crise política

Míriam Leitão: No centro da crise que devasta o país

A incapacidade de sentir a dor do outro e de viver o elo que liga uma pessoa ao seu próximo. Essa é a característica mais marcante da personalidade do homem que governa o Brasil. Foram muitos os erros que ele cometeu nestes meses do nosso desterro. Vivemos um exílio diferente, porque estamos apartados das virtudes que admiramos no país. Jamais saberemos quantas vidas teriam sido poupadas entre as 100 mil que perdemos se fosse outra a liderança. Carregaremos as dúvidas. Milhares de dúvidas. Dessa falta de sentimento humanitário, surgiram as frases ofensivas como o “e daí?” e o “eu não sou coveiro”.

Os coveiros trabalham duramente, em condições difíceis, em turnos dobrados, sob risco de contaminação em enterros sem choro e sem flores. O luto não tem cerimônia. Fica cravado no peito de cada um. Os que perderam as pessoas que amavam não puderam ser consolados. Não há mais abraços no mundo. Os coveiros viram. A esses profissionais, todo o respeito. Sim, o presidente não é coveiro. Ele não teria a grandeza de ajudar alguém em momento terminal.

Toda vez em que concedeu a frase “lamento as mortes” soou falso, porque era falso. Era seguida de adversativas e da platitude de que todos morreremos. Os médicos e os enfermeiros lutam diariamente para manter a vida, mesmo sabendo do destino final de cada um. Essa é a grandeza de quem trabalha com a sáude humana. Eles, elas podem se olhar no espelho e dizer: hoje venci várias vezes a luta desigual contra a morte. Às vezes, o preço é a própria vida, como a do jovem neurocirurgião Lucas Augusto Pires.

Foram muitas as demonstrações de falta de empatia e de compaixão nestes dolorosos meses. Não há mais o que esperar. Nem em sentimentos, nem em capacidade de liderar o país no meio de uma tragédia. Ele falhou completamente.

A falha cotidiana foi passar a mensagem perigosa de que não era necessário se proteger. A transferência de recursos aos estados e municípios não foi favor, o dinheiro é dos pagadores de impostos. O governo federal adiou o que pôde, com manobras regimentais, com deliberados atrasos burocráticos. Isso custou vidas humanas.

A ajuda às pessoas não foi concessão dele. A proposta saiu do executivo depois de muita pressão dos formadores de opinião, e no Congresso o valor foi elevado. A execução foi desastrosa, com as filas de pessoas lutando por seus direitos e a multiplicação dos casos de fraudes. Montou-se um sistema que negava o auxílio a um bebê porque não tinha CPF, mas entregava o dinheiro a uma pessoa rica sem averiguar sua renda. As linhas para sustentar as empresas em colapso foram tão tardias que falharam.

O governante inúmeras vezes usou a imagem da presidência para vender a ilusão da pílula mágica, produzida aos milhões nos laboratórios do Exército. Criou um tumulto administrativo no Ministério que coordena as ações da saúde. Convocou seus seguidores a invadir hospitais para perseguir a delirante versão de que era mentira a ocupação dos leitos. Quis suprimir os números das mortes. São muitos os crimes. Sim, a palavra é esta: crime.

Ele ofendeu e ameaçou governadores e prefeitos que se preocuparam em proteger a população, criou uma confusão na mensagem para as famílias, manipulou sentimentos conflitantes em um tempo difícil para alimentar a mentira de que não era o responsável. Numa federação e no presidencialismo não há quem substitua o presidente no trabalho de coordenação no enfrentamento de um flagelo coletivo. Isso custou muitas vidas.

Sua atenção esteve em uma pauta estrangeira à vida. Quer armar a população, aumentar o acesso a instrumentos de morte, tirou exclusividades das Forças Armadas em determinados armamentos mais poderosos. Eliminou legislação que permitia o rastreamento. Armas, armas à mão cheia. Esse é o lema do homem que governa o Brasil.

O presidente conspirou contra a democracia. Nos gabinetes fechados e à luz do dia. Estimulou aglomerações de manifestantes contra os poderes da República e alimentou milícias virtuais com ataques às instituições. Gritou ofensas e ameaças. Tudo isso enquanto os brasileiros tentavam se proteger de um inimigo mortal. Conseguiu duplicar as ameaças que pairavam sobre nós. Por semanas seguidas, o país teve que lutar pela vida e pela democracia. O nome disso também é crime. Crime de responsabilidade. Deveria ser punido com seu afastamento da Presidência. Ele não merece a cadeira que ocupa.


Foto: Beto Barata\PR

O Globo: Manifesto une personalidades da esquerda à direita a favor da democracia

Manifesto Estamos #Juntos foi publicado neste sábado em jornais e em uma plataforma criada para recolher assinaturas

RIO - Um grupo de artistas, políticos, intelectuais, cientistas, organizações, empresas e pessoas de diferentes setores da sociedade se uniu em "defesa da vida, da liberdade e da democracia". O movimento Estamos Juntos, que já conta com mais de 6 mil assinaturas da esquerda à direita, divulgou um manifesto em jornais neste sábado, incluindo O GLOBO, exigindo que autoridades e lideranças políticas exerçam seu papel diante da crise sanitária, política e econômica que atravessa o país.

O escritor e colunista Antonio Prata, um dos organizadores do movimento, explica que a intenção do movimento e do manifesto é aglutinir personalidade, políticos e cidadãos de diferentes setores da sociedade e matizes ideológicos em defesa das instituições e contra um golpe contra a democracia.

Temos Freixo, Fernando Henrique Cardoso, Boulos e Armínio Fraga no mesmo movimento. A intenção é barrar a ideia de um golpe. Eduardo Bolsonaro disse que não é uma questão de se, mas de quando. Bolsonaro passou a vida defendendo a ditadura e um golpe. Precisamos voltar a discordar dentro do rinque que é a democracia - conta Prata.

A ideia do movimento surgiu após um grupo de autoras e atrizes do Rio de Janeiro, encabeçado pela roteirista Carolina Kotscho, se unirem para fazer uma nota de repúdio às declarações da então secretária nacional de Cultura, Regina Duarte. Em entrevista à "CNN Brasil", a atriz minimizou os casos de tortura e as mortes causadas pela ditadura militar no país.

O movimento cresceu e ganhou aderência de diversos setores.

A lista inicial conta com nomes que vão desde o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) ao cantor Lobão. O manifesto reúne personalidades como o apresentador e empreendedor Luciano Huck, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a economista Elena Landau, o ex-ministro da Educação Renato Janine, o advogado criminalista Antonio Cláudio Mariz e o escritor Antonio Prata.

De acordo com o manifesto, "como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum. Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia".

A esquerda vem falando muito só a esquerda. A ideia é ter um manifestado de frente ampla. 70% da população rejeita Bolsonaro. Há um discurso que é muito conveniente para o Bolsonarismo de que existe uma luta entre o bolsonarismo e a corrupção petista. De que só existem esses dois polos na sociedade. Se você não está com Bolsonaro, você é favor da corrupção. Não é verdade - diz Prata, que adianta que há outras inúmeras ações sendo pensadas: - Vamos fazer um festival de música - uma espécia de Virada Democrática - em transmissão online para dar visibilidade e aglutinir ainda mais pessoas para essa luta.

A economista Elena Landau destaca que o projeto é um movimento amplo para afirmar que o cenário de autoritarismo e corrupção não vai ser visto como um novo normal:

— O objetivo é a união acima de questões partidárias para barrar essa trajetória de autoritarismo e corrupção moral. Estamos dizendo que não vamos normalizar a barbárie. Bolsonaro criou um país onde não nos reconhecemos mais.

O ex-ministro da Educação e cientista político Renato Janine Ribeiro conta que decidiu apoiar o manifesto "ao lado de todos que estão contra essa divisão entre direita e esquerda e se unem pela democracia".

O mais importante é o que nos une e não o que nos separa. E para lutar contra a barbárie é preciso se unir com todos que são contra ela. Só assim podemos salvar a democracia no Brasil, que está seriamente ameaçada. Espero que esses manifestos mostrem que a maioria da população está a favor da democracia e dos direitos humanos. Eles podem ajudar a mostrar que a maioria da sociedade apoia esses valores.

Já o Antonio Claudio Mariz de Oliveira, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) e advogado criminalista, diz que o presidente Jair Bolsonaro não tem mais condições de governar e que é preciso reverter esse quadro

É preciso agir para reverter esse quadro e a sociedade civil tem a palavra escrita ou oral como arma. Amanhã também será divulgado o manifesto Basta!, assinado por profissionais do Direito, que vai na mesma direção. O presidente Jair Bolsonaro perdeu a condição de governar o país. Está implantando uma intolerância raivosa e qualquer um que tenha opinião divergente dele vira inimigo, ao contrário do se entende por democracia. Esses manifestos podem ajudar o país dando voz aos cidadãos. É o que está ao nosso alcance. Se isso vai levar a um resultado A ou B, não sabemos. Mas o importante hoje é falar. É obrigação dos cidadãos. Inércia é cumplicidade.

O movimento pede a união dos setores democráticos da sociedade, apesar das ideias diferentes.

“Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança. Vamos juntos sonhar e fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiro”, diz o manifesto.

Segundo a cantora Zélia Duncan, que também aderiu ao movimento, o objetivo comum "é o verdadeiro desejo de ver o Brasil livre do que está acontecendo e poder retomar alguma ideia de civilização".

O que acontece é que os fascistas não têm escrúpulos. É muito mais fácil para eles terem método, porque a gente que quer ouvir, ser responsável, demora até mais para se organizar. Foi o que percebemos. A gente demora porque quer se ouvir. Isso dá muito trabalho, a democracia dá trabalho. É mais fácil para eles passar um trator em cima da democracia, ainda que usem essa palavra todo dia. Agora é a hora de esquecer diferenças, de olhar pros pontos em comum, e o que esse grupo tem em comum acima de qualquer diferença é o desejo de ver o Brasil livre das garras do fascismo, dessa desonestidades, estamos submersos em fakes, a gente sabe como esse governo chegou lá em cima.


Manifesto estamos #juntos

Somos muitos.

Somos cidadãs, cidadãos, empresas, organizações e instituições brasileiras e fazemos parte da maioria que defende a vida, a liberdade e a democracia.

Somos a maioria e exigimos que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país.

Somos a maioria de brasileiras e brasileiros que apoia a independência dos poderes da República e clamamos que lideranças partidárias, prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores, procuradores e juízes assumam a responsabilidade de unir a pátria e resgatar nossa identidade como nação.

Somos mais de dois terços da população do Brasil e invocamos que partidos, seus líderes e candidatos agora deixem de lado projetos individuais de poder em favor de um projeto comum de país.
Somos muitos, estamos juntos, e formamos uma frente ampla e diversa, suprapartidária, que valoriza a política e trabalha para que a sociedade responda de maneira mais madura, consciente e eficaz aos crimes e desmandos de qualquer governo.

Como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum. Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia.

Defendemos uma administração pública reverente à Constituição, audaz no combate à corrupção e à desigualdade, verdadeiramente comprometida com a educação, a segurança e a saúde da população. Defendemos um país mais desenvolvido, mais feliz e mais justo.

Temos ideias e opiniões diferentes, mas comungamos dos mesmos princípios éticos e democráticos. Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança.

Vamos #JUNTOS sonhar e fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiro.


O Globo: 'Bolsonaro quer mudar o assunto das mortes para ele não ser responsabilizado', diz filósofo

Para Marcos Nobre, presidente tem projeto de implantar regime autoritário no país

Dimitrius Dantas, O Globo

SÃO PAULO — O professor da Unicamp e filósofo Marcos Nobre lançou nesta sexta-feira "Ponto final - A guerra de Bolsonaro contra democracia", um dos livros em formato eletrônico (e-book) e físico da coleção lançada pela editora Todavia sobre o Brasil em meio à pandemia do coronavírus.
No livro, Nobre defende que Bolsonaro tem um projeto autoritário cujo objetivo é a ruptura da democracia. A chegada da pandemia, entretanto, alterou o plano e levou o presidente a ser ainda mais agressivo com as instituições.

Em conversa com o GLOBO, Nobre defendeu o inquérito das fake news e classificou os ataques do presidente ao Supremo Tribunal Federal, como uma forma de fugir da responsabilidade do combate à pandemia.
— Bolsonaro conscientemente quer mudar o assunto das mortes para que ele não seja responsabilizado. Isso é algo que é a coisa mais pusilânime — diz.

O senhor começa o livro criticando o discurso que diz que Bolsonaro é "burro" e "louco" e defende que o presidente atua com uma racionalidade política. Como funciona essa racionalidade política?
O que quero dizer com isso é que tratar o Bolsonaro de outra maneira que não como um político é uma estratégia que reforça sua imagem de não-político, que é a que ele quer passar. É uma maneira que tira sua responsabilidade dos atos que pratica, afinal burros e loucos não podem ser responsáveis pelas burrices e loucuras. Então, é preciso tentar entender a racionalidade do Bolsonaro: o Bolsonaro como político. Isso significa entendê-lo como alguém que tem um firme projeto autoritário. Temos que levar isso muito a sério.

O senhor afirma que, antes da pandemia, ele estava numa fase inicial de destruição das instituições. O que caracteriza essa fase de destruição?
É colocar um ministro do Meio Ambiente que destrói o meio ambiente, um diretor de uma fundação pensada para lutar contra o racismo que diz que não existe racismo. É inverter o sentido das instituições democráticas. Fazer elas funcionarem ao contrário do que é a sua função. É introduzir no vocabulário político a ideia de que uma ditadura é uma coisa normal, que ela pode ser democrática.

Muitos criminalistas, mesmo de esquerda, criticam a forma como o inquérito das fake news foi criado no Supremo Tribunal Federal. Como o senhor vê este caso?
O ministro Alexandre de Moraes acertou no joelho do Bolsonaro. Porque sem a central de fake news, Bolsonaro não se sustenta. O ministro mostrou que ele sabe onde acertar, qual é a fraqueza do Bolsonaro.

Mas criminalistas questionam a constitucionalidade do inquérito criado de ofício, sem participação do Ministério Público.
Em um momento como esse, não adianta pensar em abstrato. Bolsonaro pratica a política da guerra e montou um governo de guerra. Uma guerra instaurada pelo Bolsonaro. Vamos fazer a lógica da paz? Não, não existe isso. É claro que quem defende a democracia não vai recorrer à violência e à força para afastar Bolsonaro, mas a procedimentos democráticos, a articulações políticas em defesa da democracia.

Agora, não dá para imaginar que estamos numa condição institucional normal e que devemos nos pautar por critérios abstratos de como funcionam as instituições. Esse é um momento de clareza, é um momento em que a democracia não está funcionando.

Na questão da suspensão do Alexandre Ramagem para a direção da PF, alguns lembraram da medida tomada pelo Gilmar Mendes que impediu a posse do ex-presidente Lula.
As decisões têm sentidos completamente diferentes, porque naquele momento poucas pessoas razoáveis diriam que a democracia estava em risco iminente de ruptura. Quando fica claro que as instituições não estão mais funcionando, e que existe alguém que quer usar esse colapso para destruir a democracia, qualquer pessoa que tome decisões para defender a democracia, mesmo que isso pareça arbitrário, deve ser defendida.

Com a pandemia do coronavírus, Bolsonaro subiu mais o tom no ataque às instituições. Ontem, voltou a ameaçar o Supremo Tribunal Federal, por exemplo.
O que tento mostrar no livro é que, ao fazer isso, ele age por fidelidade às suas convicções autoritárias. Como todo líder autoritário, ele se apresenta como não-político, como antissistema. Portanto, ele precisa dizer para quem o apoia, que ele se tornou presidente, mas nem por isso foi domado pelo sistema.

O senhor diz no livro que a postura antissistema é exatamente o que o impede de governar.
Exato. Porque atualmente ele precisa não só dirigir o sistema. Isso é pouco. Numa crise sanitária dessa magnitude, ele precisa reorganizar inteiramente o sistema em função do combate ao vírus. Precisa pegar todo o aparelho do estado, todos os ministérios e remodelá-los de maneira a enfrentar a pandemia. Precisa remodelar a indústria brasileira para fabricar produtos.

Mas por que esses ataques logo agora?
São ataques severos às instituições mas tem muito de diversionismo, de produzir confusão. Esse efeito diversionista é ainda mais tétrico. Bolsonaro conscientemente quer mudar o assunto das mortes para que ele não seja responsabilizado. Isso é algo que é a coisa mais pusilânime. Não é que não temos que discutir esses ataques, porque ele de fato quer destruir a democracia, mas o que ele está fazendo agora é confundir as pessoas.

Mas o senhor acredita que esses ataques são apenas diversionistas? Ou representam uma ameaça?
São reais. Se ele tiver uma chance, ele vai dar o golpe. Ele usa uma coisa que é real para confundir, para turvar as águas. Ele precisa ganhar tempo para três coisas: um acordo com o centrão, que seja anti-impeachment, aprofundar a aliança com as forças militares para coordenar o governo e tornar mais aguerrida sua base social de apoio.

Para superar o Bolsonaro, o senhor fala que é necessária a formação de uma frente ampla a favor da democracia. Mas também defende que o impeachment só viria se negociado com os militares ou o que chama de "partido militar". O que motivaria os militares a apoiarem um afastamento de Bolsonaro?
As Forças Armadas foram um ator político importantíssimo desde a proclamação da República. Quando deixaram de ser? Nos últimos 30 anos. Se sentiam excluídos da política de forma injusta e indevida e aproveitaram para voltar ao governo, assim como outros grupos. E não sairão tranquilamente, porque querem ser reconhecidas como um ator político relevante. O que eles querem dizer é: nós temos quadros aptos a servirem a governos. Temos quadros aptos a ajudar a desenvolver o Brasil e estamos sendo excluídos por pura discriminação. É isso que está em jogo nessa transição.

Por outro lado, essa frente também dependeria da união de forças políticas que, há pouco tempo, eram adversárias. PT e PSDB, por exemplo.
Exato. E é disso que se alimenta o Bolsonaro. Ele se alimenta dessa lógica dos três terços em que nenhum dos três negocia com o outro. Mas essa divisão não é só das forças políticas, é na sociedade. Tem PSDB e tem PT, mas também tem o tio e o sobrinho, o irmão e a irmã, essa divisão na base da sociedade. Se essa tendência de aumento de rejeição se confirmar, até o ponto de atingir algo perto de 60%, isso significa que está tendo um movimento na base da sociedade que diz o seguinte: "pode ser que tenhamos diferenças insuperáveis e que impediram a gente de almoçar juntos no domingo, mas temos que juntar forças contra essa ameaça maior." E as forças políticas organizadas são obrigadas a ir atrás. Enquanto não há condições objetivas para isso, ele aproveita esse tempo para montar seu governo de guerra. Hoje, Bolsonaro encena ser o único homem livre em um país de confinados.


Alon Feuerwerker: Pode dar certo. De vez em quando dá errado

O título é acaciano, eu sei. Mas vamos lá.

A história registra que a tática eleitoral do PT em 2018 acabou dando errado no segundo turno. No primeiro deu certo. Mesmo fortemente fustigado havia anos, o partido levou seu candidato à final presidencial e elegeu boas bancadas legislativas, além de manter razoável cota de governadores, próprios e aliados. O que deu errado, para o PT, foi a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República.

No desenho tático petista, a ida de Bolsonaro à decisão permitiria, até forçaria, a formação de uma frente ampla antibolsonarista, e a onda montante acabaria dando a vitória a Fernando Haddad. A história também registra que essa frente nunca chegou a se formar, pois uma parte dos votos potencialmente frentistas absteve-se, e outra votou mesmo foi no capitão. É a fatia de mercado que até há pouco achava o governo regular mas apostava que acabaria melhor.

Por uma dessas curiosidades históricas, a linha estratégica do bolsonarismo rumo a 2022 é aquela mesma petista, só trocando o sinal. Supõe que basta manter fiel algo em torno de 30% do eleitorado, apostar num replay da polarização do segundo turno de 2018 e levar novamente a taça para casa surfando na onda do antipetismo, ou do antiesquerdismo, ou do anticomunismo. Tem lógica. Como tinha muita lógica a linha petista de 2018.

O que pode dar errado agora? A mesma coisa que deu errado em 2018. Na operação para manter a hegemonia no núcleo mais fiel da base, você acaba produzindo atritos em volume suficiente, acaba isolando-se numa intensidade cujo efeito colateral é dificultar lá na frente o reagrupamento. Cria-se uma situação em que o adversário nem precisa se esforçar muito. Ele acaba fazendo uma colheita de votos quase espontânea.

Talvez o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril não venha a produzir maiores consequências jurídicas. Vamos aguardar. Mas já produziu efeito político. Dificultou um pouco mais aos não bolsonaristas de raiz apresentar o atual presidente como alternativa aceitável. Não chega a ser irreversível, mas o quadro merece atenção. Também porque a ofensiva contra certos importantes personagens institucionais vai pedir destes algum tipo de resposta.

E eles têm tempo para isso. A vingança, sabe-se, é um prato que pode perfeitamente ser comido frio.

Entrementes, à esquerda basta esperar e assistir ao progressivo descolamento entre a direita e o chamado centro. Esta semana o PT e partidos aliados entraram com um pedido de impeachment. Talvez deva ser visto como o cumprimento de um ritual. Aquilo que na política se chama “ocupar o espaço para evitar que outro ocupe”. A esquerda fez o que dela se esperava. Se não der em nada, sempre poderão dizer que fizeram algo.

Mas é visível, até palpável, o pouco entusiasmo na esquerda pela ideia de impeachment. Se Bolsonaro é a instabilidade, o que viria na sequência seria a estabilidade do mesmo projeto.

À esquerda basta agora assistir ao esgarçar da frente adversária, avivando de vez em quando a fogueira que consome as boas relações entre a direita e o dito centro. A reunião ministerial ofereceu matéria-prima abundante para a continuidade do esgarçamento. Que poderá ser potencializado no momento certo por o Brasil caminhar forte na disputa do pódio de mortes pelo SARS-Cov-2.

E tem ainda a economia. Last but not least.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação.


Paulo Baía: Cadáver Barato

Eu assisti na íntegra as entrevistas do Ministro Chefe da Casa Civil, general Braga Neto, do Ministro Chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos e do Ministro da Economia, banqueiro Paulo Guedes.
Os três afinados relativizaram a pandemia da Covid-19.

É um indício de que o governo federal vai torpedear toda a política de combate a tragédia sanitária de governadores e prefeitos. As falas dos senhores ministros deram a entender que a Covid-19 foi superestimada por institutos de pesquisas brasileiros, universidades, entidades médicas e de saúde no Brasil.

Como não sou um especialista em saúde pública, sanitarismo e epidemiologia, ancorei minha percepção nos relatos do Roberto Medronho, Edmilson Mingowski, Denise Pires de Carvalho, Nísia Trindade Lima, Olga Chaim e outros cientistas das universidades brasileiras, Universidades dos EUA e Europa.

Com a entrevista de hoje, dia 16 de maio, os três ministro querem que eu desacredite de todos os especialistas da área médica e saúde pública e passe a acreditar neles.

Agora eu entendi as intenções da MP 966/2020 que anistia omissões, erros e desvios de autoridades públicas na pandemia.

Os ministros podem fazer e dizer o que quiserem pois estão protegidos por um ato de excludente de ilicitude.

Veremos nos próximos dias um chamamento contra o distanciamento físico e social por parte do presidente da república, dos ministros e outras autoridades federais contra prefeitos e governadores.

O brasileiro é um cadáver barato, não serve nem para estatísticas sanitárias.


Benito Salomão: Perspectivas para o pós-Bolsonaro

Nicolau Maquiavel (1532) em “O Príncipe” disserta sobre a postura ideal de um governante visando sua permanência no poder. Para o autor, há momentos em que o soberano é levado a escolher entre ser amado ou ser temido, nestas situações a escolha deve ser temido, pois sem temor o governante perde o respeito dos seus governados e, portanto, as condições de governabilidade. Já Weber (1919) em “Política como Vocação” discorre que um homem público é guiado por duas éticas e em alguns momentos a ética da responsabilidade se opõe a ética da convicção, o que leva o governante a escolher entre o que ele gostaria de fazer ou o que ele deve fazer pela imposição das circunstâncias.

Neste contexto, o governo Bolsonaro ao completar 16 meses agoniza fruto de uma impressionante sequência de erros. Em um momento em que o mundo luta contra uma crise sanitária que causará inevitavelmente uma crise econômica, as condições de governabilidade no Brasil estão se esvaziando fruto do apego excessivo à ética da convicção, isto é, os valores e crenças pessoais que guiam as ações do Presidente da República o colocando em oposição frontal à ética da responsabilidade, ou seja, às medidas recomendadas pelo melhor conhecimento disponível que propõem o isolamento social temporário como forma mais eficiente de se lidar com a crise sanitária.

Em regimes democráticos caracterizados pela informação instantânea e pela organização social de massas, a opinião pública oscila pendularmente e, neste contexto, a estratégia do conflito só prejudica quem está no governo e precisa prestar contas e entregar resultados. Neste sentido, diante da incapacidade de Bolsonaro convencer a maioria da população brasileira acerca da viabilidade de sua convicção, somado a atitudes recentes destrambelhadas e incompatíveis com a postura requerida de um chefe de Estado, lhe custaram a credibilidade, esta certamente lhe fará falta no momento em que a crise econômica se impor como realidade e demandar ações efetivas do governo federal em estímulo a economia.

Retomando Maquiavel, ficou claro para os governados que o governante não é capaz de liderar o país em uma crise sanitária e não será capaz de apontar saídas para a crise econômica que pode se estender para 2021. Afinal, se Bolsonaro não se valeu da ética da responsabilidade para apoiar medidas sanitárias corretas, quem garante que o mesmo o fará para adotar medidas econômicas que, em geral, sofrem de um nível maior de subjetividade? Em outras palavras o fracasso do governo Bolsonaro já aponta no horizonte de curtíssimo prazo e, sem o respeito de seus governados, esta é uma tendência irreversível.

No entanto, Bolsonaro não é único culpado do fracasso que se tornou o seu governo, parte expressiva do eleitor brasileiro que abraçou um presidente cujo discurso não se encaixava no modelo institucional brasileiro, deve assumir a sua parcela de responsabilidade. Em outras palavras, o fracasso do governo Bolsonaro não começou agora flagrante nas ações atrapalhadas no combate à pandemia, o candidato Bolsonaro sempre demonstrou desconhecimento e má vontade em aprender sobre temas técnicos que deveriam nortear o dia a dia do presidente. Desde a eleição, os posicionamentos de Bolsonaro sobre educação, economia, meio ambiente, diplomacia, entre outros, eram guiados por uma pitoresca combinação de achismos, superficialidade e teorias da conspiração.

Evidentemente que isto não tinha como dar certo. Agora, o governo caminha para o seu final, o que pode se dar pelo processo de impeachment oriundo das dezenas de crimes de responsabilidade cometidos durante sua rápida passagem pelo governo. Ou ainda, seu governo pode acabar com Bolsonaro permanecendo no cargo como um presidente decorativo, com seus poderes e atribuições cada vez mais esvaziadas por determinações do legislativo e judiciário, como já vem acontecendo. O impeachment será menos danoso, primeiro porque o executivo tem atribuições que não podem ser exercidas por outros poderes, segundo, porque um novo governo pode resgatar a credibilidade no sentido maquiavélico.

Um eventual governo Mourão resgatando a harmonia institucional entre o executivo e os demais poderes certamente contribui para o estado de expectativas da economia ora sem rumo. No entanto, paira o medo dos retrocessos, tendo em vista os movimentos recentes da ala militar do governo em interferir na ala econômica propondo um plano de estímulo a economia com elevado custo fiscal, relembrando as já fracassadas tentativas de estimular a economia via gastos públicos e subsídios ao setor privado que deram errando nos governos Lula e Dilma. Até que ponto este ideário desenvolvimentista norteará um futuro governo Mourão? É difícil prever, mas não custa alertar os riscos.

*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e Visiting Researcher at University of British Columbia.


O Globo: Após acusações de Moro, oposição planeja uma frente ampla anti-Bolsonaro

Impulsionados pela manifestação do ex-presidente Fernando Henrique, partidos de esquerda planejam atrair PSDB, DEM, Novo e Cidadania

SÃO PAULO — Impulsionados pela manifestação do ex-presidente Fernando Henrique em favor da renúncia de Jair Bolsonaro, políticos de esquerda planejam articular a construção de uma frente ampla pelo afastamento do atual presidente da República do cargo. Após as acusações do ex-ministro Sergio Moro, a ideia é atrair, entre outros, o PSDB, o DEM, o Novo e o Cidadania. Mas integrantes dessas legendas ainda são cautelosos.

No final do mês passado, um manifesto pela renúncia de Bolsonaro reuniu nomes como Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL), Flávio Dino (PCdoB) e Alessandro Molon (PSB), mas sem adesão do centro. A articulação inicial foi do ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro (PT).

Na sexta-feira, Tarso, que vinha sendo crítico de Fernando Henrique nos últimos tempos, saudou no Twitter a adesão do tucano ao afastamento de Bolsonaro. “Bem-vindo presidente. É hora de construir a unidade dos principais líderes políticos do país na defesa do estado social de direito. Se Bolsonaro não renunciar, construiremos a maioria política para o impeachment. Bolsonaro está matando o Brasil”, escreveu o ex-governador petista.

Para Tarso, o atual presidente não tem mais condições de comandar o país.

— Temos que unir um campo amplo, não demarcado ideologicamente, mas politicamente com quem está disposto a resgatar o funcionamento republicano do país. Esse é o critério agora de unidade. Temos que fazer um pacto republicano, democrático, recolocar o país dentro da trilha constitucional e apostar num processo de normalização política para chegarmos a 2022.

As tentativas de ampliar a articulação, que devem se intensificar após as denúncias de Moro, já vinham ocorrendo. Na última semana, por exemplo, Fernando Haddad conversou por telefone com Fernando Henrique e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para discutir a situação da democracia brasileira.

Líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ) é otimista sobre as possibilidades de ampliação da frente pelo afastamento de Bolsonaro. Seu partido, que havia aderido ao manifesto de março, apresentou na sexta-feira um pedido de impeachment do presidente.

— À medida que a situação política do país vai se agravando, a tendência é ampliar o apoio a esse movimento pela renúncia ou pelo afastamento. Não é uma questão ideológica. O atual presidente está conseguindo unir o país contra si. As atitudes dele estão fazendo com que os diferentes acabem abraçando uma mesma tese, que é da impossibilidade da continuidade do mandato — avalia.

Mas fora da esquerda o movimento ainda é visto com ressalvas. O PSDB não pretende se engajar no momento numa frente pelo impeachment. A ideia entre os tucanos é antes ampliar o desgaste do governo Bolsonaro por meio de uma CPMI mista para investigar as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça.

Candidato derrotado a presidente pelo Novo em 2018, João Amoêdo já se manifestou publicamente pelo impeachment, mas acredita que ainda não é hora para a construção da frente porque isso pode ser usado por Bolsonaro para se vitimizar. No seu entendimento, o presidente poderia dizer que a articulação é uma mobilização do “sistema” .

— O papel inicial que eu vejo é de explicar de forma didática para as pessoas os motivos que me fizeram ter essa posição pelo impeachment. Lá na frente isso pode afunilar. Mas vejo que é preciso caminhar de forma independente no primeiro momento.

Presidente do Cidadania, Roberto Freire entende também que ainda não é hora de levar o pedido de impeachment adiante porque não há mobilização da sociedade contra Bolsonaro. Ele defende, porém, uma articulação com todos os setores ideológicos.

— Só terá condições de sucesso se for amplo. Não há impeachment se não tiver uma ampla maioria, com a opinião pública.

Lula pode atrapalhar

Um outro empecilho para a construção da frente se daria caso o ex-presidente Lula, que vem defendendo o “Fora, Bolsonaro!”, decidir ingressar no movimento. Muitos políticos de centro-esquerda só aceitaram assinar o manifesto de março porque o ex-presidente não participou, apesar da adesão de nomes do PT como Tarso, Haddad e Gleisi Hoffmann, presidente da legenda.

— Quando Lula não assinou aquele manifesto, e eu queria que tivesse assinado, compreendi perfeitamente. Ele está se resguardando. É uma pessoa que ainda está sendo processada, sofre persecução judicial de uma maneira muito ilegal mas muito consistente do ponto vista prático. Então, há determinados requisitos para a sua atuação — disse Tarso.


Conselho Curador da FAP aprova prestação de contas e defende frente democrática

Frente democrática é alternativa à tensão e polarização políticas no país, conclui Colegiado da FAP durante reunião online

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O Conselho Curador da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) aprovou, neste sábado (25), a prestação de contas da entidade relativas ao ano de 2019, por unanimidade, e discutiu a conjuntura política do Brasil com sugestões para o fortalecimento da democracia. Pela primeira vez, o colegiado realizou reunião online, por meio de uma sala virtual com acesso exclusivo aos conselheiros, por causa da orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde) de manter o isolamento social em meio à pandemia do coronavírus.

O presidente do Conselho Curador da FAP, Cristovam Buarque, parabenizou a iniciativa da diretoria da fundação de realizar a reunião virtual e manter o compromisso com a prestação de contas. Ele lembrou que, enquanto atuou como senador, apresentou a proposta no Parlamento para que possibilitasse a participação virtual de senadores em discussões e votações, mesmo que estivessem em outros compromissos nos seus respectivos Estados.

O diretor-geral da FAP, Luiz Carlos Azedo, destacou as ações da fundação em defesa dos valores democráticos e republicanos. Segundo ele, a instituição tem se empenhado cada vez mais para atuar da melhor forma possível e levar resultado de qualidade à sociedade, por meio dos eventos, publicações e do curso de formação política Jornada da Cidadania.

» Confira como foi a Reunião do Conselho Curador da FAP no vídeo abaixo ou clique aqui.

https://youtu.be/65dJ8PhTLwQ

 

Investimentos

Em sua apresentação, o diretor financeiro Ciro Gondim Leichsenring detalhou todos os investimentos da fundação no ano passado, na ordem de R$ 584,1 mil, para a realização do IV Encontro de Jovens, dos Seminários Desafios da Democracia e Cidades Inteligentes, além de outros eventos. Todas as iniciativas tiveram a participação de importantes pesquisadores, professores de universidades e grandes nomes do mercado.

Leichsenring também destacou a grande importância das publicações da FAP, como as revistas Política Democrática online e impressa, as quais, segundo ele, colaboram muito para o pensamento crítico da sociedade. “São publicações importantes porque levam conteúdos de muita qualidade para o público”, disse.

No total, em 2019, R$ 636,4 mil foram investidos em publicações, edições e lançamentos de livros, produção de teatro e filme, em ações de comunicação digital e no planejamento da Jornada da Cidadania. O curso de formação política é realizado pela FAP, por meio de uma plataforma online, interativa e com acesso gratuito aos alunos matriculados.

Frente democrática

Durante a reunião, os conselheiros demonstraram preocupação com o atual momento político do país. Eles apresentaram propostas, como a necessidade de se fazer uma ampla frente democrática em defesa da democracia, da Constituição e da independência entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A discussão partiu de um texto produzido pelo conselheiro Paulo Fábio Dantas Neto, escrito inicialmente para analisar os principais fatos políticos das últimas semanas, como a exoneração do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mesmo durante a epidemia do coronavírus. Durante a reunião, o autor atualizou o texto, incluindo no debate o caso do ex-juiz Sérgio Moro, que, nesta sexta-feira (24), pediu exoneração do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

» Paulo Fábio Dantas Neto: Notas sobre a conjuntura e o depois – abril 2020

Conforme lembra o sociólogo e diretor executivo da FAP Caetano Araújo, o colegiado também considerou a questão da pandemia, que, conforme discutido, trouxe à tona a necessidade de solidariedade e a importância de implementá-la, principalmente, na saúde pública. “Isso era algo que já existia na sociedade, mas que a pandemia escancarou ainda mais”, afirmou ele.

Além disso, o conselho curador também sugeriu a necessidade de pôr fim à lógica da polarização, substituindo-a pela cooperação. “Isso não é esquecer divergências, mas trabalhar consensos e deixar claros os pontos que são dissenso, outra linguagem da política, diferente da que tem predominado no Brasil, nos últimos cinco ano, que é a da polarização”, disse Caetano.


Bolívar Lamounier: No limiar de um terceiro erro

Estes dois componentes estão aí bem à mostra, como os pés de barro do gigante que queríamos (ou queremos) ser

Qualquer que seja nossa avaliação sobre o momento atual, parece-me fora de dúvida de que estamos no limiar de importantes transformações em nossa identidade nacional — ou seja, na maneira pela qual nos vemos como povo.

Nessa linha de raciocínio, podemos dizer que nossa identidade nacional já passou por duas fases — duas versões, duas ilusões — e dois erros colossais, que nos deixaram no limiar de um possível terceiro grande erro. A primeira versão foi a ideia do “brasileiro pacífico”, da conciliação entre as elites políticas, da “cordialidade” entre as pessoas comuns e da inexistência de racismo. No essencial, essa “narrativa” tinha um claro sentido de bajulação ao ditador Getúlio Vargas, exaltado como fundador da nacionalidade, culminando numa concepção do poder central como um Estado poderoso, bondoso e paternalista.

Era um apelo à convergência num país fadado a se transformar profundamente assim que a democracia fosse restabelecida,os conflitos políticos se acirrassem, e sofrêssemos os impactos externos da guerra fria. Uma sociedade concebida pela maioria como quase estática, invulnerável a abalos de monta e avessa a movimentos de mobilização política contrários ao governo.

Precocemente envelhecida, a cultura da cordialidade cedeu lugar ao chamado nacional-desenvolvimentismo, um projeto lastreado materialmente na industrialização substitutiva de importações e ideologicamente no nacionalismo. Essa nova fórmula também fez certo sentido enquanto o modelo de crescimento induzido pelo Estado permaneceu crível. O golpe de misericórdia que a inviabilizou em definitivo foi a tentativa do governo Geisel de acelerar a industrialização com base num enorme endividamento externo, opção liquidada entre 1973 e 1979 pelos choques do petróleo e a abrupta elevação das taxas de juros às quais a dívida fora indexada.

A nação “cordial” e o “nacional-desenvolvimentismo” tinham dois pontos importantes em comum. Primeiro, imaginavam ser possível o desenvolvimento de uma nação que em nenhum momento pôs em prática um projeto vigoroso de educação básica e de capacitação técnica da mão de obra. Segundo, aferraram-se a um doentio anti-liberalismo, à ideia do Estado empreendedor, a uma hostilidade ao mercado e, não menos importante, ao autarcismo, quero dizer, à opção por uma economia fechada.

Estes dois componentes estão aí bem à mostra, como os pés de barro do gigante que queríamos (ou queremos) ser.


Mauricio Huertas: Vossa Excelência, Bolsolula, o presidente demagogo, hipócrita e mitômano de duas caras

As semelhanças entre o lulismo e o bolsonarismo são gritantes e incômodas para qualquer cidadão essencialmente democrata e isento do fanatismo doentio que se instalou à direita e à esquerda. O que se observa de fora dessa polarização - por uma minoria imune às paixões cegas, minimamente racional e consciente - é a total indigência política, intelectual e moral instituída por esses dois movimentos interdependentes que vivem cada qual em sua bolha ideologizada e idiotizada, mas ambos com os mesmíssimos vícios, radicalismos, ódios, preconceitos e intolerâncias.

As duas bolhas vivenciam suas realidades paralelas e espelhadas, as duas atreladas a falsos mito que, o tempo revela, mostram-se verdadeiros mitômanos. Lula e Bolsonaro são as duas faces da mesma moeda desvalorizada da velha política, mas que insiste em monopolizar o mercado do voto. Como um deles já declarou, embora os dois ajam e pensem de forma idêntica e necessária para manter unidas as suas hordas de fanáticos e milicianos virtuais: "Eu não sou um ser humano, sou uma ideia". Verdade. Duas ideias de jerico.

Pausa para respirar e refletir, com a convicção de que não sou dono da verdade. Ao contrário, faço parte de uma minoria que se propõe em vão - até quando? - a fugir dessa polarização. Assim, feita a abertura desse texto provocativo à maioria dos brasileiros, tendo em vista o resultado das eleições mais recentes que me provam que sou uma voz quase isolada e inexpressiva ante a maioria de bolsonaristas e lulistas, seguirei - se me permitirem - no meu raciocínio anti-Lula e anti-Bolsonaro.

Um minutinho para a palavra do Excelentíssimo Sr. Presidente da República:
1. Diante das ameaças à soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse econômico, social e moral do país, a sociedade brasileira escolheu mudar e começou, ela mesma, a promover a mudança necessária. Foi para isso que o povo brasileiro me elegeu Presidente da República: para mudar.
2. Durante a campanha não fizemos nenhuma promessa absurda. O que nós dizíamos, eu vou repetir agora, é que nós iremos recuperar a dignidade do povo brasileiro. Recuperar a sua auto-estima e gastar cada centavo que tivermos que gastar na perspectiva de melhorar as condições de vida de mulheres, homens e crianças que necessitam do Estado brasileiro.
3. Para repor o Brasil no caminho do crescimento, que gere os postos de trabalho tão necessários, carecemos de um autêntico pacto social pelas mudança e de uma aliança que entrelace objetivamente o trabalho e o capital produtivo, geradores da riqueza fundamental da nação, de modo a que o Brasil supere a estagnação atual e para que o país volte a navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social.
4. O pacto social será, igualmente, decisivo para viabilizar as reformas que a sociedade brasileira reclama e que eu me comprometi a fazer: a reforma da Previdência, reforma tributária, reforma política e da legislação trabalhista, além da própria reforma agrária. Esse conjunto de reformas vai impulsionar um novo ciclo do desenvolvimento nacional.
5. Meus agradecimentos à imprensa, que tanto perturbou a minha tranquilidade nessa campanha, sem a qual a gente não consolidaria a democracia no país. Meu abraço aos deputados, aos senadores, meu abraço aos convidados estrangeiros, dizendo a vocês que, com muita humildade, eu não vacilarei em pedir a cada um de vocês, me ajudem a governar, porque a responsabilidade não é apenas minha, é nossa, do povo brasileiro que me colocou aqui."
Uma perguntinha: você é capaz de identificar o autor desses trechos tirados de discursos presidenciais e reproduzidos acima? Quer fazer uma aposta? O que, na sua opinião, parece ter sido pronunciado por Bolsonaro? Algo tem a cara da Dilma? Ou um toque de Temer? Pode existir algum trecho do Lula? Você arrisca? Talvez tirando o último trecho, com um improvável elogio à imprensa, você diria que o presidente Jair Bolsonaro pode ter pensado tudo isso que aí está? Mas você concorda com o conteúdo?

Pois saiba que todos esses são trechos dos discursos de posse de Lula como Presidente da República em 2003, parte proferida no Palácio do Planalto, outra parte no Congresso Nacional. E lá se vão 16 anos. Depois disso já tivemos a reeleição de Lula em 2006; a eleição e reeleição de Dilma em 2010 e 2014; a posse de Temer após o impeachment em 2016; a eleição de Bolsonaro em 2018 e a sua posse em 2019... e tudo continua irritantemente atual.

Poderia pinçar falas de Dilma e de Temer, ou as promessas de Bolsonaro, ou como cada um dizia que mudaria a política, inovaria na forma de governar e não repetiria os mesmos vícios dos antecessores. Como Lula e Bolsonaro se comprometeram a fazer as reformas. Como Lula e Bolsonaro juraram combater a corrupção, o toma lá dá cá e o fisiologismo partidário. E como PMDB, PT e agora o PSL se tornaram, respectivamente, os maiores partidos brasileiros.

Ainda que em lados distintos, tudo é sempre muito igual. Todos parecem farinha do mesmo saco. A demagogia, a incoerência e a hipocrisia imperam! Do surgimento do PMDB com a chamada Nova República até a fabricação do salvador da Pátria da vez, este que no momento (des)governa o Brasil pelo twitter, um meme que virou presidente, ouvimos as mesmas palavras repetidas. Parodiando a canção da Legião Urbana, "mas quais são as palavras que nunca são ditas?".

Ouvimos Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro. Palavras... Mas o fato concreto é que um ciclo se encerra, iniciado no festejado ponto final dos 21 anos de ditadura e, feito um círculo vicioso, retrocedendo cinco décadas para uma possível (Deus nos livre!) interrupção desta nossa jovem democracia com a retomada do poder pelos saudosos daquela decrépita ditadura. O perigo é iminente. Só não vê quem não quer.

O problema é que o fracasso da esquerda democrática no imaginário popular - muito em razão da frustração com a falsa esperança que nos deram Lula e Dilma e que acabaram nos levando para o buraco - ressuscitou tudo aquilo que parecia enterrado nesses 35 anos de reabertura democrática, de consolidação do estado de direito e do amadurecimento dos princípios republicanos. Enfim, o que nos parecia um círculo virtuoso desmoronou nas nossas cabeças. Mas a saída para o novo não virá pelos extremos. O choque de realidade exige uma resposta equilibrada, sensata, coerente. Temos alguma?

Para concluir, mais palavras tiradas do discurso de um líder político: "A verdade não tem valor enquanto houver a ausência da vontade indomável de transformar essa percepção em ação!". Dica: quem disse isso foi um verdadeiro calhorda, ser repugnante, asqueroso. Lula? Bolsonaro? Não! Adolf Hitler. Resumindo: Falar, até papagaio fala. Não precisamos apenas de palavras, necessitamos de ações. À direita e à esquerda temos muita demagogia, hipocrisia, mitomania. Então, olhos abertos, ouvidos atentos e, vacinados contra esses canalhas de duas caras, sigamos em frente!

 


Cristiano Romero: Crise em Brasília já consome capital político

Perda rápida de força política pode levar líder ao populismo

Não se tenha dúvida: o escândalo que provocou a queda de um ministro lotado no centro do poder, em menos de dois meses de mandato, já consumiu um pedaço do capital político do presidente Jair Bolsonaro. Todo o alarido em torno do caso mostra que o governo começou a envelhecer cedo, e o alvoroço não foi o primeiro da nova administração.

Houve antes o caso da investigação de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), senador e filho mais velho do presidente, por movimentação financeira suspeita. Queiroz é próximo dos Bolsonsaros há décadas, uma espécie de faz-tudo da família, e no episódio em questão fez depósito na conta da primeira-dama Michelle. Revelou-se, também, a história da mulher que trabalhou no gabinete de Flávio - quando este era deputado estadual - e cujo filho tornou-se foragido das autoridades por suspeita de envolvimento com milícias no Rio. O "House of Cards" da nova era, pelo jeito, promete.

Bolsonaro elegeu-se presidente da República com 57,7 milhões de votos, desbancando as duas forças políticas que governaram o Brasil por quase 22 anos: o PSDB e o PT. Sua surpreendente e meteórica ascensão, cuja explicação ainda não foi totalmente entendida, atropelou a social-democracia brasileira, cujos fundamentos foram forjados na resistência democrática à ditadura militar e na Constituição "cidadã", promulgada em 1988.

O mandatário quebrou uma tradição nacional - a não eleição de candidatos com discurso extremista à direita ou à esquerda - e rompeu o "pacto" que consagrou os pilares da estabilidade política e econômica que o Brasil alcançou, a duras penas, em 33 anos de redemocratização. Aquele pacto só rendeu frutos porque, ao jeitinho brasileiro, não rompeu com as estruturas do patrimonialismo reinante no país desde a descoberta da Ilha de Vera Cruz. Seus dois principais expoentes - Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - foram reformistas, jamais revolucionários.

O atual presidente, que tem perfil completamente distinto ao de FHC e Lula, apresentou-se bem cedo - em 2015, quando o governo Dilma Rousseff, no início de seu segundo mandato, naufragava sem chances de salvação - como o político contrário a "tudo o que está aí". Não se sabe se foi de caso pensado, mas a estratégia teve nuance inteligente do ponto de vista eleitoral: em vez de se mostrar como o antiLula, Bolsonaro vestiu a fantasia do antipetista.

O lulismo é mais forte que o petismo. Lula, mesmo preso em Curitiba, teve 40% da preferência nas pesquisas. O governo ruinoso de Dilma Rousseff, que jogou a economia na mais longa recessão de sua história, com perda de quase 8% do PIB, desemprego recorde e calamidade nas finanças públicas, criou o principal sentimento das eleições de 2018 - o antipetismo. Melhor, então, ser antipetista que antiLula.

Bolsonaro jogou o PT e o PSDB na mesma vala justamente por perceber que os dois tinham características indissociáveis. Em discursos e entrevistas, ministros do novo governo, inclusive Paulo Guedes, liberal da Escola de Chicago que comanda a pasta da Economia, professam fé não apenas contra o PT, a esquerda, o comunismo e o socialismo, mas também em oposição à social-democracia, o que soa ousado nesta Terra de Santa Cruz.

Como costuma dizer o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, no Brasil não há direita nem esquerda. Estamos equidistantes e costumamos ver os extremos com picardia. Isso talvez explique o fato de a maioria não ter compreendido o fenômeno Bolsonaro. A previsão, inclusive do titular desta coluna, era que o então deputado federal, que ninguém levou a sério em 28 anos de Brasília, "derreteria" durante a campanha de 2018.

Bem, se Bolsonaro derrotou a social-democracia, as esquerdas, o centro, enfim, a todos, o que ele quer fazer do Brasil? No discurso, uma pátria liberal, o que implica concluir a "revolução burguesa" tardia, reduzir drasticamente o tamanho do Estado, acabar com os subsídios, privatizar a maioria das companhias estatais e instituir nos trópicos uma economia pró-mercado que nunca tivemos. Tudo isso em meio à debacle do politicamente correto, ao alinhamento automático aos Estados Unidos e à guinada ao conservadorismo no que diz respeito aos costumes.

Um parêntesis: esta é a grande contradição do discurso bolsonarista, afinal, não existe separação entre liberalismo na economia e nos costumes, assim como é inexistente o divórcio entre democracia e liberdade de expressão. Tentativas de se governar a bordo de interesses fortemente dissonantes resultam em fracassos que, na sequência, ameaçam a democracia - Jânio Quadros caiu nessa armadilha.

Bolsonaro nunca foi liberal. Jamais esteve num cargo executivo, o que dificulta a análise. Capitão da reserva, já defendeu o bolivarianismo de Hugo Chávez e entrou na política para defender os soldos e vantagens da carreira militar, sinais da confusão que imperou em sua trajetória política.

Para aprovar a agenda que sua equipe econômica defende, a começar pela reforma da Previdência, o presidente precisará de um estoque de capital político que nenhum presidente brasileiro teve. A agenda econômica é meritória, mas justamente por essa razão esbarra nos interesses arraigados e anacrônicos dos grupos específicos mais poderosos do país, como o funcionalismo público, as grandes empresas privadas, as multinacionais da indústria automobilística, as oligarquias políticas, os bancos e companhias estatais, os sindicatos patronais, os cartéis, os sindicatos patronais e de trabalhadores etc.

O risco de um político popular que perde capital político rapidamente é tornar-se populista. Dilma Rousseff foi um exemplo trágico.


Alon Feuerwerker: Exigir que o poder mande os mais fiéis para a degola a troco de nada é um passaporte para a desgraça

As escaramuças (por enquanto são só isso) em torno do presidente da República (e com a participação dele) têm sido retratadas como disputa entre um núcleo fundamentalista imaturo e outros núcleos maduros e, portanto, carregados de razão.

O primeiro reuniria antes de tudo os filhos, em primeiro lugar o do meio. Na periferia, alguns ministros da esfera de influência do chamado olavismo. Já os segundos congregariam a equipe econômica e os militares.

Desconfie das simplificações. Elas são como a Física do ensino médio: úteis para fins didáticos mas inúteis quando precisam explicar o fenômeno na essência. Dizer que “o problema de Jair Bolsonaro são os filhos” explica tudo e ao mesmo tempo não explica nada.

Duvida? Faça o teste. Tente responder a esta pergunta que deriva da afirmação acima: “Se o presidente precisar afastar do entorno os filhos, especialmente Carlos, com quem exatamente poderá contar?”

Hoje em dia, a lista mais comprida da área que reúne a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios é a de candidatos a tutelar o presidente da República. É consequência, esperada, do projeto “vamos eleger o Bolsonaro para derrotar o PT e depois a gente vê o que faz”.

O então candidato do PSL aceitou jogar esse jogo, cuidando de reduzir a incerteza na política econômica. Mas nunca deu qualquer sinal de que, no poder, faria um governo de paulos guedes.

Presidentes muito fracos são levados a engolir a tutela, e isso não costuma ser suficiente. Fernando Collor, acuado, montou um ministério dito ético, vertebrado pelo PFL, e mesmo assim caiu. Dilma Rousseff entregou a articulação política a Michel Temer, e o resultado é sabido.

Nos dois casos, o que era para ser ampliação da base de governo acabou virando o centro ou parte da conspiração para derrubar o governo. Bolsonaro tem muitos defeitos, mas não nasceu ontem.

Há exceções? Uma que confirma a regra foi Itamar Franco. No começo achou que governaria. Foi trucidado pela imprensa do Sudeste (nessas horas Minas Gerais não faz parte do Sudeste). Teve de entregar a presidência de fato ao ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.

Só sobreviveu porque abriu mão de qualquer poder, ou perspectiva de poder imediato. Caiu sem cair, esperando voltar em quatro anos. Mas FHC aprovou a reeleição e deixou Itamar na mão.

Bolsonaro, ao contrário de Collor, Dilma e Itamar, não está fraco. O núcleo da sua base social continua mobilizado pela agenda maximalista de endurecimento penal, valores conservadores e alinhamento com Donald Trump.

E o empresariado só quer saber da reforma da previdência, remédio do momento para curar a economia atacada pela estagnação. E na hora “h” o mercado vai apertar o torniquete no pescoço do Congresso até este entregar a mercadoria.

O que pode dar errado? Alguém das internas reunir massa crítica e começar a drenar poder. O vice dá seus passinhos mas, notem, Bolsonaro nunca passa recibo. O vice tem estabilidade no emprego.

Então, a bazuca presidencial volta-se contra quem ensaia apresentar-se como moderado, confiável e racional. É por aí que o poder começa a cortar cabeças. O que fica mais fácil quando o alvo potencial comete um erro.

E o erro número zero em palácio é o sujeito achar que há espaço para fazer uma política própria diferente da do chefe. Ainda mais quando o chefe está forte e cercado por fiéis.

Exigir que o poder mande os mais fiéis para a degola a troco de nada é um passaporte para a desgraça.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação