crise política
Alon Feuerwerker: O desafio da direita é unir o campo antiesquerda e trazer a antipolítica para o voto útil
Quatro anos após o levante antigovernamental de junho de 2013, e depois da remoção presidencial em 2016, a política brasileira caminha para uma eleição com promessas novidadeiras. Fala-se de ameaças à tradicional polarização PT-PSDB, hegemônica no último quarto de século. A fragilidade relativa está, entretanto, mais à direita, o que parece paradoxal.
Nas duas últimas eleições, a terceira via caminhou pela centro-esquerda. Agora, no ápice e epílogo de um ciclo fortemente antipetista, a dispersão ameaça, contraditória e principalmente, a direita. Proliferam as pré-candidaturas, o PSDB parece hoje dividido e enfraquecido, especula-se com todo tipo de malabarismo para chegar ao eleitor vestido de novidade.
Uma razão da relativa desorganização é conhecida: o PT no poder acoplou-se tão bem ao sistema político que, para remover o partido, precisaram implodir toda a edificação. Não se faz omelete sem quebrar ovos, mas isso criou um problema: muitos dos comandantes e combatentes antipetistas de primeira linha acabaram soterrados pelos escombros.
Agora a poeira começa a baixar, e o PT aparece algo preservado. Por duas razões, interligadas. A maneira como foi ejetado do Planalto ofereceu-lhe a sempre preciosa narrativa de vitimização e, mais importante, tem um único líder. Os 30% de Lula (quase 40% dos votos válidos) mais a ameaça de o crítico ser associado a um suposto golpismo produzem poderosa dissuasão.
Some-se a isso o perfil da recuperação econômica, fortemente baseada em ganhos de produtividade e nas exportações. A situação melhora, mas não haverá uma retomada brilhante do emprego, que impulsionou as vitórias de Lula, nem uma elevação explosiva do poder de compra dos mais pobres, o combustível para os triunfos de Sarney e Fernando Henrique.
O PT tem um problema grave, o isolamento político, mas o corpo está inteiro. Já os adversários contabilizam baixas consideráveis. As pesquisas são objetivas ao medir a perda de massa de cada um. E esse vazio à direita é o caldo de cultura do novo, que no momento está dividido em diversas facções. Uni-las é o desafio de quem deseja derrotar a esquerda.
Há os antiesquerdistas de raiz, algo autoritários, que hoje se agrupam em torno de Bolsonaro. Mas há também os liberais, ou libertários, que defendem a liberação das drogas e do direito ao aborto, entre outras medidas para remover o jugo do Estado sobre o cidadão. Há os defensores do agronegócio, mas há também os adeptos radicais do socioambientalismo.
E há os que preferem simplesmente dar as costas à política. A dificuldade de fundir esse mix fica clara nas pesquisas de intenção de voto, quando trazem o grande contingente potencial de brancos, nulos, não sei e nenhum. Se essa massa ficar à deriva, de todo o alarido em torno do novo poderá dar o velho, como recentemente na eleição extra no Amazonas.
Outro risco à direita é o potencial de dispersão do assim chamado centro, enquanto parece haver certa convergência em torno da direita mais radical. A lógica diz que haverá um esforço gigantesco do establishment para levar um centrista ao segundo turno, mas, e se não der certo? E se a dispersão se mantiver, como na última eleição de prefeito do Rio?
A direita tem uma carta forte, que é o potencial de um apelo antilulista e antipetista num eventual segundo turno. Mas Lula e o PT não estarão parados, e procurarão de todo jeito impedir que o campo adversário se agrupe. É esse jogo que vai definir o resultado final. E acompanhá-lo com sintonia fina será a principal utilidade das pesquisas.
*
A luta interna do PSDB tem uma explicação óbvia. No momento em que o nome tucano estiver definido, são enormes as chances de vir a ser ungido como o preferido do establishment para derrotar a esquerda num segundo turno. É um prato apetitoso demais para ser simplesmente deixado de lado. Ainda vai ter muita briga ali.
Até a semana que vem, ou até algum fato realmente novo pedir uma análise extra.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Eliane Cantanhêde: Cicatrizes de Temer
Joesley preso, Janot já era e Temer se salva; apesar disso... cicatrizes ficam
Aos solavancos, de delação em delação, de denúncia em denúncia, o presidente Michel Temer acredita que, daqui para frente, tudo será diferente, mas pode estar enganado. Ele parece cercado de inimigos e aliados infiéis e ainda precisa dar muitas explicações após o plenário da Câmara livrá-lo de um processo imediato. E não só à Justiça, mas também à opinião pública. Rodrigo Maia, Renan Calheiros e Kátia Abreu têm, cada qual, seus motivos contra Temer, mas concordam numa coisa: ele saiu vitorioso da primeira denúncia da PGR e sairá também da segunda, na quarta-feira, dia 25, mas isso não bastará para apagar as suspeitas contra ele.
Maia tem problemas na Lava Jato e Renan é o campeão de inquéritos contra parlamentares no Supremo. Logo, não se trata de um surto ético e sim uma constatação que joga o Planalto para um lado e o Congresso para outro: apesar de o presidente sobreviver e a economia voltar a respirar, eles e a maioria dos deputados e senadores não veem em Temer uma boa companhia para 2018.
No Planalto, sonha-se com uma reforma da Previdência, por mínima que seja. No Congresso, sonha-se com outra coisa: eleição. Como avisa Maia, os deputados, que já engoliram o desgaste de votar com Temer na primeira denúncia e terão engolido de novo na segunda, não vão engolir mais uma vez por uma reforma rejeitada até por seus pais e companheiros.
Além disso, o delator Joesley Batista está preso, sua credibilidade está abaixo de zero e as flechadas do ex-procurador-geral Rodrigo Janot vêm sendo questionadas, uma a uma, mas deixaram sérias cicatrizes em Temer. Ele concluirá o mandato, mas nunca se livrará delas.
Janot é acusado de alterar maliciosamente a sequência do diálogo entre Temer e Joesley no Jaburu, para esquentar a primeira denúncia e seu efeito na opinião pública. Apesar disso... o áudio não evaporou e Temer não pode alegar que não disse o que disse e não ouviu o que ouviu.
Janot também fica em situação difícil porque seu braço direito Marcello Miller armava contra o presidente como procurador da República e advogado regiamente pago para defender interesses da JBS. E piorou quando Joesley foi gravado dizendo que Miller abriu a porta para o próprio Janot entrar no mesmo escritório de advocacia. Apesar disso... as provas de Joesley contra Temer mantêm efeito jurídico.
Janot, igualmente, apresentou indícios e uma narrativa lógica para concluir que a mala de dinheiro do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures era para Temer, mas ele nunca comprovou que era, nem que o dinheiro chegou a esse destino. Apesar disso... de nada adianta a provocação de Temer: se a mala de Loures era dele, a gorda remuneração do advogado Miller, em tese, não poderia ser de Janot? É uma equação ruim para Janot, mas nem por isso boa para Temer.
Janot, por fim, fez uma colcha de retalhos com delações para denunciar Temer por organização criminosa com atuais ministros e com Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Henrique Alves, agora presos, mas a segunda denúncia é considerada mais frágil, sem provas, áudios e vídeos de impacto. Apesar disso... é inquestionável que Temer andava em más companhias. Sem falar nos assessores do terceiro andar do Planalto.
Enfim, depois de tantos “apesar disso...”, a conclusão é de que Temer “convence” a CCJ e o plenário da Câmara, mas não a opinião pública. Era impopular antes, continuou durante e depois da bomba JBS e nada indica que possa melhorar. Rodrigo Maia sugeriu a ele um publicitário “jovem e moderno”, mas não há jovialidade nem modernidade para dar um jeito nisso. As flechadas de Janot estavam envenenadas.
Rogério Furquim Werneck: Lula e Dilma, indissociáveis
Há esforço de nova interpretação da história recente que vem tentando atribuir toda a culpa do descalabro à ex-presidente
Ainda às voltas com a saída do pavoroso atoleiro em que foi metido, o país se vê, agora, a menos de 12 meses de uma eleição presidencial que terá importância crucial na configuração do seu futuro.
Com base em disputas presidenciais anteriores, não se pode descartar a possibilidade de que, mais uma vez, tenhamos uma campanha eleitoral escapista, em que os candidatos se permitam passar solenemente ao largo das questões que de fato importam. Resta, contudo, a esperança de que, desta vez, a gravidade da crise não deixe espaço para tanto escapismo.
Idealmente, deveriam ser contrapostas, na disputa eleitoral do ano que vem, não só visões alternativas sobre a melhor forma de superar a crise, mas também diferentes narrativas sobre como o Brasil se meteu em tamanha enrascada. Sem um mínimo de clareza sobre as verdadeiras razões do desastre econômico e social que se abateu sobre o país, seria difícil para os eleitores avaliar diferentes propostas de superação da crise.
É natural que a perspectiva de ter de lidar com esse confronto de narrativas venha assustando o PT. Já há meses, têm aflorado na mídia evidências de um movimento revisionista, empenhado em recontar a deprimente história recente do país, para tentar aliviar, em alguma medida, o ônus político da responsabilização dos governos petistas pelo descalabro econômico e social que hoje se vive.
No exíguo espaço deste artigo, não seria possível explorar todas as nuances desse movimento revisionista mais amplo. A atenção ficará aqui restrita à parte desse esforço de reinterpretação da história recente que, para conter danos, vem tentando atribuir toda a culpa do descalabro à ex-presidente Dilma Rousseff, para que o ex-presidente Lula possa ser eximido de qualquer responsabilidade pelo ocorrido.
De forma simplificada, o que vem sendo defendido é que a política econômica dos governos Lula teria sido súbita e radicalmente desvirtuada por sua sucessora. Na verdade, não houve descontinuidade alguma. O descarrilamento da política econômica petista foi um longo processo, cujo início remonta a março de 2006, com a substituição do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por uma figura inexpressiva que, confirmada no cargo no segundo mandato de Lula, abriria espaço para inédita preponderância da Casa Civil na condução da política econômica.
A política econômica do segundo governo Lula foi, em boa medida, a política de Dilma Rousseff. O que se presenciou, especialmente a partir de 2008, quando, afinal, a bandeira da “nova matriz econômica” pôde ser ostensivamente desfraldada, foi o inexorável desenrolar do desastre, como num grande acidente ferroviário filmado em câmara lenta.
Como bem esclareceu a própria ex-presidente Dilma, em entrevista à “Folha de S. Paulo” de 28 de julho de 2013, ela e Lula eram “indissociáveis”. “Eu estou misturada com o governo dele total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 [quando ela assumiu a Casa Civil] até ele sair do governo.”
Mesmo que as políticas econômicas de Dilma e de seu antecessor tivessem sido completamente diferentes e “dissociáveis”, Lula ainda teria de ser politicamente responsabilizado por ter patrocinado, contra tudo e contra todos, a ascensão à Presidência de pessoa tão flagrantemente despreparada para o exercício do cargo.
Em longa entrevista publicada em livro de 2013, o próprio Lula relatou, com muita franqueza, as resistências que teve de enfrentar, dentro do PT, à escolha de Dilma como candidata a presidente. “Eu sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversários, dizendo: ‘Lula, mas não dá. Ela não tem experiência, ela não é do ramo. Lula, pelo amor de Deus’.” (ver em encurtador.com.br/CER49)
De qualquer ângulo que se olhe, não há como deixar de responsabilizar Lula pela longa e colossal crise por que vem passando o país. E é isso que atormenta o PT.
* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
Fernando Gabeira: A arte de blindar no Planalto Central
Para se defender, o sistema político não hesita em pôr a democracia em risco
Os idos de 64 já vão longe, embora existam algumas semelhanças com o presente. Hoje a situação internacional é favorável à democracia, o Brasil está mais ligado ao mundo. E a tese fundamental é de que sociedade tem a capacidade de resolver por si a grande crise em que está metida.
Essa tese é também a razão da nossa esperança, não há a mínima condição de abandoná-la. No entanto, ela sofreu um golpe no processo que envolveu o Supremo e o Senado, culminando com a suspensão das medidas cautelares aplicadas ao senador Aécio Neves.
Já é grande o número de pessoas que não acreditam em solução democrática para a crise. Quem observar o discutido discurso do general Mourão, que admitiu a possibilidade de intervenção militar, verá que ele coloca como um dos fatores que a justificariam a incapacidade da Justiça de punir a corrupção no mundo político. E a melhor maneira de negar essa perspectiva sombria é, precisamente, demonstrar o contrário: que a Justiça cumprirá o seu papel, restando à sociedade completar a tarefa com mudanças em 2018.
O Supremo ia nesse caminho quando esteve prestes a derrubar o foro privilegiado. Quem assistiu às discussões teve a impressão de que venceria a expectativa da sociedade de que a lei vale para todos. Mas o mesmo Supremo que mostrava tendência a derrubar o foro privilegiado suspendeu a decisão e, em seguida, deu um passo no sentido oposto: ampliou a blindagem dos políticos, submetendo medidas cautelares ao crivo do Parlamento.
Quem ouviu o discurso da ministra Cármen Lúcia num primeiro momento teve a impressão de que sua posição era contrária ao foro privilegiado. Na votação posterior, porém, recuou. Titubeando, mas recuou.
O Supremo decidiu abrir mão de uma prerrogativa. Afastar do mandato ou determinar recolhimento noturno não é o mesmo que prisão. É uma contingência das investigações.
Claro que, ao entregar a decisão ao Senado, as medidas cautelares seriam derrubadas. Entre todos os discursos, o mais cristalino foi o do senador Roberto Rocha. Ele citou um poema que dizia mais ou menos isto: se deixarem levar alguém hoje, amanhã levarão outro e o último estará sozinho quando vierem buscá-lo. É uma ideia interessante no contexto de países totalitários, a prisão é ameaça válida para todos os indivíduos. Mas Rocha não estava falando de um país, e sim do próprio Senado, uma Casa cheia de investigados pela Lava Jato cavando a última trincheira na areia movediça.
Outro passo atrás está a caminho no Supremo: recuar da prisão após sentença em segunda instância. Isso significa a possibilidade ser preso só depois de morto, no caixão!
Não sei como esses recuos serão metabolizados. Certamente, tornam mais difícil o caminho de uma solução democrática. Provocam indiferença enojada em muitas pessoas, em outras apenas reforçam o desejo de uma saída autoritária.
Apesar de tudo, não se pode dizer que todo o Supremo e todo o Senado tenham cavado mais um fosso de decepção. Tanto num como no outro há vozes discordantes.
No Supremo deu empate, resolvido com um hesitante voto de Minerva. No Senado, pouquíssimos entre os que votaram contra Aécio defendem a tese de que o Supremo deveria ter a decisão final, retomar o poder de definir medidas cautelares sem consultar o Congresso.
Isso significa que a maioria, incluído o PT, já considera como uma conquista irreversível o poder de dar a palavra final. Ganharam um escudo e vão usá-lo quando quiserem.
Imagino que o STF tenha tomado a decisão de abrir mão da palavra final na expectativa de evitar uma crise entre instituições, num momento de desemprego, tensões políticas. Mas certas crises têm de ser enfrentadas e vencidas. O Congresso está de costas para a sociedade. Se a Justiça, no caso de Aécio, não se impõe e, no caso de Temer, não consegue permissão para investigá-lo, acaba transmitindo a impressão de que é impossível a lei valer para todos.
O Supremo, penso eu, poderia voltar a dar um passo adiante, retomando a votação do foro privilegiado. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista. É estranho que um ministro não tenha ainda posição sobre o tema. Ele tem concedido entrevistas sobre revisar a prisão em segunda instância, o que significa caminhar no sentido inverso.
Moraes transmite a impressão de que está pronto para dar um passo atrás e precisa estudar muito ainda para votar um passo à frente. “Which side are you on?”, pergunta a canção de Dropkick Murphys.
O caminho que reforça o velho sistema político-partidário e fortalece a impunidade acaba sendo um grande obstáculo à democracia, embora se revista de uma retórica democrática, sempre defendendo a Constituição, o direito dos acusados, a liberdade. Mas algumas belas abstrações se revelam, na prática, apenas uma forma de proteger um sistema poderoso e sofisticado de corrupção.
A versão poética do senador Roberto Rocha é mais próxima da realidade. Se deixarem levar um a um, acabam levando todos. É uma variante dramática do verso “se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão”. Mas apenas próxima da realidade: alguns votaram com naturalidade contra a blindagem não só de Aécio, mas do conjunto dos parlamentares.
Essas batalhas, contudo, não se resolvem apenas dentro das instituições. Elas dependem da sociedade, ou pelo menos de quem compreende que e a solução autoritária é um trágico passo atrás. Um passo razoável seria acionar mais o que resta de apoio nas instituições e travar um amplo diálogo sobre como evitar o pior. No desespero da autodefesa, o sistema político-partidário não hesita em pôr em risco a própria democracia.
Gostaria de estar dramatizando. Sei que 64 está distante, todavia a conjuntura externa favorável e o nível de informação ampliado na era digital são fatores que não bastam para garantir uma saída democrática. Ela precisa de uma pequena ajuda dos amigos.
http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-arte-de-blindar-no-planalto-central,70002053390
Míriam Leitão:assim como Dilma, Temer se isenta de culpa e diz que há conspiração
A carta enviada por Temer ao Congresso cria mais um ponto de conexão entre o atual e a antiga ocupante da Presidência: tanto Michel Temer quanto Dilma Rousseff têm visões persecutórias e culpam outros pelos seus erros. Dilma arruinou a economia, Temer envolveu-se por vontade própria em uma relação indefensável com um dos investigados da Lava-Jato. Os dois acreditam em conspirações.
“Tenho sido vítima desde maio de torpezas e vilezas que pouco a pouco, e agora até mais rapidamente, têm vindo à luz. Jamais poderia acreditar que houvesse uma conspiração para me derrubar da presidência da República. Mas os fatos me convenceram. E são incontestáveis.”
Dilma alegou que houve um golpe contra ela e até hoje o Partido dos Trabalhadores repete isso publicamente. Os efeitos dos seus erros econômicos continuam. A dívida pública brasileira voltou, depois de duas décadas, a ser uma ameaça à estabilidade, o Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de confirmar a constatação de que os R$ 500 bilhões transferidos ao BNDES tiveram um custo de mais de R$ 100 bilhões e formaram um orçamento paralelo, o país saiu de 16 anos de superávit primário para o déficit. E, além de tudo isso, ela usou truques para esconder os números fiscais. Tudo isso elevou a inflação, jogou o país na recessão e a tirou do cargo. Mas ela se diz vítima.
O presidente Michel Temer encontrou-se furtivamente com Joesley Batista em prédio público para uma conversa que levanta óbvias suspeições. Isso foi divulgado em maio, período em que ele acha que começaram os ataques a ele. A participação do ex-procurador Marcelo Miller, que está sendo investigado e processado pelo que fez, não apaga o que o presidente falou. E ele falou espontaneamente com Joesley Batista, na época investigado em cinco operações. A partir daí, Temer passou a usar os poderes da Presidência para se manter no cargo como se vê em bases diárias. O balcão de negócios da primeira denúncia custou caro ao país. Agora, está aberto o segundo balcão e nele, ontem, foi oferecida à bancada ruralista uma portaria do ministro do Trabalho que dificulta o trabalho dos fiscais que combatem o trabalho escravo e ainda põe um filtro político na divulgação das empresas flagradas.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi a autoridade que se envolveu na década passada no esforço para que o país adotasse modelos internacionais de combate ao crime do trabalho análogo à escravidão. O país avançou muito a partir desse esforço conjugado de uma parte da burocracia do Ministério do Trabalho, e o Ministério Público representado pela então subprocuradora Raquel Dodge. Com a lista, houve o boicote econômico, em que empresas se comprometiam a não comprar de quem praticasse trabalho análogo à escravidão. Formou-se um pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo.
De lá para cá, os ruralistas tiveram várias vitórias, inclusive um controverso voto do ministro do STF Ricardo Lewandowski que proibia a divulgação da lista. A lista passou a ser combatida e não o trabalho escravo em si.
Ontem foi uma vitória e tanto dos representantes do agronegócio. Com uma única portaria, se impôs um filtro político à divulgação das empresas flagradas, só o ministro poderá divulgar, e os fiscais do Trabalho perderam sua autonomia porque só poderão dar o flagrante se a polícia estiver junto. Além disso, trabalho análogo à escravidão será apenas quando houver limitação de ir e vir.
Há muitas formas de se prender o trabalhador na teia de um trabalho análogo ao de escravo. Como as supostas dívidas que os vão enredando, como a distância de outros centros. O trabalho em condições degradantes, a submissão à jornada excessiva são igualmente crimes, mas a partir de ontem isso será mais difícil punir. E isso foi moeda de troca do voto contra a denúncia.
Na área econômica, todas as providências para o andamento do ajuste fiscal estão paradas para não atrapalhar a votação da denúncia: das medidas de corte de gastos à revisão no Orçamento. Na visão do presidente Michel Temer, ele está sendo injustamente afetado por uma conspiração, quando se afunda cada vez mais por seus próprios atos e palavras.
- O Globo
A carta enviada por Temer ao Congresso cria mais um ponto de conexão entre o atual e a antiga ocupante da Presidência: tanto Michel Temer quanto Dilma Rousseff têm visões persecutórias e culpam outros pelos seus erros. Dilma arruinou a economia, Temer envolveu-se por vontade própria em uma relação indefensável com um dos investigados da Lava-Jato. Os dois acreditam em conspirações.
“Tenho sido vítima desde maio de torpezas e vilezas que pouco a pouco, e agora até mais rapidamente, têm vindo à luz. Jamais poderia acreditar que houvesse uma conspiração para me derrubar da presidência da República. Mas os fatos me convenceram. E são incontestáveis.”
Dilma alegou que houve um golpe contra ela e até hoje o Partido dos Trabalhadores repete isso publicamente. Os efeitos dos seus erros econômicos continuam. A dívida pública brasileira voltou, depois de duas décadas, a ser uma ameaça à estabilidade, o Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de confirmar a constatação de que os R$ 500 bilhões transferidos ao BNDES tiveram um custo de mais de R$ 100 bilhões e formaram um orçamento paralelo, o país saiu de 16 anos de superávit primário para o déficit. E, além de tudo isso, ela usou truques para esconder os números fiscais. Tudo isso elevou a inflação, jogou o país na recessão e a tirou do cargo. Mas ela se diz vítima.
O presidente Michel Temer encontrou-se furtivamente com Joesley Batista em prédio público para uma conversa que levanta óbvias suspeições. Isso foi divulgado em maio, período em que ele acha que começaram os ataques a ele. A participação do ex-procurador Marcelo Miller, que está sendo investigado e processado pelo que fez, não apaga o que o presidente falou. E ele falou espontaneamente com Joesley Batista, na época investigado em cinco operações. A partir daí, Temer passou a usar os poderes da Presidência para se manter no cargo como se vê em bases diárias. O balcão de negócios da primeira denúncia custou caro ao país. Agora, está aberto o segundo balcão e nele, ontem, foi oferecida à bancada ruralista uma portaria do ministro do Trabalho que dificulta o trabalho dos fiscais que combatem o trabalho escravo e ainda põe um filtro político na divulgação das empresas flagradas.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi a autoridade que se envolveu na década passada no esforço para que o país adotasse modelos internacionais de combate ao crime do trabalho análogo à escravidão. O país avançou muito a partir desse esforço conjugado de uma parte da burocracia do Ministério do Trabalho, e o Ministério Público representado pela então subprocuradora Raquel Dodge. Com a lista, houve o boicote econômico, em que empresas se comprometiam a não comprar de quem praticasse trabalho análogo à escravidão. Formou-se um pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo.
De lá para cá, os ruralistas tiveram várias vitórias, inclusive um controverso voto do ministro do STF Ricardo Lewandowski que proibia a divulgação da lista. A lista passou a ser combatida e não o trabalho escravo em si.
Ontem foi uma vitória e tanto dos representantes do agronegócio. Com uma única portaria, se impôs um filtro político à divulgação das empresas flagradas, só o ministro poderá divulgar, e os fiscais do Trabalho perderam sua autonomia porque só poderão dar o flagrante se a polícia estiver junto. Além disso, trabalho análogo à escravidão será apenas quando houver limitação de ir e vir.
Há muitas formas de se prender o trabalhador na teia de um trabalho análogo ao de escravo. Como as supostas dívidas que os vão enredando, como a distância de outros centros. O trabalho em condições degradantes, a submissão à jornada excessiva são igualmente crimes, mas a partir de ontem isso será mais difícil punir. E isso foi moeda de troca do voto contra a denúncia.
Na área econômica, todas as providências para o andamento do ajuste fiscal estão paradas para não atrapalhar a votação da denúncia: das medidas de corte de gastos à revisão no Orçamento. Na visão do presidente Michel Temer, ele está sendo injustamente afetado por uma conspiração, quando se afunda cada vez mais por seus próprios atos e palavras.
Luiz Carlos Azedo: Raquel investiga
Com Lúcio arrastado para o olho do furacão, teme-se no Palácio do Planalto que Geddel resolva falar para salvar o irmão
O estilo soft power da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, alimentou expectativas no Congresso de que as operações de busca e apreensão da Operação Lava-Jato contra políticos eram uma página virada. Errado. No mesmo dia em que o presidente Michel Temer (PMDB) distribuía uma carta aos seus aliados denunciando uma suposta conspiração para destituí-lo da Presidência capitaneada pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot, a Polícia Federal fazia uma devassa no gabinete do deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) e nas residências do parlamentar.
Foi a primeira operação contra um político na gestão de Raquel Dodge, que deu continuidade às investigações sobre os R$ 51 milhões encontrados em setembro, pela Polícia Federal, num apartamento de Salvador, supostamente pertencentes ao ex-ministro Geddel Vieira Lima, irmão do parlamentar, que está preso preventivamente no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Durante toda a manhã os policiais permaneceram na Câmara, deixaram o gabinete de Lúcio com uma mala e um malote de documentos.
A operação foi realizada a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Os mandados de busca e apreensão foram expedidos pelo ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF. Investiga se há relação entre Lúcio e os R$ 51 milhões. Os investigadores querem saber se ele poderia ser beneficiário ou intermediário do dinheiro, daí as buscas na residência em Brasília e no apartamento em que ele vive com a família em Salvador.
Job Ribeiro Brandão, secretário parlamentar lotado no gabinete de Lúcio, é o suposto elo entre o parlamentar e as malas de Salvador. Foram encontradas digitais dele no apartamento em que estavam escondidos os R$ 51 milhões e até em parte do dinheiro. Lúcio é um dos mais influentes parlamentares do PMDB na Câmara, destacando-se como articulador da base do governo. Sempre bem-humorado, não se deixou alquebrar pela prisão do irmão e descarta qualquer possibilidade de ele recorrer à “delação premiada”. Agora, porém, com Lúcio arrastado para o olho do furacão, teme-se no Palácio do Planalto que Geddel resolva falar para salvar o irmão.
Afastamento
A operação foi como uma bomba para os governistas, que durante o fim de semana planejaram uma contraofensiva às denúncias envolvendo o presidente Temer e dois de seus mais importantes auxiliares, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o secretário-geral da Presidência, Moreira Franco. Ao mesmo tempo em que procuram “fulanizar” e desacreditar as acusações, administram a crise de relacionamento com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que subiu de temperatura no fim de semana, em vez de baixar.
Às vésperas da Comissão de Constituição e Justiça apreciar os termos da denúncia, a Câmara divulgou a íntegra dos áudios da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, que citam Temer. Os anexos da delação foram enviados pelo ministro Fachin para Maia, que entendeu não haver restrição e o liberou na página da Câmara dos Deputados internet.
A defesa de Temer incluiu a divulgação dos áudios na sua teoria conspiratória e fez duras acusações contra o suposto “vazamento” dos áudios. Maia meteu a carapuça e deu um chega para lá no advogado de Temer, Eduardo Carnelós, que agiu como macaco em casa de louças no episódio.
A carta de Temer de certa forma corroborou a acusação de Carnelós, pondo mais lenha na fogueira: “Tenho sido vítima desde maio de torpezas e vilezas que pouco a pouco, e agora até mais rapidamente, têm vindo à luz. Jamais poderia acreditar que houvesse uma conspiração para me derrubar da Presidência da República. Mas os fatos me convenceram. E são incontestáveis.”
Ruy Fabiano: O ocaso do poder civil
Em 1985, os militares deixaram o poder e voltaram aos quartéis; em 2017, os políticos temem deixar o poder e ir para a cadeia. É um desfecho patético para 32 anos de governo civil, o mais longo período de democracia desde a proclamação da República.
Mas, goste-se ou não, é o que há. O ciclo civil corre o risco de interrupção pela rejeição crescente que provoca na opinião pública. Pesquisas diversas atestam a descrença da população em seus representantes, na escala dos 80% a 90%, sem distingui-los.
A descrença derivou dos políticos para a política. E é disso que se nutrem os que postulam uma intervenção militar, como em 1964. Ocorre que, se há muita coisa em comum entre um período e outro – corrupção, desordem, subversão, desemprego -, há também muitas diferenças. Nestes 53 anos, o mundo mudou radicalmente.
No tempo da Guerra Fria, era menos complexo. O mundo estava dividido em dois, EUA e URSS; ou se estava de um lado ou de outro, capitalismo ou comunismo. A Igreja Católica, que era anticomunista – e hoje não é mais –, fazia toda a diferença: tinha presença forte na cena pública, inclusive na esfera intelectual.
Seu apoio foi decisivo - e não era isolado. Empresários, profissionais liberais, imprensa, intelectuais, artistas, entidades como ABI, OAB e Fiesp, para citar só algumas, estavam perfiladas contra o governo João Goulart, cuja posse, três anos antes, em face da renúncia de Jânio Quadros, já fora cercada de grande resistência e quase desemboca em guerra civil.
Foi preciso improvisar uma solução parlamentarista, que durou um ano. O retorno do presidencialismo acirrou os ânimos e a crise econômica fez o resto. Havia ainda sinais claros de que Jango (ou o seu entorno) preparava um golpe. Brizola, que era o Lula de então, dizia que o Congresso era um clube e que precisava ser fechado.
O Congresso, pois, em sua imensa maioria, apoiava a queda do governo – e, após decretá-la, votou maciçamente no marechal Castello Branco. Entre outros, Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Juscelino Kubitschek. Hoje o quadro é outro. A globalização pulverizou os antagonismos. Os atores da geopolítica internacional são mais numerosos – e o Brasil saiu da esfera de alinhamento automático com os EUA e diversificou seus parceiros.
A China é, hoje, seu principal mercado. Os próprios EUA vivem divisão ideológica interna sem precedentes, de que dão testemunho a tumultuada eleição e o risco de ingovernabilidade de Donald Trump.
Os militares brasileiros, pressionados por grupos civis de intervencionistas, estão cientes dessa complexidade, que imporia ações diplomáticas difíceis, com riscos de retaliação externa e luta interna aguerrida, como assinalou o general Hamilton Mourão.
Jango governou menos de três anos; não teve muito tempo para organizar o seu exército revolucionário. O PT governou quase 14 anos; teve mais tempo e meios de aparelhar a máquina estatal e costurar alianças que tornam mais cruenta a perspectiva de reação às Forças Armadas – e poriam o país diante de uma guerra civil.
Em 1964, não havia uma entidade como o Foro de São Paulo, que há 27 anos planeja – e executa - a ocupação ideológica do continente pela esquerda. Se não concluiu a obra, o Foro estabeleceu avanços consideráveis, que não são subestimados pelos militares.
Há ainda o crime, que naquela época não era organizado, nem dispunha do arsenal propiciado pelos bilhões do narcotráfico – e nem estava articulado com alguns partidos políticos do continente.
Nada disso, dizem as mais graduadas patentes do Exército, impedirá uma ação, desde que o clamor da sociedade se mostre nítido e insofismável. Até aqui, as manifestações intervencionistas, nos seus melhores dias, reúnem no máximo 30 mil pessoas. É pouco.
A mídia investe na solução política da crise e ignora a movimentação dos que defendem a ruptura - e que têm seu protagonismo restrito às redes sociais. Ali fazem muito barulho, mas nas ruas pouco. E é ali que a política trava suas batalhas decisivas.
A chave, no entanto, está com o Judiciário. O clichê segundo o qual as instituições estão funcionando, em face das prisões que alguns poucos juízes, como Sérgio Moro, têm decretado a figurões da política e do empresariado, é o que sustenta a normalidade.
Mas também aí o protagonismo do STF, em regra visto como negativo mesmo quando tem razão, dá substância à teoria das aproximações sucessivas, do general Mourão. O STF tem sido visto como uma espécie de coveiro da Lava Jato.
A semana se encerrou com a leitura de um parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de autoria do deputado Bonifácio de Andrada, propondo o arquivamento da segunda denúncia de corrupção contra o presidente Temer.
O STF, por sua vez, reconheceu, por 6 a 5, que não pode suspender mandatos de parlamentares – prerrogativa do Congresso. Está na Constituição e não se refere apenas a Aécio Neves.
A esta altura, no entanto, o público não consegue dissociar na verborragia jurídica o que é legal do que é cumplicidade. E aposta na cumplicidade. Nesses termos e nesse ritmo, o desgaste do poder civil, no país que mata mais civis no mundo – cerca de 70 mil por ano -, avança cada vez mais. E a dúvida permanece: chegaremos a 2018?
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Gaudêncio Torquato: Cultura punitiva se alastra
A cultura punitiva ganha corpo no país sob um pesado clima de denúncias, intenso bombardeio midiático, elevação de juízes e procuradores ao pódio de “salvadores da Pátria”, invasão de quadros que administram a justiça no campo dos encarregados de fazer as leis e, para coroar, uma paisagem de violência que se descortina nos centros e nas margens do território.
Os perversos efeitos dessa radiografia se fazem ver na quase nula credibilidade da esfera representativa, com visível extensão às instituições políticas, no desprestígio de governantes das três esferas federativas, e consequente desequilíbrio dos eixos de sustentação dos Três Poderes.
A ideia de que chegou o momento de colocar meio mundo na prisão – como forma de resgatar a base moral da política - se fortaleceu com a expansão da delação.
De instrumento excepcional, a ser usado de maneira pontual e voltado para desmontar redes de criminalidade, a delação tornou-se banal, negociada aqui, ali e alhures, adotada de maneira quase indiscriminada, abarcando um sem número de figurantes, cujo interesse em se livrar de elevadas penas acaba obrigando-os a “arrumar” provas e, por dificuldade de consegui-las, a esticar uma expressão acusativa que imprime o tom das mídias.
Todos os dias, telespectadores se deparam com o verbo farto de delatores e áudios de gravações, muitas realizadas com o prévio fim de criminalizar A, B e C.
Delatores, participantes de teias de corrupção acabam indo para suas casas na companhia de uma tornozeleira eletrônica, reduzindo de maneira drástica o tamanho de sua penalidade.
Os delatados são presos ou aguardam a decisão da Justiça. A partir daí, criam-se dribles e jogadas para “administrar” as malhas de corrupção descobertas.
O jogo obedece a essas regras: primeiro, colhem-se as denúncias; segundo, os fios dos rolos da corrupção são desfiados e, pela tuba de ressonância da mídia, particularmente a televisiva, chegam aos mais distantes rincões; com a repetição diária, as mensagens ganham ares de verdade junto à opinião pública.
Novas emoções ocorrem com áudios bombásticos. Forma-se uma divisão entre céu, inferno e limbo.
O céu abriga os mocinhos; no inferno, queimam-se os bandidos; e no limbo, jogam-se aqueles que ficam à espera de salvação ou condenação.
Profissionais de investigação, buscas e apreensões se juntam a figuras do judiciário e são entronizados na galeria dos “heróis”; na outra banda, estão os bandidos, quase sempre reunindo políticos, empresários e burocratas.
Bombeiro mediático
As mídias massivas (rádios, TVs e meios impressos) são reforçadas pelas mídias especializadas (TVs do Judiciário e das casas congressuais). Não há figura que resista a bombardeio tão intenso. Nesse momento, outro fenômeno baliza comportamentos de atores da banda do Bem: o narcisismo.
No Estado-Espetáculo, protagonistas da política, do mundo do Direito e da Justiça, a par das classes artísticas, são atraídos pelo brilho e pelas luzes das mídias. Esforçam-se para aparecer. Intencionam transmitir a imagem de zeladores do Bem, administradores da Ordem, feitores da Justiça, salvadores da Pátria, perfis da Honra e da Dignidade.
Com tais vestimentas, ganharão o respeito e a admiração de grupos sociais. Visibilidade positiva é para eles o foguete de propulsão para subir aos céus da glória. Assim, meios impressos e eletrônicos equivalem ao espelho em que Narciso contempla sua beleza.
A política desce ao mais profundo poço da execração pública. Seus participantes não serão respeitados nem em festas religiosas, como a missa da padroeira, na Catedral de Aparecida do Norte, onde os poucos políticos que ali compareceram foram apupados. Dessa forma, as instituições políticas acabam recebendo respingos de lama e o desprezo com que imensas parcelas da população tratam a representação parlamentar.
Não há, inclusive, preocupação de separar o joio do trigo, a semente sadia da semente podre.
Situações embaraçosas se sucedem. Embalados no celofane da opinião pública, os magistrados da Alta Corte são levados a adentrar o terreno dos legisladores, interpretando a Lei Maior em aspectos que, segundo se constata, não lhes dizem respeito. (Pergunta recorrente: se o STF pode afastar um parlamentar, em tese poderá afastar 513 deputados e 81 senadores).
Com a decisão sobre Medidas Cautelares, na última quarta-feira, constata-se que metade do Supremo pensa assim. Aliás, nos últimos tempos a Corte Maior tem mais parecido uma instância criminal. A modelagem de equilíbrio (pesos e contrapesos) entre os Poderes, arquitetada pelo barão de Montesquieu, fenece.
Nova tríade
Uma nova Tríade do Poder se forma no país, formada pelo Ministério Público, Judiciário e Imprensa. Em relação à imprensa, a observação que se faz é sobre o processo de apuração de casos que chegam às redações. Manchetes retumbantes abrem o noticiário, com imenso peso dado ao lado acusatório e diminuto espaço à banda acusada.
Que aparece no espaço de poucas palavras negando os fatos. O argumento de que a imprensa tem de noticiar o que lhe chega às mãos não se sustenta sob o ideário da livre expressão com responsabilidade. A mídia precisa apurar todos os detalhes de uma denúncia, checar fontes, analisar e avaliar visões múltiplas e evitar a espetacularização dos acontecimentos.
O fato é que, sem apuração acurada, a imprensa acaba “condenando”, antes da Justiça, uns e outros. Eventual correção que se faz, por meio de duas ou três frases, não tem o peso de uma manchete bombástica e negativa.
O elemento final da equação que explica a extensão da cultura punitiva no país é a insegurança pública. A violência tem se expandido em dimensão geométrica, enquanto o aparato policial não cresce. Na maior metrópole do país, São Paulo, a criminalidade ganha índices aterradores. No Rio de Janeiro, idem. Nas capitais do Nordeste, os assaltos se multiplicam.
Nota de pé de página: e ainda há demagogos usando programa eleitoral para conclamar o eleitorado a votar no PT, a Salvação da Nação.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação
Míriam Leitão: País dos privilégios
O Brasil cria mais privilégios a cada semana. Na quarta-feira, o STF demonstrou que, se for o senador Aécio Neves que estiver em questão, pode-se ter uma interpretação ambígua até sobre os poderes do Supremo. Na sexta-feira, o Planalto pediu ao STF para revogar a prisão após a condenação em segunda instância, um dos raros avanços nos últimos anos sobre o velho problema do país.
O tratamento desigual é o centro dos erros brasileiros, mas isso é reafirmado constantemente. Pobres e anônimos vão presos após qualquer condenação, ou passam anos detidos sem sequer culpa formada. Ricos e famosos só iam para a prisão após a longa tramitação do processo. O caso Pimenta Neves é o exemplo. Um dos muitos. Assassino confesso, em crime premeditado, ficou anos fora da prisão — mesmo após dupla condenação — pela força das estratégias recursais dos seus advogados. No ano passado, o STF decidiu que, após ser condenado por um órgão colegiado, portanto em segunda instância, o réu começa a cumprir a pena. Isso, hoje, ameaça diretamente muitos integrantes da elite política brasileira processados pela Lava-Jato. Alguns ministros do STF ficaram inconformados com a decisão e iniciaram o bombardeio para que o entendimento fosse revisto. Agora, a Advocacia-Geral da União enviou ao STF manifestação a favor da revisão.
No Brasil, se o criminoso fez ensino superior tem direito à cela especial. Se for político, pode cometer crime comum porque é protegido por imunidade parlamentar. Se for militar, cumpre pena e fica ao abrigo da Justiça Militar, aquela mesma que ameaçou e condenou civis durante a ditadura, mas que protege os seus na democracia. O almirante Othon Luiz Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear, condenado a 43 anos por corrupção, exigiu ficar preso em estabelecimento militar e conseguiu. Agora, já está solto na onda recente que houve de liberação de condenados nos vários processos contra a corrupção que o país tem assistido.
O que houve no STF na quarta-feira mostrou até que ponto pode chegar o contorcionismo jurídico no país para se confirmar a ideia da “A revolução dos bichos”, de George Orwell, de que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros. Parlamentares já foram afastados de seus mandatos por decisão do STF, como Delcídio Amaral e Eduardo Cunha, como deve ser. Nessa semana, um Supremo dividido decidiu de maneira diferente. Se a medida cautelar, mesmo que não seja a prisão, afetar o mandato, o Congresso tem que ser ouvido antes. A última palavra cabe ao Congresso e não ao Supremo Tribunal Federal.
A ideia de que “o mandato é o que está sendo protegido e não o parlamentar" é balela. O voto é para que o político represente o seu estado ou sua região, e não para que cometa crimes. A imunidade foi pensada para proteger a atividade parlamentar. Por isso tudo, o que se relaciona ao exercício dessa representação está protegida. E assim foi escrito na Constituição, porque, em períodos autoritários, os parlamentares eram cassados por suas palavras, ideias, e atividades de representação. Quando se escreveu na Constituição o princípio da imunidade parlamentar, não se pensava, evidentemente, em crime comum.
A questão da quarta-feira não era sobre o senador Aécio Neves oficialmente, mas de fato era. Com ele em mente, e o voto da presidente do Supremo, o STF errou. Minas Gerais votou para que o senador representasse os interesses do estado, e defendesse as ideias que apresentou na campanha. Ele não foi eleito para pedir dinheiro a um investigado em cinco operações anticorrupção. Dinheiro que seria entregue em espécie a um enviado especial, desses que “a gente mata antes". Não foram esses os poderes que Minas delegou ao senador quando o elegeu. A tese de que “o mandato é do povo, e o povo, soberano” só pode ser defendida se vier com a pergunta: qual poder foi delegado pelo povo ao seu representante? Certamente não foi o de cometer crimes.
Esse tem sido nosso vício desde o início. O país dos fidalgos, do “sabe com quem está falando", não aceita o “erga omnes". A revolução que está sendo feita no processo de combate à corrupção é a de que a lei é universal. Mas o velho país dos privilégios resiste.
Alon Feuerwerker: Temer segue o roteiro rumo à mediocridade, mas vitória na Câmara teria efeito positivo
Todos os governos brasileiros desde a redemocratização seguem um roteiro parecido. Alcançam o poder carregados de expectativas reformistas, para a esquerda ou para a direita, mas rapidamente perdem velocidade e atolam na mediocridade. Se há dinheiro, sorte ou gordura política, chegam vivos ao termo. Alguns chegam até populares. Mas o balanço é invariavelmente pífio.
As razões são conhecidas. O Estado brasileiro está bem organizado para o subdesenvolvimento. No centenário da Revolução Russa, a comparação com o czarismo terminal é óbvia. Uma burocracia estatal insaciável e insensível, uma inércia agrário-exportadora invencível, uma elite política ocupada só em sobreviver e uma elite econômica de baixa ambição relativa.
Mas mesmo a Rússia imperial teria continuado a vegetar nas suas contradições, não houvesse enveredado pela catastrófica Primeira Guerra Mundial. Os bolcheviques só chegaram ao poder porque o exército russo desmanchou e a fome empurrou a população para a rua. Foi uma circunstância especial. Quando ela não existe, a mediocridade pode perfeitamente perenizar.
Em sistemas como o nosso, ela costuma perpetuar pelo encurtamento das metas estratégicas. Diante da insolubilidade dos problemas, o objetivo do timoneiro resume-se a chegar vivo ao porto da próxima eleição. É o caso dos atuais governadores, com seus estados a caminho da insolvência, provocada principalmente pela inviabilidade da atual previdência pública.
À véspera da votação da nova autorização para um processo no STF, Michel Temer chegou ao denominador comum. Está ocupado apenas em sobreviver. E tem como: sua boia para pisar na praia é a agenda econômica. No grau em que for possível implementar. Os mercados olham mais o rumo que a velocidade. Os mercados também entendem de Brasil.
Onde sempre esteve o risco? Na janela de oportunidade que outros “candidatos a Temer” podem enxergar para oferecerem-se à missão de “tocadores da agenda”. Mas até nisso a fortuna agora ajuda o presidente. Faltando tão pouco para a eleição, é pouco crível que algum outro consiga construir uma liderança capaz de entregar mais do que o atual mandatário.
Pode dar zebra? O desarranjo do sistema político brasileiro alcançou taxas que tornam possível o “raio em céu azul”. Mas ainda não é provável. O tão atacado “centro fisiológico” parece continuar hígido para evitar uma degringolada. De todo modo, é conveniente monitorar o paciente em tempo real. Uma característica do imprevisível é a dificuldade de ele ser previsto.
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As expectativas para a reta final de governo Temer são baixas, mas isso pode vir a ser um ativo. Se sobreviver à nova votação na Câmara, o presidente terá a oportunidade de apresentar algum roteiro de ações, além das privatizações e concessões, para o ano que resta. Até porque a melhora na economia deve lhe dar alguma proteção no ano eleitoral.
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Lula está bem, mas por enquanto há muito voto em disputa num eventual segundo turno. Uma onda anti-Lula arrastaria muitos dos hoje brancos, nulos e “nenhum”. Se Lula é barbada para chegar à rodada final, é possível que outro nome de seu campo tenha mais facilidade para fechar a fatura. Desde que consiga passar do primeiro turno. Não é uma equação simples.
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Não é inteligente contar com a desidratação automática de Jair Bolsonaro quando a campanha eleitoral entrar em campo. A intenção de voto espontânea dele já é alta, e ele parece ter adquirido alguma consistência nos apoios. E todos os adversários têm algum recall. Da lista, ele é o único que nunca disputou uma eleição majoritária. #FicaaDica.
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Se o PT vota para salvar Aécio Neves, terá de arcar com o desgaste momentâneo impulsionado pela opinião pública sedenta de exemplos de que “todos os políticos são iguais". Se vota contra, como fará quando um dos seus eventualmente estiver na situação do senador mineiro? É uma decisão política algo complexa. Mas quem disse que a política é simples?
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Cristovam Buarque: O labirinto de nossos erros
O jornalista Roberto D’Ávila me perguntou como chegamos à situação em que nos encontramos e na qual parecemos aprisionados. A sensação é de que fomos cometendo erros, como se dobrássemos esquinas caminhando por um labirinto, sem saber o caminho de volta, ainda menos de ida: para fora das amarras que nos impedem de progredir civilizada e sustentavelmente. O labirinto se inicia com a escravidão e o latifúndio, mas não temos desculpas para os erros dos caminhos tomados nas últimas décadas, que foram contaminando o Estado, a economia e a sociedade por erros na política.
Dobramos uma esquina do labirinto ao conquistarmos a democracia e fazermos uma Constituição para apagar o passado autoritário, mas sem usá-la para construir o futuro da nação. Garantimos direitos sem determinar deveres, sem definir sentimento de coesão nacional. Ficamos presos ao imediato de cada grupo sem instrumentos nem vontade para formular e construir o rumo para todos no longo prazo.
Nos aprofundamos no labirinto por causa do endividamento público e privado, sem responsabilidade, de acordo com nossos recursos; derrubamos florestas, secamos rios; transformamos nossas cidades em “monstrópoles” divididas por “mediterrâneos invisíveis”. Protegemos com subsídios empresas ineficientes, sem buscar aumentar produtividade, competência, inovação.
Elegemos governos progressistas, mas eles não fizeram as reformas necessárias; dobramos uma esquina do labirinto usando o Estado para financiar campanhas eleitorais com propinas e dando emprego a afilhados dos políticos e a filiados dos partidos, sem respeito à competência dos nomeados. Depois do impeachment, no lugar de recuperar a credibilidade na política, pedida por milhões nas ruas, embrenhamo-nos no labirinto, com o vice-presidente aparecendo sob suspeita de conivência com a corrupção.
O mergulho no labirinto foi aprofundado por parlamentares que aprovam leis sem o necessário rigor, olhando o imediato e seus próprios interesses eleitorais; cortamos verba para setores prioritários e liberamos recursos públicos para financiar campanhas eleitorais. Os tribunais, que trazem a esperança do enfrentamento da corrupção, agravam o caminho labiríntico ao se viciarem em privilégios e ao criarem instabilidade jurídica.
A injustiça social, a impunidade legal, o incentivo obsessivo ao consumo, a falta de bons exemplos vindos dos quadros dirigentes profundaram a marcha adentro no labirinto. Para sair dele, seria fundamental dispor de interpretações atualizadas sobre a crise da modernidade e o futuro do Brasil, mas nossas universidades parecem aceitar passivamente o contínuo caminhar no labirinto, sem inovação ou ineditismo e até sem respeito ao mérito.
O labirinto é o resultado de sucessivas escolhas erradas ao longo da história, mas a principal foi o descuido com a educação de nossas crianças, do nascimento até a vida adulta.
Murillo de Aragão: ‘Desaprender o mal’
Sistema político vive crise de representação, de representatividade e de legitimidade
O ciclo de escândalos vindos à tona a partir do mensalão destruiu a legitimidade do mundo político. Uma frase nas Fábulas de La Fontaine, citada pelo economista francês Bernard Gazier em seu livro sobre a crise econômica de 1929, explica bem o que está acontecendo na política brasileira: “Nem todos morriam, mas todos estavam contaminados.”
O que essa declaração significa? Basicamente, que parte expressiva de nossas lideranças políticas não é reconhecida como legítima para cuidar dos negócios públicos. Tal processo tem sido universal. Em quase todos os países se reconhece hoje a perda de legitimidade da política e dos políticos. Mas no Brasil a questão é mais grave, como veremos.
Por quê? Porque, por causa dos defeitos do nosso sistema eleitoral, do abuso do poder econômico e sindical, do abuso da máquina estatal e da doentia fragmentação partidária, a própria representatividade está comprometida. A cidadania não se sente representada pelos políticos nem o Congresso é uma fiel representação de nossa sociedade.
Nosso sistema eleitoral é injusto e opaco, não expressa a vontade do eleitor e, além de tudo, é desequilibrado em termos de representação da população. Alguns Estados, por distorções criadas no regime militar, são super-representados, enquanto outros são sub-representados. Temos, simultaneamente, problemas de representação e de representatividade.
Para agravar, os escândalos envolvendo o mensalão e a Operação Lava Jato, entre outros, desnudaram amplos esquemas de corrupção que não só espalhavam dinheiro para benesses pessoais, como deturpavam as corridas eleitorais, financiando aparelhos de poder que submetem a população a uma farsa democrática. O Brasil ainda é uma alegoria como democracia.
Em suma, o sistema político brasileiro vive uma perigosa conjunção de vetores negativos, com as crises de representatividade, de representação e de legitimidade e, acima de tudo, com as consequências de anos de corrupção e “doping” eleitoral. Isso posto, há muito que o sistema deveria ser revisto, o que não é novidade.
No entanto, falta vontade para mudar, já que o sistema político não quer regras que criem imprevisibilidade e reduzam sua mobilidade e sua autonomia ante a sociedade. Como disse Antístenes, filósofo da Grécia Antiga, “a ciência mais difícil é desaprender o mal”. A política brasileira encontra muita dificuldade para desaprender o mal.
Para piorar, a sociedade é subalterna ao Estado, que é autoritário, opaco, burocrático e corporativista. E nossas elites são pouco interessadas em participar da renovação, não se mobilizam contra tal situação. Parte por omissão, parte por cooptação.
À nossa frente está o imenso desafio de renovar a política nacional. Mas como fazê-lo, se parcela expressiva de suas lideranças está contaminada por condutas indevidas, imorais, ilícitas e inadequadas, e todo o mundo político é afetado por tais condutas?
O caminho político está obstruído. Tanto pelas investigações da Lava Jato e por suas consequências quanto pela excessiva fragmentação partidária, que impede a formação de consensos sobre questões críticas. A política, ainda que de forma mambembe e desarticulada, tenta ensaiar uma reação aos fatos. Mas nada produz e nada propõe de fundamental para sua renovação.
Sem o caminho político e com uma sociedade desmobilizada, resta a via judicial para a ocorrência de alguma melhora no sistema político nacional. Apelar para a judicialização da política e esperar bons resultados do ativismo judicial está longe de ser o ideal, já que isso significa desequilíbrio nas relações entre os Poderes.
Dois outros aspectos reforçam os cuidados que devemos ter com a judicialização como solução. O primeiro é a possível contaminação do escândalo político no Judiciário, possibilidade que tangencia as investigações. O segundo é o fato inequívoco de que o alvo preferencial tem sido o mundo político. Também parece existir no Judiciário certo desinteresse em desaprender os próprios males.
Assim, o pior dos mundos é que o avanço das investigações apenas alcance o mundo político, sem que as indevidas práticas no Judiciário sejam investigadas. Contudo a renovação também deve passar pelo Judiciário. E como em política não existe espaço vazio, o vazio do poder está sendo ocupado, de forma tumultuada, pelo Judiciário. Que, lamentavelmente, se curva à midiatização do processo e privilegia o ativismo individual à institucionalidade necessário. É a nossa realidade.
E o que o Judiciário pode fazer para tratar de nossas crises de representação, de representatividade e de legitimidade? Pode fazer muito. Principalmente ajudar a política a desaprender o mal. Para tal deve tornar a representação menos desequilibrada. Esse debate pode ser feito no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal, com o redesenho da distribuição de cadeiras com base na população. As coligações em eleições legislativas são inconstitucionais por claramente afrontarem o caráter nacional dos partidos. A decisão de proibir a “verticalização” compulsória das coligações pode ser revista. Seria um grande serviço do Supremo à Nação.
Um eventual aumento abusivo do Fundo Partidário para financiar as eleições também deve ser barrado, pela imposição de um limite rígido de gastos por tipo de candidatura. Outra medida saneadora seria a investigação ampla e profunda do uso de recursos do fundo, bem como a proibição expressa da prática de nepotismo nas estruturas partidárias.
Por fim, deveria haver maior celeridade nos julgamentos dos políticos investigados. É absolutamente injustificado que se demore anos para julgar casos de políticos na Suprema Corte e fiquemos com zumbis no comando da política nacional. Quem for culpado que seja condenado e quem for inocente, liberado para seguir adiante.
*Murillo de Aragão é advogado, consultor, cientista político, é doutor em sociologia pela UNB