crise política
Roberto Freire: 'A base governista está mais aguerrida'
Amanda Almeida | O Globo
Michel Temer fica ou cai?
– O termômetro está muito mais difícil de ser aferido do que no processo do impeachment. Porque, naquele caso, havia um componente: povo na rua. Hoje, pode haver rejeição alta, mas não há manifestação. Além disso, a base governista está muito mais aguerrida.
A saída do presidente vai gerar instabilidade?
– Não. Se for vitorioso o afastamento, a transição continua. Até porque Rodrigo Maia é base do processo do impeachment e da transição, homem de confiança da base governista.
E qual a sua posição e a do PPS?
– A maioria da bancada é favorável à aceitação da denúncia. Respeitaremos todo e qualquer voto diferente. Não quero falar ainda minha posição. Qualquer que seja a decisão, o PPS continuará a apoiar a transição até 2018 nos termos da Constituição e a favor da reforma.
Procuradoria pede arquivamento de investigação contra Lula por obstrução à Justiça
O pedido deverá ser avaliado pelo juízo substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, onde também corre o processo contra Delcídio e Lula pelo suposto crime de 'embaraço à investigação' pela compra do silêncio de Nestor Cerveró
Luiz Vassallo, Julia Affonso e Fausto Macedo, do Estado de São Paulo
O Ministério Público Federal no Distrito Federal envia nesta terça-feira, 11, à Justiça Federal em Brasília, pedido de arquivamento de Procedimento Investigatório Criminal (PIC), que apurava se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria agido irregularmente para, a partir de articulação com o Senado Federal, atrapalhar as investigações da operação Lava-Jato.
As informações são do site da Procuradoria da República no Distrito Federal.
A suposta tentativa de Lula de embaraçar o trabalho dos investigadores foi informada pelo ex-senador Delcídio do Amaral em acordo de colaboração premiada.
O ex-congressista afirmou, em delação, que Lula o convidou, juntamente com os senadores Edison Lobão e Renan Calheiros, este então presidente do Senado Federal, para uma reunião no Instituto Lula, em São Paulo, no ano de 2015 e que, o objetivo do encontro era impedir o andamento da Lava Jato.
Após ouvir o Delcídio e os outros senadores apontados, o procurador da República Ivan Cláudio Marx concluiu não “se vislumbrar no discurso de Delcídio a existência de real tentativa de embaraço às investigações da Operação Lava-Jato”.
O senador Renan Calheiros negou, em depoimento ao Ministério Público Federal, ter discutido na reunião a criação de um grupo de administração de crise para acompanhar a Operação Lava Jato.
Já o senador Edison Lobão negou que o tema ‘obstrução do andamento da Operação Lava Jato’ tenha sido levantado em qualquer reunião com o ex-presidente Lula.
Ainda no documento encaminhado à Justiça, o Ministério Público Federal cita um dos trechos da oitiva de Delcídio, em que ele próprio afirma que ” era menos incisivo que embaraçar, mas o objetivo era organizar os discursos e oferecer um contraponto”.
A Procuradoria da República no Distrito Federal ainda destaca que, apesar de Delcídio referir que ‘na prática o efeito pretendido era o de embaraçar as investigações da Lava Jato, que essa mensagem não foi passada diretamente, mas todos a entenderam perfeitamente”, essa afirmação demonstra uma interpretação unilateral do delator, que não foi confirmada pelos demais participantes da reunião.
Ainda no pedido de arquivamento, o procurador da República Ivan Cláudio Marx ressalta que o principal objetivo de Delcídio ao citar Lula na delação pode ter sido interesse próprio, com o objetivo principal de aumentar seu poder de barganha perante a Procuradoria-Geral da República no seu acordo de delação, ampliando assim os benefícios recebidos. Para o MPF, nesse caso, não há que se falar na prática de crime ou de ato de improbidade por parte do ex-presidente.
O pedido de arquivamento criminal deverá ser avaliado pelo juízo substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, onde também corre o processo contra Delcídio e Lula pelo possível crime de ’embaraço à investigação’ pela compra do silêncio de Nestor Cerveró.
Ao mesmo tempo, cópia dos autos será encaminhada à 5ª Câmara de coordenação e revisão do MPF para análise de arquivamento no que se refere aos aspectos cíveis.
Marco Antonio Villa: Adeus, Temer. E depois?
Impeachment deu a falsa ilusão de que tudo estaria resolvido com a mera substituição do titular do Planalto por Temer
Não há na nossa história republicana nenhum caso de um presidente que tenha tido uma agonia política tão longa como a de Michel Temer. No início da República, Deodoro da Fonseca, após ter fechado o Congresso Nacional, permaneceu mais uma quinzena no poder antes de ser obrigado a renunciar, após a rebelião da Marinha, entregando o governo a Floriano Peixoto. Mais de meio século depois, Getulio Vargas resistiu 19 dias até a tragédia do 24 de agosto de 1954. A crise de novembro de 1955 foi resolvida no próprio mês, mesmo tendo três presidentes em um curto espaço de tempo. Já em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, em duas semanas, fundamentalmente, foi possível encontrar uma solução para o impasse sucessório. Três anos depois — e, neste caso, com a decisiva presença militar — em alguns dias foi construída uma nova situação política. Agora, mesmo tendo instituições um pouco mais sólidas do que nos momentos históricos citados, nada indica que seja possível encontrar, a curto prazo, um caminho que retire o país da mais profunda crise da nossa história.
Com a redemocratização, foi construído um estado democrático de direito que não conseguiu lançar os fundamentos de uma República democrática. Pelo contrário, a institucionalidade acabou — graças à sua complexidade e ausência de controle público — dando guarida segura àqueles que conspiraram sistematicamente contra os valores republicanos. O que deveria servir como um instrumento de defesa da cidadania acabou, ao longo de três décadas, sendo utilizado para garantir legalmente — por mais paradoxal que pareça — uma República apodrecida pela corrupção.
Os republicanos passaram por diversos momentos de desilusão política. A cada aparente ruptura, vinha — em seguida — a desilusão. E isso desde o 15 de novembro de 1889, passando por 1930, 1945, 1964, 1985 e, especialmente para a conjuntura que vivemos, 1988 e a sua “Constituição cidadã.” De Saldanha Marinho, lá no início do governo Deodoro, até a atual sociedade civil — participante, ativa, que transformou as redes sociais em instrumentos de combate político — todos dizem que não vivemos na República dos nossos sonhos.
A cada dia fica mais profundo o fosso que separa o cidadão comum da elite dirigente — elite dirigente, entenda-se, dos Três Poderes da República. O poder continua petrificado, de costas para a sociedade. Não quer saber de mudança. Quer manter, na essência, tudo como está. Basta recordar que estamos a cerca de um ano das eleições presidenciais e nada indica que haverá uma profunda alteração do que vivemos no processo eleitoral de 2014. Ou seja, teremos o habitual jogo sujo, com os mesmos partidos políticos, com os marqueteiros de sempre, os eternos candidatos e os ridículos debates. E no segundo turno, se houver, teremos dois candidatos representando frações eventualmente distintas do grande capital. E a cidadania? Ah, esta pouco importa — ou melhor, importa só como eleitor, naqueles segundos em frente à urna eletrônica.
Desta forma, a crise do governo Temer é muito mais profunda. Que o presidente não está à altura do momento histórico, disso não há dúvida. Poderia liderar o país até o processo eleitoral de 2018, mas se apequenou, seduzido pelas benesses financeiras do poder. Resta agora, desesperadamente, se manter à frente do governo, manobrando da forma mais vil. Contudo, nada indica que deva permanecer até 31 de dezembro de 2018.
Mas se o problema fosse somente Michel Temer, tudo poderia facilmente ser resolvido. A questão é mais complexa, é estrutural. Não estamos passando por uma crise política, o que não é pouco, como tantas outras na História do Brasil. Agora há uma crise sistêmica que atinge os Três Poderes. Temer, Lava-Jato, JBS, Dilma, Odebrecht, Lula, Aécio et caterva são faces conhecidas de um sistema que entrou em colapso.
O processo do impeachment deu a falsa ilusão de que tudo estaria resolvido com a mera substituição do titular do Palácio do Planalto. Ledo engano. Tanto que, no “novo governo”, grande parte da base parlamentar é a mesma da antiga situação e, inclusive, teve — e ainda tem — no Ministério Leonardo Picciani, que votou contra a autorização para a abertura do processo contra Dilma Rousseff.
Entre as principais forças políticas com representação no Congresso, há um relativo consenso de que tudo o que ocorreu nos últimos anos não passou de mero acidente de percurso. Algo inevitável, típico de uma jovem democracia. Insistem na falácia de que as instituições estão funcionando, mesmo em meio aos escândalos que transformaram o Brasil no país mais corrupto do mundo ocidental. É a velha conciliação, sempre presente na nossa história, principalmente nos momentos de tensão política.
Desta vez, dada a profundidade e magnitude temporal da crise, é provável que a conciliação fracasse. Isso só poderá ocorrer se a sociedade civil tiver uma ação ativa e propositiva. E aí mora um dos problemas. Fazer o quê? Como? Quais são as propostas? De que forma encaminhá-las? Como combinar a institucionalidade vigente com ideias de reorganização do aparelho de Estado? E de que forma construir o novo em meio a uma estrutura arcaica, que impede as mudanças?
Michel Temer deve logo abandonar o Palácio do Planalto. Mas a crise sistêmica vai permanecer. Ela é muito mais profunda do que a mera substituição do presidente. E se for seguido o velho figurino brasileiro — o que é mais provável — permaneceremos em meio à turbulência nos próximos anos, com reflexos diretos na economia e na sociedade.
* Marco Antonio Villa é historiador
Angela Bittencourt: Empresários e efeito riqueza bancam Maia
Três forças conduzem o deputado carioca Rodrigo Maia, filiado ao DEM, à Presidência do Brasil: o apoio de parlamentares de distintas colorações, a aposta do empresariado em sua capacidade de defender as reformas e restabelecer prioridades no Congresso e o efeito riqueza que a inflação de 3% em 12 meses até junho - piso da meta vigente no país - devolve à classe média.
Nesse período, o Ibovespa rendeu 18,5% acima da inflação, as aplicações em renda fixa mais de 13%, a caderneta 4,7% e o dólar, na lanterna, 0,2%. Também em 12 meses até junho o montante de dinheiro aplicado cresceu cerca de 6% em termos reais. As cadernetas ainda registraram mais saques que novos depósitos em R$ 10,4 bilhões no período - resultado excelente se comparado aos saques que ultrapassaram R$ 57 bilhões em 12 meses imediatamente anteriores. A Caixa, que abre 2.015 agências mais cedo nesta segunda para resgate de contas inativas do FGTS, nos últimos cinco meses, entregou a 22 milhões de trabalhadores R$ 38,2 bilhões.
Nada disso, porém, favoreceu a popularidade do presidente Michel Temer ou impediu que se desenhasse, na última semana, uma transição para o comando do país. A imagem de Temer, duramente abalada com a denúncia por corrupção passiva feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR), está sujeita um desgaste talvez irreparável se a Câmara autorizar que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigue o presidente. Essa autorização depende da aprovação do pedido da PGR na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) cujo processo tem início hoje seguida da aprovação no Plenário.
Entre sexta-feira e domingo, a coluna conversou com cinco especialistas em economia, finanças e relações institucionais - três da área privada e dois do serviço público, que falaram sob anonimato. Nenhum deles vê condições de o presidente Temer permanecer no cargo, seja acolhida ou rejeitada pelos deputados a denúncia apresentada pela Procuradoria.
Os especialistas descrevem uma delicada e incomum transição em curso no Brasil, em que o presidente da República não tem condições para continuar e sua equipe econômica não tem condições de deixar o governo. "A agenda a ser cumprida está aí e todo mundo sabe qual é", diz um dos entrevistados, para quem Rodrigo Maia é o sucessor natural de Temer - presidente da Câmara é o primeiro na linha de sucessão presidencial -, embora considerado, por esse interlocutor, politicamente menos capaz que Temer para negociar com seus pares no Congresso.
"Rodrigo Maia é o Michel Temer que ainda não está publicamente enrolado, mas pode vir a estar", explica outro entrevistado que reconhece, porém, ter Maia a seu favor ser visto como "um político novo, que começa sua carreira, e a quem a sociedade não tem como julgar". O momento em que seu nome surge como opção para governar também é favorável ao deputado. "O Congresso está convencido de que a Reforma da Previdência é imprescindível. Rodrigo Maia toma o bonde andando. Não é exagero dizer que Temer já fez o trabalho sujo. Convenceu ou ao menos negociou condições que devem favorecer a aprovação das reformas."
Para outro profissional não há dúvida de que Maia oferece mais possibilidades de avanço ao país do que Temer. "O presidente deverá usar todo o seu capital político para se defender de denúncias. Maia não está nessa situação e deverá manter a atual equipe econômica porque precisará de gente competente para tocar o dia a dia que continuará dando trabalho, mesmo se aprovada a idade mínima para as aposentadorias".
Assim que aprovado o projeto, ainda que em sua versão minimalista, estender de imediato a reforma aos militares terá um efeito importante a se reverter em combustível para empurrar o Brasil até as eleições presidenciais de 2018. E caberá ao presidente que emergir das urnas a responsabilidade de ampliar a reforma previdenciária, inclusive, se desejar governar por oito anos. Sem essa reforma, o próximo presidente dura quatro anos no cargo - tempo estimado até a implosão das contas públicas por impossibilidade de pagar os aposentados.
A pressão temporal e financeira que deve recair sobre o presidente em 2019 é inédita. Não foi experimentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou pela ex-presidente Dilma Rousseff. Nos governos petistas, a Previdência não estava no limiar do esgotamento. Agora está.
Contudo, até outubro de 2018 tem chão e condições internacionais a aproveitar. "O cenário externo não é configurado por um conjunto de bancos centrais que assume um discurso mais conservador do que o mercado esperava. Não há constrangimento para o Brasil. E devemos lembrar também que esses mesmos bancos centrais ameaçaram com aperto monetário no passado recente sem que a ameaça fosse realizada", avalia Tony Volpon, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e agora economista-chefe do UBS no Brasil.
Eventual transição para um governo Rodrigo Maia teria, internamente, as seguintes vantagens, enumera Sérgio Goldenstein, ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do BC e agora sócio e gestor da Flag Asset Management: "Redução da turbulência política, o que ajudaria na retomada da atividade e na queda do prêmio de risco dos ativos domésticos; alguma chance de aprovação de algo proposto para a Previdência, pois a base de Temer se enfraquece a cada dia; e menor chance de medidas populistas."
Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi, entende que não seria simples a conformação do poder com Rodrigo Maia na presidência, mas lembra não existir "prioridade maior que manter a economia funcionando ainda que minimamente". A classe política está totalmente desacreditada na sua opinião. "Para viabilizar uma agenda mínima será necessário uma costura política e a equipe econômica dá credibilidade no exterior. É conhecida e já acumulou vitórias em 12 meses. Temos um ano e meio de transição e o mais importante é manter a solidez da direção da política econômica. Há chance de termos um bom governo e podemos ingressar em novo ciclo de crescimento sustentável. É necessário manter a rota até que se saiba quem será o presidente em 2019", diz Tingas.
Angela Bittencourt, do Valor Econômico
Marco Aurélio Nogueira: Especulações e possibilidades
O que era especulação abstrata virou possibilidade concreta. Rodrigo Maia poderá substituir Michel Temer na Presidência. Juras de amor e lealdade jorram em profusão. Mas quanto mais ambos desmentem, mais gente se movimenta.
Mudará o quadro? Fará diferença?
Sim e não.
Dado o andar da carruagem, um novo governo pilotado por Maia terá de se valer da mesma articulação parlamentar que hoje sustenta Temer ou que já o sustentou. Não há como alterar isso, especialmente porque o PT e os que seguem suas diretrizes não irão se converter em “situacionistas”, posicionados como estão com os olhos fixos nas urnas de 2018.
Maia, além disso, teria os mesmos problemas de credibilidade de Temer, e não consta que se distinga por uma habilidade política fora do comum, embora saiba se conduzir com competência, tenha boa articulação política e trânsito institucional. Mas não é do tipo que dialogará com a sociedade e tenderá a sofrer muitos vetos da opinião pública.
No entanto, tem uma carta na manga. Poderá afastar a banda podre do atual governo e compor um ministério com perfil mais qualificado, preservando até mesmo a banda saudável de Temer (os ministros do PSDB, por exemplo). Poderia trazer para o governo figuras representativas da sociedade civil. E celebrar um pacto com o “alto clero” do Congresso, tendo em vista uma reforma política, a despolarização e a preparação das eleições do próximo ano. Agindo assim, atrairá apoios importantes e aparará arestas. Ganhará corpo.
Seria como que um reinício da prometida “transição” que alimentou o impeachment de Dilma e que foi naufragando conforme avançaram as denúncias contra Temer e seu ministério.
Se nada disso for feito, fica difícil imaginar de onde viriam a redução da turbulência e a “pacificação” do país.
A turbulência, aliás, talvez não seja o problema principal. Ela não assusta nem incomoda a sociedade, desencantada com os políticos e convencido de que aquilo que se faz em Brasília é sempre mais do mesmo. Também não perturba excessivamente a economia e o mercado, que só estão interessados na continuidade e na blindagem da equipe econômica. A economia, afinal, tem razões próprias, não se dobra a eventuais crises políticas.
Alguns dizem que a continuidade da turbulência — com ou sem Temer — somente serve para jogar água no moinho do PT. Pode ser. Mas é sempre bom não esquecer que avanços e vitórias não dependem prioritariamente do fracasso dos adversários, mas sim da mobilização das virtudes dos que desejam avançar.
Área em que o PT está devendo, e muito.
Alon Feuerwerker: A inversão da inércia e a naturalização das reformas atrapalham Temer. E o risco do jogar parado petista
A declaração pela PF da licitude do áudio da noite de 7 de março no Jaburu e o teor da denúncia vinda da PGR contra o presidente já eram perturbações na narrativa do Planalto para escapar do desfecho desfavorável. Mas ainda não haviam invertido o sentido da inércia. Sentido que se descobre na resposta a isto: “Se nada acontecer, acontece o quê?".
A resposta define algo muito importante para a análise: define quem depende da criação do chamado fato novo para atingir os objetivos. Até uma semana atrás esse desafio era dos que queriam derrubar o governo. A prisão de Geddel Vieira Lima e a noticiada aceleração das colaborações de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro finalmente inverteram os vetores.
Outro problema novo para os ocupantes do Palácio é uma certa naturalização da necessidade das reformas liberais. Um trunfo do atual governo era a suposta essencialidade dele próprio para que andassem bem a lipoaspiração na CLT e a imposição da idade mínima de aposentadoria. Mas espalha-se a impressão de que não é bem assim.
A CLT light nasce esta semana no Senado. Só o imponderável impedirá o desfecho. E o inferno policial-político começa a dificultar a possibilidade da mudança previdenciária. Perturba assim a “agenda”, que também é a base do projeto de continuidade pós-2018. Se antes Temer estava ajudando quem o levou ao poder, agora começa a dar a sensação de atrapalhar.
Isso costuma ser perigoso, porque não basta ao líder defender seu direito de sobreviver. Ele precisa convencer de que sua liderança é essencial para a proteção da tribo. Se a fraqueza do chefe passa a ameaçar a vida dos chefiados, estes procuram um meio de livrar-se do problema. Para que não se estrepem todos, o poder muda de mãos. Dilma caiu também por isso.
O atual presidente da Câmara tem potenciais fragilidades legais, mas se assumir definitivamente a cadeira não poderá ser investigado por atos anteriores ao mandato. É o supertrunfo de qualquer presidente, desde que tome o cuidado de não perdê-lo. E não é tão difícil assim proteger-se do risco. Só não cometer erros primários. Que de vez em quando acontecem.
Há ainda uma dúvida. Se a Câmara autorizar o processo contra o presidente da República este sai por até 180 dias. E se o STF não o condena em seis meses ele volta ao cargo. Será que nesse período o interino goza da mesma imunidade constitucional do titular? Mais um tema para a Corte decidir. Ou esclarecer, se decidir que já está decidido.
Para quem apoia o atual bloco de poder o ideal seria uma solução definitiva. Mas se o presidente renunciar ele perde o foro, e o afastamento via impeachment consumiria o tempo útil até a eleição do ano que vem. Seria uma boa maneira de esticar a confusão até lá. O que só interessa eleitoralmente à esquerda, especialmente ao PT.
PT sem marola
Por falar nisso, é compreensível que o PT não deseje facilitar um governo de transição que dê um reset de imagem e musculatura no bloco adversário. Mas só o temor da ameaça que a Lava-Jato representa à candidatura Lula explica a falta de apetite do petismo para ocupar espaços de mobilização política criados pela fragilidade do governo.
O PT não está convocando manifestações pelo #ForaTemer, não está obstruindo a reforma trabalhista no Senado. Nem a está combatendo na rua. Além disso, não assume publicamente o compromisso de revogar as reformas impopulares se voltar ao governo. Em resumo, o PT adotou a política de não fazer marola, para que nada de diferente aconteça.
É verdade que se o presidente acabar derrubado ficará mais difícil fazer a denúncia política de uma eventual condenação de Lula em Curitiba. Aliás esse é outro problema que atrapalha a sobrevivência de Temer. Nas idas e vindas do jogo do poder, a permanência dele passou a ser um incômodo para quem precisa do cartão vermelho do tribunais a Lula-2018.
Os números das pesquisas têm dado gás a essa tática petista. O PT joga parado e está capitalizando a crise de quem o tirou do poder. Mas numa luta assim é perigoso deixar o adversário respirar. Se se está perdendo por pontos é sempre possível nocautear. Se a tática petista funcionar, terá sido brilhante. Se não, restará ao PT lamentar a oportunidade perdida.
*
O apoio do PSDB a governos não tucanos é o passarinho na gaiola que o mineiro leva com ele ao entrar para o trabalho na mina. Quando o passarinho morre é hora de sair correndo.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político na FSB Comunicação
Fernando Gabeira: O interessante estado de direito
Há coisas que não entendo no Brasil. Ou melhor, coisas que me esforço para entender. O STF, por exemplo, negou a liberdade a uma prisioneira que roubou xampu e chicletes. Mas decidiu soltar Rodrigo Rocha Loures, que recebeu a mala preta com R$ 500 mil numa pizzaria. Sou leigo e fiquei sabendo que a mulher foi mantida na prisão porque era reincidente. Provavelmente roubou um tubo de creme dental no passado e, como essas pessoas são insaciáveis, deve ter levado também a escova de dentes.
Leio no belo livro “Triste visionário”, de Lilia Moritz Schwarcz, sobre o escritor Lima Barreto, que o médico Nina Rodrigues, expoente da Escola Tropicalista Baiana, defendia no fim do século XIX que negros e brancos eram diferentes biologicamente e o Brasil precisava ter dois códigos penais. Felizmente, as ideias racistas de Nina, que conheci pelo seu trabalho pioneiro sobre a maconha, foram sepultadas. Existe apenas um código penal.
Suspeito, no entanto, que existam diferentes estados de direito. A mais generosa versão desse conceito surgiu no país quando começou a ser desmontado o gigantesco esquema de corrupção.
A Lava-Jato é responsável apenas por um terço das conduções coercitivas no país. Nunca houve problemas até que, depois da centésima experiência, a operação trouxe Lula para depor. Resultado: um grande debate nacional sobre condução coercitiva. Em 2013, o Congresso aprovou o instrumento da delação premiada. Era destinado a desarticular o crime organizado. Ninguém protestou. Ao ressurgir na Lava-Jato, a delação premiada precisou se revalidar no contexto do novo e delicado estado de direito.
Marcelo Odebrecht disse que ensinava aos seus filhos que era feio delatar. No Congresso, a delação premiada foi definida como a tortura do século XXI. E Dilma Rousseff comparou os delatores a Joaquim Silvério dos Reis, nivelando a Inconfidência Mineira ao assalto à Petrobras.
Mostrei num curto documentário como as famílias dos presos sofrem para visitar os parentes no Complexo de Bangu, às vezes, passando a noite ao relento, à espera de uma senha.
A televisão revela agora como Sérgio Cabral recebe visitas à vontade, inclusive como chegam encomendas da rua no setor onde está preso agora. Sua mulher, Adriana Ancelmo, está solta para cuidar dos filhos, e a polícia encontrou nas casas da irmã e da governanta joias escondidas por ela. Leio nos jornais que numa excursão da Escola Britânica ao exterior, o filho de Cabral foi o único a viajar na classe executiva.
Se a mulher de Cabral ajudá-lo, de novo, a roubar R$ 1 bilhão do povo do Rio, inclusive com prêmios por conceder aumento da passagem de ônibus, creio que, pela leitura da lógica do STF, irá para a cadeia. Dura lex sed lex, no cabelo só Gumex, dizia o velho anúncio. A mulher que roubou o xampu deve ser jovem, desconhece slogans publicitários do passado.
Há algum tempo, desisti de esperar uma reação previsível do Supremo. Carmem Lúcia, de vez em quando, me consola prometendo que o clamor das ruas será ouvido.
De vez em quando, sim, o clamor das ruas será ouvido. Mas o sistema politico partidário brasileiro envolve com seus tentáculos os próprios ministros do Supremo. O ubíquo Gilmar Mendes articula leis no Congresso, encontra-se com investigados, discute o preço do boi com Joesley Batista e foi padrinho da casamento de Dona Baratinha, herdeira do clã que enriqueceu cobrando caro para que o povo do Rio viaje nos seus ônibus vagabundos.
A Lava-Jato lançou a ideia de que a lei vale igualmente para todos. É uma ideia tão antiga que pronunciá-la parece apenas repetir um lugar comum. Vencemos a etapa em que o racismo teorizava um código penal para brancos e outro para negros.
Mas a realidade mostra como existe ainda um grande caminho a trilhar. A lei não é igual para todos. Ela afirma que os portadores de diploma universitário têm direito à prisão especial.
E cria uma dessas situações que talvez só possa se resolver numa peça de ficção. Nas cadeias do Rio, em condições tão distintas, os cariocas que Sérgio Cabral arruinou e o novo rico que a corrupção alimentou.
Na realidade concreta do cotidiano, é um conflito insolúvel. A lei vale para todos, contudo, entretanto,você sabe como é, estamos no Brasil, um país que, definitivamente, não tolera roubo de chicletes. Como dizem os defensores do estado de direito, vivemos o perigo de um estado policial. Hoje o chiclete, amanhã um quilo de açúcar, daqui a pouco os homens podem nos levar pelo simples desvio de um milhão de dólares.
No tempo da corrupção, éramos felizes e não sabíamos. Ninguém tinha feito delação premiada. Era possível comprar eleições em nove países do continente e, sobretudo, comprar uma Olimpíada. O complexo de vira-lata foi jogado no lixo; do pingue-pongue ao polo aquático, gritávamos: Brasil, com muito orgulho e muito amor.
Aí, chegou a polícia.
* Fernando Gabeira é jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/o-interessante-estado-de-direito-21569500
Roberto Freire: Governo de transição segue mesmo sem Temer
Para o deputado, ex-ministro de Temer, caso o presidente seja afastado, processo deverá seguir dentro do que determina a Constituição
Mariana Araújo, do Jornal do Comércio
Ex-ministro da Cultura de Michel Temer (PMDB), o deputado federal Roberto Freire (PPS-SP), afirmou que o processo de um governo de transição no Brasil independe da permanência de Temer no poder. "Na minha compreensão, a transição não é as pessoas. Nós estamos nas vésperas de talvez acontecer isso. Você pode ter na Presidência da República uma outra pessoa que represente a própria transição de acordo com a Constituição", afirmou o deputado, em entrevista à Rádio Jornal, na manhã desta quinta-feira (6).
Freire entregou o cargo em maio deste ano, após a divulgação da delação do empresário Joesley Batista, da JBS, denunciando que Temer teria concordado com a manutenção do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) através do pagamento de propina.
"Vamos admitir que a Câmara aprove o pedido de licença que foi feito pela Procuradoria Geral da República. Assume o presidente da Câmara, de acordo com a Constituição. E continua o processo de transição para 2018, quando se admite a retomada e a superação da crise com eleições gerais no País", acrescentou Freire.
Para Freire, caso Temer saia do poder, o quadro de ministros deverá sofrer poucas alterações. "A transição continua e eu acredito, até, que esse próprio ministério, com algumas mudanças pequenas, vai dar continuidade. Até porque, é bom salientar, em relação a esse governo, fora a delação que foi feita pelos irmãos da Friboi envolvendo o presidente Temer, você não tem nenhum ministério, nenhuma estatal com denúncia de corrupção", disse. Em abril deste ano, quando foi divulgada a "Lista de Fachin", com nomes de 83 investigados na Lava Jato, oito ministros foram citados.
Freire também saiu em defesa de Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Temer detido nesta semana. "Quando se diz ex-ministro de Temer, é verdade. Mas ele está sendo processado não é por nenhum ato que ele praticou como ministro de Temer e sim como ministro de Lula ou como diretor da Caixa do governo Dilma", declarou.
Questionado sobre a divulgação do voto do deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB), que apoiou o presidente Michel Temer e, nesta quarta (5), declarou que votará favorável à investigação da denúncia de corrupção contra o presidente, Freire não antecipou o seu voto. "Como presidente do partido, estou querendo discutir com a bancada para saber se tem uma posição de consenso. Não estou querendo de antemão estar definindo. Mas posso talvez dizer a você que há um sentimento de que é difícil impedir processo de investigação", afirmou.
"Não está se condenando ninguém, está, talvez, abrindo a possibilidade de que esse processo corra sobre o comando do Supremo Tribunal Federal", acrescentou.
Sem caos
Freire disse, ainda, que não enxerga a existência de um "caos" no governo. "Se tivesse um casos, estaria com um problema na economia mais grave ainda do que nos foi legado no governo anterior", afirmou, citando o crescimento recente do setor industrial. "A política está vivendo uma dificuldade, mas volto a repetir, é dentro da Constituição. Se vier o afastamento de Temer, vai vir um presidente que não tem nada que indique que vai dar a chamada estabilidade e a continuidade das reformas", pontuou.
"A confusão é geral diante do ponto de vista da política", disse, em outro trecho da entrevista. Para o deputado, o momento do País apresenta "surpresas" a cada momento. No entanto, Freire destaca que, apesar da crise, o Brasil está conseguindo vencer o "obstáculo da Constituição, mantendo as liberdades democráticas", além da economia apresentar sinais de recuperação. Na opinião do deputado, o momento é de atropelos, mas que será vencido dentro do que determina a Constituição.
O deputado atribuiu os problemas de corrupção enfrentados pelo País ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). "Não significa dizer que neste governo não está tendo problemas. Tem. Tem problemas estacionários que vieram de lá, do governo anterior, que foi o grande responsável por tudo isso que estamos passando. E veio de lá até o vice-presidente, que, de acordo com a Constituição, era o vice-presidente de Dilma. É bom a gente ter clareza disso para poder superar todos os obstáculos que essa crise nos coloca", declarou.
Cristovam Buarque: Onde erramos
Preferimos defender direitos dos servidores de estatais à qualidade dos serviços públicos
O jornalista Paulo Guedes escreveu nesta página, em 19-6-2017: “os partidos social-democratas que nos dirigem há mais de três décadas devem explicar nossa degeneração política e o medíocre desempenho econômico”. Eu acrescento: “a persistência da pobreza e da desigualdade, a desagregação social, a violência generalizada, o desencanto dos jovens com a política e a tolerância com a corrupção”.
Uma explicação: não nos sintonizamos com o “espírito do tempo”, perdemos o vigor transformador. Enquanto a realidade se transformava, continuamos com as ideias do passado. Não entendemos que hoje a divisão entre presente e futuro é mais importante que entre capitalistas e trabalhadores; nem que estes se dividiram entre modernos, com bons padrões de consumo, e tradicionais pobres e excluídos, com um “mediterrâneo invisível” separando-os. Tampouco aceitamos que os sindicatos representam o setor moderno. Preferimos defender direitos dos servidores estatais à qualidade dos serviços públicos; ignoramos que estatal não é sinônimo de público, sob falso conceito de igualdade, abandonamos o reconhecimento ao mérito de alguns profissionais.
Optando pela disputa entre corporações, de capitalistas ou de trabalhadores, governamos sem buscar coesão social e rumo histórico. Substituímos propostas de um mundo melhor para as futuras gerações, por promessas de maior consumo no presente; criamos consumidores, não cidadãos. Caímos no oportunismo eleitoral ao prometer que todos atravessariam o “mediterrâneo invisível” apenas com “bolsas” e “cotas” para pobres e isenções fiscais para empresários. Não percebemos que o esgotamento dos recursos fiscais e naturais exige austeridade nos gastos e eficiência na gestão. Aceitamos a irresponsabilidade populista sem ver os riscos de induzir soluções inflacionárias e autoritárias no futuro.
Não entendemos que a justiça social vem da aplicação correta e responsável dos resultados de economia eficiente; que no mundo global não há mais futuro para economias movidas por nacionalismos isolados; nem reconhecemos que o capital do século XXI está no conhecimento para inovar e usar as novas máquinas inteligentes. Faltou a compreensão de que a eficiência e a justiça não virão da ocupação do Estado para subordinar as economias sob controle dos partidos, mas da educação para todos, filhos de pobres e de ricos em escolas com a mesma qualidade. Não acreditamos que a igualdade educacional com qualidade teria sido nossa nova bandeira.
No lugar de gigante deitado em berço esplêndido, deixamos um Brasil amarrado em laços corporativos e antiquados. Nossos intelectuais ficaram acomodados em ideias antigas, filiações partidárias, fascínio por líderes. Substituímos ideias por slogans, filósofos por marqueteiros. Caímos em narrativas falsas e passamos a acreditar nas próprias mentiras. Prisioneiros de siglas partidárias sem ética e programas, trocamos princípios por preconceitos. Sem rumo, caímos no eleitoralismo populista e na corrupção, que mora ao seu lado. E ainda não fizemos uma autocritica, nem pedimos desculpas à história e ao povo.
* Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)
Fonte: https://oglobo.globo.com/opiniao/onde-erramos-21566743
Alberto Aggio: É preciso reinventar a esquerda no país
Política é uma paixão que deve ser vivida para fortalecer a vida, para dar sentido à ela, diz o professor e historiador Alberto Aggio. "Um sentido positivo, desafiador, de inconformismo e de busca de realismo para atuar"
Germano Martiniano
A vida política brasileira anda bastante conturbada. De um lado se vive uma crise econômica, com quase 14 milhões de desempregados. Por outro lado, o Brasil também passa por uma crise ética na política, que não é de agora, mas que tomou proporções inimagináveis com as revelações da Operação Lava-Jato. Esta é a realidade que cerca os 120 participantes e que será debatida durante o II Encontro de Jovens Lideranças, evento organizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que será realizado na Colônia de Férias Kinderland, em Paulo de Frontin (RJ), entre os dias 11 a 15 de julho.
Para dar mais força à importância do debate dessa realidade vivida hoje em todo o Brasil, a FAP idealizou a palestra “Da revolução à democracia: uma esquerda a inventar”, que será ministrada pelo professor e historiador Alberto Aggio. “A discussão da esquerda é intrínseca à discussão da crise que o país vive”, disse Aggio.
O historiador, que defende a necessidade de se reinventar a esquerda brasileira, é o entrevistado de hoje na série de entrevistas especiais que a FAP está publicando com os palestrantes do II Encontro. Confira, a seguir, alguns trechos da entrevista:
FAP: Qual a importância de se discutir este tema com os jovens?
Alberto Aggio - A discussão da esquerda é intrínseca à discussão da crise que o país vive. Infelizmente, foram os governos de esquerda comandados pelo PT que colocaram o país na crise que ele está. Assim, é inevitável fazer essa discussão. Contudo, não se deve discutir apenas a partir do PT e de seus governos. Todos sabemos que a esquerda vive hoje uma crise de significados, de projeto e, principalmente, em relação às respostas à crise que o país enfrenta. Depois do PT não há como não se pensar numa reinvenção da esquerda no país.
FAP: por que a necessidade da esquerda se reinventar? O crescimento de movimentos de extrema direita é reflexo de um esgotamento da esquerda?
Alberto Aggio - Não creio que uma coisa esteja diretamente ligada à outra. Acho que a extrema direita cresce porque os dilemas contemporâneos envolvem todas as forças políticas e as respostas que essas forças têm que dar a uma mudança de época que estamos vivendo no mundo, na humanidade. É uma espécie de mutação antropológica o que estamos passando. Se a esquerda não se reinventa, ela se inabilita a ser um ator capaz de dar respostas à essa crise.
FAP: como você vê a esquerda no Brasil atualmente?
Alberto Aggio - A esquerda brasileira passa por um realinhamento em função do desastre que foram os governos do PT, em especial os de Dilma Rousseff. As alternativas que têm sido apresentadas, de certa forma, querem refazer o caminho do PT, desde suas origens. Em certo sentido, reconstruir o PT. Isso não tem sentido, o Brasil já é outro, o mundo já é outro. A esquerda que apoiou o PT carregou muitos elementos autoritários que já deveriam estar fora de discussão. Ela simpatiza com Cuba, com o chavismo, ainda guarda a perspectiva anti-imperialista que, num contexto de globalização, não faz mais sentido. Pensa ainda que a luta de classes é o motor da história e que devemos projetar uma revolução para o nosso país. Por outro lado, não valoriza a democracia que nós construímos, suas instituições e, por isso, não tem uma postura positiva de reformas dessas instituições e, portanto, da sociedade. Por outro lado, outros grupos de esquerda foram sufocados com o predomínio no PT e hoje são francamente minoritários. É o caso de uma esquerda democrática que pense a construção de uma sociedade moderna no país por meio da política e da cultura democrática. Diante da crise de referências, a esquerda não pode se projetar no país, senão, como uma força de centro-esquerda, que proponha um governo de centro-esquerda, reformista e democrático. Quem permanecer junto com o lulismo e sua narrativa não estará credenciado a fazer isso.
FAP: muitas pessoas consideram as reformas propostas pelo governo Temer como sendo de direita. Por outro lado, o mundo do trabalho está se modificando, a população brasileira envelhecendo, desta forma a esquerda não pode negar essa situação. Qual sua avaliação?
Alberto Aggio - As reformas de Temer não são nem de esquerda nem de direita. São, em primeiro lugar, emergenciais em função do descalabro que o petismo promoveu no Estado brasileiro. Por outro lado, elas avançam em alguns pontos que tocam numa necessária reforma estrutural do Estado. Em termos genéricos, pode-se dizer que ela é tímida como reforma à esquerda se pensarmos que ela nem projeta uma reforma tributária que valorize as necessidades básicas da população mais carente, que atinja os preços da cesta básica e também do desenvolvimento regional. A direita também deve imaginar que são reformas tímidas porque ela objetiva uma postura mais radical de diminuição do Estado e até de extinção da ação do Estado em alguns casos. A narrativa que visa estabelecer que as reformas de Temer são de direita, que retiram direitos, faz parte da narrativa petista de combate ao impeachment. Ela se situa num campo de reação e de revanche ao impeachment, visando sair da defensiva em que o PT foi colocado. Assim, não vejo como não estar no campo de discussão das reformas e apoiá-las naquilo que significa um avanço para o país. Acho essa a posição mais correta.
FAP: Qual mensagem você daria ao jovens que vão participar do II Encontro?
Alberto Aggio - Olha, o Encontro de Jovens é um momento importante, mas é apenas um momento. Pode-se extrair dele, além dos afetos que eventualmente possam ser gerados, um conjunto de questões para pensar a política em termos democráticos. Política é uma paixão que deve ser vivida para fortalecer a vida, para dar sentido a ela, um sentido positivo, desafiador, de inconformismo e de busca de realismo para atuar. Para os jovens que estarão lá, espero que essa seja uma descoberta valiosa.
Tasso diz que País caminha para a ‘ingovernabilidade’
Presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati avalia que se o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) fizer delação premiada, 'não tem o que discutir mais'
Julia Lindner, O Estado de S.Paulo
O presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE) fez um aceno nesta quinta-feira, 6, ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para uma eventual sucessão do presidente Michel Temer. Caso a denúncia contra o peemedebista seja aceita pelos deputados e ele seja afastado do cargo, Maia assumiria provisoriamente o cargo por até 180 dias até o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar o caso.
A escolha do relator da denúncia contra Temer por corrupção passiva na Câmara, deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), e a prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, acenderam o alerta entre Tasso e seus aliados para acelerar o desembarque. Agora, com os boatos de que o ex-deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha pode fechar acordo de delação premiada, o presidente interino do PSDB acha que a crise deve se intensificar ainda mais.
"Se Eduardo Cunha fizer delação, aí não tem nem o que discutir mais. Se vier essa delação não sei nem quem vai ser citado, quem não vai ser, mas vai ser um semestre terrível para nós", avaliou. Ele reclama que "não dá para viver cada semana uma nova crise" e que "está na hora de buscar alguma estabilidade" para o Brasil.
Embora diga que ainda é "precipitado" falar em nomes para uma "transição", Tasso afirma que o candidato "tem que ser alguém que dê governabilidade" para o País até a eleição de 2018. "Isso não é algo difícil de se encontrar", minimizou.
"Na travessia, se vier, têm várias opções. Se vier um afastamento pela Câmara, ele (Maia)é presidente por seis meses. Se Temer renunciasse já seria diferente, mas, se passar a licença para a denúncia, aí ele (Maia) é presidente por seis meses e tem condições de fazer, até pelo cargo que possui na Câmara, de juntar os partidos ao redor com um mínimo de estabilidade para o País", declarou o tucano. Ele diz que está sempre aberto para tratar de uma "saída negociada" com Temer.
Sobre um cenário hipotético de transição, caso Temer deixe o cargo, Tasso avalia que a equipe econômica do atual governo deveria ser mantida para manter a estabilidade. "O governo tem que ser o mais próximo possível do intocável em termos de postura ética", completou.
Tasso admite que está conversando com todas as legendas sobre o assunto. "Eu acho que o ideal é envolver todos os partidos, inclusive os de esquerda", defendeu.
Para ele, o governo "caminha para a ingovernabilidade", assim como considera que ocorreu com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) antes do processo do impeachment. Tasso considera ainda que o maior problema de Temer na base aliada é com o próprio PMDB, que está dividido.
"O primeiro sinal que vamos ter é com o relator (da denúncia contra Temer na CCJ, o deputado Sergio Zveiter), que é do PMDB. O PSDB não tem importância nenhuma nessa história. Se ele (Zveiter) der o voto licenciando o processo, quem está dando autorização é o PMDB. Quer coisa mais significativa que isso? Se ele não der (parecer favorável à aceitação da denúncia), aí é outra coisa."
Após mais de 45 dias longe das atividades legislativas, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), voltou ao cargo esta semana e, com isso, gerou um impasse sobre quem ficará no comando do partido. Tasso tem pressionado o tucano a tomar uma decisão definitiva sobre o assunto o quanto antes para ter maior legitimidade em suas decisões. Ele disse que, se continuar na função, a legenda vai começar a defender o parlamentarismo de uma maneira "bastante intensa".
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tasso-diz-que-caminhamos-para-ingovernabilidade-e-fala-em-maia-para-travessia,70001879777
Everardo Maciel: O andar do hipopótamo trôpego
As discussões sobre as reformas trabalhista e previdenciária, cujo desfecho é ainda imprevisível, fizeram aflorar reações que retratam o que existe de mais atrasado no País. São as corporações de todos os gêneros que defendem, arraigadamente, seus privilégios e, sobretudo, o controle do Estado brasileiro, antes limitado a velhos oligarcas políticos e ao empresariado patrimonialista.
Nada, no Brasil, é mais maltratado que o próprio Estado. Dele se extrai tudo que é possível, desde incentivos ineficazes, aposentadorias privilegiadas, programas assistenciais que não viabilizam a promoção social, férias em dobro e convertidas em dinheiro, salários que ultrapassam o teto constitucional e, sobretudo, o que se rouba na farra da corrupção sistêmica.
Como o Estado não produz riqueza, essas práticas de espoliação constituem tão somente uma pervertida forma de redistribuir o que a Nação produz, além de, paradoxalmente, impedir que ela produza mais.
Uma população pouco esclarecida, em razão do lastimável padrão da educação pública, é um espaço fértil para o engodo e a manipulação.
Quando se diz que a reforma trabalhista irá retirar direitos dos trabalhadores, o que na verdade se defende é a manutenção do imposto sindical que abastece o peleguismo, cuja atividade jamais foi fiscalizada, afora tudo o que gravita em torno da justiça trabalhista, que se alimenta da tentacular indústria de litígios.
Os movimentos contrários à reforma previdenciária visam tão somente a assegurar privilégios na aposentadoria do setor público. Não há preocupação com as gerações futuras, nem mesmo com a existência de recursos para o pagamento das aposentadorias no curto prazo. Prefere-se a dolorosa via grega do desastre.
É impressionante a “contabilidade criativa” para tentar, primariamente, mascarar os déficits da Previdência.
Há quem diga, espantosamente, que é necessário contratar mais servidores para assegurar o equilíbrio nas contas previdenciárias, como se o pagamento desses servidores não fosse dispêndio. O Estado brasileiro, ressalvadas algumas ilhas de excelência, além de estar enredado em uma grave crise fiscal, funciona muito mal.
A administração da saúde pública, por exemplo, é uma calamidade. A pretensão constitucional de qualificar a saúde como direito universal é patética, porque viola o inexorável princípio da escassez. A busca desse direito, na Justiça, é uma excentricidade. O magistrado demandado não dispõe de qualificação técnica para aferir a procedência do pedido e muito menos estabelecer, considerada a limitação de recursos materiais e financeiros, prioridade no atendimento.
Greve no setor público nega a sua própria razão de ser. É greve contra os usuários do serviço público, fazendo prevalecer o interesse individual sobre o público. Em alguns casos, assume natureza de motim.
É verdade que essa greve tem previsão constitucional, mas até hoje o Congresso não se dispôs a disciplinar o instituto e, dominado pelo medo das corporações, se abriga em uma decisão precária tomada pelo STF. Há ainda quem se queixe, sem razão no caso, do ativismo judicial.
Foi um enorme erro, na Constituição de 1988, conceder autonomia orçamentária para os Poderes Judiciário e Legislativo e para o Ministério Público.
A consequência dessa imprudente iniciativa se revela nos suntuosos palácios que albergam os órgãos daquelas instituições, em contraste com a precariedade de estradas, escolas e hospitais. De igual forma, os regimes de pessoal de seus servidores são generosos, quando confrontados com os dos demais servidores.
A política de gastos públicos, inclusive a de pessoal, tem que se sujeitar a critérios gerais. Diferenciações não podem decorrer do vínculo a Poder, mas da natureza da atividade. A independência dos Poderes não autoriza concluir que pertencem a Estados soberanos.
Ainda que indispensável, não será fácil reformar o Estado brasileiro. As forças reacionárias são poderosas. Por um bom tempo, o Estado prosseguirá marchando como um hipopótamo trôpego.
* Consultor tributário, foi Secretário da Receita Federal (1995-2002)
Foto: O senador Cássio Cunha Lima, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, e o senador João Alberto Souza durante sessão plenária para discutir reforma trabalhista (Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-andar-do-hipopotamo-tropego,70001878627