crise política

O Globo: Em 500 tuítes, o que pensa Carlos Bolsonaro

Levantamento feito em perfil de filho do presidente mostra que 72,2% do que ele escreve são ataques; elogios representam somente 8,8%, e citações a atos do governo, 8,4%

Por Igor Mello e Juliana Castro, de O Globo

RIO — Filho mais próximo do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro deflagrou a primeira crise no coração do Palácio do Planalto ao usar o Twitter para atacar Gustavo Bebianno, ministro da Secretaria-Geral da Presidência. O comportamento, porém, não é exceção. O “pitbull” da família usa a rede social como uma metralhadora giratória.E não é repreendido pelo presidente por isso.

O GLOBO analisou 500 tuítes feitos por Carlos entre 15 de dezembro e 15 de fevereiro e constatou que 72,2% das postagens feitas pelo parlamentar são ataques. O alvo preferencial é a imprensa, mas também sobram bordoadas para a esquerda e até mesmo para aliados, como Bebianno.

Das 500 postagens — que incluem também publicações de outras pessoas compartilhadas por ele — 211 (ou 42,4%) criticam a cobertura da imprensa sobre o governo Bolsonaro. Ataques à esquerda (19,8%), a aliados (5,2%) e outros (4,8%) completam a lista.

Outro alvo preferencial de Carlos é a esquerda. Chamados de “bandidos”, “retardados” e “idiotas”, os opositores são ligados frequentemente à corrupção e ao atentado praticando contra Jair Bolsonaro por Adélio Bispo de Oliveira, em setembro. O maior alvo é o PSOL, mencionado por ele 21 vezes no período — o PSL, partido da família, só mereceu três citações.

Embora os ataques predominem, sobra espaço na rede social para que Carlos divulgue conteúdo institucional do governo ou elogie aliados. Os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Damares Alves (Direitos Humanos) e Santos Cruz (Governo) são alvos de menções elogiosas, assim como o guru da direita Olavo de Carvalho. Ele, aliás, provocou um dos poucos momentos de descontração de Carlos no período. O vereador postou uma foto ao lado de seu cachorro poodle na frente do computador, onde assistia uma das aulas de Carvalho.

 

Flávio esquecido
As interações com o perfil do pai e do irmão mais novo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), são frequentes — além de citá-los, o vereador costuma reproduzir seus tuítes em seu próprio perfil. Porém, o irmão mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), fica de fora de suas manifestações no período analisado.

Mesmo vendo o irmão em meio às denúncias envolvendo o ex-assessor Fabrício Queiroz e tendo suspeitas sobre sua movimentação bancária, Carlos Bolsonaro não fez nenhuma defesa de Flávio nos últimos dois meses. A única menção a ele foi lateral: o vereador compartilhou um vídeo no qual Eduardo bate boca com petistas que cobravam investigações contra Flávio no plenário da Câmara.

Carlos e Flávio cultivam rusgas desde 2016, quando o irmão mais velho teve um mal-estar durante um debate à Prefeitura do Rio e decidiu agradecer à rival Jandira Feghali (PCdoB), que o socorreu, por meio de uma nota oficial. A atitude foi motivo de críticas de Carlos e do pai.

Os dois travaram um novo round no ano passado, quando disputaram quem seria o candidato da família ao Senado. Após perder a disputa, Carlos desistiu de tentar outro cargo.

O GLOBO procurou Carlos para comentar os dados do levantamento, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.


Igor Gielow: Capital de Bebianno e governo caótico indicam problema para Bolsonaro

Homem-forte da campanha, ministro é um depositário de várias informações importantes

Na teoria dos jogos, a soma negativa é aquela situação em que todos os envolvidos acabam perdendo. É o caso do provável desfecho do episódio envolvendo o ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral), que deverá ser exonerado na segunda (18).

O que fica incerto é o capital danoso que Bebianno tem à disposição contra o governo. E uma certeza: esse é um governo caótico ao lidar com crises, o que sinaliza dificuldades à frente.

Gustavo Bebianno, que foi braço direito de Bolsonaro na campanha eleitoral - o ministro é um depositário de várias informações importantes —o termo "cadáveres enterrados" não cai bem, embora o chefe tenha determinado o fim do politicamente correto em seu discurso de posse.

A queda esperada de Bebianno é resultado de uma operação de Bolsonaro e seus filhos, no caso o loquaz Carlos, o "pitbull" do pai. A postagem republicada pelo presidente, que cristalizou uma crise que poderia ter ficado restrita ao escândalo das candidaturas laranjas doPSL reveladas pela Folha, é simbólica dos novos tempos em Brasília.

Para apoiadores de Bolsonaro na bancada do PSL na Câmara, esse padrão disruptivo deverá ser o novo normal das relações de poder. Isso pode ser até verdade, mas os riscos estão todos colocados.

A ala militar do governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), expressaram um alarme grande em relação à condução da crise.

O fato de que o usualmente falador Carlos moderou o tom de suas postagens no Twitter desde que foi instrumental para o pai humilhar publicamente Bebianno, na quarta (13), foi lembrado pelos fardados e pelo deputado como um sinal de que talvez os filhos do presidente agora deverão se comportar.

Mas o grande temor de Maia e dos militares, a existência de algum tipo de trava à tramitação da reforma da Previdência no Congresso, é ainda algo insondável. Pode ou não ocorrer.

Para os militares, em especial, o episódio representa uma confirmação de cenário. Eles foram chamados a mediar a crise, já munidos do viés contrário ao poder dos filhos do presidente.

Não deu certo, mas eles saem com um capital político ainda maior caso o desfecho da crise seja o esperado.

Fraco politicamente o governo já é, pela condução bizarra do episódio Bebianno. Militares não queriam mantê-lo por algum amor específico, assim como Maia, mas por uma percepção da "velha política" de que esse tipo de turbulência mais atrapalha do que ajuda.

O tempo dirá quem está certo, mas se Bebianno for de fato mandado à rua na segunda, o será com algum tipo de acordo ainda desconhecido. Ele sabe muito, e indicou em suas mensagens pouco discretas na imprensa, que pode comprometer o presidente.

Agora é lidar com os fatos. Havia uma certeza nos meios governistas: sem a reforma, o já frágil politicamente governo Bolsonaro naufraga ainda no porto. Parece um certo exagero típico desses momentos, mas gente do outro lado do balcão (oposição, neutros) alimenta temor semelhante.

A sexta (15) começou em clima de acordão. Mas o vazamento dos áudios no qual o presidente ordena o cancelamento da agenda de Bebianno com os "inimigos" da Rede Globo, ordem que foi adiantada pela Folha, caiu muito mal entre a ala bolsonarista que quer Bebianno longe.

Ao fim, salvo novas mudanças de rumo, parece ter prevalecido o fígado. De resto, o tal novo normal terá tido apenas seu primeiro teste, ainda fora da realidade do plenário.


João Domingos: O fazedor de crises

Na tentativa de evitar frustrações, Bolsonaro procura respostas rápidas, mas incompletas

Pelo gigantismo, pelos mais variados interesses que os circundam, pela falta de partidos que os sustentem, pelo personalismo de seus ocupantes e até por serem tocados por seres humanos falíveis como todos somos, governos são fazedores de crises políticas. No Brasil, então, de sua oficina governamental jorram problemas. O de Jair Bolsonaro, que completa 19 dias hoje, tem superado as expectativas.

Há razões para isso. Na tentativa de evitar frustrações por parte de seu eleitorado, muito ativos e de reação imediata nas redes sociais a tudo o que ocorre no governo, com promessas populistas para cumprir, como a da flexibilização da posse de armas, mas sem um plano maior de segurança montado, e com um discurso de palanque de combate à corrupção ainda ativo, Bolsonaro tenta dar algumas respostas rápidas. Na pressa, ele erra, pois são incompletas. Se é criticado, rebate. Se é rebatido, explica. Se explica, oferece argumento para os críticos. O novelo cresce.

Bolsonaro não tem um sistema de comunicação bem estruturado. Seu porta-voz ainda não começou a trabalhar. Nesse período, o próprio presidente se tornou o principal comunicador de seu governo, com respostas, ataques e contra-ataques pelo Twitter.

E tem os filhos. Bolsonaro é o primeiro presidente da História do País que tem três filhos em cargos eletivos: um deputado federal, Eduardo; um senador eleito, Flávio; e um vereador no Rio de Janeiro, Carlos. Todos eles ativos, beligerantes. Declarações de Eduardo têm causado problemas constantes, como a feita durante uma palestra, no Paraná, antes da eleição de Bolsonaro, de que para fechar o STF seriam necessários apenas um cabo e um soldado. Ou que a embaixada do Brasil será transferida de Tel-Aviv para Jerusalém. O que falta definir é a data.

Flávio, ao trazer do Rio de Janeiro para Brasília uma investigação sobre movimentação bancária atípica de seu ex-motorista Fabrício Queiroz, jogou um problema sério no colo do pai. Tal atitude forneceu à oposição munição que ela não tinha. Afinal, tanto o pai presidente quanto o irmão deputado tinham feito declaração contra o foro privilegiado. E tem o cheque de R$ 24 mil de Fabrício para Michelle, esposa de Bolsonaro, que, segundo o presidente, é parte do pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil que ele, Bolsonaro, havia emprestado ao ex-motorista, de quem era amigo.

Com tudo isso, em vez de gastar sua energia para aprovar projetos necessários para a economia, como a reforma da Previdência, ou o plano de privatização, boa parte do governo, certamente o senador Flávio e o presidente da República, vão passar o tempo dando explicações sobre o recurso. A partir de agora o Ministério Público pode recorrer ao próprio STF para derrubar a liminar de Luiz Fux. Assim, uma ação que corria no Rio de Janeiro veio parar em Brasília, queimando etapas da tramitação.

Outro fator de crises para o governo é a bancada do PSL. Entre seus parlamentares há muitos sem nenhuma experiência. Outros, voluntaristas, dispostos a defender o governo de qualquer jeito. Tem até os que são partidários da porrada para a resolução das diferenças. Quando o Congresso retomar suas funções, em fevereiro, não será nenhuma surpresa se a parte brutamontes do PSL cair em provocação das oposições e partir para a briga.

Essa bancada foi eleita com um discurso moralizador, contrário à velha política. Uma parte dela aceitou convite da China para uma visita ao País, contrariando orientação da direção partidária. Rapidamente, o filósofo Olavo de Carvalho, guru do governo de Bolsonaro e do próprio PSL, chamou os parlamentares de “idiotas” e “palhaços”. A cobrança por um comportamento diferente do partido de Bolsonaro por certo vai continuar.


William Waack: O abismo é outro

Diante do que vem aí, vencer as eleições foi só o mais fácil

Pergunta que começa com “se” não tem resposta. Por isso pode parecer inútil perguntar como teria sido a corrida eleitoral de 2018 se não tivesse ocorrido o atentado contra Jair Bolsonaro, se Lula não tivesse destruído a possibilidade de uma união inicial das esquerdas, se as forças ao “centro” do espectro político tivessem identificado lá atrás qual o eixo em torno do qual se alinhou a grande maioria do eleitorado (o repúdio ao sistema e o antipetismo).

Ocorre que o exercício do contrafactual (“o que teria sido se”) é útil, sim. Antes de mais nada, serve para demonstrar que não existe o “inevitável”. Que a política é, por definição, o terreno do imponderável e do acaso. E que escolhas feitas por agentes políticos – por Lula, Bolsonaro, Fernando Henrique, Ciro, ou quem você quiser – têm a condição de alterar o rumo das coisas dentro dos grandes limites impostos, por exemplo, pela herança do passado.

Sendo enorme a probabilidade de que o tsunami político que empurrou Bolsonaro o elegerá presidente, essa onda, “inevitavelmente”, nos conduzirá até onde? Parece evidente que esse fenômeno social e cultural (o embate político tem as características da “guerra cultural” de valores, não importa se a gente aplaude ou repudia o que Bolsonaro e o PT dizem) alterou fundamentalmente nossa paisagem política, dando cara e voz a um nutrido eleitorado antes disperso e desorganizado (estou evitando colocar rótulos).

É um eleitorado que desconfia da imprensa, da Justiça, da política e que tem medo, sente-se órfão das instituições, acha que seu esforço individual é torpedeado pelo Estado, pelos impostos, pela burocracia e por “eles” em Brasília, e encontrou uma resposta (se você gosta ou não, é outra conversa) na figura de Bolsonaro. O que eu algumas semanas atrás chamava de “choque de placas tectônicas” entre o desejo de mudança e a velha política parece ter produzido o rompimento de um dique político e abriu uma enorme avenida de oportunidade ao mesmo tempo em que levanta um ponto de interrogação igualmente enorme.

Pois sendo coerente com os princípios acima, nem está “garantido” que essa onda produza os resultados que Bolsonaro simboliza neste momento e nem sabemos que capacidade de articulação e liderança políticas ele será capaz de demonstrar – diante dos desafios e das encruzilhadas nos quais o País se encontra, vencer as eleições terá sido apenas a mais fácil de todas as tarefas.

Derrotar o petismo como agremiação política não significa derrotar as ideias que o partido defende e que, na minha opinião, estão na raiz do fato de o Brasil se encontrar perigosamente preso na armadilha dos países de renda média, ter sido complacente com corrupção, atraso e taxas horrendas de criminalidade. Essas características de mentalidade não foram inventadas pelo PT, que deve grande parte de seus sucessos eleitorais justamente por representá-las tão bem.

Essa mentalidade é o que chamei no fim do segundo parágrafo deste texto de limites impostos pela herança do passado. É neste ponto – na capacidade de rebelar-se contra os limites reconhecidos – que se destacam os verdadeiros agentes políticos da mudança e das transformações capazes de alterar o rumo de acontecimentos.

Do jeito que as coisas estão, o Brasil está à beira do perigosíssimo abismo da estagnação, paralisia e mediocridade.

Não é inevitável cair nesse abismo. Depende de escolhas humanas além daquelas que já parecem ter sido feitas pelos eleitores.


Luiz Paulo Vellozo Lucas: O mercado, a política e a cidade

O colapso do projeto de poder lulopetista levou o Brasil para uma crise que se arrasta e se aprofunda em muitas dimensões desde a reeleição de Dilma Roussef em 2014. A necessidade de reformas estruturais no estado brasileiro é reconhecida por todas as forças democráticas que trabalham na politica contra o populismo. Todos sabemos que o abismo fiscal é apenas a ponta visível do iceberg.

Um brutal déficit de confiança institucional foi gradativamente tomando conta dos três poderes e das três esferas federativas. A violência do cotidiano urbano escalou e tornou-se pavor para as pessoas de todas as classes sociais, testemunhando a derrota do sistema de segurança publica. As corporações e grupos de interesse que colonizaram o estado brasileiro vivem em permanente disputa por espaços de poder e renda capturada da sociedade. A luta pelo poder foi ficando selvagem e sem princípios ao mesmo tempo em que as fragilidades éticas e contradições do sistema político e jurídico assim como seus principais personagens foram expostas sem pudor `a sociedade perplexa e indignada.

Reconstruir a confiança no voto e nos mandatos eletivos é uma tarefa complexa e sofisticada, comparável `a reconstrução da moeda depois da hiperinflação. Não se trata de aprofundar a faxina moral de expurgo dos corruptos da política afim de purifica-la. A Operação Lava a Jato faz bem ao Brasil e deve ser apoiada mas, definitivamente, não será através dela que vamos nos salvar da crise. Acreditar na faxina moral e na cruzada contra a corrupção como caminho principal é uma perigosa ilusão que nos tira esperança no futuro e desqualifica o esforço politico no rumo das reformas e por conseguinte no resgate da confiança perdida na democracia.

Precisamos buscar inspiração na ultima grande obra de edificação institucional empreendida pela democracia brasileira que foi o Plano Real. A construção de uma moeda confiável e de um sistema de preços livres e estáveis onde a subida ou queda de preços acontecem sempre em função de variações na oferta e na demanda, pareceu ser, por dez anos desde o fim do regime militar, uma tarefa impossível. Aprendemos errando que não seria com controle de preços, com a Polícia Federal caçando boi no pasto, prendendo gerentes de supermercado e criminalizando a atividade empresarial que o Brasil sairia da hiperinflação. Foi aprendendo a confiar no funcionamento dos mercados e aperfeiçoando continuamente sua regulação que saímos da hiperinflação, construímos uma moeda estável e chegamos ao ponto de possuirmos hoje uma economia monetária moderna, integrada a economia mundial sem ameaça de crise de balanço de pagamentos. Tudo isso foi conquistado com um “hardware” econômico precário em termos de infraestrutura e grandes ineficiências sistêmicas que ainda persistem e que compõem o chamado “custo Brasil”.

Sabemos hoje que a hiperinflação não era causada por comportamentos antiéticos tais como lucros abusivos, ganância ou especulação. O padrão moral das pessoas envolvidas nas atividades de produção e comercialização de bens e serviços tampouco era o culpado pela escalada inflacionaria e pelo descontrole da economia. O Brasil soube evitar o caminho populista de culpar supostos sabotadores, especuladores ou outros vilões, reais ou fictícios, das crises de abastecimento e descontrole inflacionário para empreender a exitosa construção de mercados saudáveis a partir do Plano Real.

O voto está para a política assim como a moeda está para a economia de mercado. Ambos são os “tijolos” do sistema. Reconstruir a credibilidade do voto e a confiança nos mandatos eletivos dependem de uma reforma estrutural do sistema político e partidário em nosso país. Penso que deveríamos adotar uma estratégia gradualista, “de baixo para cima”, a partir das cidades, começando pelas eleições municipais de 2020.

O novo sistema político deveria se basear num tripé: Voto distrital para vereador, candidaturas avulsas e financiamento eleitoral privado de pessoas físicas com limites controlados. Vereadores distritais nas cidades mudarão a logica da governança nas prefeituras enobrecendo o papel das Câmaras Municipais e dando capilaridade ao poder publico local. Candidaturas avulsas, registradas a partir de petições assinadas por um percentual mínimo de 1% dos eleitores do distrito atrairão lideranças genuínas da sociedade para a vida publica promovendo uma renovação da política pela base diluindo a força das máquinas partidárias e enfraquecendo o patrimonialismo. Financiamento privado da campanha, exclusivamente por pessoas físicas, reforça o voluntariado e a dimensão comunitária da politica local. A regulamentação eleitoral e o controle pela Justiça deveriam se concentrar na prevenção e na repressão ao empreguismo e `as relações de clientela com os governos locais.

A regulamentação das regiões metropolitanas e das estruturas de governança compartilhada multimunicipais são fundamentais no sentido de conferir protagonismo e resolutividade ao poder local. Se o governo e o Congresso eleito em 2018 forem capazes de reestruturar a politica e as estruturas de governo subnacionais com logica territorial , a reconquista da confiança será imediata e o reformismo se fortalecerá.

A agenda das reformas é extensa. A reforma politica deve prosseguir com o distrital misto nos estados e em nível nacional. Se houver força politica para reformar e fortalecer o poder local, já para as eleições de 2020, as repercussões no processo reformista mais geral serão extraordinárias.
Temos que começar pela cidade. Imediatamente !

* Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro de Produção e professor universitário. Ex-Prefeito de Vitória-ES. Candidato a Deputado Federal pelo PPS-ES.


Monica de Bolle: Sai Porcina, entra Sassá

A maior parte das medidas depende do Congresso, o mesmo Congresso que tenta a sobrevivência pós outubro

Ah, os anos 80. Década de desarranjos políticos e econômicos, década perdida, de povo em desvario. Década do rock brasileiro engajado, das seleções de futebol que foram sem jamais terem ido, das telenovelas inesquecíveis. O Brasil de Temer é versão apagada dos anos 80, com pitadas próprias de surrealismo.

Em artigo para este jornal publicado em agosto do ano passado, descrevi a agenda Porcina de Temer em alusão à viúva inesquecível. Na ocasião, escrevi sobre as chances de que as reformas de Temer viessem a ser “Porcinadas”, ou, por si, nada: que permanecessem no papel e nas melhores intenções sem os votos suficientes para que fossem a lugar algum.

Como sabemos agora, esse foi o destino da controvertida reforma da Previdência, cujo enterro nem tão prematuro foi anunciado pelo governo na segunda-feira. Vale lembrar que a reforma da Previdência era o pilar de sustentação do teto dos gastos, aprovado com imenso alarde em dezembro de 2016. Disse-nos a equipe econômica na época – mas não era muito difícil chegar à mesma conclusão sem dar ouvidos a Meirelles –, que as reformas estruturais para resolver os problemas fiscais de médio prazo do Brasil seriam feitas em duas etapas, e que a Previdência era fundamental para garantir a sustentabilidade das contas públicas e a solidez da recuperação econômica brasileira.

O problema era a ideia de “duas etapas”: como argumentei em entrevistas e escrevi na época, as chances de que o teto ficasse sem o seu principal pilar eram altas. Depois do episódio no porão do Jaburu em maio do ano passado, era quase certo que a reforma da Previdência seria “Porcinada”. Algumas diluições mais tarde, cumpriu-se a profecia.

Fala-se muito que o governo Temer tirou o País da recessão, e é verdade. O problema é que o governo Temer também prometeu colocar a economia nos trilhos de modo a evitar que os desarranjos dos governos anteriores ressurgissem. Como essa promessa não foi cumprida, o quadro pós-eleições é pouco auspicioso: com as contas públicas destrambelhadas e sem reforma da Previdência, em algum momento a inflação haverá de subir, a turbulência deve voltar, os juros sairão de seu patamar historicamente baixo, e a recuperação esmorecerá. Mas para impedir que muita reflexão seja feita sobre os desmandos permanentes do País, Temer tirou Porcina de cena e a substituiu por Sassá Mutema. Lembram-se dele, o Salvador da Pátria? Sassá era ingênuo boia-fria que acaba sendo usado e manipulado por experientes políticos da fictícia cidade de Ouro Verde.

Enterrada a agenda Porcina, inaugurou Temer com a anuência de seus ministros a agenda Sassá, cujo conteúdo resume-se a retalhos de medidas com a única intenção de desviar a atenção do grave quadro fiscal não resolvido. A açodada agenda Sassá vislumbra a reforma do PIS/Cofins que provavelmente não irá a lugar algum; a privatização da Eletrobras; o aperfeiçoamento do cadastro positivo para reduzir os juros do crédito ao consumidor – déjà vu; o fim do fundo soberano que, na verdade, já não existe faz tempo; a reoneração da folha de pagamentos, que tampouco haverá de prosperar em final de governo; a autonomia do Banco Central, perdida em meio aos farrapos do anúncio.

A maior parte das medidas da agenda Sassá depende da aprovação do Congresso, o mesmo Congresso que estará mais do que ocupado tentando garantir sua sobrevivência pós-outubro. Ainda que fosse possível imaginar que parte das medidas teria alguma chance de aprovação, é equívoco achar que a lista é "plano B" para a reforma da Previdência, como alguns têm se referido a ela. Plano B seria se atacasse os desequilíbrios fiscais de forma menos eficaz do que a reforma que morreu. Não à toa, a agenda Sassá não agradou os mercados ou as agências de risco que ainda não rebaixaram novamente a nota soberana do Brasil como fez a S&P há pouco tempo.

Não à toa, a agenda Sassá deixa em evidência o conflito de se ter uma equipe econômica encabeçada por um ministro presidenciável, ministro que dia desses falava sobre as vicissitudes do tamanho do Estado afirmando que estaria ele desvirtuando os valores das famílias, “ocupando o lugar das igrejas, das comunidades, das organizações comunitárias”. Compreenderam? Eu também não. Viva Sassá.

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

 


El País: Assim o Carnaval 2018 recuperou o espírito crítico com a classe política no Brasil

As críticas à situação do país passam das ruas aos sambódromos, com enredos que atacam diretamente figuras políticas e medidas do Governo

crise política brasileira não deu trégua neste Carnaval. Não apenas na rua, como era mais comum nos outros anos, mas também nos sambódromos do Rio e de São Paulo. As escolas de samba levaram para a avenida neste ano críticas sociais contundentes e muito diretas. O caso mais marcante foi o da Paraíso do Tuiuti, agremiação nascida no morro de mesmo nome, em São Cristovão, no Rio, que surpreendeu o público durante o desfile de domingo à noite e conseguiu enorme repercussão nas redes sociais. Com o samba enredo Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão? a escola criticou as condições de trabalho no país e, de quebra, o atual Governo, responsável pela reforma trabalhista aprovada no ano passado.

Thiago Monteiro, diretor de Carnaval da escola, explica ao EL PAÍS que o enredo foi escolhido por concurso. “O objetivo era tratar da exploração do homem pelo homem. Não só da escravidão negreira, mas dessa exploração que se estende por séculos, passando pelos egípcios, celtas, romanos e que continua nos dias atuais. Fazer uma pessoa trabalhar uma jornada de 12 horas, como as costureiras, por um salário às vezes abaixo do mínimo e com direitos mitigados, é perpetuar esse sistema”, diz.

Se a comissão de frente da escola trouxe O grito da liberdade, mostrando escravos saídos da senzala açoitados, o último carro veio com um vampiro vestido com a faixa presidencial, que lembrava Michel Temer. Ele estava em cima do carro chamado neo tumbeiro, ou seja, um navio negreiro dos tempos atuais. Na avenida foram ouvidos gritos de "Fora, Temer", relatou o jornal O Globo. Entre o último e o primeiro carro, o desfile de 29 alas e 3.100 componentes ainda trouxe os manifestoches, integrantes vestidos de verde e amarelo, cor que marcou os protestos a favor do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, sendo manipulados por uma mão invisível e encaixados em patos amarelos, símbolo das reclamações contra o antigo Governo feitas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Eles carregavam nas mãos panelas, outro símbolo dos protestos.

“Como falávamos da exploração do homem pelo homem queríamos incluir a mitigação dos direitos sociais. Através dos patinhos você representa uma situação anterior na qual os direitos eram bem protegidos e a partir do momento em que uma nova ordem política toma o país você tem novas reformas que, na ótica da escola, tiram direitos sociais de uma parcela da população. A escola quis questionar se quem pediu essa mudança não é também vítima. Essa pessoa que foi para a rua não tem esses direitos cortados também?”, explicou Monteiro.

Desfile da Mangueira, que retratou o prefeito do Rio.ampliar foto
Desfile da Mangueira, que retratou o prefeito do Rio. LEO CORREA AP

As críticas explícitas da Paraíso do Tuiuti deixaram em silêncio os comentaristas da TV Globo, que transmite ao vivo os desfiles de Carnaval. Enquanto as alas anteriores eram explicadas em detalhes, a dos manifestoches recebeu um rápido e único comentário de "manipulados, fantoches", logo cortado para um "Jú, 120 [centímetros] de quadril", em referência à passista mostrada em seguida na imagem. Nas redes sociais, a escola foi louvada pela "coragem" das críticas. “No pré-Carnaval, quando foi divulgado o tema do enredo, já tivemos uma repercussão interessante, mas esta repercussão muito grande após o desfile nos surpreendeu. Estamos muito felizes”, destacou o diretor de Carnaval. Mas houve também quem, na Internet, considerasse o desfile um "desserviço" digno de rebaixamento.

Mais críticas

A Mangueira também trouxe, nesta primeira noite de desfiles do Grupo Especial carioca, uma crítica direta ao atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que apareceu representado em um dos carros alegóricos como um boneco de Judas, do tipo que é malhado no Sábado de Aleluia. O boneco do político evangélico era acompanhado da frase: "Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval". A escola fazia críticas ao corte, por parte da Prefeitura, da metade da verba destinada às escolas de samba e tinha como enredo "Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco". A Beija-Flor, que desfila na noite desta segunda, também trará um Carnaval político para a Sapucaí. Com o enredo Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu deve abordar o descaso com crianças e adolescentes pobres, fazendo uma conexão com a corrupção. Em São Paulo, também houve crítica política, com a volta da X-9 Paulistana ao Grupo Especial, no sábado —o carro A Casa da Mãe Joana trouxe políticos, alguns com a faixa presidencial, e juízes representados sujos de lama e com malas de dinheiro e notas na cueca.

Leonardo Bruno, colunista do jornal Extra e jurado do Estandarte de Ouro, prêmio extraoficial do Carnaval do Rio, acredita que as escolas de samba nunca tiveram muito esse papel de serem tão criticas à sociedade, algo, para ele, mais incorporado pelo Carnaval de rua. "As escolas sempre tiveram uma característica diferente, tanto é que o samba enredo é considerado uma música de gênero épico, que narra os grandes acontecimentos, as grandes conquistas, as grandes realizações", destaca ele. "Agora, por outro lado, o que a gente observa é que nos momentos de maior convulsão, quando a sociedade está mais necessitada de dar um grito contra alguma coisa, elas aparecem representando esse papel de crítica social e política", acredita ele.

Ele destaca que isso foi visto em outros dois momentos na história das escolas. Um, na virada dos anos 60 para 70, auge da ditadura militar no Brasil. Três enredos marcantes, nesta ocasião, falavam sobre a liberdade. O primeiro, em 1967, quando a Salgueiro desfilou A história da liberdade no Brasil. Dois anos depois, em 1969, a Império Serrano falou sobre os Heróis da Liberdade. E, no Carnaval de 1972, a Vila Isabel levou o enredo Onde o Brasil aprendeu a liberdade. Era um momento em que a censura estava no auge e as escolas deram vazão a esse grito represado pela liberdade.

Em meados dos anos 80, destaca ele, a Caprichosos de Pilares e a São Clemente também falaram sobre o momento conturbado da abertura política no Brasil, quando o povo ainda não votava. Elas levaram para a avenida o grito de Direitas Já! e usavam faixas falando sobre a Constituinte. "Eram enredos muito críticos para a época", relembra Bruno. Houve também, em 1989, o célebre desfile da Beija-Flor, em que Joãosinho Trinta produziu um Cristo mendigo, para criticar a pobreza, mas a alegoria acabou proibida pela Justiça, a pedido da Igreja. Já no final da década de 90 e nos anos 2000, quando o país viveu mais estabilidade política e econômica, os enredos críticos foram mais deixados de lado, ressalta o jornalista. "Temos que pensar como sociedade em que momento estamos como país, porque as escolas refletem o que se passa nas ruas. Para essas críticas terem chegado à Sapucaí é porque o momento é de uma crise muito grande. As escolas de samba, em geral, são o último ponto onde chega essa voz crítica, elas resistem muito. É um momento de convulsão em todos os níveis de Governo."


Eliane Cantanhêde: O ano da foto

Nenhum poder escapou, mas a marca de 2017 é a foto do apartamento de R$ 51 mi

O ano de 2017 acaba hoje sem choro nem vela, deixando para a história duas denúncias da Procuradoria-Geral contra o presidente da República, o fim da impunidade de décadas do deputado Paulo Maluf, a primeira condenação do ex-presidente mais popular da redemocratização e a inclusão do presidente do PSDB no redemoinho moral. Nada, porém, marca tanto o ano quanto as fotos e vídeos da corrupção. Mais do que a foto do ano, tivemos em 2017 o ano da foto.

Qualquer retrospectiva política de 2017 mostra, forçosamente, as fotos de malas e caixas entupidas de R$ 51 milhões no apartamento do baiano Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Dilma Rousseff e de Michel Temer. E o vídeo da Polícia Federal com a corridinha ridícula do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures carregando uma mala com R$ 500 mil em São Paulo?

Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Essas duas imagens, de um didatismo impressionante, expõem e chocam mais do que as milhões de páginas das delações premiadas que traçam a trajetória da corrupção desde os palácios da República até os bolsos, malas, contas, apartamentos, paraísos fiscais, joias, obras de arte, mansões, jatinhos, iates e festas.

Quem se esbaldou na festa sabe como funciona e, por isso, os relatos objetivos de Emílio e Marcelo Odebrecht e a carta adjetiva de Antonio Palocci ao seu partido, o PT, extrapolam qualquer ficção. Nessa oficialização pública do rompimento, um aviso prévio sobre o poder demolidor de sua delação premiada, Palocci foi direto ao ponto, ou direto a Lula.

“Um dia, Dilma e Gabrieli (ex-presidente da Petrobrás) dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimônias, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o País construiu em toda nossa história”, escreveu Palocci, ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma.

Em 2017, porém, o PT deixou de navegar sozinho nas revelações sobre os mares fétidos da corrupção que corroeu as finanças e a credibilidade da Petrobrás e se estendeu pelas estatais, fundos de pensão, empréstimo consignado, Estados e municípios. O PMDB, agora na Presidência da República, virou o principal alvo da PGR. O PP foi quase dizimado. E Aécio Neves empurrou o PSDB para o fundo desse poço.

Foi dessa competição em águas turvas que emergiu para as eleições de 2018 a figura controvertida de Jair Bolsonaro, o deputado com vários mandatos na Câmara que diz renegar a política, o militar fora do Exército há um quarto de século por situação beligerante e que se apresenta como militar.

E 2017 termina com Michel Temer errando a mão no indulto de Natal por motivos nada nobres, recuando no projeto do trabalho escravo e prometendo o que, talvez, não consiga entregar: a reforma da Previdência. Mas termina também com o Supremo, que passou o ano sob vaias, recebendo aplausos pela liminar justamente contra o indulto de Temer. (Registro: enquanto os ministros do STF se dividiam ao meio e ao vivo diante das questões essenciais, juízes se estapeavam pelo País para manter privilégios que agridem a Constituição.)

Temos, então, que o PT não está mais sozinho nas profundezas da Lava Jato e seus desdobramentos, nem o Legislativo está mais sozinho como vilão entre as instituições nacionais, agora disputando com o Executivo e o Judiciário. No ano da foto, portanto, houve uma democratização de alvos na maior e mais extensa operação de depuração política, ética e moral da história. Resta saber qual o resultado de tudo isso. As eleições estão aí para isso.

Felicidade, alegria e sobretudo bons votos em 2018!

 


Eliane Cantanhêde: Coleção de erros

Ao colecionar erros na reforma da Previdência, Temer sofreu sua pior derrota

O governo colecionou erros na condução da reforma da Previdência e foi punido ontem com a sua maior derrota desde a posse, em maio de 2016. Ao adiar a votação na Câmara para 19 de fevereiro, foi obrigado a reconhecer que não tem os 308 votos necessários e aumentou a percepção de que, se não aprovou em 2017, não aprova mais.

O primeiro erro, sobretudo do próprio presidente Michel Temer, foi o salto alto. Após derrubar as duas denúncias da PGR na Câmara, Temer, que já presidiu a Casa três vezes, achou que seria capaz de aprovar qualquer coisa. O céu era o limite.

Essa arrogância – até compreensível para quem esteve acuado, sofreu um bocado e teve de lutar como um leão durante meses – foi reforçada pela lista de vitórias importantes do governo no Congresso, como a reforma trabalhista, o teto de gastos, a revisão do teto, a mudança do sistema de exploração do pré-sal e a reforma do ensino médio.

Depois de tantas vitórias e de tantos votos, como ele poderia perder justamente no seu projeto mais caro, o centro do seu programa de governo, a sua maior expectativa como legado à História? Pois é. Poderia perder perdendo e agora sem perspectiva de mudar esse quadro num ano eleitoral particularmente instável e desestabilizador.

O segundo erro do governo foi confiar tanto na sua obesa base aliada quanto nos seus instrumentos de “convencimento”. A base estava exaurida, depois de enfrentar os holofotes e microfones votando contra as denúncias da PGR. E os instrumentos já tinham sido esgotados exatamente para salvar o pescoço de Temer nas duas votações. Desde o início, os deputados repetiam: “Já dei minha cota de sacrifício com as denúncias. Agora, chega”.

O terceiro erro foi acreditar no programa e na índole reformista do PSDB, considerado essencial para mudar as regras da aposentadoria. Apesar de seus ministérios, o partido não apenas infernizou a vida de Temer como lhe puxou o tapete na hora decisiva. O discurso era “saímos do governo, mas votamos a favor da reforma”. Era conversa pra boi dormir e agradar ao mercado. Os tucanos foram pulando fora tanto dos cargos quanto do compromisso com a reforma.

O quarto erro foi esticar demais o discurso de que a votação seria neste ano, quando todo mundo sabia que seria praticamente impossível. Obcecado pela reforma, Temer demorou a jogar a toalha. Coube ao líder Romero Jucá mostrar que o rei estava nu.

O último erro foi de comunicação. Quem rastrear de onde parte a campanha contra a reforma vai perceber que não é “do povo”, nem “dos trabalhadores”, nem mesmo das grandes confederações, só dos partidos de oposição e das corporações do funcionalismo público. Exemplo: a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, recebe mais de R$ 30 mil de aposentadoria como magistrada. Será que os magistrados querem mesmo uma reforma para acabar com a mamata e garantir a aposentadoria da maioria dos trabalhadores do INSS?

A propaganda contra a reforma é paga por associações, frentes e organizações de auditores e outras carreiras de Estado. O governo demorou a perceber e mais ainda para reagir. A última peça de publicidade a favor da reforma é boa, mas veio tarde demais. Agora, só rezando para o País e o Congresso amanhecerem diferentes em fevereiro. Será?

Deixa pra lá. O CNJ adia para 2018 tanto a publicação dos supersalários quanto a ratificação de penduricalhos como o auxílio-moradia. A gritaria estava ensurdecedora.

Cara de pau 2. No rastro do amigão Lula, Sérgio Cabral usou seu depoimento, ontem, como palanque, reclamou de uma perseguição “kafkiana” e reduziu tudo a caixa 2. Caixa 2, porém, foi o mais singelo crime de Cabral e sua mulher.

 


O Estado de S. Paulo: Exército destitui general que criticou governo Temer do cargo de secretário

Militar, secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército, havia afirmado que presidente Temer faz do governo um 'balcão de negócios'

Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Exército comunicou neste sábado ao ministro da Defesa, Raul Jungmann, a destituição do general Antonio Hamilton Mourão do cargo de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército depois que ele afirmou que o presidente Michel Temer faz do governo um “balcão de negócios” para se manter no poder.

Mourão vai ficar sem função à espera do tempo de ir para reserva, em março de 2018. Para o lugar dele, o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, indicou o general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira.

Em palestra a convite do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), no Clube do Exército, em Brasília, na quinta-feira, o general Mourão elogiou a pré-candidatura presidencial do deputado e capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Também voltou a fazer uma defesa da intervenção militar como solução para a crise política no Brasil.

“Não há dúvida que atualmente nós estamos vivendo a famosa Sarneyzação (em referência ao ex-presidente José Sarney). O nosso atual presidente vai aos trancos e barrancos buscando se equilibrar e mediante o balcão de negócios chegar ao final de seu mandato”, disse o general.

Em setembro, Mourão falou três vezes na intervenção militar enquanto proferia uma palestra na Loja Maçônica Grande Oriente, também em Brasília: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”. Apesar da repercussão negativa, o ministro da Defesa e o comandante do Exército acertaram que não haveria punição ao oficial. No governo Dilma Rousseff, ele fez críticas à então presidente e perdeu o comando direto sobre tropas do Sul, passando a ocupar o cargo atual de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército, de ordem administrativa.

O militar foi questionado sobre o que e o alto generalato pensavam sobre a pré-candidatura do deputado Bolsonaro. Mourão respondeu em sinal de apoio ao parlamentar, que saiu em sua defesa quando ele proferiu a palestra em setembro e escapou de punição.

“O deputado Bolsonaro já é um homem testado, é um político com 30 anos de estrada, conhece a política. E é um homem que não tem telhado de vidro, não esteve metido aí nessas falcatruas e confusões. Agora, é uma realidade, já conversamos a esse respeito, ele tem uma posição muito boa nessas primeiras pesquisas que estão sendo feitas, ele terá que se cercar de uma equipe competente, ele terá que atacar esses problemas todos, não pode fazer as coisas de orelhada, e obviamente, nós seus companheiros dentro das Forças olharmos com muito bons olhos a candidatura”, declarou.


O Estado de S. Paulo: General acusa Temer de fazer balcão de negócios, elogia Bolsonaro e volta a defender intervenção

'Presidente vai aos trancos e barrancos buscando se equilibrar e mediante o balcão de negócios chegar ao final de seu mandato', diz Mourão

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O general da ativa Antônio Hamilton Martins Mourão afirmou que o presidente da República, Michel Temer, faz do governo um balcão de negócios para manter-se no poder e elogiou a pré-candidatura presidencial do deputado e capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (PSC-RJ). A Constituição estabelece que as Forças Armadas são, em última instância, subordinadas ao presidente. Ele também voltou a fazer uma defesa da intervenção militar como solução para a crise política no Brasil durante palestra proferida nesta quinta-feira, em Brasília.

“Não há dúvida que atualmente nós estamos vivendo a famosa Sarneyzação (em referência ao ex-presidente José Sarney). O nosso atual presidente vai aos trancos e barrancos buscando se equilibrar e mediante o balcão de negócios chegar ao final de seu mandato”, disse o general.

Em setembro, Mourão falou três vezes na intervenção militar enquanto proferia uma palestra na Loja Maçônica Grande Oriente, também em Brasília: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”. Apesar da repercussão negativa, o ministro da Defesa, Raul Jungmann (PPS), e o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, acertaram que não haveria punição ao oficial. No governo Dilma Rousseff, ele fez críticas à então presidente e perdeu o comando direto sobre tropas do Sul, passando a ocupar o cargo atual de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército, de ordem administrativa.

Na quinta-feira, Mourão discursou a convite do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma). Gravações da íntegra da palestra foram divulgadas na internet por grupos de direita defensores de uma intervenção das Forças Armadas.

“Se o caos for ser instalado no País, e o que a gente chama de caos, não houver mais um ordenamento correto, as forças institucionais não se entenderem, não chegarem a uma conclusão daquilo que tem que ser feito, terá que haver um elemento moderador e pacificador nesse momento, atuando exatamente dentro dos três pilares que foram colocados pelo nosso comandante. Mantendo a estabilidade do País e não mergulhando o País na anarquia, agindo dentro da legalidade, ou seja, dentro dos preceitos constitucionais e dos nossos objetivos nacionais permanentes e usando a legitimidade que nos é dada pela população brasileira”, afirmou.

O militar foi questionado sobre o que e o alto generalato pensavam sobre a pré-candidatura do deputado Bolsonaro. Mourão respondeu em sinal de apoio ao parlamentar, que saiu em sua defesa quando ele proferiu a palestra em setembro e escapou de punição.

“O deputado Bolsonaro já é um homem testado, é um político com 30 anos de estrada, conhece a política. E é um homem que não tem telhado de vidro, não esteve metido aí nessas falcatruas e confusões. Agora, é uma realidade, já conversamos a esse respeito, ele tem uma posição muito boa nessas primeiras pesquisas que estão sendo feitas, ele terá que se cercar de uma equipe competente, ele terá que atacar esses problemas todos, não pode fazer as coisas de orelhada, e obviamente, nós seus companheiros dentro das Forças olharmos com muito bons olhos a candidatura”, declarou.

Ao falar sobre cenários de ameaças transnacionais à estabilidade do País, Mourão disse que o Brasil tem um “povinho meio complicado” e fez uma crítica geral à classe política. Ele também condenou tentativas de mudança de regime em momentos de “instabilidade”. O presidente Temer defende a troca do presidencialismo para o parlamentarismo ou semipresidencialismo.

“Os políticos são escravos das pesquisas de opinião, sem compromisso com ideologia, ressalvado aquele núcleo duro ainda está no século 19, no manifesto comunista. Os conceitos de esquerda e direita estão abraçados na corrupção. Temos ladrões de esquerda e ladrões de direita”, disse. “Instabilidade dos regimes Toda hora vamos trocar o regime para ver se o Brasil melhora.”

Procurada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República não se manifestou a respeito das declarações do general e disse que o governo ainda não havia tratado do caso.

 


Míriam Leitão: Além da Lava-Jato

Estamos há três anos e oito meses vivendo diariamente os efeitos da Lava-Jato. Ela tem números impressionantes e uma coleção de fatos inéditos, mas o país foi se acostumando com as operações frequentes, as revelações e as prisões. Esta semana, os procuradores federais em três estados alertaram que será preciso mais do que o trabalho que eles estão fazendo para o país ter sucesso no combate à corrupção.

Do encontro das forças-tarefas da Lava-Jato de Curitiba, Rio e São Paulo surgiu uma carta e manifestações públicas dos procuradores com vários recados. Um deles é que nenhum integrante da Lava-Jato pensa em se candidatar a cargo algum. Isso não foi escrito, mas foi dito e serve para tirar a sombra que de vez em quando é levantada contra eles.

O recado mais importante é que não basta tudo o que aconteceu para que o país vença o crime que contamina a política brasileira. Não basta que 416 pessoas tenham sido acusadas pelo crime de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa e que 144 réus tenham sido condenados a penas que, se forem somadas, dão 2.130 anos. Não basta a investigação ter atingido pessoas icônicas, ou ter colocado na cadeia líderes empresariais e políticos. Não basta terem sido deflagradas 64 fases da Operação. É preciso mudar as leis para prevenir a continuidade do crime.

Em todos os países onde houve avanço no combate à corrupção, leis foram mudadas. As investigações mostraram as brechas e as maneiras pelas quais o sistema se corrompia, os culpados foram punidos, e a legislação foi alterada para se impedir a repetição. No Brasil, por mais eloquentes que sejam os números, a proposta assinada por dois milhões e trezentas mil pessoas foi rejeitada pelo Congresso e são frequentes as tentativas de piorar as leis, em vez de aperfeiçoá-las.

Na entrevista conjunta dada no Rio, as forças-tarefas do Ministério Público Federal no Rio, São Paulo e Curitiba avisaram que estão unidas e farão operações conjuntas em 2018. A notícia é auspiciosa. No ano que vem haverá a “batalha final”, nas palavras do procurador Deltan Dallagnol. Ele se referia às eleições, porque “lideranças corruptas são incapazes de fazer reformas anticorrupção”. Mas contra esse inimigo não existe uma batalha final.

O Rio conhece o resultado dessa união. Foi exatamente da colaboração entre o MPF em Curitiba e o MPF no Rio que saiu a Operação Calicute, depois deixada por conta da equipe fluminense. No dia 17 de novembro do ano passado, a Polícia Federal bateu na porta do ex-governador Sérgio Cabral com dois mandados de prisão, cada um assinado por um juiz: Sérgio Moro e Marcelo Bretas. Foi exatamente porque os procuradores souberam superar o jogo de vaidades, ou de disputa territorial que às vezes dividem as forças do Estado, que tudo deu tão certo. A Calicute nasceu da Lava-Jato e se tornou uma força em si. Se tudo dependesse apenas de um grupo do MP, no caso o de Curitiba, o país não iria muito longe, porque o crime está disseminado e com focos importantes em alguns estados, como o Rio.

Essa demonstração de união é importante diante da sequência de tentativas de enfraquecer a operação. Os procuradores lembraram que apesar de tudo o que aconteceu, de todas as revelações e denúncias, os partidos não afastaram os políticos envolvidos. “Pelo contrário, a perspectiva de responsabilização de políticos influentes uniu grande parte da classe política contra as investigações e os investigadores", diz a Carta. Aliás, esse é o único tema capaz de unir políticos da oposição e do governo.

O procurador Carlos Fernando falou em “macro” corrupção. Na hiperinflação aprendemos que ela não era só uma inflação mais alta, era outro fenômeno. A escala muda a natureza e a resistência do problema. Por isso faz todo o sentido o chamado do Ministério Público na Carta do Rio. Eles quiseram dizer que, por mais unidas que estejam as forças-tarefas, a renovação da política será feita pelo voto e não pelos próprios políticos ou partidos, que é preciso com normas legais fechar algumas brechas pelas quais o problema se reproduz, e é fundamental a sociedade estar atenta a cada movimento que tenta paralisar o processo de combate à corrupção. A Lava-Jato já fez muito, mas o país terá que fazer ainda mais se quiser avançar. Esse foi o recado dos procuradores.