crise política
Alon Feuerwerker: A calmaria de hoje, e a tempestade que vem
O curto prazo está equacionado. Michel Temer tem apoio suficiente no Congresso para não ser derrubado pela via que removeu dois dos antecessores. O médio prazo também: o governo buscará expedientes para levar a economia até 31 de dezembro de 2018. E com as medidas legislativas possíveis, dada a correlação das forças.
Já escrevi aqui, e talvez seja momento de repisar, que os problemas maiores aflorarão em 2019. E isso tornou-se mais provável em função dos fatos recentes. Que levaram o, um dia, ambiciosamente reformista governo Temer a recuar para o modo de sobrevivência. Isso aliviou a crise de curto prazo, e também tem tudo para torná-la crônica.
O Brasil da Nova República sustentava-se em alguns pilares. Entre eles: 1) respeito aos resultados eleitorais, 2) busca de soluções consensuais num Legislativo reconhecido como instância política legítima, 3) absorção da "sociedade civil” pela política convencional e 4) crença num longo período de desenvolvimento capitalista democrático e distributivista.
É fácil notar que esses alicerces colapsaram ou estão em vias de. Os motivos do colapso serão matéria para historiadores, mas é fato que a política e a economia entraram em desarranjo muito grave. Não se vê, nem se antevê, um consenso mínimo sobre como reorganizar ambas para voltarem a funcionar de um jeito aceitável a todos, ou à ampla maioria.
A falta de consenso mínimo reforça dois vetores aparentemente opostos: 1) uma apatia momentânea, estimulada pela ausência de resposta ao "que fazer?", e 2) uma profunda repulsa, represada e silenciosa, contra o status quo. O primeiro permite que a política viva hoje numa zona de calmaria. O segundo é a garantia de que alguma tempestade virá.
A calmaria também deriva de os diversos atores acreditarem na própria viabilidade eleitoral ano que vem. E de as estruturas políticas estarem mais preocupadas com a própria sobrevivência. E há a circunstância de inexistir, fora das franjas, alguém ponderável suficientemente zerado e "novo" para liderar uma rebelião contra o sistema.
Mas a ausência dos elementos subjetivos nunca é garantia absoluta. Então é preciso acompanhar a dinâmica, e com cuidado. Até porque o amadurecimento das condições objetivas pode forçar o surgimento das subjetivas. E de onde menos se espera. Vide Tsipras, Brexit, Trump e Macron. Chamar o cidadão e/ou o eleitor a manifestar-se é um risco.
O principal exercício prospectivo hoje é tentar entender como se dará a rebelião que virá. Ela pode ser, inclusive, uma revolta em busca de um Napoleão (o tio, não o sobrinho), alguém que ponha fim à desordem e à instabilidade. Nesse caso, a peculiaridade seria o Brasil ter recorrido ao velho para supostamente produzir o alardeado “novo".
Mas esse Napoleão chegará a Brasília com alta energia, só que com baixa capacidade de transformá-la em força de transformação, pois o paquidérmico Estado brasileiro está organizado para impedir qualquer mudança. É como uma Rússia czarista em que o czar não mandasse mais nada e reinasse só preocupado com o próprio pescoço.
Simples e errada
A impotência do Bonaparte será a senha para a crise de 2019. E, como para todo problema complexo aparece sempre uma solução simples e errada, propõe-se cortar o nó impondo um parlamentarismo já rejeitado duas vezes nas urnas. Em ambas, a maioria dos eleitores intuíram ser manobra para extirpar da política um dos últimos vetores de soberania popular. Bingo.
Quem paga a conta?
Depois de uma recessão só vista em tempos de guerra, a economia exibe alguma recuperação inercial e marginal. Que será insuficiente para fechar as duas maiores feridas da crise brasileira: o desemprego e o crescimento exponencial da dívida pública. Enquanto se debatem irrelevâncias, como o distritão, ninguém arrisca dizer como resolverá essas duas coisas.
Porque alguém terá de pagar a conta. Ainda que todos finjam que não.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
O Globo: Financiamento público na eleição pode beneficiar partidos nanicos com R$ 45 milhões
Levantamento foi feito com base na divisão de recursos sugerida por relator da reforma política
Marco Grillo e Gabriel Cariello, do O Globo
A proposta original de criação de um fundo público para financiar as eleições, que prevê uma receita de R$ 3,6 bilhões para os partidos, destinaria em torno de R$ 45 milhões a oito legendas que sequer têm representantes no Congresso Nacional. O financiamento às siglas nanicas vai na contramão de uma das principais pautas em discussão na reforma política: a instituição de uma cláusula de barreira, que restringiria o acesso de legendas com desempenho eleitoral inexpressivo às verbas do governo federal.
O levantamento do GLOBO foi feito com base na divisão de recursos sugerida pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política. De acordo com o texto inicial, o chamado Fundo Especial de Financiamento da Democracia seria composto por 0,5% da receita corrente líquida da União — daí a estimativa de R$ 3,6 bilhões para 2018. Deste valor, 90% seriam reservados para o primeiro turno das eleições — cerca de R$ 3,24 bilhões.
A partir deste montante, a regra para a distribuição entre os partidos obedeceria a quatro critérios: 2% seriam repartidos igualitariamente entre as 35 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); outros 49% seriam divididos proporcionalmente à votação delas para a Câmara dos Deputados em 2014; o restante seria fracionado de acordo com o tamanho das bancadas na Câmara (34%) e no Senado (15%) em 10 de agosto deste ano.
O recorte dos R$ 45 milhões às oito siglas ausentes do Congresso — PCB, PCO, PMN, PPL, PSDC, PSTU, Novo e PRTB — leva em consideração um cenário em que elas lançariam candidatos a cargos no Executivo e no Legislativo. Os 10% destinados ao segundo turno das eventuais campanhas foram descartados na conta.
REGRA: 1/3 DO FUNDO PARA TRÊS PARTIDOS
A criação do fundo, que faz parte de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), foi aprovada na Comissão Especial de Reforma Política da Câmara. Já a partilha da verba, por não ser uma matéria que demande mudanças na Constituição, será analisada separadamente.
A divisão sugerida no relatório também separa mais de um terço do fundo (37%) para os três maiores partidos do país: PMDB, PT e PSDB.
— Com tantos partidos, não faz sentido distribuir dinheiro a rodo. É loucura um partido pequeno, que funciona praticamente com finalidade de mercado, receber valores exorbitantes. Agora, como se mede a representatividade? O número de deputado eleitos é o termômetro que temos. Outra solução seria usar o dinheiro público depois da campanha, como um ressarcimento. O partido paga a campanha e, depois, é ressarcido na proporção dos votos que recebeu. Ser for mal na eleição, recebe menos; se for bem, recebe mais. O Uruguai faz assim, só que lá são poucos partidos — argumenta o cientista político Carlos Ranulfo, da UFMG.
A dependência dos recursos da União aparece de maneira clara nos balanços financeiros das legendas. Em 2015 — os processos relativos a 2016 ainda estão em andamento no TSE —, o PSDC, por exemplo, registrou apenas R$ 144.695 em contribuições de filiados, o equivalente a 2,3% da arrecadação daquele ano. Já o fundo partidário, também composto por recursos públicos, representou 94,2% das receitas.
A situação do PMN é semelhante: em 2015, a sigla contou com R$ 113.170 em contribuições de pessoas físicas — todos dirigentes, nenhum filiado sem cargo na direção partidária —, o que representou somente 2% da receita anual. Já o bolo do fundo partidário significou 95,7% do orçamento.
A possibilidade da concepção do fundo bilionário é criticada inclusive por presidentes dos partidos nanicos. José Maria Eymael, que está à frente do PSDC, chama a proposta de “arrastão eleitoral”.
— Tira dinheiro da Educação, da Saúde e da Segurança para reeleger deputados. Não tem o menor sentido. Sou contra o fundo, mas esse valor (R$ 45 milhões para o conjunto de legendas sem deputados e senadores) também representa uma desproporção absoluta — afirma Eymael, que se posiciona contra a cláusula de barreira. — É uma indecência falar nisso sem igualdade de oportunidades. A gente já sofre com duas cláusulas de barreira: o tempo muito menor de propaganda na televisão e a divisão desigual do fundo partidário.
AUMENTO DE CUSTOS
Para o presidente do PMN, Antônio Carlos Massarollo, o projeto representa um “divórcio total do Congresso com a população”.
— Não vou nem entrar nos detalhes da forma como se pretende dividir. Mas, em uma situação em que o governo corta direitos dos trabalhadores e diz que não tem dinheiro para arcar com os compromissos, é um valor absurdo — aponta Massarollo, que defende que a base para a cláusula de barreira seja definida nas eleições municipais, não no pleito com abrangência nacional.
Para o cientista político Leonardo Barreto, o acesso ao fundo eleitoral também deveria ser condicionado à cláusula de barreira:
— É um conflito entre representatividade e governabilidade. A existência de partidos pequenos que são criados como negócios e vão receber dinheiro que pode nem ser usado para vencer a disputa é uma questão lateral. O que se vê é um movimento para tentar frear não a existência desses partidos, mas a chegada deles ao Congresso. O problema não é que existam, mas que dificultem o processo de tomada de decisão.
Barreto critica a vinculação do fundo para as eleições à receita corrente líquida do governo:
— O que vai determinar o custo de uma campanha, a partir desta regra, é quanto o candidato terá para gastar. Se a arrecadação do governo crescer nos próximos quatro anos, o dinheiro disponível para campanhas aumentará sem que os elementos que influenciam os custos necessariamente aumentem. O Congresso decide quanto as campanhas vão custar, e a sociedade tem de se adaptar a isso — afirma o cientista político.
Após pressão da opinião pública e dos próprios deputados, a proposta original do fundo de R$ 3,6 bilhões foi perdendo espaço. Um destaque foi apresentado propondo que o valor disponível para as eleições seja definido pelo Congresso durante a elaboração do Orçamento da União.
— O destaque já foi apresentado, e o tema deverá ir à votação na terça-feira — diz Vicente Cândido.
Fernando Gabeira: Conta de nunca chegar
Quando cheguei à Argélia para o exílio, o pernambucano Maurílio Ferreira Lima já morava lá. Levou-me para um passeio e passou num açougue para comprar carne. Fez a transação em francês mas, ao sair, disse da porta: “pendura”. Fiquei surpreso com a naturalidade e o sorriso do açougueiro. Maurílio revelou que esta era a única palavra em português que ensinou a ele.
Cada vez que o governo vem anunciar uma nota fiscal, lembro-me de Maurílio. É como se dissessem: “mais R$ 20 bilhões, pendurem”. Maurílio pagava suas contas em dia. Ao contrário do governo, tratava apenas do que comprava, e não de projeções para o ano seguinte. O governo pendurou R$ 20 bilhões em 2017 e anunciou que vai pendurar R$ 30 bilhões em 2018.
Quem vai pagar tanto dinheiro? Eles falam em economia nos gastos públicos. Não acredito. Os dados estão aí: deputados e senadores querem alguns bilhões para financiar suas campanhas.
Se fossem só os políticos, ainda havia uma esperança. A Justiça, que tem sido aliada da sociedade na luta contra a corrupção, é muito reticente quando se discutem os supersalários que excedem o teto legal. Nesta semana, falando com um procurador que atua no Norte do país, ele me passou um quadro desolador. Há promotores que chegam a ganhar R$ 125 mil mensais.
As notícias sobre juízes do Mato Grosso que receberam até R$ 500 mil frequentaram o noticiário e saíram em paz. Um dos juízes chegou a declarar: “não estou nem aí para o espanto que a notícia causou”. Ele não está mesmo. Considera legal receber, e pronto. O próprio Supremo Tribunal Federal sempre tem se manifestado a favor de quem ganha tanto dinheiro com salário e penduricalhos.
Nesse sentido, a orfandade dos brasileiros é total. Os políticos não só desviam dinheiro como inventam fórmulas para receber fortunas através de suas leis eleitorais. E a Justiça não mostra nenhuma sensibilidade para o problema. O que fazer nessas circunstâncias?
Dentro do quadro de apatia que se criou no país, parece que a alternativa é trabalhar e separar o dinheiro do imposto, assim como muitos, em áreas de risco, saem com o dinheiro exato do assalto. Mas é uma tática que tem seus limites. A máquina burocrática brasileira é muito pesada para o país. Ela se comporta como se estivéssemos nadando em dinheiro.
O grande problema da necessária austeridade é o próprio governo. Se ele tem um projeto de reforma da Previdência que implica em sacrifícios para alguns, quem vai apoiá-lo sabendo que não há reciprocidade nos esforços? O resultado disso é a marcha da insensatez que vai nos levando progressivamente ao caos. No momento, falamos em bilhões com tranquilidade, mas já há quem calcule em meio trilhão o rombo nos próximos anos.
Mas toda essa conversa sobre números acaba sendo abstrata. Nas estradas, caiu o policiamento; nas fronteiras, a redução de verbas dificulta a ação das Forças Armadas. Nos hospitais, então, a escassez mata.
Em 2013, a sociedade intuiu que isso estava errado e se manifestou nas ruas, queria serviços decentes para os impostos que paga. Naquele momento, as grandes empresas estavam tranquilas. Se reclamavam dos impostos, a resposta foi simples: ampliar isenções. O BNDES emprestava dinheiro a juros reduzidos, e os próprios políticos ofereciam isenções. De tal forma ofereceram que, no Rio, cabeleireiros, joalherias e até um prostíbulo tornaram-se isentos. A corrupção mostrou como recursos públicos eram drenados. A quebradeira agora vai colocar também em cena algo que não era tão discutido em 2013. Pedia-se um serviço decente em troca do imposto.
Agora, num momento em que cogitam a alta dos impostos, o Brasil merece um grande debate sobre como o bolo dos recursos públicos é dividido.
Por que há tantas isenções e qual o benefício que trazem para o país? Por que uma máquina com tanta gente é tão pouco produtiva? Por que salários tão altos, tantos penduricalhos?
No Congresso participei de inúmeros debates sobre isso, tentando convencer o governo, na época, a reduzir radicalmente as viagens, que custavam em torno de R$ 800 milhões por ano. Já havia os meios para isso: teleconferência, Skype. Hoje foram ampliados com novas alternativas.
O alto custo não é apenas com passagens, mas também com as diárias pagas aos funcionários. Por isso, quando se fala em reduzir custos e aumentar a produtividade, há sempre uma resistência. Apesar de haver gente bem-intencionada entre os funcionários, o ânimo para aumentar a produtividade de serviços públicos deveria vir do universo político.
Do mundo político não virá nada. Foi o próprio sistema político-partidário que criou esse monstro dispendioso. Os políticos, nesse episódio, não são uma solução, e sim uma parte substancial do problema. Se depender eles, o atraso se eterniza. Sempre que apertar, vão dizer: “pendurem”.
Luiz Sérgio Henriques: A Venezuela não é aqui
Temos à frente a imensa tarefa de reformar um Estado disfuncional e uma sociedade injusta
As coisas – assim como as ideias e os livros – estão no mundo, só que, como no samba, é preciso aprender. E foi assim que nos anos mais duros do regime autoritário abriu caminho, aos poucos e não sem muito atraso, a noção de que nosso país, em tumultuado processo de modernização conservadora, mesmo sem resgatar integralmente as hipotecas do passado, estava fadado a construir estruturas e culturas políticas de tipo “ocidental”, que dariam a todos a régua e o compasso para pensar os problemas e elaborar, com meios propriamente políticos, as hipóteses de sua superação.
Do ponto de vista dos opositores do autoritarismo, a lição da realidade parecia cada vez mais clara. Deveríamos dar um adeus definitivo às ilusões da militarização da política, bem como à tentação de recorrer aos caudilhos terceiro-mundistas monopolizadores de praças e falas – apesar da sedução que a revolução cubana exercia sobre frações relevantes da velha e, paradoxalmente, da nova esquerda, nisso internamente incoerente com a novidade que alegava representar.
Um mundo diverso deveria agora ser descoberto: não o da “tomada do poder” por meio da violência ou o exercício deste mesmo poder pela força bruta, com o desconhecimento dos mínimos requisitos ditos procedimentais, tal como, para eliminar qualquer dúvida, a existência de oposição legítima e competitiva, capaz de voltar a ser maioria em eleições regularmente dispostas. A política se deslocaria, assim, para a “sociedade civil”, lugar plural por excelência, no qual a permanente construção de consensos devia ter como único norte padrões mais altos de civilização. E uma esquerda moderna se tornaria, afinal, fiadora da República e da democracia, atraindo para este campo favorável o conjunto das correntes da política, isolando extremismos e inviabilizando retrocessos autoritários. Uma mudança verdadeiramente histórica.
Reafirmar este horizonte, em grande parte enevoado, parece particularmente importante num momento de fúrias desatadas na esquerda latino-americana e, por consequência, na brasileira. A “perspectiva venezuelana” – e suas projeções entre nós, como o atesta a posição oficial do PT e de considerável setor da intelectualidade – lança uma pesada sombra sobre tal horizonte, que essencialmente requeria, e ainda requer, a convicta superação do paradigma da “revolução” em benefício daquele da “democracia”. Talvez tenhamos sido excessivamente otimistas quanto ao ritmo e à consistência desta passagem: vistas as coisas em sua aparência imediata, o que a corrente autoproclamada revolucionária agora pretende é uma segunda oportunidade na Venezuela de Chávez e Maduro, sob a forma de radicalização violenta do “socialismo do século 21”.
De fato, a “cubanização” do regime venezuelano domina a conjuntura do bolivarianismo. Os adeptos da radicalização voltam a atacar aqueles que teriam uma concepção “fetichizada” da democracia, reduzindo-a a seus pressupostos “liberais”, quando – dizem – o caminho deles é a democracia direta dos produtores, dos povos originários, das mulheres e dos oprimidos em geral. Desprezam a notável conquista do sufrágio direto e universal, assim como buscam suprimir todo e qualquer resto do arcabouço jurídico “burguês” que, só ele, como mostram as duras réplicas da história, torna possíveis os ensaios de democracia direta e de auto-organização da sociedade.
A violência reaparece, ameaçadora. No imutável “Oriente” dos revolucionários de Nuestra América, o essencial é que se imponham os interesses das classes populares, tal como redefinidos e enquadrados por estruturas verticalizadas e autoritárias. Se irão se impor pela via “eleitoral” ou pela “armada”, passa a ser um problema secundário. Nos manifestos deste Oriente ressurrecto, escreve-se o termo “guerra civil” com a naturalidade dos politicamente levianos, que se obstinam em desconhecer o quanto uma perspectiva desse tipo arruína, antes de mais nada, a vida dos subalternos, como, para dar só um exemplo, os homens e as mulheres comuns que já atravessam a fronteira roraimense e cujo fluxo parece estar só no começo.
Os brasileiros participamos, querendo ou não, deste revival antidemocrático. Ainda não nos demos plenamente conta da nocividade do argumento que transformou o impeachment da presidente Dilma Rousseff em “golpe institucional”, alardeado, no fundo, por quem desconsidera ritos constitucionais densos de conteúdo. Argumento fraco, entre outras razões por ter o PT tentado, por meio de parlamentares ou de intelectuais “orgânicos”, o impeachment de todos os presidentes da redemocratização, desde que de outras legendas. Tratada com a mesma lógica, esta reiteração caracterizaria uma espécie de golpismo permanente ou de subversivismo juvenil, próprio de uma força pouco leal na oposição e intolerante no poder.
Além de fraco, o argumento é perturbadoramente nocivo: é que o afastamento da presidente Dilma insere-se, de modo irracional e anti-histórico, numa “narrativa” mais ampla de golpes reais ou supostos contra os governos progressistas latino-americanos, rubrica em que entram desde os dirigidos por bufões até os que tiveram à sua frente estadistas como Salvador Allende. Há nisso, convenhamos, menos a pitada do surrealismo tradicional na região do que uma infâmia pura e simples: Allende não pode andar em reles companhia.
Felizmente, nunca fomos tão longe como na Venezuela. Nosso universo mental, inclusive o de boa parte da esquerda, não está congelado em oposições irredutíveis nem gira em falso entre “império ou revolução”, “pátria ou morte”. E a burguesia nacional, como dizia um bom frasista, não cabe em Miami. Longe do delírio revolucionarista, temos pela frente a imensa tarefa de reformar um Estado disfuncional e uma sociedade injusta. Não aprendemos exatamente como fazê-lo, mas o método só pode ser o democrático.
FHC deu aval à crítica em propaganda
Ex-presidente FHC aprovou peça do PSDB veiculada na televisão em que o partido admite erros e fala em ‘presidencialismo de cooptação’
Julia Lindner e Igor Gadelha
O Estado de S.Paulo
A propaganda do PSDB veiculada nesta quinta-feira, 16, em cadeia nacional de rádio e TV aumentou as divergências internas, levando uma ala de governistas do partido a iniciar um movimento para tentar afastar o presidente interino da sigla, senador Tasso Jereissati (CE), do cargo. Tasso é apontado como o responsável pelo vídeo, produzido pelo publicitário Einarth Jacomé. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também ajudou a elaborar a propaganda.
“Isso não faz o menor sentido, porque, se vai substituir o presidente do partido, tem que substituir também o presidente honorário, já que o vídeo passou pelo crivo do presidente FHC”, disse o senador tucano Cássio Cunha Lima (PB).
Segundo integrantes do partido, FHC foi responsável por sugerir o uso da expressão “presidencialismo de cooptação” para criticar o modelo de governo brasileiro, considerada uma das frases mais polêmicas da peça e vista como crítica ao governo Michel Temer. “A expressão ‘cooptação’ foi sugestão do próprio FHC. Ia ser coalizão e ele sugeriu cooptação”, disse Cunha Lima.
Segundo Jacomé, o material foi exibido ao ex-presidente em São Paulo e recebeu sua aprovação. De acordo com o publicitário, FHC disse, na ocasião, que era preciso “chacoalhar a política”. FHC afirmou que, no primeiro caso, da “cooptação”, dá-se uma relação com pessoas, mediada por nomeações e interesses pessoais, chegando aos financeiros. O outro modelo, presidencialismo de coalizão, supõe uma convergência de pontos programáticos em consequência de apoios aos quais se abre espaço no governo.
Autocrítica. No programa de dez minutos, o PSDB fez uma “autocrítica” por ter “aceitado o fisiologismo”. “O presidencialismo de cooptação que vigora no Brasil faliu, tendo gerado crises sucessivas e muita instabilidade política”, diz o locutor, sem citar que a sigla ocupa quatro ministérios do governo.
Aliados de Tasso apontaram a participação de integrantes do Palácio do Planalto no movimento para afastar o senador da presidência interina do partido. Ele é pró-desembarque do governo. “A reação que vem (contra o programa do PSDB) é dos governistas, está evidente a participação do governo nessas declarações”, disse o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).
Ferraço afirmou ainda que há movimentos para que o PSDB se transforme “em força auxiliar do governo”. “Há esforço (do governo) para que o PSDB se anule”, afirmou.
Interlocutores de Temer, no entanto, disseram que o presidente tem perfil ponderado, não radical, e que o peemedebista conversou com Tasso por telefone. O tucano ligou para Temer para explicar a peça e, segundo interlocutores, o presidente não fez nenhum tipo de cobrança.
Nos bastidores, auxiliares de Temer consideraram um “tiro no pé” a propaganda. Segundo um interlocutor do presidente, ao reconhecer erros, os tucanos, além de darem munição a adversários na eleição do ano que vem, escancaram a crise vivida dentro partido.
Disputa. Tucanos da ala governista querem que o senador Aécio Neves (MG) reassuma a presidência da sigla temporariamente e escolha outro vice-presidente para comandar o partido até 9 de dezembro, quando está prevista nova eleição da Executiva. Nos bastidores, apostam no senador Flexa Ribeiro (PA) ou no deputado Giuseppe Vecci (GO) como substitutos de Tasso.
Enquanto isso, líderes do PMDB e do Centrão, grupo do qual fazem parte PP, PSD, PR e PRB, passaram a cobrar publicamente que o PSDB entregue os quatro ministérios que detém no governo: Cidades, Secretaria de Governo, Relações Exteriores e Direitos Humanos.
Interlocutores do Planalto voltaram a afirmar que o governo não vai retaliar os atuais ocupantes de cargos no primeiro escalão da Esplanada. Os ministros tucanos Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo), Aloysio Nunes (Relações Exteriores) e Bruno Araújo (Cidades) foram rápidos ao se manifestar contra o programa e dizer que a peça não os representa. Auxiliares de Temer lembrara ainda que os três atuaram para ajudar a derrubar a denúncia contra Temer. / Colaboraram Carla Araújo, Tânia Monteiro e Pedro Venceslau
Merval Pereira: Racha saudável
“É bom que rache, há momentos na vida em que é preciso tomar uma decisão”. Assim o presidente em exercício do PSDB, senador Tasso Jereissati, reagiu às críticas ao programa partidário que assumiu os erros cometidos no passado e mostrou o partido disposto a recuperar seu eleitorado.
O PSDB, criado depois do rompimento com o MDB por causa do fisiologismo comandado por Orestes Quércia, agora se vê às voltas com o fisiologismo do governo Temer, que tem sob controle o PMDB, que, sintomaticamente, quer voltar a ser MDB. Mas será o MDB de DNA quercista, e não o de Ulysses Guimarães.
Romper agora novamente devido ao fisiologismo estaria de acordo com a linha programática do partido. Ajudar o governo de transição de Temer estava dentro do que o PSDB deveria fazer, por ser a solução constitucional e, inclusive, porque o partido apresentou um programa de governo reformista que tinha tudo a ver com o programa do PSDB.
Mas, após a divulgação da conversa com Joesley Batista, ficou difícil justificar a permanência no governo e houve o racha no partido. Um grupo forte, especialmente na Câmara, formado por jovens deputados tucanos e mais vereadores e prefeitos, chamados de “cabeças pretas” por serem a nova geração do partido, paradoxalmente encontrou em dois “cabeças brancas” o apoio para a mudança: Jereissati, que assumiu a presidência interina do PSDB com o afastamento do senador Aécio Neves, e o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.
Presidente de honra do partido, ele diz de brincadeira que não tem influência alguma, mas, na prática, é quem dá a linha programática do partido nas palestras que profere e nos artigos que escreve. Pelo menos mostra a direção que o partido deveria tomar, uma indicação muito mais próxima dos que desejam a retomada de posições iniciais do PSDB do que da cúpula partidária, adepta da velha politicagem de bastidores.
Um exemplo recente foi a carta dos economistas tucanos Elena Landau, Edmar Bacha, Gustavo Franco e Luiz Roberto Cunha para Jereissati, de apelo para que a sigla deixe o governo Temer. Eles integram o grupo de economistas ligados à PUC-Rio que definiu a política econômica do governo FH, especialmente na elaboração e execução do Plano Real.
Os economistas chegaram a pensar em se desfiliar do PSDB, mas decidiram aguardar a convenção do partido, que deve se realizar ainda em agosto. Depois do programa partidário de televisão, vários deles já procuraram Tasso para congratulá-lo pela coragem de encarar as questões fundamentais que o partido enfrenta. Continuam defendendo que o PSDB entregue os quatro ministérios que tem, mas mantenha o apoio à equipe econômica e às reformas estruturais que forem a votação no plenário do Congresso.
O senador Ricardo Ferraço também faz parte desse grupo que quer recuperar a linha programática do antigo PSDB e diz que é preciso assumir que o partido associou-se a um modelo falido que precisa ser modificado. Já o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, um dos principais nomes do partido, ficou irritadíssimo e soltou uma nota no seu Facebook afirmando que o programa era um “monumento à inépcia publicitária” e expressão “de uma confusão política digna de figurar numa antologia do gênero”. Segundo ele, o programa diz que o “o PSDB errou, sem dizer exatamente onde está o erro” e reagiu a declarações sobre corrupção generalizada.
A expressão “presidencialismo de cooptação”, sugerida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi o que mais irritou tanto a cúpula do Palácio do Planalto quanto os ministros tucanos, que se indignaram com a insinuação de que estariam no Ministério por interesses escusos.
O movimento contrário à atual direção partidária tenta fazer com que o grupo do senador Aécio Neves retome a presidência, para ele próprio ou outro membro mais ligado ao grupo que quer se manter no governo. Como prevê Jereissati, está chegando a hora da definição para o PSDB, que tem na sua ala mais forte, a paulista, uma concordância entre o prefeito João Doria e o governador Geraldo Alckmin para a manutenção da linha reformista da direção partidária atual.
José Antonio Segatto: Política e representação
Os problemas do voto proporcional poderiam ser resolvidos, em parte, por medidas simples. Mais uma vez, como tem ocorrido invariavelmente em todos os momentos de crise, a reforma política é aventada como panaceia para todos os problemas do sistema de representação e gestão política do País. Em suas diferentes versões, tanto em sentido estrito (mudanças na legislação eleitoral e de regulação partidária) como lato (alterações na forma de governo), seria condição indispensável para conformar o sistema político à governabilidade e à democracia. Uma das medidas primordiais seria a substituição do voto proporcional pelo majoritário/distrital para a eleição de deputados federais e estaduais.
Seus defensores justificam que seria a melhor maneira de aproximar os eleitores da política – a delimitação espacial das circunscrições eleitorais avizinharia representados e representantes, facilitando a cobrança de uns e forçando a prestação de contas de outros. Além disso, tornaria os pleitos menos custosos, eliminaria as deformações do sistema proporcional, em que o eleitor não tem controle de seu voto, e, o que mais importa, diminuiria a quantidade de partidos, excluindo mesmo as minorias e/ou as pequenas legendas, convertendo a governabilidade em algo mais exequível.
Essas razões que embasam as proposições em prol do sufrágio majoritário/distrital podem ser objetadas em muitos de seus aspectos: 1) a divisão das atuais circunscrições eleitorais (Estados) em unidades bem menores, correspondentes à quantidade de representantes nos Parlamentos, coloca o problema da delimitação de suas fronteiras pelo número de eleitores e a diferença entre os pleitos (federais e estaduais), com quantuns diversos de representantes; os critérios para o redesenho dos distritos podem implicar ordenações arbitrárias de privilegiamento de interesses locais ou regionais e oligárquicos. 2) As eleições majoritárias uninominais, ao eleger candidatos por maioria simples, eliminam minorias (mesmo que expressivas), tendem a resultar em governos unitários e subtraem atribuições dos partidos políticos, fomentando o personalismo. 3) A tese de que aproxima os cidadãos de seus representantes por meio da defesa de interesses locais é falaciosa; os atributos de um deputado federal é o de legislar e tratar de questões nacionais, e não de demandas particularistas ou regionais – o risco que se corre é o de conceber vereadores federais (ou estaduais) ou despachantes paroquiais. 4) É duvidosa a alegação de que o sistema de voto distrital diminui os custos das campanhas; os dados revelam que as eleições majoritárias, mesmo que limitadas espacialmente, são sempre mais caras que as proporcionais. 5) O argumento segundo o qual as eleições por distritos menores amplificariam a eficácia parlamentar e potencializariam a representação contém forte teor ideológico, pois, ao contrário, a probabilidade de gerar correspondência assimétrica entre os votos e a representação é bem mais elevada nos pleitos majoritários do que nos proporcionais – exemplos disso são os sistemas eleitorais distritais norte-americano, inglês, francês e outros.
Seria possível enumerar outros problemas do voto distrital/majoritário e suas impropriedades para a representação política democrática. Acredito, entretanto, que os já enumerados são suficientes para apontar que o sistema de eleições proporcionais, embora imperfeito, tem se mostrado mais equitativo para representar a soberania popular, conforme indicam as experiências – mesmo as propostas híbridas, mescla do voto majoritário uninominal com proporcional de lista fechada, como o sistema distrital misto, não revogam suas vicissitudes.
Ademais, as facções políticas que pregam como imperioso o voto majoritário/distrital o apresentam como uma grande novidade e remédio para os muitos males da política brasileira. Esquecem-se, como que numa amnésia histórica, de que tal tipo de sistemática eleitoral foi utilizada por um longo período no País – obviamente que em outras circunstâncias e/ou época –, no Império e na República, desde meados do século 19 até 1930. Seus resultados não foram nem um pouco promissores – atendeu cabalmente aos propósitos do domínio oligárquico e coronelista e às conveniências políticas de uma elite parcamente democrática.
Substituindo o sistema distrital, o de voto proporcional de lista aberta em circunscrições (distritos) equivalentes aos entes nacionais (Estados) vem sendo praticado há mais de sete décadas e, ao longo desse período, sofreu alterações diversas. É inegável que, não obstante certos aperfeiçoamentos, contém ainda muitas imperfeições. Por exemplo: o fato de o eleitor votar em fulano e, com frequência, eleger sicrano, votar no candidato do partido x e eleger o postulante do y (nas coligações); o constante encarecimento das campanhas e as interferências do poder econômico em seu financiamento; entre outras resultantes indesejáveis.
Esses problemas, entretanto, poderiam ser resolvidos, em parte, por medidas simples como a proibição de coligações nas eleições proporcionais e/ou sua substituição pelo mecanismo de federações partidárias; a troca da lista aberta pela lista fechada flexível, estabelecida em prévias eleitorais partidárias, etc. A estas poderiam ser vinculadas a fixação de uma cláusula de barreira para que o partido tenha direito ao funcionamento legislativo, acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito; de um fundo para financiamento público de campanhas eleitorais; a correção da desproporção de representação entre os Estados na Câmara e no Senado; etc. Tais medidas, indubitavelmente, seriam providenciais para salvaguardar a operacionalidade dos mecanismos de representação política e da soberania popular, afora regular o processo democrático, dando-lhe maior previsibilidade e legitimidade.
* José Antonio Segatto é professor titular de sociologia da Unesp
Míriam Leitão: Triste vitória
O que o governo apresentou ontem eleva o déficit até 2020. Todos os cálculos dos resultados negativos foram revistos para pior. Na hora de anunciar os cortes, o governo poupou os militares do congelamento dos salários. A equipe econômica venceu no final, mas foi uma vitória triste, porque não houve ajuste, mas sim um aumento menor do rombo em relação ao que os políticos queriam.
Os militares foram poupados na reforma da Previdência e agora foram retirados do congelamento dos salários. O ganho com esse adiamento dos reajustes seria de R$ 11 bilhões e caiu para R$ 5 bi. O governo protegeu também exportadores. Eles continuarão tendo isenção fiscal para exportar, no benefício chamado Reintegra. Só não terão mais o aumento da isenção que estava previsto para 2018.
O peso recaiu principalmente sobre os servidores civis do executivo, já que os outros poderes têm autonomia. Eles não terão reajustes no ano que vem, perderão vantagens financeiras ao serem transferidos e também o auxílio-moradia será limitado a quatro anos e com uma redução gradual do valor.
Os funcionários do Legislativo e Judiciário poderão ter seus reajustes e manter por tempo indeterminado o auxílio-moradia, benefício que cria inaceitáveis distorções.
Pela proposta do governo, o rombo total do setor público consolidado, incluindo governo federal, Previdência, estados e municípios, será de R$ 514 bilhões na soma dos anos de 2017 e 2020. Com as mudanças nas metas, o déficit previsto nesse período teve um crescimento de R$ 199 bilhões em relação ao estimado anteriormente.
Assim, o país chegará a 2020 sem ter superado a crise fiscal. Antes havia a previsão de que naquele ano haveria superávit de R$ 23,2 bi, mas agora foi previsto outro rombo, de R$ 51,8 bi. Ou seja o governo Temer, se for até o final, entregará o país com um déficit anual de R$ 159 bilhões e uma LDO projetando um déficit de R$ 137 bi, além da previsão de continuar o vermelho no segundo ano do próximo governo.
O debate nas últimas horas dentro do governo era o que se poderia fazer pelo lado da receita. Os ministros políticos, com os reforços que conseguiram na sua área, vetaram sucessivamente tudo que foi proposto. Os ministros da economia pensaram em ampliar o programa de privatização e concessões, mas algumas ideias enfrentaram resistência dos políticos, como a venda dos aeroportos de Santos Dumont e Congonhas.
Sobre 2017, não há muito a fazer, a não ser calcular corretamente quanto se conseguirá de receita com a venda das hidrelétricas que eram da Cemig, e a concessão não foi renovada por decisão da administração Dilma.
— O problema é que a única forma de cortar despesas discricionárias no próximo ano é reduzindo o tamanho do Estado, fechando alguns órgãos públicos. Os políticos não querem apoiar uma medida dessas. E nenhum político quer ouvir falar em fechar órgão público em novembro e dezembro — disse um integrante da equipe econômica.
A ideia de aumento do IOF sobre crédito foi estudada e deixada de lado porque é muito ruim e encareceria o crédito. Por isso houve apenas uma mudança na forma de cobrança do imposto que incide sobre os fundos fechados de investimento. Agora, pagarão como os fundos que são abertos aos investidores em geral. Era um privilégio dos muito ricos que eles deixarão de ter. O ganho com isso será do ano que vem. O grande temor em relação a 2017 é ocorrer uma nova frustração de receita, mesmo com um déficit de R$ 159 bilhões.
Pelos dados que os ministros apresentaram, a queda da receita, pela recessão e desinflação, é realmente muito grande. Só para o ano que vem, a diminuição da arrecadação prevista é de R$ 44 bilhões. O ministro Meirelles repetiu à exaustão que a queda da inflação é boa para o país, mas explicou que com isso encurtam também as receitas que o governo consegue obter.
Há medidas de ajuste mais permanente, como a revisão das carreiras. O governo contrata, com salários muito acima do mercado, profissionais que passam a ter várias outras vantagens e a estabilidade. Mas não haverá ganho imediato. Ao fim da longa batalha das metas conclui-se que a equipe econômica venceu, se é possível chamar isso de vitória, e o déficit ficou em R$ 159 bi, subindo R$ 50 bilhões em dois anos.
* Míriam Leitão é jornalista
Rubens Bueno: 2018, eleitor e partidos na berlinda
O Brasil vive nos últimos anos a política do precipício. Quando parece que a situação vai melhorar, caímos novamente no poço sem fundo da corrupção, chaga que impede a prestação eficiente de serviços públicos, abala a nossa economia e afeta a credibilidade externa do país.
A reversão desse quadro não se dará apenas com o combate efetivo a esse crime de lesa pátria, como vem fazendo a força-tarefa da Operação Lava Jato. Depende também, e principalmente, da mudança de postura dos partidos e do eleitor.
O ano de 2018 poderia se transformar no ponto de partida para essa virada. Teremos eleição do novo presidente da República, de governadores, deputados e senadores. É uma ótima oportunidade para expurgamos do meio político aqueles que chafurdam na corrupção e utilizam seus mandatos em benefício próprio. E qual o dever de casa que cabe a cada participante desse jogo?
Aos partidos cabe apresentar propostas claras para o país. Propostas e candidatos a presidente. Afinal, um partido que realmente deseja merecer o respeito e o voto do eleitor precisa dizer a que veio. E a eleição presidencial é o principal palco para isso.
Não é mais admissível, por exemplo, que o maior partido desse país, o PMDB, não lance candidato a presidente desde 1989.
A pluralidade faz bem a democracia e, numa eleição em dois turnos, nada melhor para o eleitor do que contar com uma ampla opção de escolha. Já está provado que a dicotomia política, o nós contra eles, o PT versus PSDB, não tem feito bem para a política brasileira.
Os partidos também devem ter o compromisso de escolher com critérios seus candidatos, de não vender espaço em suas chapas em troca de dinheiro, de afastar conhecidos corruptos de seus quadros evitando que famosos estelionatários eleitorais ludibriem o eleitor. Também precisam formar seus candidatos, prepara-los para exercício do cargo que desejam alcançar. Afinal, a incompetência também alimenta a corrupção, nem que seja por falta de ação.
Ao eleitor cabe também deixar de vender seu voto por uma promessa de emprego, por um convite para um churrasco ou por uns trocados quaisquer. O voto não é moeda de troca.
O voto certo, limpo, dado com consciência, pode melhorar a educação, a saúde, a segurança e o desempenho da economia do seu país.
Já o voto vendido alimenta a corrupção, suga os recursos públicos e impede que o país saia do atraso. Depois, não adianta nada sair por aí dizendo que são todos ladrões, que todo político é corrupto. Até porque quem vende seu voto se torna parte integrante da quadrilha.
O eleitor precisa ter em mente que o voto não é só um direito, é uma responsabilidade do cidadão com a construção de uma sociedade mais justa e ética. Por isso, é fundamental que cada um analise as propostas dos candidatos, pesquise sua vida pregressa, debata com familiares e amigos e até participe da campanha daquele político que considera melhor para o país, para seu estado ou sua cidade.
A resposta que será dada nas urnas, o voto consciente ali depositado, é que pode promover uma virada nesse país. Os políticos que hoje envergonham a sociedade não caíram de paraquedas. Alguém os botou lá. E esse alguém é o eleitor.
2018 está aí. O país vai mal e partidos e eleitores estão na berlinda. Vamos deixar tudo como está?
* Rubens Bueno é deputado federal pelo PPS do Paraná
Política Democrática #48: Razões da crise, por Caetano Araújo
A crise ocupa, há tempo, o centro do debate no país. Em poucos anos, rachaduras na fachada ética da política e alertas na economia transformaram-se numa situação de extrema instabilidade, que ameaça tragar boa parte do sistema partidário. Discute-se hoje, principalmente, os lances mais recentes do processo, seus impactos já verificados e, principalmente, num quadro de grande incerteza, diferentes prognósticos alternativos sobre o futuro imediato, geralmente na perspectiva de suas consequências políticas e eleitorais.
Menos atenção tem recebido, no entanto, a questão, crucial, da gênese da crise. Em outras palavras, como chegamos ao ponto em que estamos hoje? Procuro desenvolver aqui uma resposta tentativa, o embrião de uma hipótese a ser trabalhada. No meu argumento, a origem da crise deve ser buscada em duas dimensões diferentes: o sistema de regras que regula as eleições e as decisões estratégicas dos principais atores políticos do país, nos últimos anos. Falo, nesse caso, dos maiores partidos brasileiros, com o evidente protagonismo do Partido dos Trabalhadores, vencedor das últimas quatro eleições para Presidência da República.
Vamos à regra. Praticamos no Brasil, nas eleições para deputados (federais, estaduais e distritais) e vereadores, o sistema de voto proporcional com listas abertas. Nele, os eleitores podem votar em legendas ou em candidatos das listas apresentadas pelos partidos políticos. As listas não são pré-ordenadas, de modo que o total de votos de cada partido (soma dos votos da legenda e de todos os nomes) determina o número de cadeiras que cada um obteve, enquanto a entrada dos candidatos é defnida pela ordem decrescente dos votos obtidos.
Importa lembrar que este sistema é uma invenção genuinamente nacional. Foi formulado por Assis Brasil, na década de 1930, com o objetivo de conciliar o voto em partidos, característico para ele de democracias modernas, com o voto em pessoas, que vigorou durante o Império e a República Velha. É usado entre nós desde 1945, de modo que muito provavelmente não há eleitores brasileiros vivos que tenham conhecido outro sistema.
Na comparação internacional, o sistema não teve tanto sucesso. Apenas a Polônia e a Finlândia nos acompanham hoje. A grande maioria dos países democráticos escolheu entre três outras alternativas: votar em pessoas, adotando o voto distrital; votar em partidos, com o voto proporcional em listas fechadas ou flexíveis; ou votar em pessoas para uma parte das cadeiras e em partidos para a outra parte, nos sistemas chamados mistos.
São conhecidas as críticas ao nosso sistema: personalização das campanhas, com as contrapartidas inevitáveis de sua despartidarização e despolitização; campanhas caras; influência do poder econômico; défcit de legitimidade junto aos eleitores. Como sabemos, tudo isso é verdade. Aqui candidatos arrecadam e gastam recursos de forma autônoma e concorrem todos contra todos, principalmente contra seus companheiros de legenda.
O foco de suas campanhas não é apresentar uma plataforma partidária comum, mas os pontos de singularidade política que os diferenciam dos demais candidatos de seus partidos. Os poucos dados disponíveis mostram que as campanhas eleitorais no Brasil são as mais caras do mundo e seu custo foi crescente, pelo menos até a recente exclusão das empresas do universo de doadores de recursos. Não são de surpreender, portanto, as evidências do uso crescente de recursos não declarados, portanto ilegais.
Os legislativos que saem dessa peneira são dispersos, fato que acumula difculdades para presidentes, governadores e prefeitos construírem suas bases de apoio. Não por acaso, todos os presidentes eleitos depois de 1988 foram favoráveis à reforma política.
Eleitores
Para os eleitores, o resultado da dispersão signifca perda em termos de fscalização e controle sobre os parlamentares. No sistema de voto distrital, essa fscalização é exercida diretamente porque os eleitores sabem exatamente quem é o deputado que os representa. No sistema de voto proporcional com listas fechadas ou flexíveis, a fscalização é feita por intermédio dos partidos, que são eleitos a partir de uma plataforma e zelam pelo cumprimento do pacto eleitoral por parte dos deputados.
No nosso sistema de voto proporcional com listas abertas, a fscalização direta dos eleitores é difícil, porque o eleitor não pode determinar quem é o seu representante e a fscalização partidária impossível, por não haver os partidos fortes de que necessitaria.
Em compensação, a fscalização por parte dos fnanciadores das campanhas é permanente, uma vez que as duas partes se conhecem, sabem quanto foi aportado e a sua importância para trazer o deputado à cadeira que ocupa. Portanto, tampouco é por acaso que legislativos, parlamentares e partidos são campeões na desconfança dos eleitores, segundo as pesquisas disponíveis.
Tais problemas foram camuflados no passado, em situações em que o número de eleitores era menor, como no período 1945/1964, e as restrições à liberdade de imprensa maiores, como na ditadura militar posterior a 1964. A Constituição de 1988, contudo, consagrou uma série de avanços democráticos que se revelaram incompatíveis com a continuidade da nossa regra eleitoral: sufrágio universal, liberdade de imprensa e autonomia do Ministério Público.
A contradição entre a regra eleitoral e os avanços da Constituição é demonstrada pela sequência de escândalos ligados ao fnanciamento da política no país a partir da década de 1990. Para fcar só nos principais, tivemos sucessivamente o impedimento de Collor, os anões do orçamento, as operações Satiagraha e Castelo de Areia, o Mensalão e, agora, a Lava-Jato, ainda em curso.
Em síntese, nossa regra eleitoral gera um ambiente de competição na qual partidos e candidatos que recusam qualquer recurso de campanha de origem não legal têm difculdade crescente de concorrer com aqueles que se integram a esses canais de fnanciamento. Quando isso ocorre, a corrupção política deixa de ser residual, ou seja, algo que pode ou não ocorrer em determinado pleito, e passa a ser estrutural.
Resta indagar as razões da persistência dessa regra por quase três décadas. Penso que a resposta deve ser procurada nas estratégias de alianças desenvolvidas pelos maiores partidos brasileiros, em especial o PT.
Tendência
Hoje a situação parece improvável, mas no período entre a posse e a queda de Collor ganhou corpo uma tendência à aliança entre PT e PSDB para as eleições presidenciais seguintes. Essa tendência começou a perder força com a opção do PT de não participar do governo Itamar e, principalmente, com o lançamento do Plano Real, duramente criticado pelo partido. Nos dois mandatos de Fernando Henrique, o PT fez oposição sistemática a toda a agenda modernizante do governo e à possibilidade de aliança fcou mais distante.
No início do governo Lula, a situação havia mudado. Depois de uma pauta de campanha que aceitou o processo de estabilização da economia, com todas as suas implicações; de uma transição de governo bem-sucedida; da defesa, ainda que tímida, de uma agenda reformista que contou com o apoio do PSDB, na oposição, e do PPS, então no governo, uma janela de oportunidades para uma nova política de alianças do PT parecia aberta. Contra essa nova política, pesavam dois fatores importantes: a forte resistência das bases do PT, educadas num discurso político salvacionista, e a oferta permanente de apoio, mais fácil e imediato, de uma grande massa de deputados situados politicamente entre o fsiologismo e o conservadorismo.
O momento decisivo para a defnição ocorreu no início de 2003, quando a proposta de reforma política apoiada por PT, PSDB, PFL, PDT, PSB e PPS, de listas fechadas com fnanciamento público de campanha, estava a ponto de ser votada em plenário. Por pressão dos demais partidos, o PT retirou seu apoio ao projeto, enterrou a reforma política e demarcou seu campo de alianças, tendo como principal referência aliada a centro-direita conservadora.
Vale lembrar que esse movimento do PT não apenas assegurou mais 15 anos de vigência à regra eleitoral, mas, como a aliança replicou-se nos estados, deu sustentação política a velhas elites regionais e, consequentemente, a suas bancadas parlamentares, concentradas nos partidos contrários à reforma.
O PT teve uma segunda oportunidade de redirecionar sua política de alianças. Em 2013, na onda das manifestações populares, que tinham na mudança da política um dos pontos centrais de reivindicação, a presidente Dilma poderia ter encabeçado uma ampla concertação parlamentar pela reforma política. Ao invés de fazê-lo, optou por insuflar propostas diversionistas que em nada resultaram, como plebiscito ou Constituinte exclusiva.
Parece evidente hoje que essa política redundou num fracasso completo. Poderia ser avaliada como um sucesso parcial se os objetivos do governo fossem manter inalterado o status quo econômico, social e político do país. No entanto, à luz dos objetivos declarados nas campanhas do PT, ou seja fazer avançar a democracia e recuar a pobreza e a desigualdade, essa política de alianças deve ser reprovada em toda linha.
Além disso, nas duas variantes que se sucederam, a aliança com o chamado “centrão” aumentou a vulnerabilidade do partido. A tentativa, no primeiro governo Lula, de governar com o apoio do PMDB, mas sem a sua participação proporcional, resultou no Mensalão. A incorporação do PMDB no governo, por sua vez, alimentou a Lava-Jato.
Se essa política deve ser vista com as informações de que dispomos hoje, como um erro colossal, como compreender sua adoção e manutenção por anos a fo? É claro que alguns sucessos do governo Fernando Henrique e do primeiro período de Lula alimentaram a visão da política brasileira como o palco no qual dois partidos programáticos gerenciavam o apoio do fsiologismo. Essa imagem de Werneck Vianna, muito citada por Fernando Henrique, descrevia bem a situação do momento. Nada dizia, contudo, sobre a sustentabilidade desse arranjo no médio prazo.
Podemos especular sobre as motivações pragmáticas do PT para se diferenciar do seu concorrente direto nas disputas presidenciais. Podemos ainda discutir uma tendência possível de interpretar o conjunto da política nacional através do prisma da conjuntura paulista. Penso ser mais produtivo analisar as premissas que podem ser usadas para justifcar essa opção. Na minha opinião, são três essas premissas, todas devidamente desmentidas pelos fatos.
Estado
Em primeiro lugar, a preponderância do Estado sobre a sociedade, tributária da ideia antiga que faz depender todo movimento de mudança à condução esclarecida de uma vanguarda, capaz de recolher as demandas populares e processá-las na forma de decisões políticas racionais. Nesse aspecto, as jornadas de 2013 mostraram que alguma coisa não funcionava como previsto.
Em segundo lugar, a preponderância do Executivo sobre o Legislativo. Outra ideia antiga que afrma a capacidade de o Executivo impor sua vontade aos legisladores como uma constante da política. O processo de impeachment desmentiu essa premissa, ao menos na sua versão absoluta.
Em terceiro lugar, a neutralidade política do fsiologismo, do atraso, do centrão, qualquer que seja o nome dado ao grupo de parlamentares que se posiciona na política mais do lado da oferta, menos no da demanda, de apoio parlamentar. Menos expostos às cobranças partidárias, esses deputados tendem a ser, no entanto, mais sensíveis às demandas dos grupos empresariais que fnanciam suas campanhas, como fcou demonstrado em diversas votações em que os interesses do governo foram contrariados nos últimos anos.
* Caetano Araújo é sociólogo, professor da Universidade de Brasília e consultor legislativo do Senado Federal
** Artigo publicado originalmente na Revista Política Democrática #48
Política Democrática #48: A crise parece não ter fim
A delicada e complexa crise que o Brasil enfrenta e que foi ampliada e aprofundada nos últimos anos, continua perturbando e intranquilizando a vida do país e de cada brasileiro, em particular. Até agora, as primeiras providências, e consideradas essenciais pelo governo de transição, efetivamente não constituíram nem constituem os únicos passos corretos e concretos em direção ao equilíbrio das contas públicas e à retomada do crescimento econômico.
Permita-se lembrar que a base da maior parte dos problemas de hoje – cerca de 2/3 dos gastos federais se destinam ao funcionalismo e à previdência – foi o aniquilamento das contas públicas pelos governos petistas (de Luiz Inácio a Dilma), num total descompromisso de suas gestões com as metas fscais.
Representantes dos diferentes núcleos da sociedade (empresários, trabalhadores, especialistas) têm se manifestado de que não estão sentindo que a saída da grave crise está a caminho, e, o que é pior, reduz-se, cada vez mais, o número dos que acreditam que os atuais ocupantes do Palácio do Planalto tenham capacidade e autoridade para deter esta marcha tresloucada que o país vive, cujo desfecho continua imprevisível.
O mais grave é que, ao lado da paralisia e da redução da atividade econômica e dos seus efeitos, sobretudo o desemprego (continuamos com 13 milhões e meio de pessoas fora do mercado de trabalho) e a insegurança da cidadania (aqui há mais mortes por assassinatos que mortes em países em guerra), sofremos uma crise demolidora da política e dos que a praticam, particularmente porque a expressiva maioria dos que deveriam servir ao público, nada mais fazem do que se servirem do público. O Brasil, lamentavelmente, é o quarto país mais corrupto do mundo, estando à frente até da Venezuela bolivariana de Nicolás Maduro.
Nesta edição, autores com as mais diversas visões sobre o quadro nacional buscam revelar aspectos, os mais variados, sobre este complicado período que os brasileiros vivem, destacando algumas incongruências vindas do governo central, o peso da Operação Lava-Jato em aspectos vários de quantos controlam, a seu talante, a máquina estatal, particularmente nos poderes Executivo, Legislativo e até no Judiciário.
Importante ressaltar que alguns articulistas, além do rico conteúdo de suas análises, defendem o apoio aos atuais projetos de reforma trabalhista e da previdência, assim como apresentam propostas de saída, sobretudo considerando que temos que nos preparar, desde já, para as eleições do próximo ano, como o momento em que o povo brasileiro deverá ser ganho para escolher seletivamente os que devem comandar o país, a partir de 2019.
E, por haver também uma crise demolidora da política e dos que a praticam no território nacional, espera-se, além de uma campanha de educação dirigida a cada homem e a cada mulher, para que saibamos melhor escolher sobretudo os nossos representantes na Presidência da República, no Senado e na Câmara, que organizemos um bloco de forças partidárias de concepção e prática democráticas e republicanas para disputar este próximo pleito, com perspectiva de colaborar para as imprescindíveis mudanças que a nação, há muito, está a exigir.
Nunca é demais lembrar que o Brasil aguarda que se façam as chamadas reformas de base, a começar por uma efetiva reforma política, e não por simples remendos, ora discutidos na Câmara e no Senado, que buscam nada mais que manter as condições propícias para que muitos se mantenham em seus cargos, como forma de continuarem manipulando a máquina estatal e dela se aproveitando para usufruírem de uma vida nababesca e desflando pelos espaços de visibilidade sob a cobertura de tevês, rádios, revistas e jornais.
Outras reformas indispensáveis são a da máquina do Estado, de forma a reduzir o número excessivo e desnecessário de servidores (somos no mundo um dos primeiros países na quantidade de funcionários e no valor dos salários que pagamos); alterar radicalmente o sistema tributário brasileiro, que pune violentamente o cidadão comum e protege os que efetivamente devem pagar impostos e têm tranquilas condições de fazê-lo; dentre outras reformas.
Esta edição merece que mergulhemos nela, sem mais delongas: http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/2017/08/15/politica-democratica-48/
Boa leitura!
Os Editores
Pedro S. Malan: Limites do autoengano?
A inimaginável tragédia que expressa o colapso econômico e o caos político da Venezuela de hoje pode constituir um ponto fora da curva, mas o fato é que não faltam experimentos populistas – de “esquerda” e de “direita” – na História da América Latina.
A carta que Perón, como presidente da Argentina, escreveu ao presidente do Chile, general Ibáñez (1953), é um dos exemplos mais admiráveis da postura que se encontra na raiz da crise venezuelana: “Dê ao povo, especialmente aos trabalhadores, tudo o que possa. Quando lhe parecer que lhes dá demasiado, dê-lhes ainda mais. Verá o efeito. Todos tratarão de assustá-lo com o fantasma de economia. É tudo mentira. Não há nada mais elástico que esta economia que todos temem tanto, porque não a conhecem”.
A data da carta é importante. O início dos anos 50, em parte por causa da guerra na Coreia, foi marcado por extraordinário aumento dos preços de exportação de países produtores de commodities, como Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e Peru. A melhoria dos termos de troca e do volume da exportação permitiu um crescimento da renda em muito superior ao do produto doméstico, dando fôlego a certos experimentos como os sugeridos por Perón em sua carta, na suposição de que “nada é mais elástico que a economia”.
Os autores da expressão “efeito voracidade” (Tornell e Lane, 1999) no artigo que leva esse título já haviam tentado criar um modelo para explicar por que alguns países não apenas cresciam pouco, mas com frequência respondiam de maneira perversa a choques externos favoráveis – como elevações de termos de troca –, aumentando mais que proporcionalmente a “redistribuição fiscal dissipatória e investindo em projetos ineficientes”.
Vimos esse filme recentemente entre nós. Vimos também que a popularidade alcançada com esse tipo de política pode ser transitória, mas sua duração pode ser suficiente para acalentar sonhos de um “projeto” de permanência no poder no longo prazo. Como escreveu Perón na mesma carta: “É incrível até onde se pode ir neste caminho até capitalizar politicamente a massa popular. Uma vez em possessão dela, você não terá problema e o governo é uma coisa simples”.
Uma suposição endossada por muitos na América Latina nas décadas que se seguiram à carta de Perón. Inclusive no Brasil nesta segunda década do século 21, em que o governo acreditou (e levou muitos a endossar a ideia) que a aceleração do crescimento poderia ser assegurada por uma política dita “keynesiana” de caráter duradouro. Isto é, tanto pró-cíclica quanto anticíclica, já que nessa visão “gasto público é sempre investimento” em alguma coisa e teria sempre efeito multiplicador em termos de geração de renda adicional. Ainda há quem acredite nisso, apesar de todas as evidências em contrário. Quem duvida aguarde os discursos de alguns dos candidatos às eleições de 2018.
“A austeridade não é uma fatalidade” foi o mote da campanha vitoriosa de François Hollande à presidência da França, em 2012. Em artigo nesta página (13/5/2012) escrevi que a frase de efeito de Hollande expressava de forma sintética o sentimento, à época, de milhões de europeus e tinha dado renovado alento a um falso dilema; mais uma genérica dicotomia entre os “defensores da austeridade” e seus antípodas, “os defensores do crescimento”, como se essa fosse a fundamental, óbvia – e fácil – escolha europeia. E brasileira, diriam muitos.
Afinal, por que alguém preferiria sofrer as agruras da “austeridade” quando poderia, livremente, escolher maior crescimento, renda e emprego votando em quem se proponha a trazê-los de volta – pela força de sua vontade e autoproclamada capacidade para tal empreitada? No processo de tentar fazer valer a pura “força da vontade política” em condições muito adversas, governos podem tornar a situação ainda mais insustentável, como bem o sabemos.
E nas inevitáveis respostas a essas situações governos podem beirar os limites de suas capacidades (de tributar, de bem gastar, de se endividar, de reformar, de gerir, de investir), ficando tentados a seguir cursos indesejáveis de ação. Enquanto os políticos hesitam em empreender ações dolorosas, mas necessárias, para pôr a economia no rumo apropriado para o crescimento de longo prazo, os problemas se agravam e se tornam mais difíceis de resolver, levando ao aumento dos encargos da dívida pública, mais direitos (ou expectativas de direitos) frustrados ou inacessíveis. E a um crescente número de desfavorecidos.
A questão central é se políticas de aceleração do crescimento e de geração de emprego com inclusão social e redistribuição de renda estão sempre destinadas ao fracasso. A resposta é, claramente, não. Mas isso exigiria uma atenção muito, mas muito maior a certos riscos, que os populistas aparentemente não estão muito dispostos ou preparados para aceitar – especialmente na área fiscal (nível, composição e eficiência tanto dos gastos públicos quanto da tributação), dívida pública e quanto à absolutamente necessária elevação da produtividade em seus respectivos países.
O debate sobre austeridade versus crescimento, quando generalizado, é um falso debate. Assim concluí meu artigo de maio de 2012: “Por certo, há limites para a austeridade, que podem ser de natureza econômica ou político-sociais, e que sempre dependem do contexto específico de cada país. Mas também é verdade que há limites para o crescimento, que são ou deveriam ser conhecidos. Governos não decidem, por meio de atos de vontade política, quais serão as taxas de crescimento futuro de uma economia”.
Em resumo, há limites para austeridade, há limites para o crescimento e há limites para o voluntarismo. Nenhum deles é uma fatalidade. Ainda bem. O que pode ser fatal é a recusa a reconhecer realidades (e irrealidades) fiscais, os principais fatores de risco para uma moeda – e para o crescimento –, na suposição de que “nada é mais elástico que a economia”
* Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC