crise política
José Aníbal: Ainda mais próximo do pulsar das ruas
Os desafios que a boa política se propõe a resolver demandam diálogo, determinação e desprendimento. Boas intenções, por melhores que sejam, são insuficientes para a árdua tarefa de convencimento dos cidadãos, superação de resistências, construção de alianças e representatividade que um projeto nacional demanda.
Por outro lado, tampouco basta aglutinar forças heterogêneas se não houver mínimas convergências e, principalmente, se não houver o propósito de melhorar o bem-estar social e de dar prioridade ao interesse coletivo.
A história recente do Brasil está repleta de exemplos nesse sentido, em que se acreditou na ilusão do “fiat lux” e se frustraram todos, principalmente os mais pobres e vulneráveis, à espera da luz que não se fez. O país já perdeu tempo e energia demais com proselitismo, demagogia e populismo.
Felizmente, o PSDB apruma sua direção em torno de um consenso capaz de apresentar ao país uma alternativa robusta, confiável e consistente. Sem fazer uso do frágil discurso de que está tudo errado e é preciso mudar tudo que está aí, o partido aglutina forças e se revigora com a construção de uma direção unida, coesa e fortalecida.
Ao mesmo tempo, reconhece que é dessa forma que se pode sentir melhor o pulsar das ruas, abrir-se ao diálogo com a sociedade e canalizar em torno de um debate amplo e democrático o anseio geral por um país melhor.
É com esse espírito que o Instituto Teotônio Vilela apresentou, nesta semana, suas propostas de atualização das diretrizes do PSDB. Não se trata de um documento definitivo e pronto; ao contrário, é um texto que procura dar início ao debate e envolver tanto os diversos setores e segmentos tucanos – PSDB Mulher, Tucanafro, Diversidade Tucana, PSDB Sindical e Juventude do PSDB – como movimentos sociais organizados, grupos de ação cívica e os indivíduos que, como nós, se preocupam e querem participar de um projeto de Brasil não para as próximas eleições, mas para os próximos anos e décadas.
Esse documento, Gente em Primeiro Lugar: o Brasil que Queremos, foi elaborado exatamente com esse espírito: colocar os cidadãos como prioridade, encaminhar propostas para que o Estado seja não mínimo ou máximo, e sim mais eficiente e eficaz, capaz de promover políticas públicas de bem-estar social adequadas e estimular a inovação, o crescimento econômico e o respeito à livre iniciativa dos indivíduos.
Da mesma forma, são propostas abertas a novas contribuições, de modo a se tornar um conjunto ainda mais representativo do que o povo brasileiro deseja e espera da ação política de um partido com a trajetória e a relevância histórica do PSDB.
Por isso, convido todos a participarem desse processo inédito, por meio do qual o ITV cumpre seu papel essencial de formulação política e diálogo com a sociedade. Colocaremos a tecnologia e os recursos das redes sociais a serviço da maior capilaridade possível para essa iniciativa, para que o PSDB complete 30 anos em 2018 ainda mais próximo do pulsar das ruas, tendo como fundamentos o diálogo, a determinação e o desprendimento necessários para apresentar a melhor alternativa para o futuro do Brasil.
* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB
Alberto Aggio: Impasses ao centro
O núcleo da política democrática está nas saídas para a crise que o PT nos deixou
Qual o ponto central da conjuntura política neste difícil percurso até as eleições presidenciais de 2018? Essa pergunta, mais do que necessária, vai impulsionar o batimento cardíaco da política pelo menos até a definição das candidaturas, desenlace que se prevê para o primeiro semestre do próximo ano.
Em julho alertamos para o risco de que os temas centrais para superar a crise poderiam ficar de lado se a nova polarização entre Lula e Bolsonaro acabasse por predominar. A expectativa de chegarmos a bom porto em 2018 parecia esvair-se por entre os dedos. Caminharíamos, então, para uma eleição falsa, uma espécie de reiteração da eleição presidencial de 1989 (apesar das suas diferenças pontuais), o que poderia redundar num retorno tão inconsequente quanto infeliz (Caminhamos para uma eleição falsa?, Estado, 18/7).
Dois meses depois, observávamos que havia um grande ausente naquela trama: o centro político. A forte fragmentação do centro fazia prever grande dificuldade eleitoral para esse campo. Tratava-se, então, de reconstruir o centro político, uma vez que uma postulação ao centro, como expressão de um campo democrático, representaria a reintrodução na cena política de um ator indispensável à estabilidade, com vista a projetarmos avanços civilizatórios dos quais o País se havia afastado injustificadamente. Afirmávamos que “uma recomposição do centro teria, pelo menos, a virtude de gerar a expectativa de superação da política de facções que se instalou nos últimos anos, comprometendo nossa convivência política” (Entre dois polos, como reconstruir o centro?, Estado, 26/8).
Lamentavelmente, a conjuntura não se moveu integralmente nessa direção, a despeito da emergência de alguns ensaios, em meio a muita desorientação e significativas fraturas entre os mais expressivos atores do centro político. Uma parte desse campo assumiu uma posição rigidamente defensiva em torno do governo Temer, o que, em função de sua alargada impopularidade, vem dificultando a construção de um movimento rumo a uma candidatura de caráter propositivo e que não represente apenas o governo.
A repercussão dessa posição em relação a outros importantes atores é notória. O dilema tucano em relação ao governo Temer não é o centro da conjuntura, mas é um problema para a definição de uma candidatura forte que possa chegar ao segundo turno expressando um programa que articule setores democráticos posicionados desde a direita liberal até a esquerda democrática. Não é desprovido de razão o argumento de que o tempo político de “ruptura” com o governo Temer já passou e mesmo que o PSDB assim decida serão duvidosos os dividendos eleitorais a serem obtidos. O núcleo central da política democrática está nas saídas para um país que se encontra afogado pela crise que nos deixou o PT e tem pouco que ver com o fato de apoiar ou ter apoiado o governo Temer.
Ao que tudo indica, a futura eleição presidencial não será um confronto entre situação e oposição, mesmo que essa disjuntiva seja colocada pelos candidatos. Lula imaginava que esse seria um trunfo seu e que lhe daria uma colheita segura. Certamente fincará suas trincheiras nesse ponto e fará muita retórica. Mas seu foco já passou a ser outro: “Agora não é hora de tirar Temer, é hora de saber quem será o próximo presidente do Brasil”. Lula vem atualizando seu discurso na linha do “perdão aos golpistas”, o que significa principalmente abrir o PT a negociações com o PMDB para tentar recuperar o eleitorado perdido com o processo de impeachment, que produziu efeitos danosos para a legenda nas últimas eleições municipais. Está claro, portanto, que erros de avaliação nesta hora certamente abrirão passagem para Lula conquistar uma parte do centro político, que estava perdido para ele.
A população reprova o governo, mas não vai às ruas protestar, sinalizando que não quer mais instabilidade. Assim, o discurso que apostar apenas na confrontação com o governo estará fadado ao fracasso. Ainda mais agora que seus parcos êxitos econômicos começam a ter alguma repercussão pública, animando o núcleo palaciano a projetar uma candidatura à feição de Temer ou a própria reeleição do presidente. Se isso ganhar força, é bem provável que o centro político se fragmente ainda mais.
A polarização de mais de duas décadas entre PT e PSDB vai ficando para trás, o que, por sua vez, leva à diluição da chamada “terceira via”. Com um possível segundo turno entre Lula e Bolsonaro, a construção de uma alternativa a partir do “centro democrático” ganha a máxima relevância. Lula sabe disso e já flerta com o centro, buscando romper seu isolamento à esquerda. Por outro lado, o discurso de uma candidatura de centro ainda não decolou, seja pela dificuldade de unificação, seja pela indefinição em torno de quantos e quais aspirantes postularão esse protagonismo.
Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin bate na tecla de que “o Brasil precisa de construtores, e não de gladiadores”, enquanto o prefeito João Doria enfatiza a necessidade de uma “frente do centro democrático” conta o lulismo. Os outsiders ainda estão fora da verdadeira luta política. No apelo a figuras como Luciano Huck ou Joaquim Barbosa há um sentimento difuso de renovação política, mas há também muito de personalismo, ilusionismo e até aventureirismo, envolto, em alguns casos, num “corporativismo de partido” instrumental e anacrônico. Nada diferente, portanto, da “velha política” que se quer combater.
Até meados de 2018, os brasileiros estarão condenados a uma “espera ativa”. Nesse ínterim, o jogo ficará cada vez mais pesado, exigindo dos atores políticos, sejam partidos, personalidades ou os chamados “movimentos cívicos”, capacidade de convencimento e realismo diante do que teremos pela frente.
Gaudêncio Torquato: Rejeição à política tradicional
A crise da democracia representativa, decorrente de certos fenômenos como o declínio das ideologias, o desânimo dos eleitores, a pasteurização dos partidos, a perda de prestígio dos mandatários e o enfraquecimento das oposições, tem propiciado a rejeição à política tradicional e o florescimento de novos polos de poder.
A rejeição social aos velhos costumes políticos assume proporções tão significativas que chegam a abalar, até, os alicerces das instituições do Estado, a partir dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), que passam a receber sérios questionamentos por parte da sociedade.
Dessa constatação, emerge importante questão: protagonistas rejeitados e mal avaliados, principalmente quem detém mandato popular, poderão recuperar seus vetores de força a ponto de repor a confiança das massas eleitorais? Vejamos.
Convém inicialmente lembrar ser impossível apagar da noite para o dia uma taxa de rejeição, principalmente quando ela é alta.
O que vem a ser esse repúdio e qual a origem dessa indignação?
Trata-se de uma predisposição negativa que os cidadãos desenvolvem e mantêm acesa em relação a determinadas figuras públicas. Para compreendê-la melhor, há de se veri¬ficar a intensidade da rejeição dentro da fisiologia de consciência do eleitorado.
O processo de conscientização leva em consideração um estado de vigília do córtex cerebral, comandado pelo centro regulador da base do cérebro e, ainda, a presença de um conjunto de lembranças (engramas) ligadas à sensibilidade e integradas à imagem do nosso corpo (imagem do EU), e, ainda, lembranças perpetuamente evocadas por sensações atuais. Portanto, a equação aceitação/rejeição se fundamenta na reação emotiva de interesse/desinteresse, simpatia/antipatia.
Extensões da maldade
Pavlov se referia a isso como reflexo de orientação. A rejeição tem uma intensidade que varia de pessoa para pessoa.
Figurantes que são ou foram objeto de tiroteio por parte da mídia, principalmente a televisiva, são os mais prejudicados. Eles integram o manual da maldade, tornam-se extensões do território da ilegalidade e, nessa condição, passam a ser demonizados.
Há casos clássicos de políticos que vestiram o figurino da bandidagem. Com o passar do tempo, alguns conseguiram limpar a camada de sujeira que cobria seus perfis.
Ademar de Barros (1901-1969), ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, ex-candidato à presidência da República, em 1955 e 1960, exerceu grande influência no Estado-líder da Federação. Colou nele a marca “rouba, mas faz”.
Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo, deixou uma imagem não muito asséptica.
Paulo Maluf, que sempre teve altos índices de rejeição, passou a administrar o fenômeno com muito esforço. Mudou comportamentos. Tornou-se menos arrogante, o nariz levemente arrebitado desceu para uma posição de humildade e começou a conversar humildemente com todos. Hoje, perambula pelo universo político e se dá bem com os jornalistas. É um caso de sobrevida na política. Foco de Procuradores que o acusam de ter feito fortuna com recursos obtidos ilegalmente, ele se resguarda sob o mantra: “não tenho dinheiro no exterior; quem achar conta minha no exterior pode ficar com o dinheiro”.
Erros e rejeições de adversários também contribuíram para ate¬nuar a predisposição negativa contra ele. Purgou-se pelos pecados mortais dos outros. “Ruim por ruim, vou votar nele porque ele fez coisas”, pensam seus contingentes eleitorais.
Pesquisar as causas
Em regiões administradas pela velha política, a rejeição a determinados candidatos se soma à antipatia, ao familismo e ao grupismo.
O fato é que diante de uma paisagem assolada por escândalos e denúncias, as massas passam a se manifestar de forma aguda, mantendo a disposição de se libertar de candidaturas impostas e nomes envolvidos em negociatas de propinas.
Mas não se pense que o caciquismo se restringe a grupos familiares. Certos perfis, mesmo não integrantes de feudos políticos, expressam a imagem de antipatia, ora pelo ar de arrogância, ora por um estilo ortodoxo de fazer política ou, ainda, por se vestirem com o manto do oportunismo.
Na atualidade, em quase todas as regiões, há perfis com altos índices de rejeição, comprovando que os eleitores, cada vez mais racionais e críticos, intencionam passar um arado para derrubar a cerca de currais eleitorais.
Isso explica a eleição de candidatos que expressam o sentido do novo, como se viu, por exemplo, no Maranhão, onde Flávio Dino venceu a família Sarney.
A rejeição pode ser atenuada quando o protagonista penetra fundo na origem dos problemas que consomem sua imagem. Para tanto, é oportuno usar as ferramentas adequadas, como pesquisas qualitativas, que poderão mostrar como e porque os grupos sociais o rejeitam.
Nesse momento, deve-se enfrentar com coragem o uso do espelho, onde ele, o ator político, vai descobrir as manchas que sujam sua feição: atitudes pessoais, jeito de encarar as massas, oportunismo, mandonismo, autoritarismo, orgulho, vaidade, arrogância, desleixo, desprezo pelas demandas sociais, cooptação à moda antiga, abuso do poder econômico, história política negativa, envolvimento em escândalos, ausência de boas propostas, descompromisso com as regiões etc.
Para enfrentar essa trilha de obstáculos, os figurantes hão de gastar muita sola de sapato. Não se apaga índice de rejeição com meia dúzia de providências. Trata-se de uma mudança de estilo de fazer política.
Trabalhar com a verdade – esse é o ponto-chave para se começar a administrar a taxa de rejeição. O eleitor distingue factóides de fatos políticos, de boas e más intenções, propostas sérias de coisas enganosas.
O candidato há de montar no cavalo de sua própria identidade, melhorando as habilidades e procurando atenuar os pontos negativos.
É erro querer mudar de imagem por completo, passar uma borracha no passado e usar cosmética em demasia.
Urge mudar sem riscos, sem mudanças constantes e bruscas, de acordo com a sabedoria da velha lição: não ganha força a planta frequentemente transplantada.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação.
Míriam Leitão: Caso de estudo
O presidente Temer é um caso de estudo. Ele é o único governante brasileiro que não tem aumento de popularidade quando a inflação está em queda. Desde o início da era do real há uma correlação entre inflação e aprovação presidencial, quando ela sobe a rejeição aumenta, e quando desce a imagem do governo melhora. Temer tem uma espécie de fator teflon ao contrário, o que é bom não gruda nele.
Mesmo o avanço em outros indicadores da economia não tem tido impacto na imagem do governo. Só ontem foram dois dados positivos. O IBC- Br, índice de atividade econômica do Banco Central, e o Caged, que mede os empregos formais criados a cada mês.
A melhora na economia tem aparecido em vários indicadores. A atividade cresceu em setembro, como se esperava, e fechou o terceiro trimestre com alta de 0,58% no cálculo do BC. Na comparação com o mesmo período de 2016, o IBC- Br agora marca alta de 1,4%, após cair 0,2% no segundo trimestre. O PIB mesmo, dado oficial, só será divulgado dia 1 º pelo IBGE.
Os empregos com carteira estão sendo gerados a uma velocidade muito abaixo da necessária. Mas o número divulgado ontem, de criação de 76 mil vagas, marca o sétimo mês consecutivo de saldo positivo e é o melhor resultado para outubro desde 2013. Naquele mês de 2015, para se ter uma ideia, o país perdeu 169 mil vagas com carteira.
O IBGE divulgou na semana passada um dado favorável no consumo. As vendas de comércio em setembro subiram 6,4% quando comparadas com setembro de 2016. Isso já sem o efeito da liberação do FGTS, que manteve as vendas nos meses anteriores. O consumo está sempre ligado ao humor do consumidor. O país amargou nove trimestres de queda nas vendas. A inflação é baixa, e a dos mais pobres é ainda menor, segundo o novo indicador do Ipea. Isso tem a ver com a grande produção agrícola por causa do clima favorável. Como o peso dos gastos com alimentação é duas vezes e meia maior entre famílias de menor renda, a inflação dos pobres está em 2% este ano.
Mesmo assim, nada promove a aceitação de Temer em nenhuma classe social. Pode- se pensar numa série de razões políticas e sociais, mas ele é um ponto fora da curva nessa relação entre economia e política. Mesmo se melhorar, está num nível tão baixo que não fará muita diferença. Um caso que precisa ser estudado.
Há outros fatores que produzem queda da popularidade, claro, e podem ser parte da explicação desse baixo desempenho. Todos os governantes desde a era do real tiveram altas ou quedas de popularidade conforme as oscilações do nível de preços. Só para ficar no último exemplo: em 2014 a presidente Dilma foi reeleita, mas a disparada da inflação em 2015, provocada pelos reajustes que estavam represados, e agravada pela recessão, derrubaram as avaliações de ótimo e bom no início do segundo mandato. Quando ela saiu, a aprovação estava em 10% pelo CNI/ Ibope. Com Temer, a situação econômica melhora, mas nada influencia os seus índices de popularidade. Ele caiu ao nível mais baixo da história: entre 5% e 3%, dependendo da pesquisa.
Uma das razões da persistente rejeição certamente é o alto nível do desemprego. Melhora houve, mas insuficiente. O problema permanece enorme e angustiando as famílias. A revelação das conversas do presidente com Joesley Batista e a sensação de crise política permanente — com as denúncias da PGR e as manobras feitas por Temer para se livrar delas — também ajudam a explicar. Haverá outros motivos. Mas o fato é que a ajuda que a economia costuma dar aos governantes impopulares não está acontecendo com Temer.
A dúvida é a quem a economia vai ajudar — ou prejudicar — no ano que vem? Os cenários mais comuns adiantam que o nível de atividade vai continuar melhorando moderadamente, a inflação vai subir um pouco mas ficará na meta, o desemprego terá queda bem lenta. A economia estará morna. Neste caso, a tendência é não provocar qualquer efeito positivo. Quando se tem que explicar que a economia melhorou é porque ela não influenciará o voto. As pessoas precisam sentir. E tudo o que sentirão será pouco para produzir o efeito de satisfação que leva ao voto situacionista. Outros fatores vão influenciar a decisão do eleitorado. Dois assuntos, corrupção e desemprego, certamente estarão no centro do debate do ano que vem.
Fernando Gabeira: Adeus aos salvadores da Pátria
Não elegeremos anjos em 2018. Mas o pessimismo não nos deve desesperar
De passagem pelo Brasil, um dirigente espanhol do Podemos, Rafael Mayoral, afirmou que a esquerda não vai salvar as pessoas e o essencial é fortalecer a sociedade para que ela possa controlar qualquer governo no poder. Não vi o restante do seu discurso. Mas até onde li, concordo. De certa forma, tenho usado esse argumento com novos grupos que querem a mudança no Brasil.
Muitos deles estão legitimamente preocupados com a falta de alternativas na eleição presidencial. Mas, ainda assim, afirmo que a descoberta de um nome não é tão importante quanto fortalecer a sociedade para que possa monitorar ativamente o governo.
No fundo, o objetivo maior deve ser a construção de um controle social tão preciso, diria até tão virtuoso que possa tornar mais amena a constatação de que não elegemos anjos, mas pessoas de carne e osso. Isso é válido para qualquer sociedade, mas no Brasil parece que somos mais intensamente de carne e osso.
De certo modo, já exercemos algum controle sobre o governo Temer. Duas medidas foram revertidas por pressão social: a abertura de uma área de mineração na Amazônia e o abrandamento da lei que pune o trabalho em condições análogas ao de escravo. Mas esse esforço de controle só tem surgido em grandes temas. Estamos tratando como normais e cotidianas várias aberrações que nos transformam num país virado de cabeça para baixo.
Um exemplo que me espantou foi o pedido oficial de Geddel Vieira Lima para saber o nome e o telefone de quem o denunciou. No apartamento ligado a Geddel foram encontradas as malas com R$ 51 milhões. Até agora não sabemos, e creio que a polícia também não, de onde veio o dinheiro atribuído a Geddel. Mas ele quer saber quem o denunciou. Se a polícia desse o nome e o telefone de quem denunciou, Geddel iniciaria uma prática internacionalmente nova: quebrar o anonimato dos informantes, para serem devidamente assassinados.
Raquel Dodge negou o pedido de Geddel. Mas o fato de ter existido e circulado como uma notícia normal revela como o País, no cotidiano, foi posto de cabeça pra baixo.
No caótico Estado do Rio de Janeiro, outra dessas barbaridades que quase passam em branco: o governador Pezão indicou um deputado para o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o mesmo cujos membros foram presos. Questionado na Justiça, Pezão chamou o procurador Leonardo Espíndola para defendê-lo. Impossível, disse o procurador, sua decisão é inconstitucional. Ato contínuo, Pezão demitiu Espíndola. Felizmente, o indicado por Pezão caiu nas garras da Polícia Federal antes de tomar posse no TCE. É acusado de corrupção, ao lado do presidente da Assembleia Legislativa, deputado Jorge Picciani.
São só dois fatos cotidianos. Há algo comum em sua origem. Nascem de políticos do PMDB envolvidos em corrupção. Um quer o nome de quem o denunciou, o outro considera defender a Constituição algo incompatível com o serviço público.
E a vida continua. Engolindo alguns sapinhos no cotidiano, nosso estômago é preparado para os grandes sapos de fim de mandato.
Um deles, que está sendo preparado nos bastidores, é a derrubada da prisão em segunda instância. As articulações correm no Congresso e no próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Tanto ministros do Supremo como parlamentares veem nisso uma saída para neutralizar não só a Lava Jato, como todas as operações que envolvam políticos corruptos.
Enunciado apenas como uma tese jurídica, o fim da prisão em segunda instância é palatável. Todos são inocentes até que a sentença seja confirmada pelo STF. Na prática, resultará em impunidade geral. Todos terão direito a uma trajetória semelhante à de Paulo Maluf, que de recurso em recurso vai tocando sua vida, exercendo seus mandatos e até defendendo outros acusados de corrupção, como Michel Temer.
No momento em que as aberrações se acumulam, a tendência é criar um País monstruoso. Algo que já tentei definir num discurso, no alto de um caminhão, em protesto de rua: um País onde os bandidos fazem a lei.
Enquanto essas coisas acontecem, o debate entre os que querem a mudança tende a concentrar-se no perfil do líder que nos vai salvar. Em que rua, em que esquina vamos encontrá-lo? No Acre, em Alcácer Quibir?
Enquanto não aparece, creio ser necessário fortalecer as organizações que trabalham com a transparência. Estão surgindo de vários pontos. Hoje se investiga como os partidos gastam seu dinheiro. Há um grupo que cuida exclusivamente de despesas de parlamentares. A intensa busca da transparência fortalece a sociedade. Da mesma maneira, ela ficará mais forte se todos os grupos que buscam a mudança se unirem num esforço comum.
Nem todos pensam da mesma maneira, estamos cansados de saber. Mas é preciso um mínimo de maturidade, na situação dramática do País, para encontrar pontos de convergência.
Não importa tanto se um grande líder vai emergir dos escombros. Mesmo se aparecer, não será um anjo. Não elegeremos anjos em 2018. Nunca o faremos, creio eu.
A fronteira do pessimismo não nos deve desesperar. Há algumas instituições funcionando, há grupos trabalhando na busca da transparência, há a possibilidade real de que todos os que querem mudança encontrem pontos de contato, um denominador comum.
Como o poeta que fabrica um elefante de seus poucos recursos, a sociedade brasileira terá de construir seu sistema de defesa. Alguns móveis velhos, algodão, cola, a busca de amigos num mundo enfastiado que duvida de tudo – o elefante de Drummond é inspirador.
Quem sabe, como em Portugal, conseguiremos construir nossa própria geringonça? Prefiro essa visão modesta e realista a esperar dom Sebastião. Curado de sua megalomania, talvez o Brasil aceite, finalmente, tornar-se um grande Portugal.
José Aníbal: Os dois grandes desafios nacionais
Os principais obstáculos para o Brasil se tornar um país com mais crescimento econômico e desenvolvimento humano – ou seja, mais rico, próspero, inclusivo e justo – podem ser resumidos em dois pontos: crise fiscal e crise de representatividade.
Significa dizer que precisamos equacionar o financiamento do Estado e ver os interesses coletivos defendidos com maior ênfase e legitimidade. Sem isso, o país provavelmente repetirá a trajetória vista no passado recente: ondas de algum crescimento seguidas de recessão e avanços sociais pouco consistentes.
Como sair dessa armadilha?
Na questão fiscal, a resposta está tanto nas proposições macroeconômicas e estruturais, como a inadiável reforma da Previdência, quanto nas decisões do dia a dia da administração.
Na última segunda-feira, promovemos um seminário com prefeitos e ex-prefeitos em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, uma das regiões mais bem-estruturadas do interior de São Paulo, mas nem por isso livre dos desafios colocados aos gestores municipais.
A experiência de cada um deles mostrou o quanto a boa política se exerce no cotidiano da gestão pública. Revisão de contratos, diagnóstico claro de prioridades e desenho de políticas públicas eficientes foram as receitas mais citadas pelos debatedores.
Não há fórmula mágica: é preciso reconhecer os limites da ação governamental, não gastar mais do que se tem e respeitar o dinheiro público.
Infelizmente, porém, tais práticas são menos executadas do que o desejado, vide a histórica recessão provocada pela irresponsabilidade e incompetência do lulopetismo.
O pior é que esse mau exemplo federal se espalhou nos governos subnacionais, provocando crises como a do Rio de Janeiro e deixando crítica a situação fiscal de mais de 80% dos municípios.
Como ilustrou no seminário o prefeito de Piracicaba, Barjas Negri, administrar uma cidade é vestir o uniforme de açougueiro e cortar, cortar, cortar. O que vai diferenciá-lo de um mero carniceiro é a precisão e a sabedoria no corte, de modo a não prejudicar os que mais precisam e, principalmente, não proteger nem privilegiar quem já tem muito.
Aqui, a crise fiscal se encontra diretamente com a crise de representatividade.
O forte esquema de acesso ao poder e proteção de privilégios das corporações que ocupam a elite do funcionalismo público e de setores que se acostumaram ao capitalismo de compadrio é um dos maiores entraves às reformas estruturais. Por isso devemos colocar toda a ênfase no combate aos privilégios em debates como o da previdência.
Os dois grandes desafios do Brasil – a crise fiscal e a crise de representatividade – devem ser enfrentados de forma concomitante e igualmente prioritária. Devemos unir forças nesses dois bons combates.
O protagonismo no debate público será alcançado por aqueles que conseguirem tratar dessas duas questões de forma conjunta, aberta e franca com a sociedade, desmascarando os populistas e os despreparados e trazendo de volta a racionalidade que tanta falta faz na condução do Brasil.
* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB
Eliane Cantanhêde: Em vez do centro, o Centrão
Racha no PSDB, saída do governo e confronto com o PMDB implodem o centro em 2018
A saída de Bruno Araújo do Ministério das Cidades é mais uma confirmação do que a de José Serra do Itamaraty já indicara: o sonho de boa parte dos tucanos de reviver as glórias da transição com Itamar Franco desfez-se melancolicamente, reavivando o ensinamento de Karl Marx de que a história só se repete ora como tragédia ora como farsa.
Itamar também teve um início atribulado, com sucessivas trocas de ministros da Fazenda, mas chegou ao fim do mandato com gosto de vitória, lugar garantido na história e um candidato imbatível à sua sucessão. Para esse resultado, ele (baiano de nascimento) contou com sua astúcia mineira e com a participação efetiva dos políticos e economistas tucanos, liderados por Fernando Henrique.
Michel Temer também ascendeu à Presidência por um impeachment e com dois trunfos semelhantes ao de Itamar: alta (apesar de disfarçada) capacidade política, aliada a uma baixa pretensão futura. Foi assim, comparando condições e personagens, que José Serra liderou a ala tucana favorável à tese do “quem pariu Matheus que o embale”: se o PSDB foi decisivo ao tirar Dilma Rousseff para estancar a quebradeira do País, tinha responsabilidade com a gestão Temer. Não poderia simplesmente aboletar-se no conforto da arquibancada.
À constatação somou-se o cálculo político: Temer tinha os predicados para dar certo, uma base sólida no Congresso, os quadros técnicos tucanos e, no final das contas, boas chances de interferir ativamente na sucessão de 2018. A favor de quem, se o PMDB tem tamanho, mas não tem nomes? Do PSDB.
O sonho, portanto, era que Temer se transformasse num cabo eleitoral e tanto e apoiasse o próprio Serra, por exemplo, repetindo a relação de Itamar com Fernando Henrique. Mas sonhos são sonhos. A realidade é muito diferente e pode virar pesadelo.
Temer não era Itamar, Serra não era FHC, não havia Plano Real a ser inventado, a Lava Jato se voltou pesadamente contra o PMDB e as duas denúncias de Rodrigo Janot contra o presidente fizeram o resto. Em vez de batalhar para ser um protagonista de 2018, Temer teve de lutar para salvar o pescoço e foi perdendo apoios no PSDB e ganhando mais e mais pressões do Centrão.
Serra saiu de fininho do Itamaraty, acossado por dores de coluna e revelações da Lava Jato, e a situação no PSDB inverteu-se: Serra passou a lavar as mãos para os destinos do governo e Aécio Neves – que operado contra a participação dos tucanos no governo – assumiu o comando da ala favorável a continuar no primeiro escalão. Geraldo Alckmin? Esteve em cima do muro quando o partido entrou e continua em cima do mundo quando está pulando fora.
A demissão de Bruno Araújo abre a porta de saída do PSDB do governo e deixa Temer à mercê do Centrão – PP, PTB, PR, PSD – dando novos contornos para 2018. Uma coisa é um governo Temer com o PSDB, outra muito diferente é sem ele. Assim como uma coisa é uma campanha com PSDB e PMDB do mesmo lado, outra muito diferente é os dois concorrendo entre eles.
Temer conta com a recuperação da economia e dos empregos para entrar em campo, firme e forte, a favor de seu candidato. Nesse caso, ainda incerto e não sabido, Temer e o PMDB serão “players” muito importantes, mas sem um nome considerado realmente competitivo. E o PSDB viverá uma angústia oposta: terá um candidato forte, mas com que unidade, com quais forças políticas, com alguma convicção de vitória?
Assim como Temer não repete Itamar, dificilmente surgirá um novo Fernando Henrique nessa barafunda entre tucanos e tucanos, tucanos e peemedebistas e tucanos e governo. Enquanto o PSDB racha ao meio e o centro se pulveriza, Lula consolida sua liderança pela esquerda e Bolsonaro cristaliza sua imagem de anti-Lula pela direita.
Merval Pereira: PMDB do B
O PSDB, que já representou o novo na política, corre o risco de um triste fim, novamente se aliando ao PMDB velho de guerra. Interessante a estratégia do grupo do senador Aécio Neves (PSDB-MG) para não caracterizar a saída de Bruno Araújo do ministério de Temer como um protesto. Ele se antecipou a seus colegas, e foi anunciado que coordenará a campanha do governador de Goiás, Marconi Perillo, à presidência do partido.
Ao mesmo tempo, abre caminho para uma reorganização ministerial, deixando Temer com o cobiçado Ministério das Cidades livre para negociações. Com a decisão do governador de Goiás de não aceitar uma candidatura de consenso para a presidência do PSDB, insistindo em permanecer na disputa, fica claro que a candidatura do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, à Presidência da República não é consensual.
A disputa pela presidência do partido será um divisor de águas, e se o grupo do senador Aécio Neves demonstrar que ainda controla as bases partidárias, provavelmente, aliado ao governo Temer, apresentará outro candidato, que poderá ser o prefeito João Doria ou o próprio Perillo, que há muito tem o sonho de se candidatar à Presidência da República.
Ou se aliar a uma candidatura que represente uma eventual retomada econômica, como a do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, filiado ao PSD de Kassab. Que, aliás, poderia apoiar também seu velho aliado, o senador José Serra, que pretende disputar o governo de São Paulo.
O centro da disputa passou a ser o futuro do PSDB visto pelas lentes do grupo do senador Aécio Neves, que já anunciou que pretende se candidatar a um cargo majoritário nas próximas eleições, governador de Minas ou senador.
Mesmo tendo o controle da maior base eleitoral do partido, o governador Geraldo Alckmin não tem influência importante nas demais máquinas estaduais, o que aparentemente o senador Aécio Neves mantém, apesar dos percalços por que vem passando. Se a opção desse grupo for mesmo por um candidato paulista, como Doria, em oposição a Alckmin, não restará ao governador outra saída que ir para o PSB, uma alternativa que estava em cogitação já desde que escolheu Márcio França para seu vice.
O PSB ganhará de qualquer maneira um governador de São Paulo, em troca de apoio a Alckmin numa coligação ou, no limite extremo, lançando-o à Presidência da República. A montagem prevista por Fernando Henrique, com a indicação de Alckmin como candidato de consenso à presidência do PSDB, levaria a uma decisão antecipada do candidato do partido à Presidência, e a um ambiente mais pacificado.
A resistência até o momento de Marconi Perillo, e agora o anúncio de que a saída de Bruno Araujo não significa o início da debandada tucana, mas o reforço de uma candidatura a presidente do PSDB com o apoio do Palácio do Planalto, demonstra que a estratégia do grupo de Aécio Neves é mais ampla.
Controlando o partido no ano da eleição, esse grupo poderá impor as soluções que lhe convierem. A destituição do presidente interino, senador Tasso Jereissati, combinada com o próprio presidente Michel Temer, faz parte de um acordo que certamente coloca o PMDB mais uma vez em uma coligação eleitoral que, se será prejudicada pela baixa popularidade governista e pela imagem fisiológica do partido, terá recompensas com o tempo de televisão e a máquina governamental.
Além da esperança de que a economia estará em melhores condições em 2018, beneficiando os aliados do governo. Resta saber se os mecanismos da velha política ainda serão úteis em um país que está polarizado entre posições radicalizadas à esquerda e à direita, e ansiando pelo novo, que tenta surgir, apesar do ambiente adverso.
O PSDB, que já representou o novo na política, corre o risco de um triste fim, novamente se aliando ao PMDB velho de guerra, transformando-se numa espécie de PMDB do B.
Valor Econômico: "O povo não está nem aí para o fato de estarmos ou não em governos", diz José Aníbal
SÃO PAULO - Presidente do Instituto Teotônio Vilela, centro de estudos do PSDB, José Aníbal diz que falta autoestima aos tucanos que criticam a participação do partido no governo Michel Temer. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor.
Valor: Como o senhor avalia a atitude de Aécio ao destituir Tasso?
José Aníbal: Não vejo como destituição. Foi a substituição de um vice-presidente indicado pelo Aécio por outro vice que não está no processo sucessório. Aécio viu que havia o desejo de ter uma condição mais isonômica, de que a presidência fosse exercida por alguém que não é parte da disputa.
Valor: Mas em 2016 Aécio prorrogou seu mandato por dois anos sem deixar a presidência do partido. São dois pesos e duas medidas?
Aníbal: De jeito nenhum. Aécio era presidente eleito do partido e cumpriu o que manda o regimento. Chamou a Executiva e usou os procedimentos previstos. São situações diferentes. Ele até antecipou o fim de seu mandato, que estava previsto para terminar em maio de 2018, e convocou as eleições para este ano. Tem um mal-estar no partido, mas vamos caminhar para o apaziguamento.
Valor: A crise do PSDB se intensifica a menos de um ano das eleições. Essa articulação do Aécio não prejudica a candidatura de Alckmin?
Aníbal: Não acho que agravou a crise. O partido já está mais pacificado. Essa insistência feita pelos 'cabeças pretas' de reduzir a disputa dentro do PSDB a ficar ou sair do governo Temer é algo completamente estapafúrdio, equivocado. O grande desafio é enfrentar os nossos problemas, construir a nossa unidade e fazer o Brasil avançar. O PSDB tem um compromisso firme com as reformas e deve assumir protagonismo nisso. Quanto melhor estiver o país, com a recuperação da economia, menos chances terá uma candidatura salvacionista. A crise interna é um problema nosso e a sociedade não está preocupada com isso.
Valor: Temer deve fazer a reforma ministerial neste mês e poderá tirar o PSDB. O partido não pode ficar isolado se sair do governo por decisão do presidente?
Aníbal: O partido está construindo a sua saída. Essa questão não pode ser uma questão presente na nossa convenção. É resultado de um compromisso: apoiar o governo em direção das reformas. O governo vinha operando as reformas, aprovou a trabalhista e já ia entrar na previdenciária. Vamos sair do governo, mas é uma relação civilizada, foi um compromisso em função de um programa de quinze pontos que apresentamos. Questões internas têm de ser trabalhadas não para a fragmentação do partido, mas para o fortalecimento. A convenção tem que discutir a revitalização das nossas diretrizes, a construção das premissas de um governo a ser adotado pelo candidato à Presidência.
Valor: Tucanos históricos têm dito que o partido voltou a ser o velho PMDB que o PSDB criticava. O lema de "estar longe das benesses do poder, mas perto do pulsar das ruas" vai ser revisto?
Aníbal: Esses tucanos é que estão longe das ruas. Eles não estão entendendo nada, lamentavelmente. O povo não está nem aí para o fato de estarmos ou não em governos. Falam como se a gente tivesse no governo para tirar proveito pessoal. Não é o caso de nenhum dos nossos companheiros. É totalmente diferente. Eles estão totalmente equivocados. Temos esse compromisso de não nos lambuzarmos, de não nos envolvermos com aquilo [governo]. Se acontecer, tem que punir. O que esses tucanos fazem é um diagnóstico fácil, ligeiro, que não ajuda o PSDB a crescer. Pelo contrário. É um rebaixamento. É uma baixa autoestima desses companheiros. Lamento por eles. Tem que prevalecer no PSDB a posição de encarar os desafios e não viver de 'cutucar' os outros. Eles são incapazes de formular uma posição política, que nos associe com os anseios da população. Querem ficar com luta interna. Luta interna, dissociada das questões da população é briga. É isso o que estão querendo fazer. Não vamos deixar.
Valor: O PSDB pode se enfraquecer como alternativa anti-PT e abrir espaço para um nome mais conservador como do Bolsonaro?
Aníbal: Não. Bolsonaro não tem condições de ser presidente do Brasil. É uma aventura, de todos os pontos de vista. Temos que evitar os aventureiros. Lula é uma aventura que a gente já conhece. Bolsonaro é uma aventura que a gente tem memória. É a memória do 'eu prendo e arrebento', 'eu acabo com a inflação com um tiro'. Lembra o Collor. E deu no que deu. O Brasil tem que construir uma posição que aproxime os brasileiros, promova a convergência no propósito de enfrentar esse grande desafio que vivemos hoje. O Brasil tem que voltar a crescer, duplicar a renda da população no médio prazo, crescer a taxa de dois dígitos. É possível. Precisa de racionalidade, temperança. Precisamos de um presidente que seja agregador. O PSDB tem candidato para isso, que é Alckmin. E quem abre caminho para uma candidatura como a do Bolsonaro é o PT e não o PSDB. Lula e Bolsonaro são as duas faces da mesma moeda.
Valor: Quem é seu candidato à presidência do PSDB? Alckmin é uma solução pacificadora?
Aníbal: Alckmin sempre será solução pacificadora. É o estilo dele. Agregador, pacificador. Essa questão pode se colocar. No momento temos dois candidatos. Não vou declarar preferência porque presido o instituto do PSDB. A convenção deve revitalizar os nossos pressupostos e premissas partidários e fornecer elementos para a construção de um governo.
Valor: O resultado da convenção pode levar a debandada do PSDB?
Aníbal: Não há menor hipótese.
Eliane Cantanhêde: Bruxas? Fogueiras?
A crise política, econômica e ética induz a um contra-ataque do conservadorismo?
Há ou não uma onda conservadora no Brasil, arrastando a política, a economia, o comportamento e a visão de mundo das pessoas? Essa questão é impulsionada pela ascensão do deputado Jair Bolsonaro ao segundo lugar nas pesquisas presidenciais, pelos assassinatos de mulheres (pelo menos quatro horrendos na semana passada!) e por militantes que botam fogo num boneco representando a pensadora Judith Butler, defensora da identidade de gênero. Fogueiras?! Bruxas?!
É daí a importância de uma pesquisa do movimento Agora!, com o instituto Ideia Big Data, feita face a face com 3 mil brasileiros e brasileiras de 38 cidades de todas as regiões, entre 31 de outubro e 6 de novembro. A grande maioria desdenhou de um salvador da Pátria na política, mas quase metade concorda que “bandido bom é bandido morto”.
Diante da pergunta sobre o “salvador da Pátria”, 72,8% concordaram que não há isso em política, enquanto, na pregação do “bandido morto”, impressionantes 44,8% disseram sim, 22,2% ficaram em cima do muro e 31,4% discordaram. E quanto à pena de morte? Dividiram-se exatamente ao meio: 47,9% defendem para crimes hediondos, 47,3% são contra mesmo assim.
Significa que cidadãos e cidadãs estão mais bem informados sobre a política, suas práticas e seus personagens, mas reagindo enviesadamente à violência de Norte a Sul, com bandidos armados até os dentes. No Rio, já são 117 policiais mortos neste ano (até anteontem). Se até a polícia está à mercê, imaginem-se trabalhadores, idosos e crianças, até em escolas?
O resultado também reflete essa exaustão com a violência quando a pergunta é sobre direitos humanos. Devem valer para todos, até mesmo para bandidos? 62,4% concordam que sim, mas a resposta contrária teve um alto índice, em se tratando de uma área tão fundamental: 33,8% acham que não. Como se estivesse aí a solução do problema. Não está, muito pelo contrário.
Pessoas do mesmo sexo devem ter o direito de se casar? Para 65,5%, sim. Para 29,7%, não. Mas nem todos os favoráveis aprovam que esses casais adotem crianças: 62,6% sim, 34,6% não. Já no caso da legalização do uso da maconha, há equilíbrio: 55,4% são contra, mas 41,2% já se manifestam a favor.
Por coincidência, mas justamente quando uma comissão especial da Câmara tenta voltar à estaca zero e impedir o direito ao aborto até nos três casos em que já é legal (estupro, anencefalia e risco de morte para a grávida), a Ideia Big Data perguntou se mulheres que fazem aborto devem ser punidas criminalmente. Para 60%, não. Mas, para 31%, sim. Parece pouco, mas não é. Até porque os grupos contrários à descriminalização são mais organizados e têm maior poder de pressão sobre o Congresso, como as igrejas.
Numa eleição, políticos engolem suas convicções e crenças para papagaiar o que as pesquisas dizem, sobretudo as pesquisas qualitativas. O candidato defende a descriminalização do aborto? Depende. Em casa e in pectore, pode ser. Na campanha, pode ser ou não, dependendo do que os eleitores querem ouvir.
Uma pena e um desserviço, porque campanhas são para debates, divergências, confronto de ideias, e devem servir para educar cidadãos e cidadãs para a igualdade, a liberdade, a justiça e o bem comum, acima dos privilégios individuais. Políticos são líderes e líderes têm de ter coragem e responsabilidade com avanços, não com recuos populistas.
A americana Judith Butler, recebida com gritos e agressões em São Paulo (que vergonha!), avisa que pode demorar mais ou menos, mas a vitória sobre a intolerância é certa: “As pessoas querem viver com liberdade, com alegria, não com vergonha e com censura. Temos a alegria e a liberdade do nosso lado. Por isso, vamos vencer”. Amém.
Fonte: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bruxas-fogueiras,70002081336
Murillo de Aragão: O rumo dos Tucanos
Enquanto arde alta a fogueira nos bastidores do PSDB em torno da disputa entre Tasso Jereissati e Marcone Perillo pela presidência do partido e ainda ecoam os movimentos de João Doria pelo país, em em declaração exclusiva à Arko Advice, Fernando Henrique Cardoso deu o norte para o tucanato nas eleições de 2018.
Foram apenas três aspectos apontados na curta entrevista. Todos de suma importância. O primeiro deles é que o PSDB estará unido em torno de uma candidatura presidencial. Para ele e como sempre, o PSDB - depois de muitas rusgas - convergirá para o apoio majoritário em torno de um candidato.
Foi assim em 2002 com José Serra. Também o foi em 2005 com Geraldo Alckmin. Em 2010, Serra voltou a ser candidato após disputa com Aécio Neves. Em 2014, Serra ensaiou uma disputa com Aécio. Mas a vez era do mineiro. Enfim, apenas FHC se livrou de disputas para ser eleito presidente em duas ocasiões.
No momento, as rusgas do PSDB são outras. Referem-se sobre que vai comandar o partido. João Dória, cujo desempenho mediático o colocava em posição de destaque, perdeu energia. Até a infeliz declaração sobre Alberto Goldman, tudo dava certo para Dória. Não mais. Alckmin ganha terreno e tal fato é reconhecido por FHC que o considera estar melhor posicionado para ser o candidato presidencial do partido.
Na semana passada, ao participar de um evento na Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Doria defendeu a unidade do partido em torno de uma candidatura que possa fazer frente ao ex-presidente Lula (PT) e ao deputado federal Jair Bolsando (PSC-RJ).
O prefeito de São Paulo defendeu também a construção de um amplo arco de alianças para garantir um bom tempo de TV no horário eleitoral gratuito. Afirmou, ainda, que não será um agente “fracionador”. Faltou dizer que a preferência é de Alckmin.
O terceiro aspecto de relevância nas palavras de FHC é o apoio que o partido deve dar à agenda de reformas de Michel Temer. Para ele o apoio deve continuar a existir desde que o processo inclua políticas de redução das desigualdades. Porém, e como em política sem existem muitos poréns, tal condicionante termina dando uma porta de saída caso o apoio se torne eleitoralmente indesejável.
Resumindo a ópera tucana: o PSDB vai unido em torno de Geraldo Alckmin e irá tentar atrair um amplo grupo de partidos para constituir uma grande coalizão. Resta combinar com os outros e qual partido irá indicar um candidato a vice-presidente. De preferência bom de voto e do Nordeste.
Luiz Werneck Vianna: A política, os feitiços e os feiticeiros
Ainda há tempo para uma ação nacional que interrompa essa corrida às cegas rumo ao abismo
Qual o significado da campanha sem quartel para a derrubada do governo Temer vinda de círculos da direita em convergência com setores que reivindicam uma identidade à esquerda do espectro político? Certamente deve haver um. Mas qual? A esta altura parece claro que a via parlamentar não é propícia a esses propósitos, dado que o governo dispõe de folgada maioria nas duas Casas congressuais.
De outra parte, as ruas têm feito ouvidos moucos, ao menos até então, às incitações a manifestações de protesto contra o governo que lhes vêm dos meios de comunicação, em particular de sua rede mais poderosa e de ação mais capilar sobre a opinião pública, mantendo-se silenciosas. A intervenção militar, uma possibilidade teórica no quadro caótico que aí está, a quem serviria? Além de serem poucos os que a preconizam e de os militares não a desejarem, a experiência de 1964 deixou patente que as elites políticas que atuaram em favor de uma intervenção desse tipo foram logo decapitadas ou cooptadas pelo regime militar. Tais lições amargas não terão sido esquecidas, mesmo pelos que ora flertam com ela.
Então, o que é isso que temos pela frente? Dado que não é de todo plausível a hipótese de que a sociedade tenha ensandecido, como se faz demonstrar na vida cotidiana dos brasileiros que tocam sua vida no trabalho e nos estudos, em sua imensa maioria à margem de uma cena política que avaliam estar fora do seu raio de influência, o charivari nacional que nos atordoa tem sua fonte original na própria política e em suas instituições e atende pelo nome de sucessão presidencial.
Faz parte da nossa tradição republicana que as sucessões presidenciais, incluídas as que tiveram seu curso no regime militar, importem em crise, variando com as circunstâncias uma maior ou menor mobilização social suscitada por elas. Foi assim na sucessão de 1930, que pôs a nu, mais do que uma crise conjuntural, uma crise orgânica da ordem burguesa – para usar as categorias de Gramsci, um fino estudioso das crises políticas –, manifesta nas rebeliões tenentistas dos anos 20 e culminando com a Revolução de 1930, que importou a ultrapassagem do sistema agrário-exportador pelo urbano-industrial.
Igualmente na de 1955 – esta, de fato, apenas uma crise conjuntural –, assim como nas vésperas da sucessão de 1965, que prometia levar à vitória uma coalizão de centro-esquerda portadora de um programa de governo nacional popular, cujo desenlace dramático se efetivou no golpe de 1964 – outra crise de natureza orgânica. O regime militar que então se instalou veio a cumprir um programa de plena imposição do capitalismo no País, atraindo para a sua órbita o mundo agrário com políticas públicas que vieram a favorecer a emergência do agronegócio em regiões de conflitos por terra no hinterland. Fechavam-se, assim, as possibilidades, então presentes, para uma reiteração dos casos clássicos das revoluções no Terceiro Mundo que contaram com a presença decisiva do campesinato e dos trabalhadores do campo.
Nesta sucessão de 2018 não há fumaças no ar de crises orgânicas, além de estarem caindo no vazio as ordens de comando que nos chegam sem parar dos meios de comunicação que reclamam a imediata derrubada por fas ou nefas do governo constitucional. No caso, aliás, chama a atenção o fato esquisito de que a agenda da direita dita moderna, que tem sua ponta de lança em empresas de comunicação, guarda similitudes em vários aspectos com a governamental. Ademais, como notório, os atuais quadros dirigentes da economia têm sua origem no que se designa como o mercado e contam com sua confiança.
A referência ao texto de Marx sobre o 18 Brumário é batida, mas necessária, até por sua comicidade. Na França da Segunda República, duas dinastias, a dos Bourbons e a de Orleans, porfiavam em favor do retorno ao regime monárquico, mas como somente uma delas poderia beneficiar-se dessa troca de regime, acabaram tendo de se comportar como fiadoras da República de 1848 – que ambas odiavam –, enquanto uma delas não lograsse impor-se à facção rival. Desse imbróglio, como se sabe, não resultou nem República nem monarquia, mas a ordem imperial de Luís Bonaparte.
Aqui, nesta miserável conjuntura em que se vive, também os extremos que se repelem reciprocamente – a direita moderna e o PT e seus satélites – se veem compelidos a ações convergentes a fim de que na liça da sucessão, defenestrado o governo Temer, um quadro do PMDB de históricas relações com a nossa tradição republicana, só reste caminho para eles.
Contudo, como paira sobre a cabeça de um deles a ameaça real de o Judiciário tornar inviável sua candidatura, a direita dita moderna descortinaria à sua frente uma larga via aberta para seu velho projeto de se assenhorear plenamente do Estado, a fim de redesenhar a seu serviço as relações entre ele e a sociedade. Restaria o problema difícil, talvez insolúvel, de encontrar um candidato com o perfil adequado para a missão.
Mas há método nesta loucura em que estamos imersos, não estamos inteiramente à deriva sob o domínio dos fatos, pois há quem tenha a pretensão de dirigi-los. Todavia a arrogância do ator de querer submeter o destino a seus desígnios pode – como entre os gregos, que a denominavam húbris – ser considerada como um desafio aos deuses passível de punição, destinando a um outro, que se mantém em serena prudência em meio ao tumulto dessas paixões desvairadas, mesmo que não o queira, o objeto de suas ambições.
Ainda há tempo para uma ação política racional que interrompa essa corrida às cegas rumo ao abismo, sacrificando nossa incipiente democracia, que tanto nos custou, às ambições dos que perderam o fio terra com o mundo real e se entregaram às artes da feitiçaria política, esquecidos de que feitiços podem virar-se contra os feiticeiros.