 205 votaram a favor e houve uma abstenção. A matéria foi derrubada em primeiro turno e não pode mais ser discutida no Congresso neste ano.

A votação de ontem encerrou uma discussão de meses em torno da reforma política. Sem consenso, líderes da Câmara tentaram por diversas vezes aprovar a PEC, mas não conseguiram chegar a um texto de consenso.

Partidos como PMDB, PP e PSDB eram a favor da mudança do sistema eleitoral, mas resistiam a apoiar a criação de um fundo para financiar campanhas políticas. PT, PC do B e PDT apoiavam o fundo público (que chegou a ser cogitado em R$ 3,6 bilhões), mas recusavam a proposta do distritão.

O Estado revelou em julho que deputados do PMDB, PSDB e de ao menos oito partidos do Centrão haviam feito um acordo para incluir o distritão na reforma política – a medida foi apontada como uma maneira de assegurar a reeleição dos principais líderes a fim de se manter o foro privilegiado em meio ao descrédito com a classe política causado por escândalos revelados pela Lava Jato.

“O distritão, na verdade, é um ‘detritão’”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), ontem, durante a votação. “O que a sociedade quer não é a reforma política que cada deputado aqui está defendendo, é a reforma dos políticos, a reforma do que acontece aqui no Congresso”, afirmou o líder do PDT, deputado Weverton Rocha (MA).

Hoje, no sistema proporcional, para um deputado se eleger, é necessário calcular seu número de votos combinado com a quantidade de votos dados ao partido ou à coligação. Se o distritão fosse aprovado, o sistema de escolha de deputados federais, estaduais e vereadores nas duas próximas eleições se tornaria majoritário e seriam eleitos os candidatos mais votados. No distrital misto, o eleitor vota duas vezes: uma vez nos candidatos e outra em nomes de uma lista apresentada pelo partido. O distritão já havia sido rejeita- do pela Câmara em 2015.

“Esse debate foi muito difícil, tortuoso. Temos um sistema fragmentado e, talvez, seja o grande drama da representação partidária no Congresso. A PEC não conseguiu apoio necessário”, disse o deputado Betinho Gomes (PSDB-PE).

Coligação. Após rejeitar a mudança do sistema eleitoral, o plenário passou a discutir, já na madrugada de hoje, a PEC que trata do fim das coligações nas eleições proporcionais e da criação de uma cláusula de desempenho dos partidos.

O presidente da Câmara em exercício, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), afirmou, exaltado, que levaria a votação até o fim. “Ligue, mande buscar seus deputados em casa. Aqui tem 360 deputados (à 0h30). Eu falei que ia votar até seis horas da manhã. Vou cumprir o que eu falei, porque é meu dever cumprir. Palavra é palavra”, disse. A sessão, no entanto, foi encerrada pouco depois da 0h30 e a votação foi adiada.

Os deputados tentaram apro- var requerimento para retirar a PEC de relatoria da deputada Shéridan (PSDB-RR) de pauta, mas o pedido foi rejeitado. Ao todo, os deputados ainda tinham de analisar oito destaques ao texto. A principal mudança foi proposta pelo PPS para que o fim das coligações passasse a valer em 2020, não em 2018.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que é a favor do fim das coligações, ironizou o adiamento da votação. “O fim da coligação é a única iniciativa positiva da mal chamada reforma política.” Após Ramalho anunciar que a votação seria retomada hoje, parlamentares protestaram e disseram que a reforma seria feita pelo Supremo Tribunal Federal. Para que as mudanças passem a valer em 2018, elas têm de ser aprovadas até 7 de outubro.

Debate “O que a sociedade quer não é a reforma política que cada deputado aqui está defendendo, é a reforma dos políticos, a reforma do que acontece aqui no Congresso Nacional.” Weverton Rocha (PDT-MA).

 

 


O Estado de S. Paulo: Jungmann convoca comandante do Exército para ouvir explicações sobre fala de general

Pelo Regulamento Disciplinar do Exército, Mourão pode ser punido por dar declarações de cunho político, sem autorização de seu superior hierárquico

Tânia Monteiro | O Estado de S.Paulo

Diante da repercussão negativa das declarações do general da ativa Antonio Hamilton Martins Mourão que, na última sexta-feira, 15, em palestra, defendeu a possibilidade de intervenção militar, diante crise enfrentada pelo País, caso a situação não seja resolvida pelas próprias instituições, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, convocou o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, para pedir explicações em relação às declarações do militar, para "orientá-lo quanto às providências a serem tomadas".

Jungmann, em nota, no entanto, não explica que providências poderão ser tomadas. No fim de semana, ao tomar conhecimento do ocorrido, Jungmann relatou o fato ao presidente Michel Temer e avisou que deixou nas mãos do comandante a decisão sobre como conduzir o caso.

O general Villas Bôas, depois de ouvir as explicações do contexto da fala do general, que já protagonizou outro problema político em outubro de 2015, quando criticou o governo e a ex-presidente Dilma Rousseff, disse ao Estado que o problema estava "superado".

Pelo Regulamento Disciplinar do Exército, Mourão pode ser punido por dar declarações de cunho político, sem autorização de seu superior hierárquico. A decisão de tentar abafar o caso, no entanto, parece não ter agradado a Jungmann, que queria algum tipo de sinal de que esse tipo de declaração não pode ser tolerado.

O Exército, no entanto, está tentando contornar a situação, para evitar subir a temperatura e criar um problema ainda maior já que Mourão tem uma forte liderança na tropa. Além, de acordo com integrantes do Alto Comando, Mourão está exatamente seis meses de deixar o serviço ativo e é melhor não colocar lenha no fogo, criando um novo problema.

Em 2015, por conta das suas declarações, o general Mourão perdeu o Comando Militar do Sul e foi transferido para a Secretaria de Economia e Finanças, um cargo burocrático. Agora, diante da pressão política, Mourão pode ser retirado de sua função, como medida paliativa para que seu gesto não sirva de incentivo a outras manifestações.

Mas o assunto ainda está sendo objeto de discussão porque há quem entenda que puni-lo, de alguma forma, poderia levar a uma leva de solidariedade, criando um clima político considerado "desnecessário", neste momento, transformando a Força em vidraça.

A fala de Mourão, desagradou integrantes do Alto Comando que consideram que o pronunciamento "inoportuno" e que ele trouxe para os quartéis um problema que não é da classe militar, criando uma verdadeira "saia justa" para ele e para o comandante. Em nota, o ministro Raul Jungmann afirmou que "as Forças Armadas estão absolutamente subordinadas aos princípios constitucionais, à democracia, ao estado de direito e ao respeito aos Poderes constituídos". O ministro acrescenta ainda que "há um clima de absoluta tranquilidade e observância aos princípios de disciplina e hierarquia constitutivos das Forças Armadas, que são um ativo democrático de nosso País".

O comandante do Exército, general Villas Bôas, segundo a nota da Defesa, estava em tratamento em São Paulo, quando foi "convocado" pelo ministro Jungmann "para esclarecer dos fatos relativos a pronunciamento de membro do Alto Comando do Exército e orientá-lo quanto às providências a serem tomadas".

 

 


Noblat: Um general prega o golpe. E nada acontece com ele

Nem o Ministério da Defesa, nem o Exército tomaram qualquer providência até ontem à noite para punir o general Antonio Hamilton Mourão que na última sexta-feira, em palestra para maçons reunidos em Brasília, defendeu um golpe militar caso o Poder Judiciário não tire de cena políticos corruptos.

Ao jornal O Estado de S. Paulo, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ora em tratamento de saúde, limitou-se a dizer que “o problema” estava superado. A Procuradoria Geral da Justiça Militar informou que analisou a fala de Mourão e não encontrou “nenhum ilícito penal previsto no Código Penal Militar”.

O ministro Raul Jungmann, da Defesa, disse em nota que “há um clima de absoluta tranquilidade e observância aos princípios de disciplina e hierarquia constitutivos das Forças Armadas”. Anunciou por fim que convocara o comandante do Exército “para esclarecer os fatos” e examinar “medidas cabíveis a serem tomadas”.

A pregação do golpe feita por Mourão se deu quando lhe perguntaram se não concordava de que, com poderes cheios de corruptos, incluindo um presidente da República duas vezes denunciado criminalmente, não seria o momento de se ter uma intenção militar. Parte da resposta de Mourão:

- Na minha visão, que coincide com a dos companheiros que estão no alto comando do Exército, estamos numa situação que poderíamos lembrar da tábua de logaritmo, de aproximações sucessivas. Até chegar ao momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou, então, nós teremos que impor isso.

Quer dizer: se a Justiça não punir políticos corruptos com sua exclusão da vida pública, os militares poderiam fazê-lo. Isso não está na lei. O comandante das Forças Armadas é o presidente da República. Uma intervenção militar só pode ocorrer em casos previstos na Constituição. E nenhum desses casos tem a ver com a não punição de políticos corruptos. Simples assim.

A propósito do que disse o general Mourão, e sob o título “Parabéns, ministro”, Julgmann recebeu de uma funcionária pública que se assina Luciene a mensagem que segue:

“Penso que um agente de Estado não pode expressar convicções pessoais de tal gravidade. O agente é pago pelo Estado, está com o uniforme do Estado, personifica o Estado. Da mesma forma que eu sou obrigada a manter a postura na minha condição de agente de Estado, espero que o agente militar também se porte à altura, cada qual no exercício do seu papel.

Se eu me expressar mal em relação ao meu ofício, o Tribunal de Contas da União dispõe de uma Lei Orgânica para me corrigir. É importante que o Ministério da Defesa proceda da mesma forma, para que não haja sobressaltos para os cidadãos. O agente de Estado, civil ou militar, deve agir nos marcos da Constituição, não de suas convicções pessoais.

Democracia não se coaduna com ameaças - explícitas ou veladas - ao Poder Judiciário, porque são ameaças ilegítimas, que afrontam cláusulas pétreas. O cidadão é legítimo para cobrar o Supremo Tribunal Federal (STF). No movimento da Ficha Limpa, nós cidadãos pressionamos o STF de forma democrática, nos marcos da Constituição. Não com ameaças inconstitucionais.”

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Gaudêncio Torquato: Tentando ver além das nuvens  

Nuvens plúmbeas, pesadas, impedem que se descubra se haverá algum raio de sol brilhando nos horizontes do amanhã. Quando este amanhã está muito distante, lá pela primavera de 2018, querer enxergar o ambiente será um exercício de adivinhação.

O máximo que se pode garantir é que rebentos da natureza, como os ipês amarelo e roxo de São Paulo, darão um colorido à metrópole, que chamará a atenção ainda pela inclinação do eleitorado da capital e do Estado (9 milhões e 33 milhões, respectivamente) a votar nos candidatos que se submeterão às urnas no dia 5 de outubro.

Há muita fumaça a cobrir os céus nos próximos meses, resultantes de fogueiras acesas no terreno da política, algumas com capacidade de queimar perfis, deixando-os fora do pleito, como é possível inferir nos casos de Luiz Inácio Lula da Silva e Aécio Neves. Hoje, é forte a hipótese de que estariam fora do jogo eleitoral por estarem envolvidos na Operação Lava Jato.

Como o Brasil é o país do imponderável, é possível que Lula drible as condenações que pesarão sobre ele e volte ao ringue. Difícil, mas não impossível. Tentemos, sob densa teia de coisas imponderáveis, fazer algumas projeções, contando com o acervo de informações de que se dispõe e que nos permite fazer um exercício de interpretação.

Comecemos pela tradicional repartição do eleitorado brasileiro entre três terços, dos quais teríamos um alinhado à direita do arco ideológico, outro fixado no centro e o terceiro sediado na banda esquerda.

Os restantes 10% se diluiriam para um lado ou para outro, com possibilidade de se inclinar mais para o centro, a depender do clima de 2018 (quente, muito quente, temperado, frio ou muito frio), significando competição ferrenha, polarização aguda ou temperança e harmonia ambiental; ou, ainda, absoluta indiferença ao processo eleitoral em curso.

A economia como locomotiva
Quem vai acusar a quentura ou a frieza do meio ambiente é o termômetro da economia, sob a hipótese de que uma boa situação econômica jogaria um dinheirinho a mais no bolso do consumidor, capaz de encher a geladeira e garantir estômagos satisfeitos.

O coração agradecido acabaria “fazendo” a cabeça do eleitor votar em candidatos identificados com o bem-estar. (Esta é a equação que este consultor designa de BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça).

Já um ambiente muito quente, capaz de gerar certa ebulição social, tenderia a favorecer protagonistas afastados do status quo, explicitamente localizados nas margens do arco ideológico – esquerda ou direita – e capazes de ganhar a preferência da sociedade indignada.

Na ponta direita, poderemos ter Jair Bolsonaro, com uma visão ultra conservadora, e na margem esquerda, um perfil de oposição, saído das fileiras do PT- Fernando Haddad, por exemplo – ou outro apoiado por aquele partido.

Se Luiz Inácio salvar-se da fogueira, poderia se transformar em eixo catalisador. As pontas poderão abrigar velhos perfis radicais, sem grandes consequências, como figuras do PSTU e de entes nanicos.

Mas há protagonistas que pleiteiam disputar o canto esquerdo, dentre elas, Marina Silva e Ciro Gomes. A ex-seringueira possui um perfil asséptico, como legítima representante do ambientalismo, tem credibilidade, é pessoa que angaria respeito e admiração.

Parece, no entanto, não ter estofo para aguentar dura e sangrenta batalha pela Presidência. Que exige armas adequadas, recursos, vasto tempo de mídia eleitoral etc. Seria tragada por grandes estruturas.

Ciro Gomes, saindo pelo PDT, ganharia boa votação no Nordeste, mas tende a ser corroído por bolsões do Sudeste. Ciro é uma metralhadora ambulante. Conhecido por “morrer pela boca” como peixe. Tem um arsenal expressivo que acaba minando suas chances.

Os perfis do centro
Vejamos, agora, os nomes hoje lembrados para ocupar as áreas mais centrais. Vale recordar que esses perfis de centro teriam condições de puxar pedaços de blocos tanto da direita quanto da esquerda. Ou seja, quando falamos de centro, entenda-se o espaço que se estende ao centro-direita ou ao centro-esquerda. Na visão deste consultor, o perfil com tais posições tende a obter melhor desempenho eleitoral, contando com boa possibilidade de entrar no segundo turno. Quem seria esse figurante?

Comecemos pelos quadros que já se mostram como pré-candidatos: Geraldo Alckmin e João Doria. Ambos preenchem espaços do centro à direita. Geraldo tem história no PSDB, identifica-se com valores do equilíbrio, ponderação, seriedade, positiva imagem pessoal.

É criticado por lhe faltar determinação, expressão mais forte. Passa a impressão de lhe faltar um discurso mais assertivo, contundente, com propostas para o país. Está escrito na testa dele: sou paulista. Como tal, pode despertar rejeição de setores que vêem São Paulo como um país à parte, não representando, portanto, o interesse de outras regiões.

Há dúvidas sobre o leque de alianças que formaria. Lembre-se que chegou a defender a saída do PSDB do governo Temer.

Doria tende a ser visto como a “novidade”, a estampa contemporânea, o perfil que incorpora demandas do momento, a partir do conceito de “bom gestor”, como tenta ser. Sabe mexer com as mídias sociais e se faz presente nos mais distantes lugares.

Se conseguir ser o candidato tucano, tem condições de fechar grande arco de alianças. Está mais próximo do PMDB do que Alckmin. E José Serra? Debilitado, não disporia de fôlego para uma campanha presidencial. Sua vez passou.

Restaria, por último, Henrique Meirelles, cuja candidatura dependeria do sucesso da economia e consequente apoio de partidos grandes e médios, a começar pelo PMDB. Joaquim Barbosa, ex-presidente do STF, teria imensa visibilidade, mas não tem “fígado” para suportar uma campanha. Ciro Gomes, como já se disse, seria tragado pela exacerbação.

Fala-se de Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF, poeta, advogado, pessoa admirável. Toparia? Muito difícil. Confessa já ter dado sua contribuição à Pátria. Se disputasse e dispusesse de bom tempo de rádio e TV, atrairia imenso contingente.

O Brasil seria comandado por um homem de brio e respeito.

* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

 


FHC: 'A Reconstrução do Brasil'  

Em prefácio, FHC diz que livro 'A Reconstrução do Brasil' é 'estrada a percorrer'

Entre setembro do ano passado e janeiro de 2017, o Estadão publicou uma extensa série de matérias sobre a agenda de reformas que o Brasil tem de enfrentar para reconquistar um futuro coletivo melhor para os cidadãos e cidadãs que aqui vivem e trabalham. Ao reuni-las em um livro, o jornal oferece à sociedade um diagnóstico dos desafios nacionais e um mapa da estrada que o País terá de percorrer para superá-los neste e nos próximos mandatos presidenciais.

O livro vem em boa hora. Quis a história que os 30 anos da Assembleia Constituinte que resultou na Constituição de 1988 coincidissem com a retomada do debate público e da iniciativa do governo em relação a mudanças institucionais marginalizadas nos três mandatos presidenciais anteriores ao atual. Postergadas a partir de 2003 e substituídas por políticas econômicas destruidoras do equilíbrio fiscal e da capacidade de crescimento da economia a partir de 2010, essas reformas se tornaram não apenas necessárias para assegurar um futuro melhor, mas também urgentes para resgatar o Brasil da profunda e prolongada crise econômica legada pelo ciclo petista. O presidente Michel Temer compreendeu que sua breve passagem pela Presidência deveria estar dedicada à missão histórica e reiniciar o processo de reformas, a começar por aquela que maior dificuldade política representa, a da Previdência. Merece crédito por isso.

A reconstrução do Estado e da economia brasileira será longa, exigirá perseverança e sentido de direção. Nenhuma sociedade se move se não souber aonde quer chegar. E se não tiver uma razoável noção dos processos que a levaram às dificuldades do tempo presente. O livro que o leitor tem em mãos contribui para a compreensão do passado dos últimos 30 anos, assim como para o debate a respeito do futuro previsível.

Da sua leitura, saltam aos olhos o peso e a complexidade crescentes do sistema tributário para financiar um Estado que se agiganta, mas não devolve à sociedade em qualidade de serviços públicos e melhor distribuição da renda aquilo que lhe retira sob a forma de tributos. Parte desproporcional do que é transferido aos cofres estatais acaba no bolso de setores privilegiados. Neles se incluem as corporações mais bem organizadas do funcionalismo público, como mostram com fatos e dados várias das matérias publicadas no livro. As desigualdades que se formam no mercado de trabalho se acentuam nos sistemas desiguais de Previdência, exemplo claro de como o desequilíbrio fiscal e a desigualdade de renda não raro são irmãos siameses no Brasil.

Igualmente elucidativas são as matérias que mostram o anacronismo cada vez maior da CLT frente às transformações do mundo real do trabalho e da produção. Devido à minudente rigidez da legislação e ao conservadorismo da hipertrofiada Justiça do Trabalho, o Brasil é provavelmente o campeão mundial em matéria de judicialização das relações de trabalho. É também pródigo quanto à proliferação de sindicatos, criados com a finalidade exclusiva de abocanhar uma fatia do Imposto Sindical compulsório.

Tal situação não favorece a representação autêntica e a composição dos interesses divergentes dos trabalhadores e das empresas. Inibe o emprego formal e prejudica a produtividade ao criar insegurança jurídica nas relações de trabalho e estimular a rotatividade da mão de obra.

O livro acerta na crítica que faz à Constituição de 1988 pelo que nela existe de proteção a benesses e privilégios de um país feito para poucas corporações, oligarquias e grupos sociais ligados ao Estado. Ela os ajuda a se perpetuar não apenas por lhes dar status constitucional, mas também por consagrar na Lei Maior estruturas de poder necessárias à sustentação dessas benesses e desses privilégios.

Não se deve esquecer, porém, que, se a Constituição de 1988 reflete alguns “ismos” de um passado que custa a morrer, ela expressa também a vontade de uma sociedade democrática, que ainda não se desenvolveu por completo. A Constituição de 1988 tem ajudado o País a usufruir do mais amplo e duradouro regime de liberdades da sua história, a navegar por graves crises políticas sem ruptura da democracia, a combater a corrupção e os abusos de poder dentro do estado de direito, a avançar na redução da pobreza e na proteção do meio ambiente. Não é pouco.

Reformar a Constituição, sim, como fiz com convicção e empenho quando fui presidente. Preservando, entretanto, o que nela há de fundamental para garantir e ampliar conquistas civilizatórias indispensáveis à construção contínua de um país não apenas mais desenvolvido, mas mais justo, decente e democrático.

 


Alon Feuerwerker: No Brasil, a situação é de normalidade institucional ou de bloqueio institucional?

O senso comum informa que o Brasil vive situação de normalidade, com as instituições em pleno funcionamento, capacitadas a desfazer os nós da economia e da política. Uma prova seria o papel apenas marginal dos apelos pela ruptura, que aparecem principalmente à direita, nos chamados residuais à intervenção militar.

O senso comum ajuda a resolver quase todos os problemas. Por causa desse “quase”, também aqui convém fazer a saudável pergunta: "e se não?". E se não estivermos navegando para um desfecho protocolar, a alternância eleitoral no poder e a assunção de um governo com força congressual e social suficientes para aplicar seu programa? Qualquer que seja.

Liberdade e democracia estão de algum modo conectadas, mas não se confundem. A primeira é medida pela amplitude das possibilidades do indivíduo e dos grupos de indivíduos diante da coerção estatal necessária para manter funcionando o organismo social. A segunda é medida pela influência real da vontade política da coletividade nas decisões estatais.

A sustentabilidade política é alguma função do alinhamento das duas variáveis. Democracias com bom grau de liberdade são mais estáveis. Assim como autocracias com baixas taxas de liberdade. Observa-se que nas crises das autocracias o aumento do grau de liberdade, muitas vezes produzido pelo próprio regime, acelera a desestabilização.

Tecnicamente, a situação brasileira é de um bom grau de liberdade convivendo com taxas declinantes de democracia. A afirmação pode parecer chocante, mas é verificável. O poder estatal escorre dos organismos diretamente eleitos pela sociedade, Executivo e Legislativo, para um mosaico de entes burocráticos ou privados que passam a concentrá-lo.

Não há como a população eleger os integrantes do Ministério Público, os delegados e agentes da Polícia Federal, os membros do Judiciário, os líderes vocais empresariais, os comandantes e operadores da imprensa. Ao lado de grupos burocráticos menos relevantes, eles hoje concentram o poder de definir a agenda e decidir quem e como é “democrático” reprimir.

Essa “autocracia pulverizada” não é sustentável no tempo se precisa agir por meio de entes estatais sujeitos ao escrutínio popular num ambiente de razoável liberdade. Basta verificar a paralisia progressiva do Executivo e do Legislativo, imprensados entre a necessidade de obedecer ao “governo de fato” e o desejo de reproduzir seu próprio poder, mesmo anêmico, nas eleições.

Uma saída seria algum sistema de voto capaz de produzir maioria legislativa clara e alinhada com o desejo da maioria do eleitorado. Um Congresso com força para reduzir o desalinhamento entre os graus de liberdade e de democracia. Mas isso enfrenta a oposição combinada do poder real dos sem-voto e da corporação política interessada só em sobreviver.

Se nada for feito, 2019 trará um presidente cercado de altas expectativas, mas dotado de baixa capacidade resolutiva. E de quem se exigirá que imponha ao Congresso uma agenda a que este vai resistir, se ela não tiver tido respaldo eleitoral. E isso em meio a uma recuperação econômica apenas medíocre e à continuada degradação dos orçamentos públicos.

E há a contradição entre a agenda e os privilégios dos agentes burocrático-estatais, que ajudam a manter o Executivo e o Legislativo na defensiva, o que é essencial para fazer avançar a agenda. Se a primeira missão de um Bonaparte aqui seria enquadrar o poder derivado do voto, a segunda seria dar um jeito na cobra de múltiplas cabeças da burocracia estatal e aliados.

Do jeito que vai a coisa, os apelos por um Bonaparte só tendem a crescer.

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A tática petista derivada de considerar a Lava-Jato seu inimigo principal, por ameaçar a elegibilidade de Lula, pode ao fim resultar na sobrevivência do principal adversário político, a aliança PSDB-PMDB, e, paradoxalmente, na inelegibilidade só de Lula. É para onde aponta a conjuntura.

Errar na definição do inimigo principal costuma levar ao desastre.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


Míriam Leitão: Joesley tenta enganar

O empresário Joesley Batista ainda não entendeu o que fez de errado e o que o levou à prisão. Ele disse na sexta-feira que está preso porque delatou o poder. Joesley está preso por corrupção, por ter comprado políticos para usufruir de vantagens. Se não confessasse, quando o fez, seria preso de qualquer maneira porque estava sendo investigado em cinco operações.

Além disso, ele teve ganhos indevidos até com a delação, o que levou seu irmão Wesley à prisão. Só se explica isso por alguma compulsão de querer levar vantagem em tudo, inclusive na tormenta em que o país entrou após a sua delação. Eles sabiam que o dólar subiria e que as ações iriam cair. E fizeram suas apostas no cassino em que sempre estiveram acostumados a jogar. O Ministério Público e a Polícia Federal calculam que eles ganharam US$ 100 milhões com as operações. Para eles, isso é ninharia, mas está cobrando um alto preço.

Joesley dizia que a hipótese de sua prisão ou do seu irmão iria ser uma tragédia para a empresa, porque sem eles não seria possível administrar a companhia. O mercado financeiro reagiu com alta nas ações quando eles foram presos, derrubando a ideia de serem insubstituíveis.

Eles continuaram ganhando fortunas mesmo no meio dessa confusão. A decisão de vender os ativos é correta porque essa é a forma de tirar a empresa do risco. Mas é curioso pensar na origem dos bens que estão sendo negociados. Recentemente, o grupo fechou negócio para a venda da Eldorado para o grupo indonésio Paper Excelence. Ela foi um investimento feito com pouco capital próprio, e muito empréstimo do BNDES, compra de debêntures pelo banco, e crédito do FI-FGTS. Esse último, sabe-se agora, o grupo conseguiu da forma mais tortuosa. O valor total da empresa no negócio foi de R$ 15 bilhões, mas foi vendida apenas a parte do JBS. A família Batista recebeu o valor inicial de pelo menos R$ 2,2 bilhões. Nada mal para um empreendimento alavancado principalmente com recursos públicos, pelos quais, aliás, ele confessou que pagou propina.

Na semana passada, com Joesley já preso, foi feita uma operação em que a Pilgrim's Pride, uma das maiores processadoras de frango dos Estados Unidos, e do grupo JBS, comprou a operação do grupo na Europa, a Moy Park. Eles compraram a si mesmos para melhorar a sinergia e a estrutura do envidamento. Quando foi comprada, a Pilgrim's Pride foi um ativo adquirido integralmente com o dinheiro do BNDES, conseguido através da venda de debêntures. Não houve capital próprio. E assim eles ficaram ainda mais ricos do que já eram. Mas a ganância desmedida fez os irmãos Batista irem cada vez mais fundo no negócio da corrupção que os levou à prisão.

O grupo está sendo reestruturado e sairá de tudo isso bem menor. Pelo menos, há uma boa chance de que sobreviva a essa vendaval. O economista Fábio Astrauskas, professor do Insper e CEO da consultoria Siegen, especializada em reestruturação de empresas no Brasil, avalia que a resposta da JBS à crise de confiança que se abateu sobre a empresa foi rápida e eficiente. O grupo foi ágil em vender os bons ativos para fazer caixa, e, na visão de Astrauskas, terá condições de seguir o negócio mesmo com o afastamento da famílias Batista do comando da empresa.

— Acho que a JBS teve uma visão muito pragmática, profissional, muito similar ao que aconteceu com o BTG. Hoje, ninguém mais se lembra do banco como sinal de problemas. Acho que pode acontecer o mesmo com a JBS daqui a alguns meses. Estar no segmento de varejo também ajuda. É diferente do que vejo, por exemplo, com as grandes construtoras investigadas na Lava-Jato, que dependem de obras e contratos públicos — afirmou.

A empresa pode ter uma nova chance se a resposta continuar ágil. Em relação aos irmãos Batista, o futuro imediato é mais opaco. Uma coisa já se sabe: a dissimulação não os levará a lugar algum. Frases como “estou pagando por ter delatado o poder” ou “estou preso porque mexi com os donos do poder” não convencem ninguém. Esse tipo de defesa, de se fazer de inocente perseguido por poderosos, não tem qualquer credibilidade, porque o país que eles enganaram durante tanto tempo já não se deixa mais enganar.

 


Luiz Carlos Azedo: O divisor de águas

É ingenuidade acreditar que a crise ética não será o divisor de águas das eleições de 2018, somente os enrolados na Operação Lava-Jato apostam nisso piamente

Há uma corrida contra o tempo na política brasileira entre aqueles que fazem parte do atual sistema de poder, cujo vértice é ocupado pelo presidente Michel Temer; e os que pretendem constituir uma outra alternativa em 2018. No primeiro caso, a força principal é o PMDB, núcleo de uma grande aliança que sofre forte desgastes por causa da Operação Lava-Jato. No segundo, podemos identificar Jair Bolsonaro (PRB-RJ), à direita; o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), à esquerda; e um enorme espaço vazio entre esses dois, aberto pela crise do PSDB, na qual se digladiam o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital, João Doria. Os senadores Aécio Neves (MG) e José Serra (SP) já estão fora da disputa pela candidatura presidencial tucana por causa da Lava-Jato.

Nessa corrida, a grande aposta do governo Temer é o desempenho da economia, que emite sinais de recuperação da produção industrial, registra inflação abaixo da meta e uma significativa redução da taxa de juros. A cada alta nas ações da bolsa e novos indicadores positivos, governistas batem o bumbo. E alardeiam que a recessão ficou para trás, o que é verdade, e a retomada vigorosa do crescimento econômico já está garantida, o que é um certo exagero, porque ela ainda é muito baixa: projeta-se 0,6% do PIB neste ano, segundo o último boletim Focus, do Banco Central. Nessa perspectiva, fala-se em uma taxa de crescimento de 3% no ano da eleição, o que daria ao presidente Temer cacife para concorrer à reeleição ou fazer o seu sucessor no pleito de 2018.

Essa narrativa funciona para manter mais ou menos coesa a base conservadora do governo no Congresso, o que é fundamental para barrar a nova denúncia contra Temer na Câmara, na eventualidade de que venha a ser aceita pelo ministro relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Édson Fachin. Mas não é suficientemente robusta, pelo menos por enquanto, para aprovar a reforma da Previdência, por exemplo, ou um programa de cortes de despesas na administração direta que fizesse o governo caber novamente na Esplanada, que já não comporta o número de ministérios e suas repartições.

Mas há certa euforia no mercado de ações e predisposição dos investidores a embarcar no programa de privatizações do governo. Primeiro, a redução da inflação e da taxa de juros, acrescida da lei do teto de gastos, em que pese as crises e trapalhadas do governo, para os analistas financeiros, blindaram a equipe econômica. Segundo, as privatizações de importantes estatais em si costumam valorizar as respectivas ações, são música para o mercado. Mas significa que a economia será o divisor de águas das eleições de 2018, como foram, por exemplo, o Plano Cruzado, em 1986, ou o Plano Real, em 1994? Provavelmente, não.

No caso do Plano Cruzado, no governo Sarney, o forte impacto na eleição fez com que o PMDB vencesse em todos os estados, com exceção do Rio de Janeiro, porque havia ilusão de que acabara com a hiperinflação. Mas era um programa econômico sem sustentabilidade, que logo se revelou um fracasso, para usar as palavras do ex-ministro da Fazenda Delfim Neto. O Plano Real, sim, foi um sucesso. Teve mais sustentabilidade, pois foi um programa de estabilização da economia alavancado por um programa de reforma patrimonial do Estado, concebido com base no fracasso dos planos anteriores, o que possibilitou a vitória do PSDB, com a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso e sua reeleição. Portanto, é muito natural que o governo Temer aposte todas as fichas na economia. Mas isso dará certo?

Grande diferença
“É a economia, estúpido”, bradam os governistas, inspirados em James Carville, marqueteiro da primeira eleição de Bill Clinton e autor da frase.

Teria todo sentido a afirmação se as taxas de crescimento fossem maiores; por enquanto, essa é apenas uma aposta. Mas há uma grande diferença em relação às situações anteriores aqui descritas: a crise ética.

No primeiro caso, o PMDB emergia do regime militar lastreado pela campanha das diretas já e a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral. O presidente José Sarney, egresso do antigo PFL, que assumiu o lugar de Tancredo, embora fosse um político conservador, era um dos artífices da democratização. O fracasso do Cruzado, porém, resultou num fim de governo mambembe e na derrota das forças políticas que lhe davam sustentação. Quem ganhou a eleição de 1989 foi o outsider Collor de Mello, num segundo turno contra Lula. No segundo caso, o PSDB venceu as eleições porque tinha um bom candidato, Fernando Henrique, a hiperinflação havia sido ultrapassada e o governo Itamar não estava envolvido em escândalos.

É ingenuidade acreditar que a crise ética não será o divisor de águas das eleições de 2018, somente os enrolados na Operação Lava-Jato apostam nisso piamente para não desistirem de disputar o pleito. Vejam o caso do PT e de Lula, que tentam resgatar o “rouba, mas faz” das campanhas do governador Adhemar de Barros, em São Paulo, na década de 1950, em campanha aberta pelo Nordeste. O que impede Lula de se manter como alternativa de poder é a Lava-Jato, seja pelo desgaste de imagem, seja porque dificilmente escapará de novas condenações. O mesmo vale para outros políticos que desperdiçaram essa oportunidade de ouro — o petista fora da disputa — por terem adotado as mesmas práticas condenáveis.


Fernando Gabeira: Primavera, quem diria

Nas circunstâncias nacionais, parece uma heresia lembrar que está chegando a primavera. Mas, além de boa notícia, é algo de que estou seguro. Algo que posso anunciar nas segundas-feiras, quando tento prever os fatos da semana, num programa de rádio. Em nosso processo histórico tão imprevisível, a constância das estações do ano é um bálsamo.

Claro que poderia melhorar as previsões. Garotinho já foi preso duas vezes. Dava para prever a época em que seria preso de novo. Mas, se contasse com a prisão de Garotinho, o imprevisível, o realismo fantástico me surpreenderia. Garotinho foi preso apresentando um programa de rádio. O locutor que LHE sucedeu naquele momento disse que Garotinho tinha perdido a voz. Os médicos recomendaram silêncio. Ele poderia voltar amanhã ou daqui a alguns dias.

A prisão de Garotinho foi a única que teve uma versão para as crianças. No plano mais amplo, tempestades se formam e, pela primeira vez, pressenti um quadro mais completo. Com as gravações de Joesley Batista e documentos de uma advogada da JBS, entregues por seu ex-marido, a empresa insinua relações promíscuas com o Poder Judiciário.

Aliás, o próprio Joesley já tinha definido a situação ao afirmar, num dos áudios, que o Congresso foi atingido pela delação da Odebrecht e a ele cabia denunciar Temer e o STF. Os dados que havia num dos áudios, no qual se gravou o ex-ministro José Eduardo Cardozo, eram tão problemáticos que o procurador Marcello Miller previa até cadeia para quem os mencionasse. Mas a gravação não foi destruída, e sim enviada para o exterior. Sinal de que Joesley ainda conta com ela no seu poder de barganha.

Tudo isso está sendo investigado, suponho. Há pedidos da própria Cármen Lúcia e de Janot nesse sentido. O Poder Judiciário está diante de um desafio: rigor e transparência nas denúncias sobre ele mesmo.

Joesley Batista gravou muito gente, além de Temer. Alguns, como Gilmar Mendes, já se adiantaram afirmando que podem ter sido gravados. O áudio mais importante para Joesley foi o gravado com o Temer. Tornou-se moeda de troca na delação premiada. Mas, naquele momento, ele tinha com quem negociar. Agora, talvez interesse mais ocultar essas gravações e esperar uma nova oportunidade. Ou mesmo ocultá-las para sempre, em sinal de boa vontade em relação aos seus potenciais julgadores.

Pode ser que o vento afaste as nuvens de tempestade. Mas, por outro lado, as denúncias foram publicadas. O material divulgado pela revista “Veja” sugeria compra de ministros do STJ e uma enigmática frase: Dalide ferrou o Gilmar. Essa frase, na verdade, é vista numa mensagem da ex-advogada da JBS. Diz respeito a uma gravação entre Dalide Correa, ex-sócia de Gilmar, e o diretor jurídico da JBS. Vale a pena investigar tudo isso e colocar mais um poder na berlinda? Os próprios ministros mencionados mostram-se interessados numa investigação, para esclarecer os fatos. Que venha a transparência.

Na temperatura das águas, nas amoreiras, a primavera traz leveza. O bastante para abordar esse grande debate político-cultural em torno da exposição patrocinada pelo Santander em Porto Alegre.

Durante muitas anos participei de lutas minoritárias no Brasil. Minha experiência é que a única forma de não perder o respeito da maioria é procurar sempre o caminho democrático.

A liberdade de expressão artística é inegável. No entanto, ao trabalhar com verbas e educação pública, é necessário reconhecer a grande maioria das famílias que quer ter a primazia na educação sexual de seus filhos. Enfim, saber em que país está se movendo, e negociar, de forma que não se produzam reações em cadeia que acabem fortalecendo o retrocesso.

Creio que a experiência americana que resultou na vitória de Donald Trump merece uma avaliação. Será que não corremos, em circunstâncias diferentes, o mesmo risco? Um fator que sempre me impressionou na vitória de Trump era de como o universo informado dos leitores, acadêmicos, enfim todos, levou um susto com o país real.

Num mundo, Hilary era a vencedora, no outro, Trump. É preciso levar em conta a maioria e avançar de forma não ameaçadora, respeitar, em todos os momentos, a pluralidade das posições.

Quando digo não ameaçador, não quero dizer sorrateiro, mas, sim, um processo claro, uma proposta de convivência onde todos se sintam seguros.

No caso dos Estados Unidos, a insegurança tinha raízes também na economia, os empregos perdidos na globalização. Aqui há um grande nível de desemprego e incerteza econômica.

É nesse contexto que vejo o debate cultural. Poderia ser tudo mais simples se não houvesse dinheiro público nem visitas escolares como compensação ao incentivo fiscal. Com recurso do banco e obedecendo aos parâmetros legais, como todos os outros espetáculos, seria apenas uma exposição de arte. E com grandes nomes.

São visões de caminho. É um palpite de quem tem experiência de tratar com as maiorias e um conhecimento de regiões distantes do país.
Certeza mesmo, só a primavera.