crise política

Luiz Sérgio Henriques: As metáforas de Bobbio

Não são poucas as fantasias desfeitas e as ilusões perdidas que temos visto desfilar nos últimos tempos. Elas parecem passar mais depressa em períodos de crise vertiginosa e não poupam ninguém, mostrando os farrapos de bem e mal-intencionados, de “tribunos do povo” e adeptos de um liberalismo restrito. Difícil decifrar uma cena tomada pela centralidade dos órgãos de controle e pelos destroços de um sistema partidário que deveria vertebrar a institucionalidade democrática estabelecida há quase trinta anos.

Para usar uma metáfora de Bobbio, aliás originalmente de Wittgenstein, cada um de nós terá alguns bons motivos para se sentir como a mosca dentro de uma garrafa, a esperar talvez por uma intervenção externa que a livre da prisão. A intervenção externa em nosso caso, segundo os defensores extremados da inédita ação corretiva em curso, viria pura e tão somente de juízes, delegados e promotores, mesmo quando, ressalvado o papel globalmente positivo que desempenham, fazem como o Bacamarte machadiano, para quem toda a Itaguaí deveria ser encerrada na Casa Verde; ou para quem, atualizando a trama, a atividade política só poderia recomeçar depois de encontrada uma “solução final” para a corrupção.

Não é possível existir tal ator externo — foi o que Bobbio defendeu contra Wittgenstein e é o que já podemos ver com mais clareza, especialmente com a colaboração premiada do dono da JBS, no curso da qual, a par dos mecanismos jurídicos, se destacou a movimentação propriamente política do procurador-geral na seleção de alvos e prioridades. Pode-se e, de resto, deve-se muito bem admitir a impropriedade do diálogo registrado no Jaburu, indicador, no mínimo, de uma relação promíscua entre o líder político e o megaempresário. No entanto, corresponde a uma escolha mais problemática definir o papel do atual presidente da República como o de “número 1” na sequência de atropelos institucionais da última década e meia, alguns dos quais, como na Ação Penal 470, foram objeto a seu tempo de sanção do STF.

Se não há nenhum deus ex machina à nossa disposição, diante da atual miséria política nacional poderíamos talvez nos sentir como peixes apanhados numa rede – e é a segunda metáfora bobbiana a que recorremos para definir nosso estado de espírito. Estaríamos assim enredados num maniqueísmo indigente, a esbarrarmos uns nos outros com ódio, rancor e intolerância poucas vezes vistos e menos ainda previstos depois de trinta anos de vigência de amplas liberdades. Não soubemos nos autoeducar para a democracia ou então, à maneira de Weimar, vivemos numa democracia sem democratas, prisioneiros de culturas políticas que não se renovaram e, ao contrário, reiteraram alguns de seus piores vícios.

Tomemos, por exemplo, a cultura de esquerda, pelo menos a dominante. Após o longo ciclo autoritário, que expandiu e consolidou as relações capitalistas com sua mistura inseparável de arcaico e moderno, era de esperar que coubesse à esquerda – especificamente ao partido dos trabalhadores que surgiu ainda nos anos de transição – a função de esteio da política democrática: uma política de massas, culturalmente luminosa, capaz de promover os elementos modernos da nossa civilização e, aos poucos, cancelar os arcaísmos. Com frequência, no entanto, lemos seus documentos, observamos a ação de seus dirigentes e geralmente nos decepcionamos: a velha matriz de outros tempos — classe contra classe, proletariado contra burguesia — continua “produtiva”, mas produz menos a mudança e mais o alimento, no campo oposto, para uma direita igualmente primitiva e sectária.

Movimentamo-nos, então, como peixes aprisionados. Mas se trata de movimento rumo a uma saída catastrófica: levados para a margem, como lembra o filósofo, em vez da liberdade encontramos a morte. O que parecia saída era apenas a repetição do peso de chumbo da história: a “estadolatria”, o culto do chefe carismático, o sacrificium intellectum em suas mais variadas manifestações, a murchar o mundo da cultura ou a torná-lo tendencialmente irrelevante, à custa de adesões automáticas segundo o antigo roteiro dos “companheiros de viagem”, usados instrumentalmente e logo descartados.

O labirinto é a terceira das imagens bobbianas para figurar a condição humana e, nela, a dimensão política. Um labirinto sem saída, como convém a um pensador desconfiado de amanhãs radiosos e de uma humanidade utopicamente sem conflitos, ainda que insista, obstinada e racionalmente, em mudanças progressivas, “moleculares”, que possibilitem padrões de civilização mais altos ou, pelo menos, menos injustos. Mudanças estas que sempre foram, e presumivelmente serão, trabalho contínuo sobre madeira muito dura, baseado na disputa e na construção de consenso, na explicitação leal de divergências e na ampliação da tolerância entre os que divergem.

O labirinto é a política. Dentro dele temos de caminhar indefinidamente, contando tão só com nossas forças e nossa capacidade de invenção. Quedas e retrocessos nunca podem ser excluídos, mas temos a favor toda a caminhada anterior, isto é, o processo histórico, que, mesmo tragicamente acidentado, é um processo de criação de valores, entre os quais, como conquista difícil e sempre em risco, a democracia política.

Trinta anos de democracia não bastaram para civilizar as partes em conflito na cena brasileira. Mesmo na falta de alternativas radicais em confronto (e nem elas o justificariam), a divergência transbordou das redes “sociais”, infiltrou-se entre amigos, dividiu famílias. E criou impasses que não temos o direito de ignorar — afinal, o pecado mora ao lado, como nos mostra a desafortunada Venezuela de Chávez e Maduro. Segundo Bobbio, a arte de andar no labirinto — a arte da política — não é nada consolatória, mas, com o tempo, ensina a pressentir os caminhos bloqueados. Não é pouco.
* Luiz Sérgio Henriques é o editor de Gramsci e o Brasil

 


'Pós em esquerdismo' anuncia Dilma, Stédile e Boulos como professores

Quando foi às redes sociais para anunciar o curso "A Esquerda no Século 21", o deputado federal Pedro Uczai (PT-SC) fazia ideia que a pós-graduação, em Chapecó (SC), atrairia interessados, mas não tantos a ponto de ter que adiar sua data de início.

Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo

As 510 inscrições —para 50 vagas— recebidas em duas semanas levaram o parlamentar, idealizador da especialização lato sensu, e o instituto que irá oferecê-la a transferirem a primeira aula de 14 de julho para 4 de agosto.

Com professores como a ex-presidente Dilma Rousseff (que foi convidada e tem o nome divulgado nos anúncios, mas ainda não confirmou participação) e o líder nacional do MST, João Pedro Stédile, o curso ganhou logo a alcunha de "pós em esquerdismo", apelido que Uczai rechaça.

Dilma é anunciada, ao lado do ex-governador gaúcho e colega de partido, Olívio Dutra, como titular da matéria "Partidos Políticos e a Esquerda Brasileira". Outras disciplinas tratam, por exemplo, de luta de classes, teoria revolucionária e agenda ambiental.

"O objetivo é parar, sistematizar e compreender as experiências históricas no país e na América Latina", diz o idealizador, que também leciona na pós. "Principalmente agora, com a quebra do processo democrático no Brasil [impeachment]. Vamos refletir criticamente. Não é para puxar saco do PT ou de alguém do nosso governo."

"Tem que fazer autocrítica", diz a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), outra professora. "Política e história não podem ser dogmas. É preciso sempre discutir erros e acertos."

O teólogo Leonardo Boff, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos, e o sociólogo Emir Sader também estão no corpo docente.

'VITIMISMO'
Entre os comentários nas redes sociais, houve a provocação de que algumas das disciplinas seriam "introdução ao vitimismo" e "estocamento de vento" (em alusão a discurso de Dilma sobre o tema).

"A direita tá preocupada com a esquerda? Ou quer ridicularizar?", reage o deputado. "Só a direita pode pensar o futuro do Brasil e do mundo? Aí é ditadura. Na democracia as duas têm que conviver."

O curso terá duração de um ano e será autofinanciado, segundo a organização —custa por pessoa R$ 7.200 (valor que pode ser parcelado em até 24 vezes). Agora, uma seleção vai decidir quem entra.

Serão levados em conta critérios raciais e de gênero, além de indicação de "entidade ligada à classe trabalhadora" e da "atuação em organização social e política".

A remuneração dos professores será de R$ 300 por hora/aula, em média. Alguns, como o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), já falaram em abrir mão do pagamento, segundo Uczai. O dinheiro, diz, será usado na concessão de bolsas.

As aulas serão no Instituto Dom José Gomes, com certificados emitidos pelo Instituto de Filosofia Berthier, credenciado pelo MEC. A Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, e a Universidade Federal da Fronteira Sul são apoiadoras.

Pelo menos uma das aulas de professores que atraem mais público, como Dilma e Wyllys, será feita em auditório com espaço para 1.100 pessoas. "Vai ter preço simbólico, tipo cinco 'pila'. Para ajudar na logística, pôr telão", explica o deputado, que se diverte com o posto de garoto-propaganda: "Sou o Tony Ramos da pós, não da Friboi".

 


O Globo: A inadequada liberação de gastos por Temer

Apesar de o momento aconselhar prudência, dada a dificuldade de ser atingida a meta fiscal, Palácio permite despesas para garantir votos a favor do presidente

Corria o ano de 2013 quando a presidente Dilma Rousseff admitiu que, em eleição, se faz “o diabo” para vencer. No ano seguinte, ela praticaria o que disse, e terminaria impedida de continuar no Planalto, por crime de responsabilidade no campo fiscal.

Essa mesma ausência de limites no jogo da política tem sido vista em ações do governo Michel Temer, a fim de evitar que a Câmara conceda licença para o presidente ser processado no Supremo, conforme denúncia da Procuradoria-Geral da República, por corrupção passiva.

Se Dilma e equipe fizeram “o diabo” nas contas públicas, com artifícios nunca vistos, Temer e equipe usam velhos instrumentos de cooptação, usados, reconheça-se, também por petistas e tucanos, os polos opostos da política de hoje em dia. Nem por isso deixa de ser um recurso deplorável.

Reportagem do GLOBO, no domingo, revelou que, nas duas semanas anteriores à votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o Planalto liberou R$ 15,3 bilhões, entre programas e emendas parlamentares. No próprio domingo, o governo rebateu, alegando, em síntese, que são gastos legais, anteriormente previstos.

Pode ser, mas o dolo está na oportunidade da liberação. É cristalina a intenção do Planalto de conseguir, em troca, apoio de deputados. Na CCJ, deu certo. Agora, haverá o enfrentamento decisivo — nesta denúncia —, no plenário, dia 2 de agosto, uma quarta. Quanto custará?

O fluxo de dinheiro para atender a emendas de deputados foi de grande generosidade: nessas duas semanas anteriores à vitória de Temer na CCJ, liberou-se R$ 1,9 bilhão, praticamente o mesmo que tudo que se destinou a elas de janeiro ao início de junho, conforme levantamento feito pelo deputado Alessandro Molon (Rede-RJ). Meio ano em duas semanas.

Um aspecto diabólico dessa gastança, no sentido dado por Dilma, é que ela acontece enquanto a equipe econômica tenta encontrar formas de ser atingida a meta fiscal do ano, um déficit de R$ 139 bilhões. Como o ritmo de recuperação da economia é baixo, aquém do estimado, as receitas não aumentam. E as despesas continuam a subir, puxadas pela Previdência, cuja reforma espera a evolução da crise política.

Mesmo com todas essas dificuldades fiscais, o governo faz “o diabo” por meio de gastos fora de hora. E ainda analisa a possibilidade de aumentar impostos — um sacrilégio, neste momento de reação ainda tímida do setor produtivo.

E não se diga que não há margem para cortes em despesas de custeio. Como registra o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, em artigo no GLOBO, persiste um número excessivo de ministérios, com quase 20 mil cargos especiais (DAS). Ao todo, há 99 mil servidores com essas gratificações.

Como costuma acontecer, a tendência é repassar-se o problema para o contribuinte, ainda obrigado a pagar a conta criada pelo fisiologismo do Planalto, em defesa de Temer.

Editorial O Globo

 


Maia diz que se vê como alternativa presidencial no longo prazo

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), reconheceu ontem, em entrevista ao programa do jornalista Roberto D'Ávila, na GloboNews, que pode alçar voos mais altos na político no longo prazo. Perguntado diversas vezes ao longo da conversa se não teria intenção de assumir a Presidência do Brasil, no lugar de Michel Temer, o deputado federal disse que seu papel atual é presidir a Câmara e que jamais faria algo para prejudicar Temer.

"O político, quando entra na política, sempre sonha com o máximo. Isso aí seria besteira não admitir. Mas neste momento, não", descartou o parlamentar. "A longo prazo, é óbvio, chegar onde eu cheguei já me coloca, daqui a duas ou três eleições, como uma alternativa", acrescentou.

Maia reafirmou que como parlamentar apoia o presidente Michel Temer, mas como presidente da Câmara dos Deputados vem mantendo posição de neutralidade em relação às denúncias feitas contra o mandatário.

"Uma coisa é o presidente da Câmara, outra é o deputado eleito pelo DEM que apoia o governo do presidente. Esse deputado vai ser sempre leal", afirmou Maia, acrescentando que manterá distância em relação ao governo, respeitando a Constituição Federal e o regimento interno da casa na tramitação das denúncia contra Temer.

A entrevista com o deputado federal foi gravada na tarde de ontem, no Rio de Janeiro.

Maia afirmou que o ideal para o Brasil seria que não tivesse havido o fatiamento das investigações contra o presidente Michel Temer, mas que respeita as decisões neste sentido tomadas por outros Poderes. Para o presidente da Câmara, o fatiamento enfraquece a posição de Temer em votações na Casa.

"O ideal para o Brasil é que tivéssemos apenas uma denúncia. Mas esse é um papel que cabe ao procurador-geral [da República] e ao ministro [do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson] Fachin. O ministro Fachin já desmembrou o inquérito em dois. Então, ele mesmo viu motivos para separá-los", disse Maia, acrescentando que não tinha qualquer intenção de fazer críticas a outras instituições. "Não estou aqui para fazer críticas a outras instituições. Inclusive acho que no Brasil de hoje nós precisamos repactuar as relações entre os Poderes."

O presidente da Câmara criticou o que considera um excesso de declarações feitas por fontes não identificadas sobre assuntos do alto escalão do governo. "O Palácio [do Planalto] tem que falar menos", disse Maia, queixando-se das inúmeras "bocas" que falam pelo governo. Na avaliação dele, essa multiplicidade de fontes que falam sem se identificar acaba por atrapalhar o bom andamento da administração. "Pelo Palácio fala o presidente e seu porta-voz", acrescentou.

Rodrigo Maia reconheceu que as denúncias de corrupção contra Temer são graves. No entanto, minimizou o suposto uso de emendas parlamentares pelo presidente para garantir a rejeição na Câmara de Constituição e Justiça (CCJ) do relatório favorável à autorização para que o Supremo Tribunal Federal analise a denúncia contra ele. "Se cada emenda resolvesse o problema, Dilma ainda seria presidente do Brasil", argumentou. Com relação à troca de parlamentares na CCJ, para produzir um placar favorável a Temer, Maia afirmou que a instância definitiva será a votação da denúncia em plenário.

Maia afirmou que vem cobrando diariamente do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a assinatura definitiva do acordo de recuperação fiscal entre a União e o Estado do Rio de Janeiro. "Nós perdemos completamente o controle da segurança pública no Rio", disse o deputado federal ao jornalista Roberto D'Ávila.

O presidente da Câmara frisou ainda que defende a implementação imediata do Plano de Segurança Nacional no Estado do Rio. Segundo o parlamentar, suas tentativas de acelerar a ajuda ao Rio de Janeiro mostram que, mesmo apoiando o presidente Michel Temer, ele e o governo federal divergem em alguns pontos.

Por Rodrigo Carro | Valor Econômico


Alon Feuerwerker: Dois pontos na análise política: 1) o bom senso e 2) a possibilidade de ele não resolver o problema

Método bom na observação da política: cogitar também o oposto do que indicam o bom senso e a lógica linear. No mínimo, relativizam-se os impulsos vindos do desejo do analista. A política é teatro, e ser brechtiano ajuda. O saudável distanciamento crítico. É sempre prudente pensar que pode acontecer exatamente o contrário do previsto, ou desejado.

O que diz o senso comum? Que a cada denúncia apresentada será mais penoso aos deputados federais bloquearem o processo no Supremo Tribunal Federal contra o presidente, pois o desgaste deles vai ser cumulativo. Isso faz sentido. Apoiar caninamente o governante de popularidade residual tem tudo para virar um problema na hora de pedir o voto do eleitor.

Mas, e o outro lado? A maioria dos deputados elege-se por um sistema quase distrital. Vale o apoio de prefeitos, vereadores, cabos eleitorais. O eleitor vota num número, sem muitas vezes saber de quem é. Os CNPJs estão proibidos nas campanhas. Candidatos dependem cada vez mais de algum orçamento público. E portanto dependem cada vez mais de algum governo.

Um movimento inteligente do poder é tratar de maneira bem distinta amigos e inimigos. Se dois deputados de certo estado ambicionam o Senado, e se recebem do governo tratamento igual, ou parecido, o risco é perder o apoio de ambos. Mas se a traição tem custo alto acaba funcionando o dilema do prisioneiro. O primeiro a fechar tem vantagem.

Se estar de bem com o Planalto é um ativo, ele fica mais valioso à medida que cresce o desgaste do político. Quanto maior o passivo do deputado por ter votado com o governo numa tese impopular, mais dependente ficará desse mesmo governo para manter uma base eleitoral que reproduza seu mandato e lhe garanta mais quatro anos de vida política ativa.

Não se deduz daí que a base reunida por Temer para barrar a primeira denúncia lhe garanta tranquilidade nas seguintes. Será preciso trabalhar, inclusive porque as forças opostas não ficarão paradas, e o fluxo de fatos novos parece garantido. Mas o sistema de estímulos e incentivos é mais complexo do que indicam o bom senso e a lógica linear.

#FicaaDica

O Planalto está mais próximo de bloquear a primeira denúncia do que a oposição de autorizar o STF a receber. O governo tem uma base firme entre 220 e 250 deputados, bem acima do mínimo para sobreviver, 172. Mas os adversários reúnem hoje força suficiente para manter o assunto pendurado, pois o presidente da Câmara decidiu que só tem sessão com 342 presentes.

O ponto fraco do governo é a capacidade de a oposição prolongar o impasse, e manter portanto um sofrimento político que faça crescer no chamado mercado a dúvida sobre o futuro da ambicionada agenda liberal. E o ponto fraco da oposição é que o governo pode jogar com duas táticas para conseguir derrubar a primeira denúncia em plenário.

Há a maneira light de um deputado ajudar Temer agora. Dando quórum. Poderá depois votar a favor do processo, pois é baixa hoje a probabilidade de a autorização conseguir bater 342. Em todo caso, será fácil medir a correlação de forças: descubra quem está obstruindo e você saberá que o outro lado está com a confiança em alta. Ainda que não votar seja hoje a melhor maneira de todo mundo se proteger.

A ampla frente

A Lava-Jato é uma potência e continua com momentum. Mas está cercada. Mais ou menos como o PT e Lula. São de longe o partido e o candidato com maior apoio e prestígio. Para, entretanto, voltar ao poder, precisam de aliados e estão sem. A frente mais ampla do momento é dos que querem se livrar, ao mesmo tempo, da Lava-Jato agora e de Lula e o PT em 2018.

Esse bloco está no Parlamento, na imprensa, nas redes sociais. Temer é sua expressão cristalizada, e aí reside sua força. Como pode sustentar-se um governo alvejado por seguidas acusações e com simpatia popular de um dígito? Por ele ocupar o centro do tabuleiro. E poder, inclusive, aliar-se taticamente à Lava-Jato contra o PT e ao PT contra a Lava-Jato. É o que acontece.

Falta um detalhe

O governo Dilma Rousseff caiu quando Michel Temer chamou os políticos para finalmente repartir o poder. Rodrigo Maia ainda não começou a fazer isso. Quem aliás faz só isso é Temer. Que assim se protege do próprio Maia. Que depende cada vez mais de sua excelência, o fato novo.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


O Globo: Um cenário de perigos para Temer

Temer e seu grupo conseguem contornar resistências na CCJ, mas a demora para que o pedido de licença seja votado no plenário funciona contra o presidente

Editorial O Globo

Sem conseguirem colocar em plenário o mínimo regimental de 342 deputados para votar o relatório aprovado, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sobre o pedido de licença da Procuradoria-Geral da República para que o presidente seja processado no Supremo por corrupção, restaram a Temer e a seu grupo aceitar o calendário fixado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), para a apreciação da matéria no dia 2 de agosto, uma quarta-feira, na volta do recesso.

Frustrou-se, assim, a ideia do Planalto de votá-lo a toque de caixa. E, para justificar a derrota, forjou-se a “narrativa” de que quem precisa obter o quórum é a oposição. Mas esta avisa que no dia 2 ficará à espera da bancada da situação.

Na verdade, estava — e continua a estar — correta a avaliação do governo de que, quanto mais o tempo passa, maior o risco de desgaste do presidente.

Há munição de razoável poder destrutivo na PGR. Considera-se, por exemplo, a possibilidade de Rodrigo Janot, procurador-geral até setembro, ainda desfechar pelo menos mais uma denúncia contra Temer. Poderá ser por obstrução da Justiça, comprovada por gestões junto a Josley Batista, do grupo JBS, para comprar o silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, inquilinos da Lava-Jato, nas carceragens de Curitiba.

O assunto é tratado de forma dissimulada na conversa com Temer que o empresário gravou, em horas avançadas de uma noite de março, no porão do Palácio do Jaburu, no qual Batista entrou dando nome falso e sem mostrar documento de identificação.

Os fatos tendem a andar de forma mais lenta na Câmara, na tramitação desta denúncia, a de corrupção. E deve vir por aí a delação premiada de Lúcio Funaro, uma testemunha com potencial de ser tão perigosa quanto Rodrigo Rocha Loures, deputado suplente pelo PMDB do Paraná.

Loures foi indicado pelo próprio Temer a Joesley Bastista, para tratar de “tudo” com ele, representante seu de extrema confiança. Logo depois, Loures foi filmado, em ruas de São Paulo, puxando às pressas a tal maleta com R$ 500 mil. Os indícios são de que seriam para o presidente.

Já Funaro, operador financeiro das sombras de Eduardo Cunha e de outros do PMDB — Temer? — já antecipou em conversas antes da delação propriamente dita que entregava malas de dinheiro a Geddel Vieira, ex-ministro de Temer, outro muito próximo do presidente.

Por sinal, na conversa que Joesley gravou com o presidente, ele reclama que, com Geddel fora do governo e investigado pela Lava-Jato, perdera um intermediário privilegiado para comunicar-se com Temer. O presidente, então, indicou Loures.

O tempo não corre mesmo em favor do Planalto. Um indicador pouco risonho para o governo foi a rodada de pressões e de fisiologismo para trocar 13 deputados na CCJ, e conseguir derrubar o relatório anti-Temer.

A oposição também não deverá conseguir colocar 342 deputados em plenário, em 2 de agosto. Diz, inclusive, que não deseja. Há, então, o perigo de Temer continuar exposto às intempéries.

 


Samuel Pessôa: Os subsídios do BNDES

Há dois tipos de subsídio do BNDES. Os explícitos e os implícitos.

A Constituição estabelece que 40% da receita do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador) seja depositada no BNDES. O banco de fomento remunera esses recursos à TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que é bem menor do que a taxa de captação do Tesouro Nacional.

As operações de empréstimos do BNDES têm como baliza a TJLP. Em geral, o banco cobra em seus empréstimos TJLP e um spread associado ao custo e ao risco de inadimplência da operação.

Muitas vezes o BNDES repassa esses recursos aos demais bancos, inclusive da rede privada. Esses bancos remuneram o BNDES pela TJLP e um spread e cobram do tomador do empréstimo TJLP e um spread ainda maior, que cobre o custo da operação e o risco.

No final das contas, o BNDES tem lucro, pois a taxa que ele paga ao FAT, TJLP, é menor do que a cobrada do tomador final ou do banco que fará o repasse dos recursos.

No entanto, não é verdade que a operação dá lucro para o Tesouro Nacional. O motivo é que os recursos tributários do FAT poderiam ser empregados na redução da dívida pública.

Nesse caso, o Tesouro ganharia (isto é, economizaria) a taxa de juros de captação do Tesouro, bem maior do que a TJLP.

Ou seja, o custo de oportunidade dos recursos do FAT é a taxa de juros de captação do Tesouro Nacional.

A diferença entre as duas taxas é o subsídio implícito na operação.

O fato de a Constituição estabelecer que 40% dos recursos do FAT devem ser direcionados ao BNDES e remunerados à TJLP não altera o fato de que o custo de oportunidade do Tesouro é maior.

A legislação consegue estabelecer um destino para os recursos do FAT e a sua remuneração, mas não consegue alterar o conceito econômico de custo de oportunidade.

Algumas vezes a formulação da política econômica decide que o BNDES deve emprestar, em determinadas linhas, a taxas ainda mais baixas.

Nesse caso, a diferença entre a taxa à qual o banco empresta e a TJLP será paga pelo Tesouro Nacional. O subsídio, portanto, é explícito.

Finalmente, algumas vezes os formuladores de política econômica decidem que 40% dos recursos do FAT por ano em adição à rolagem natural da carteira de empréstimos do BNDES não são suficientes para as necessidades da economia.

Nesse caso, o Tesouro capta recursos no mercado e os empresta ao BNDES, cobrando TJLP.

Entre 2008 e 2014, o Tesouro emprestou R$ 400 bilhões ao BNDES nessas condições.

Alega-se que o BNDES dá lucro. Se a contabilidade das operações do banco levasse em consideração que o custo dos seus recursos é dado pelo custo de oportunidade do Tesouro, saberíamos que o BNDES não dá lucro para o contribuinte.

É por esse motivo que a medida provisória 777 precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.

A MP estabelece que em cinco anos, e para os novos empréstimos, a taxa de referência dos créditos concedidos pelo BNDES será a inflação realizada ao longo do contrato mais a taxa real de juros dada pela nota do Tesouro Nacional Série B com vencimento de cinco anos (a NTN-B de cinco anos), emitida no mês da concessão do empréstimo.

Ou seja, o juro real da operação será equivalente ao custo de captação do Tesouro para períodos equivalentes ao prazo médio dos empréstimos do banco.

Elimina-se assim o subsídio implícito e sobra o explícito. A transparência agradece.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.

 


Fernando Gabeira: Luzes e trevas

É o momento de avaliar não só um governo, mas todo o processo de redemocratização. A notícia da condenação de Lula chegou num momento especial. Acabara de escrever um artigo sobre o apagão no Senado. E comparava aquilo aos apagões nos estádios de futebol: a luz volta aos poucos. E concluía que, no universo político, as luzes só voltarão completamente em 2018. A condenação de Lula é uma pequena lanterna para enxergar parcialmente o cenário das eleições presidenciais.

A estratégia de lançar a candidatura para escapar da Justiça, de politizar o processo, sofreu um golpe. Talvez por falta de alternativa, a esquerda pode insistir nela. Mas é um equívoco fixar-se no destino de uma só pessoa e esquecer o país. O Tribunal Regional em Porto Alegre pode levar até nove meses para julgar um recurso, uma condenação fundada em provas testemunhais, documentais e periciais. Pode até levar mais. Legalmente é possível ser candidato. Mas será preciso levar um guarda-roupas de candidato e uma malinha com as coisas indispensáveis na cadeia.

O candidato vai se mover sempre com essa espada na cabeça, e supor que isso não influa na sua viabilidade só é possível aos que o seguem com um fervor religioso. Ao mesmo tempo em que Lula era condenado por Sergio Moro, a Câmara discutia se aceitava ou não a denúncia contra Temer.

Embora esses fatos apareçam de forma isolada, fazem parte de um mesmo processo histórico. O governo petista caiu, em seu lugar ficaram os cúmplices da aventura que arruinou o país. Agora, a coisa chegou a eles.

Um ex-presidente condenado, um presidente denunciado, dois presidentes impedidos. É o momento de avaliar, não só um governo mas todo o processo de redemocratização.

É possível começar de novo? As diretas eram uma bandeira clara. A luta contra a corrupção, também. Mas o principal cenário dessa luta acontece na Justiça, onde os processos correm.

Resta o caminho eleitoral. Em alguns países da Europa, como a Dinamarca, num determinado momento, e a França agora, eleições costumam ser um sopro de vida ao sacudir um sistema envelhecido. Aqui no Brasil, o sistema não apenas envelheceu mas também se corrompeu. Muito possivelmente a renovação será orientada por valores que estiveram soterrados nesse período. No entanto isso não basta. Estamos vivendo problemas diante dos quais apenas a honestidade não resolve. As questões emergenciais estão aí, muitas delas decorrentes do colapso dos governos corrompidos.

Segurança, por exemplo. Meu projeto era escrever sobre isso até apagarem as luzes do Senado e ver aquelas mulheres comendo quentinhas. Isso me fez refletir sobre luzes e trevas.

Mas quando pensava em segurança, minha ideia era mostrar alguns reflexos psicológicos de quem mora numa cidade como Rio. Um deles é o perigo de se acostumar com a violência. Começava por mim mesmo. Vivo na base de um morro onde sempre houve tiroteio. Numa visita a Porto Príncipe, no Haiti, hospedado na casa de um diplomata brasileiro, ouvi tiros ao longe. Virei para o canto e dormi como se estivesse em casa.

Não sei que impacto teria a morte de inocentes em outros lugares. Mas a morte de crianças e adolescentes no Rio é recebida com uma certa resignação.

O terrorismo não é o melhor parâmetro. Mas suas vítimas são cultuadas e as próprias autoridades aparecem para visitar as famílias. Absortos em suas manobras defensivas, os políticos não têm sensibilidade para isso. Nem espero que tenham nesta encarnação.

No entanto, não importa que governo fique de pé, é essencial conseguir dele alguma resposta à violência urbana. Na verdade, seria necessário que tivesse uma visão clara de como gerir os colapsos que explodem em vários pontos da máquina.

A sucessão de crimes nas cidades e sucessão de escândalos no poder produziram uma certa anestesia. Suspeito que muita gente vai se perguntar se ainda vale a pena gastar alguma energia em mudanças. Creio que uma resposta negativa tende a perpetuar essa etapa constrangedora da história moderna brasileira.

Não porque goste de eleições e tenha muita paciência com o festival de demagogia que gravita em torno delas. É que não vejo outra saída. Ainda assim uma saída estreita, precária. Esta é sociedade mais extensamente informada de nossa história moderna. Talvez consiga um Congresso renovado que, apesar de modesto, pelo menos não atrapalhe.

A política tornou-se um tema central porque a corrupção e suas consequências roubaram a cena. Sem esses fatores dispersivos, é possível concentrar mais energia em campos que, realmente, nos empurram para a frente: trabalho, inovação, conhecimento.

A política terá o seu papel, que certamente vai se desenhando pelo caminho. Mas não pode mais ser essa pesada mala nas costas do país. Mala cheia de malinhas: dinheiro, joias, obras de arte, cartões de crédito, contas no exterior.

Mas o grande peso mesmo não é monetário. É a perda de esperança num futuro comum, o eclipse de um sentimento de país.

* Fernando Gabeira é jornalista

 


Roberto Freire: A Constituição e a travessia

Mesmo diante do recrudescimento da grave crise política que o Brasil enfrenta, o processo de transição iniciado com o impeachment de Dilma Rousseff, a agenda de reformas necessárias para o país e, sobretudo, o início da retomada da economia após a pior recessão de nossa história não estão ameaçados. Independentemente de quem ocupe a Presidência da República, o mais importante é continuarmos trilhando o caminho da recuperação e seguirmos o que determina a Constituição Federal.

Qualquer que seja o resultado da votação, no plenário da Câmara dos Deputados, sobre a autorização para o prosseguimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer e a eventual abertura de processo no Supremo Tribunal Federal (STF), a travessia democrática e constitucional até as eleições de 2018 seguirá sem interrupção.

Se o pedido da PGR for aprovado, o deputado Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, assumirá interinamente a Presidência da República por até 180 dias, tal como dispõe a Constituição e exatamente como ocorreu com o próprio Temer quando do afastamento inicial de Dilma. Caso haja uma condenação definitiva pelo STF, haverá eleição indireta para a escolha do próximo presidente – obedecendo rigorosamente àquilo que está expresso na Carta Magna.

É evidente que as sinalizações em relação à pauta de reformas e à política econômica bem sucedida adotada pelo atual governo são as melhores possíveis. Se Temer for afastado, o presidente interino dará continuidade a essa agenda virtuosa e talvez conte até com mais estabilidade política para fazê-la avançar. A garantia da manutenção da equipe econômica reforça a credibilidade do Brasil e a confiança readquirida junto aos agentes econômicos.

Ao contrário do que querem fazer crer aqueles que integram uma oposição que se diz progressista, mas é essencialmente reacionária e está cada vez mais isolada, a elevada temperatura da crise política não comprometeu a retomada da economia nem tirou o país dos trilhos. Um estudo divulgado pela Tendências Consultoria e publicado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” mostra que, com ou sem o presidente Temer, não há receio no mercado de que haja qualquer tipo de retrocesso. Segundo o levantamento, que considerou 28 indicadores, há uma clara tendência de recuperação desde o final do ano passado, algo que não se restringe a resultados pontuais.

Dados como massa de renda do trabalho, crédito para pessoas físicas, venda de automóveis e produção de bens duráveis vêm experimentando uma alta significativa desde novembro de 2016. Com exceção do nível de ocupação, que apresentou sinais mais concretos de recuperação apenas em abril e maio, os demais indicadores registram crescimento ao menos há quatro meses.

Em junho, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial no país, registrou a taxa mais baixa para o mês nos últimos 19 anos (-0,23%). A produção de veículos, por sua vez, subiu 23,3% nos seis primeiros meses de 2017 em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O resultado foi impulsionado, principalmente, pela alta de nada menos que 57,2% nas exportações.

Mesmo os indicadores econômicos mais sensíveis às instabilidades políticas não sofreram maiores abalos neste momento de forte turbulência. O dólar prossegue em sua trajetória de queda, assim como o risco-país e os juros, enquanto a Bolsa sobe. Em meio às boas notícias na área econômica, é importante destacar a aprovação da reforma trabalhista pelo Senado Federal. Trata-se de uma das principais conquistas do governo de transição e, fundamentalmente, do Brasil.

Como se vê, a crise política que parece se encaminhar rapidamente para um desfecho no Congresso Nacional não impede o avanço das reformas, a recuperação da economia brasileira e o pleno funcionamento da transição iniciada com o impeachment. Este é o momento de termos responsabilidade com o país e concluirmos a travessia constitucional até 2018, quando a população se manifestará nas urnas, em eleições gerais, e escolherá o próximo presidente, governadores e um novo Congresso Nacional.

Até lá, nossa missão é apoiar a transição independentemente de quem ocupe a Presidência da República. Além disso, devemos aglutinar as forças de centro e da esquerda democrática em torno de um movimento político que tenha condições de impedir o retorno de um populismo vinculado a uma esquerda atrasada e reacionária – que recentemente levou o Brasil ao buraco – ou a ascensão de uma extrema-direita autoritária e sem nenhum compromisso com a democracia.

Para tanto, nosso guia será sempre a Carta Magna. Dentro da Constituição, tudo. Fora dela, nada.

* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS


O Estado de S. Paulo: A eterna vítima 

A trajetória de vida de Luiz Inácio Lula da Silva é marcada pela vitimização. Até certo ponto, a condição lhe teria sido determinada pelas adversidades que afligem tantos milhões de brasileiros como ele. Só mais tarde, quando a malandragem já estava suficientemente desenvolvida para capturar o potencial político daquela condição, é que nasceu a persona pública de Lula, a eterna vítima.

Ele é o sétimo de oito filhos de um humilde casal de lavradores analfabetos, o menino que passou fome e não teve acesso à plena educação formal. É o sertanejo forte descrito por Euclides da Cunha, o jovem que sobreviveu à inclemência do agreste pernambucano e veio fazer a vida na Grande São Paulo. É o metalúrgico que ousou enfrentar a ganância da burguesia e ascendeu como a maior liderança sindical do Brasil. É o político nato que lutou contra a ditadura e ajudou a escrever uma nova Constituição democrática. É o candidato que passou quatro campanhas presidenciais sendo achincalhado por não ter um diploma universitário, mas triunfou no final. “Fui acusado de não ter diploma superior. Ganho como meu primeiro diploma, o diploma de presidente da República do meu País”, disse ele, chorando, em dezembro de 2002. Agora, é o criminoso condenado injustamente a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Lula da Silva não existe na esfera pública se não estiver sendo vítima de alguma injustiça ou atacado pela força de uma arbitrariedade. Jamais é o sujeito ativo de seus próprios infortúnios, o único responsável pelas consequências das más escolhas que faz. Quando os fatos contradizem o mito, que se reescrevam os fatos.

No primeiro pronunciamento após a condenação histórica pelo ineditismo – Lula da Silva é o primeiro ex-presidente da República condenado por um crime comum –, a cantilena da vitimização deu o tom. O que se viu na manhã de ontem, no diretório do PT em São Paulo, foi o personagem de sempre, dizendo as platitudes de sempre. Durante o discurso, que durou pouco mais de meia hora, em nenhum momento Lula da Silva contestou objetivamente as razões de sua condenação, minuciosamente descritas ao longo das 238 páginas da sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro.

Sabedor de que a esmagadora maioria de sua audiência cativa não irá ler a peça condenatória – e aqueles que a lerem o farão com os olhos enviesados pela paixão que devotam ao demiurgo –, Lula se dedicou ao discurso político de candidato à Presidência, um recurso, aliás, que hoje lhe parece ser mais importante do que aqueles que seus advogados, certamente, irão interpor na Justiça.

O desapreço que Lula demonstra ter pelo Poder Judiciário é tal que o ex-presidente não se limitou a criticar o teor da sentença que o condenou, um direito legítimo que assiste a qualquer réu. No que chamou de “entrevista coletiva” – outra mistificação, pois não abriu espaço para perguntas dos jornalistas –, Lula foi além e questionou a própria legitimidade do Poder Judiciário para julgá-lo. “Só quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”, disse ele.

A fragilidade de Lula da Silva no campo jurídico é evidente. A sentença condenatória divulgada ontem corresponde apenas a um dos cinco processos a que o ex-presidente responde. Para ele e seus sequazes, a alternativa à cadeia é a aposta numa candidatura à Presidência em 2018. “Senhores da Casa Grande, permitam que alguém da senzala cuide deste povo”, disse o pré-candidato, agora condenado, transformando o que deveria ser um ato de contrição em um ato político-eleitoral.

A sentença do juiz Sérgio Moro expôs ao Brasil o verdadeiro Lula da Silva, não o personagem que ele criou para sua própria conveniência política, envernizado ao longo dos anos por marqueteiros contratados a peso de ouro.

Mantida a sentença condenatória da primeira instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região, Lula estará inelegível. Caso o tempo da Justiça não seja o mesmo da política, que as urnas sejam tão implacáveis quanto a sentença. Para o bem do Brasil e dos brasileiros.

 


Valor Econômico: Aos poucos, Temer perde o controle da base governista

 

As condições políticas para o presidente Michel Temer se manter no cargo estreitam-se a cada dia. Depois do primeiro pedido de inquérito feito pelo procurador Rodrigo Janot contra ele - e outros dois estão a caminho - a couraça de proteção do presidente no Congresso começou a rachar. Já não há tanta segurança de que Temer vá conseguir 172 deputados que votem contra a abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal. Mas ainda é mais provável que passe nesse teste.

Acuado, o grupo de Temer está perdendo rapidamente apoio de sua antes gigantesca base governista. As manobras com o objetivo de solidificar uma maioria e escapar do afastamento do cargo feitas por Temer resultam em mais insatisfações e desgastes. O PSDB as condensa até o paroxismo de não conseguir definir se permanece ou sai do governo. Os sucessivos avisos de que poderá desembarcar a qualquer momento não são exatamente proveitosos para as expectativas de Temer.

A troca em massa de deputados na Comissão de Constituição e Justiça, que votará pela admissibilidade do pedido de abertura de inquérito, mostrou que a desconfiança em torno da própria base de apoio se ampliou. A escolha de um deputado pemedebista independente, como Sérgio Zveiter (PMDB-RJ), para a relatoria do caso na CCJ, tornou-se um revés antecipado para Temer. O voto de Zveiter, de que há indícios sólidos de crime e materialidade no pedido da PGR e de que os casos narrados necessitam de investigações, complicou um jogo que deveria ser tranquilo para o governo.

A tentativa de liquidar o primeiro pedido rapidamente também não está dando muito certo. A CCJ permitirá manifestação de 172 parlamentares, o que deve levar a votação final em plenário a ultrapassar 17 de julho, data marcada para o recesso do Congresso. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara e governista, disse que atuará como árbitro, seguindo o regimento da Casa, sem se dispor a executar truques de todo tipo, como seu antecessor, Eduardo Cunha.

Maia é o sucessor constitucional de Temer caso ele seja afastado para responder a processo no STF e tornou-se alvo da rede de intrigas que naturalmente se tece em torno de um presidente em queda. Em reunião com Temer, o presidente da Câmara falou o óbvio, mas que, na situação em que se encontra seu interlocutor, soou assim mesmo desagradável. Maia teria dito que Temer poderia ser vitorioso contra a primeira denúncia da PGR agora, mas que o apoio às próximas acusações se tornaria muito mais difícil e decrescente.

Maia não faz mais nada para beneficiar o governo por um cálculo óbvio. Como sucessor, não gastará todo seu cacife político para apoiar um presidente que perde aceleradamente as condições de governar. Se a Presidência lhe cair no colo, Maia provavelmente fará mais do mesmo - continuará a defender a equipe econômica, a política econômica que ela executa e procurará contar com a mesma base de apoio que foi de Dilma, depois de Temer e por fim, sua.

Um presidente em apuros perde o controle do processo. O presidente da CCJ é do PMDB, assim como o relator que pediu a admissibilidade do processo. Mesmo a aprovação da reforma trabalhista anteontem no Senado não veio acompanhada só de aplausos. Um acordo para impedir a modificação do projeto e sua volta à Câmara foi dado como inexistente para o presidente do Senado, Eunício Oliveira, também do PMDB, e por Maia, escolhido para liderar a Câmara com o apoio de Temer.

O antecessor de Maia, Eduardo Cunha, organizou o centrão: cativou com a perspectiva de poder um amontoado de partidos oportunistas, sem programa ou ideologia. A fraqueza de Temer resulta no início da debandada do baixo clero - primeiro aos poucos, como acontece agora, depois em massa. A chance de o Planalto reaglutiná-los é remota, embora possível. O fatiamento das denúncias promoverá a paralisia do governo por um longo tempo, sem qualquer garantia de que Temer continuará no poder. Nessas circunstâncias, procura-se o próximo detentor da caneta e os olhos encontram Maia.

O cerco das denúncias contra Temer e seu círculo palaciano, que será prolongado, torna-o não só incapaz de encaminhar as reformas, mas de governar plenamente. Maia tem, em tese, mais chances de fazê-lo e dar à transição o signo da normalidade até as eleições de 2018. Ainda assim, Maia foi mencionado em delações da Lava-Jato e pode ser alvejado, cedo ou tarde.


Roberto Freire: Sem surpresas, com preocupações 

O presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), disse nesta quarta-feira (12) que não houve surpresa na condenação, pelo juiz Sérgio Moro, do ex-presidente Lula, do PT. “Já era esperado. Todo esse processo que a Lava-Jato vem desenvolvendo no País chegaria a esse desiderato”, afirmou.

Segundo observou Freire, as revelações da Lava Jato “mostravam que havia um centro, que dirigia todo esse processo de desmantelamento, de roubalheira, que ocorreu com nossas estatais, com nosso governo no período Lula/Dilma”.

Freire alertou para as preocupações que, segundo ele, a condenação traz. Basicamente, o receio do presidente do PPS se justifica pela a decisão de Moro ter saído no momento que o País passa por um governo de transição e superação e tenta superar seus problemas. “Preocupação em fazer valer o que determina a Constituição – dentro dela, tudo; fora dela, nada. E isso tem que ser uma preocupação de todos os democratas brasileiros e de todos aqueles que defendem a transição constitucional e democrática até 2018”.

Na avaliação de Roberto Freire, a condenação de Lula é um episódio marcante, pois é a primeira vez que um ex-presidente da República é condenado por corrupção. “Isso por um lado é saudável, por outro, causa constrangimento”. De qualquer forma, continua o deputado, “é mais um passo que o Brasil dá para o aprofundamento da democracia e consolidação das plenas liberdades e da República brasileira”.