crise econômica

 Míriam Leitão: Os pontos positivos que sustentam o crescimento da economia

Há vários pontos na economia que sustentam a recuperação este ano e no próximo. Porém, não há garantia de que é o início da retomada sustentada do crescimento depois da grande queda. Mas os bons indicadores alimentam o otimismo que se refletiu no recorde histórico do Ibovespa ontem, apesar da continuação da crise política e da enorme incerteza sobre o que vai acontecer no Brasil depois de 2018.

O economista José Roberto Mendonça faz uma lista do que pode sustentar o crescimento no ano que vem. A MB Associados está com uma das previsões mais altas do mercado para o PIB: de 0,7% este ano e de 3% em 2018. Mas ele também tem uma lista de pontos obscuros na conjuntura.

Ele liga, por exemplo, a delação da JBS com a piora fiscal que levou à revisão da meta. O escândalo em que o presidente se envolveu o enfraqueceu politicamente e isso foi cobrado em gasto público.

— A delação enfraqueceu o governo, o centrão entrou em cena e mudou vários projetos que tinham receitas previstas. O Refis tinha a proposta de pagamento de 20% à vista. A mudança no Congresso eliminou isso, e a receita prevista de R$ 13 bilhões desapareceu. O STF decidiu que os produtores rurais tinham que pagar o Funrural, o que significava a entrada de R$ 5 bilhões. Mas o governo aceitou uma proposta que pode fazer desaparecer essa receita. Tudo é decorrente da crise após a delação do JBS — disse o economista.

A dívida dos produtores ao Funrural é muito antiga e vem da decisão de cobrar a contribuição patronal do empresário rural como parte da receita líquida. A mecanização reduziu o número de trabalhadores nas empresas e eles quiseram pagar sobre a folha, entraram na Justiça e pararam de pagar. O STF decidiu que eles deveriam pagar os últimos cinco anos e como percentual da receita. Isso dá uns R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões e os maiores devedores são exatamente a JBS e a Marfrig. A JBS, mais de R$ 1 bilhão. Mas tramita no Congresso um projeto para reduzir esse pagamento e a concessão do governo foi feita exatamente no início do debate sobre a aceitação ou não da primeira denúncia.

— Só com esses dois casos, o do Refis e o do Funrural, o governo está tendo uma frustração de receita não recorrente de quase o tamanho do aumento da meta, R$ 20 bilhões — disse José Roberto.

A deterioração fiscal e a incerteza sobre 2018 mostram que nenhum otimismo em relação à situação econômica tem um horizonte amplo. Bate nestes dois pontos. Por outro lado, há nos indicadores atuais muitas razões para crer que o país sai da recessão este ano e cresce no ano que vem.

Entre as razões, José Roberto relaciona a queda da inflação e seu efeito na melhoria da capacidade de compra do consumidor:

— Em agosto do ano passado, o custo da alimentação havia subido 14% nos 12 meses anteriores. Em julho deste ano, há uma queda de 2% nos últimos 12 meses. Isso permitiu a recuperação da renda das famílias. E por isso o rendimento real começou a subir forte. Os salários não aumentam, mas melhorou o poder de compra e por isso o rendimento real está com alta de quase 3% de julho a julho — diz o economista.

Essa melhoria da capacidade de compra, apesar do desemprego, é ajudada pelos dados que mostram a queda do endividamento das famílias. O Banco Central mede isso de duas formas: o total da dívida pelo rendimento anual das famílias, que caiu de 46% para 42%, e o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas mensais, que caiu de 23% para 21%. Além disso, a inadimplência da pessoa física caiu de 6,3% para 5,7%. Isso está elevando a concessão de crédito:

— O desemprego está alto, mas no último dado a queda foi maior do que todos esperavam. E um milhão quatrocentos e trinta e nove mil pessoas passaram a ter alguma renda do trabalho.

Ele acha que todas essas razões levarão o consumo das famílias a aumentar este ano. Além disso, as projeções mostram inflação estável. As previsões da MB Associados são de que o saldo comercial este ano será de US$ 71 bilhões, mais do que a média do mercado prevê. Ou seja, na visão de Mendonça de Barros, o país não terá o problema que sempre ampliou as crises: a falta de dólar. O otimismo existe, mas é de curto prazo.

 


Marco Antonio Villa: Os privilégios do STF  

O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição (artigo 102). Diz a ministra Cármen Lúcia, no relatório de atividades de 2016, que buscou “racionalizar o gasto de dinheiro público.” Será? Dinheiro não faltou. Em 2016, a Corte recebeu R$ 554.750.410,00. E achou pouco. O pedido inicial era de R$ 624.841.007,00. Desta fortuna, R$ 206.311.277,11 foram reservados ao pagamento do pessoal ativo. E mais R$ 131.300.522,83 para os aposentados e pensionistas. São 1.216 funcionários ativos (554 com função gratificada), 306 estagiários e 959 terceirizados. Há variações nos dados mas o total geral não é inferior a 2.450, o que dá a média de 222 funcionários por ministro. Fica a preocupação de que todos os funcionários não podem comparecer aos locais de trabalho sob pena de colocar em risco as estruturas dos prédios.

Somente entre os funcionários terceirizados (gasto total de R$ 5.761.684,88) é possível encontrar incríveis distorções. É de conhecimento público que algumas sessões são tensas, mas como explicar a existência de 25 bombeiros civis? E as 85 secretárias, média de oito por ministro? Vivemos uma crise de segurança, mas não é exagero a existência de 293 vigilantes? Somos um país cordial mas lá foi levado ao extremo. São necessárias 194 recepcionistas? Divulgar as ações é importante, mas são precisos 19 jornalistas? Com a informatização, como justificar 29 funcionários cuidando da encadernação? Encadernam o quê? Limpar os prédios é importante.

Mas será que o TOC também atingiu o STF? É a única conclusão possível tendo em vista constar na folha de pagamentos 116 serventes de limpeza. A boa etiqueta manda receber bem os convidados, mas pagar a 24 copeiros e 27 garçons não é um pouco demais? Para que oito auxiliares em saúde bucal? É um tribunal ou um consultório odontológico? Preocupar-se com a infância é meritório, mas como justificar 12 auxiliares de desenvolvimento infantil? E os 58 motoristas (ao custo anual de R$ 3.853.543,36)? Sem esquecer os sete jardineiros, seis marceneiros e os dez carregadores de bens — bens? Quais? A imagem da Corte anda arranhada. Esta deve ser a razão para pagar a cinco publicitários. Estes são apenas alguns exemplos entre os milhares de funcionários terceirizados ou concursados que nós pagamos todo santo mês.

A casta trabalhadora é muito bem tratada. O programa Viva Bem patrocinou cursos de ioga, massagem laboral e oficina de respiração. Somente com assistência médica e odontológica foram gastos R$ 15.780.404,89. Ao auxílio-moradia, uma espécie de Minha Casa Minha Vida da Corte, foram reservados R$ 1.502.037,00. Para ajuda de custo (ajuda de custo?) R$ 1.040.920,00. Preocupado com a educação pré-escolar, a Suprema Corte destinou R$ 2.162.483,00. Mas, como ninguém é feliz de barriga vazia, não foi esquecida a alimentação: R$ 12.237.874,00. Preocupados com a vida eterna e com o futuro, suas excelências alocaram R$ 204.117,00 para auxílio-funeral e auxílio-natalidade. Com tantas benesses, dá para entender por que o programa “educação para aposentados” teve apenas dois participantes.

Pesquisando no relatório, alguns gastos de manutenção chamam a atenção, como a rubrica no valor de R$ 1.852.355,49 destinada às reformas e manutenção. O transporte não foi esquecido. São 87 veículos (dos quais três caminhões) que representam um custo de manutenção de R$ 5.420.519,10 (só de lavagem foram gastos R$ 109.642,48). Transparência é um dever constitucional, mas reservar R$ 32.236.498,26 para este fim não é um exagero? Em ações de informática foram torrados R$ 10.512.950,00. Em segurança institucional — a expressão é do relatório — foram alocados R$ 40.354.846,00. Nesta rubrica é possível concluir que a senhora ministra quis adotar o pleno emprego: “a meta física prevista era a manutenção de 487 postos de trabalho. Devido às restrições orçamentárias em 2016, houve necessidade de redução de postos de trabalho vinculados a vários contratos, sendo mantidos 404 postos.” Sim, apenas 404 pessoas para cuidar da “segurança institucional”. Poucos?

Mas, devemos reconhecer, o STF tem seu lado ONG. O setor de “responsabilidade social” organizou a exposição “Eu catador”. Segundo o tribunal, a “mostra de fotos produzidas por catadores de lixo que trabalham no aterro da Cidade Estrutural aconteceu no período de 18 a 25 de novembro de 2016 e pretendeu incentivar a reflexão crítica e sensibilizar a toda a Comunidade do Supremo Tribunal quanto ao impacto do lixo que produzimos.” Parabéns! Em tempo: o relatório informa também que a Corte vem reduzindo o consumo de água.

Nota-se também o excesso de viagens dos senhores ministros. Alguns se ausentaram do trabalho por duas semanas consecutivas. Isto pode explicar que somente 3.373 decisões tenham sido tomadas no plenário contra 102.900 monocráticas. Cabe indagar se o STF é formado por 11 ministros ou temos 11 tribunais federados em um mesmo local? Cada magistrado julga, em média, 10.675 processos. Se subtrairmos as férias forenses, os finais de semana, os feriados prolongados, as viagens nacionais e internacionais, é provável que suas excelências tenham realizado, com louvor, cursos de leitura dinâmica.

Porém, o relatório trouxe três boas notícias. Por falta de recursos orçamentários foram adiadas as construções do centro de treinamento e capacitação de servidores, de mais um anexo e da ampliação da garagem do Anexo II. Tudo orçado — inicialmente — em R$ 1.338.640,00. Resta parodiar o belo hino do Santos Futebol Clube: “nascer, viver e no STF morrer, é um privilégio que nem todos podem ter.”

* Marco Antonio Villa é historiador

 


O Globo: Um em cada 5 desempregados está há dois anos em busca de trabalho

O mercado de trabalho começa a ensaiar tímida recuperação, mas o número de brasileiros que enfrenta há mais tempo o drama do desemprego não para de crescer. Segundo dados mais recentes do IBGE, a parcela de trabalhadores em busca de vagas há dois anos ou mais cresceu na passagem entre o primeiro e o segundo trimestre e já está em 21,7%, ou um em cada cinco desempregados — o maior percentual desde o início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), em 2012. Já são 2,9 milhões de pessoas nesta condição, de um total de 13,3 milhões de desempregados, o dobro dos que estavam nessa situação em 2015.

Por Marcello Corrêa e Cássia Almeida - O Globo

Somados aos que estão parados há pelo menos um ano, o chamado desemprego de longa duração chega a atingir 5,2 milhões de brasileiros, ou quase 40% dos desocupados. Especialistas consideram esta a herança mais dura da longa recessão que começa a ficar para trás, principalmente porque, quanto mais tempo sem trabalho, mais difícil é conseguir uma oportunidade.

O fenômeno não é incomum em longas crises, lembra o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Na avaliação dele, é possível que parte desses trabalhadores simplesmente desista de procurar emprego:

— A grande preocupação de uma crise de longa duração é que a pessoa que está desempregada há muito tempo não está se qualificando e perde a experiência no posto. Ela vai ter dificuldade para voltar ao mercado. No passado, o desemprego caiu muito recuperando pessoas que estavam fora do mercado. Essas foram as primeiras a perder o emprego na hora do ajuste, e vão ter mais dificuldade para voltar. É a parte triste de uma crise tão longa. Cria um desempregado que está sem experiência.

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— É uma forma de mostrar interesse — explica.

*Colaborou Daniel Salgado, estagiário sob supervisão de Marcello Corrêa

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Samuel Pessôa: Passo maior do que a perna

No sábado, dia 2 de setembro, houve manifestação de cientistas e professores universitários contra o contingenciamento do governo Temer aos recursos da educação universitária e da ciência brasileira em geral.

O que talvez os cientistas e professores universitários não saibam é que o gasto do Ministério da Educação (MEC) cresceu a taxas elevadíssimas de 2008 até 2014. Esse enorme crescimento, muito acima da expansão da economia e muito acima da capacidade fiscal do Estado brasileiro, explica a atual crise no setor.

Entre 1999 e 2008, o crescimento do pessoal ativo foi de 2.500 contratações por ano. Esse número elevou-se para 13.600 para o período entre 2009 e 2014. O ritmo anual de contratação do MEC multiplicou-se por cinco!

O crescimento real da despesa com ensino superior entre 2009 e 2014 foi de 70%. Para os gastos totais do MEC, o aumento no mesmo período foi de 121%. Nesse mesmo período, o crescimento real da economia não passou de 15%.

Esses números poderiam somente indicar que o governo entre 2008 e 2014 priorizou o gasto com educação em detrimento de outras despesas e manteve a situação fiscal em equilíbrio. No entanto, entre 2008 e 2014, o crescimento do gasto primário da União, excluindo as transferências obrigatórias para Estados e municípios, foi de 33%.

Sabemos que houve forte expansão do gasto primário da União, acima do crescimento da economia, desde 1992. Ocorre que esse processo se esgotou e está muito difícil a sociedade aceitar novas rodadas de elevação da carga tributária.

Assim, a crise da ciência e do ensino superior público nacional é a crise do Estado brasileiro. Vivemos um período - principalmente em seguida à crise de 2008 - em que nossos gestores se comportaram como se não houvesse restrição de recursos. Como se o aumento do gasto público tivesse efeitos tão fortes sobre o crescimento econômico que ele se autofinanciaria.

A descoberta dos recursos petrolíferos do pré-sal, associada a uma gestão fortemente heterodoxa no Ministério da Fazenda, em particular no Tesouro Nacional, produziu uma verdadeira farra fiscal. Vivemos hoje a ressaca dessa farra.

Esse passo muito maior do que a perna está cobrando seu preço.

O esgotamento do Estado foi precedido de um período de elevação persistente da inflação, consequência da tentativa de segurar os preços por meios heterodoxos, o que agravou os problemas.

Vivemos agora o período das vacas magras. Não aproveitamos as vacas gordas para nos preparar e agora sentimos as consequências de nossas escolhas.

Na semana que passou, o Senado aprovou a taxa de longo prazo (TLP), que altera totalmente a governança de concessão de subsídio pelo BNDES. A TLP tornará todo o subsídio concedido pelo BNDES em recursos públicos que aparecerão explicitamente no Orçamento. O principal objetivo é elevar a transparência e o controle da sociedade sobre a concessão de subsídio.

Um próximo passo importante na melhora da governança dos recursos do BNDES é retirar do banco a taxa que ele cobra sobre os recursos do FAT que são emprestados por outros bancos. Dado que o BNDES não capta esses recursos –quem capta é o Tesouro Nacional– e dado que o risco dos empréstimos concedidos por outros bancos com os recursos do FAT "repassados" pelo BNDES não fica com este, não faz sentido a cobrança da taxa de repasse. Sem essa taxa, o custo do empréstimo na ponta pode cair muito.
 

 

 


Rogério Furquim Werneck: A economia em novo turbilhão político

O esforço de manter as contas públicas sob relativo controle está fadado a ser extraordinariamente desgastante

Sobram razões para comemorar as evidências de que, afinal, a economia brasileira está deixando para trás o longo e penoso processo recessivo em que esteve metida desde o segundo trimestre de 2014, o último ano do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Por incipiente que seja, a expansão da economia traz de volta a esperança de uma retomada mais vigorosa do crescimento, da redução do desemprego, da recuperação da arrecadação e de uma trajetória menos assustadora de agravamento do endividamento público. Na difícil quadra que o país atravessa, não é pouco.

O que há de novo é que o consumo voltou a se expandir. Na esteira da liberação dos saldos das contas inativas do FGTS e dos efeitos diretos da redução da inflação e da queda do desemprego sobre o consumo, vêm-se somando efeitos indiretos importantes, à medida que quem temia perder o emprego começa a se permitir padrões menos austeros de consumo.

Não chega a ser surpreendente que o investimento ainda continue em queda, entravado por níveis muito elevados de capacidade ociosa, pela falta de aparatos regulatórios confiáveis para desenvolvimento de projetos de infraestrutura e, especialmente, pela alta incerteza sobre que rumo tomará o país na encruzilhada eleitoral do ano que vem. Por ora, é o consumo e, em menor escala, as exportações que deverão continuar a dar tração à recuperação paulatina do nível de atividade.

Será muito bom se a complexa disputa presidencial de 2018 puder ser travada contra o pano de fundo de uma economia em retomada, que dê credibilidade à aposta em plataformas eleitorais mais consequentes, que possam voltar a abrir à sociedade brasileira a perspectiva de um novo ciclo duradouro de prosperidade.

Preservar a credibilidade dessa aposta é o grande desafio que a equipe econômica do governo terá pela frente até as eleições de outubro. Fácil não será. O esforço de manter as contas públicas sob relativo controle está fadado a ser extraordinariamente desgastante. Não bastasse o desgaste do relaxamento das metas fiscais de 2017 e 2018, a Fazenda vai se dando conta de que, dificilmente, conseguirá cumprir as novas metas, mesmo que persista no rigoroso esforço de contenção dos gastos não obrigatórios, sob protestos cada vez mais acirrados das mais diversas áreas afetadas.

Resistir às pressões por relaxamento do controle fiscal ao longo do ano eleitoral, sem garantia de respaldo inequívoco do Palácio do Planalto, promete ser uma agenda especialmente difícil.

Pelo menos era assim que o quadro se afigurava no início da semana, antes de vir a público outra rocambolesca reviravolta no já inverossímil enredo das delações premiadas dos irmãos Batista.

O constrangedor revés enfrentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) foi pronta e ostensivamente comemorado pelo Planalto e por boa parte do Congresso. Houve até quem se apressasse a anunciar que, por vias tortas, a PGR conseguira, da noite para o dia, o que o governo já tinha dado como missão impossível: reverter a fragilização do presidente e remontar uma base governista coesa no Congresso.

Mas o entusiasmo inicial do Planalto foi logo empanado, já na terça-feira, pela notícia de que a Polícia Federal encontrara mais de R$ 50 milhões em dinheiro vivo em um apartamento, em Salvador, emprestado a Geddel Vieira Lima, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo.

Para completar a complexidade do quadro político, ainda na terça-feira, a PGR apresentou denúncia, por formação de organização criminosa, contra o ex-presidente Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff e os ex-ministros Antonio Palocci, Guido Mantega, Paulo Bernardo, Edinho Silva e Gleisi Hoffmann. Denúncia que ganhou muita força, já no dia seguinte, com o bombástico depoimento de Palocci ao Juiz Sérgio Moro.

Em meio à densa nuvem de poeira levantada por esse turbilhão, Brasília entrou na vilegiatura do feriadão de 7 de setembro, deixando o país mais uma vez atônito, tentando vislumbrar em que medida tudo isso deverá afetar a difícil travessia que tem pela frente, até as eleições de 2018.

* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

 


Everardo Maciel: A travessia Temer resiste

Com muitos tripulantes recrutados no desastrado governo deposto, não há surpresas nos problemas enfrentados na travessia Temer. O que surpreendeu foi a disposição de deflagrar improváveis reformas.

A travessia Temer resistiu às violentas borrascas de origem política, infiltradas em ações contra a corrupção, que produziram uma enorme confusão entre iniciativas eficazes e mera pirotecnia, culpados e inocentes, verdades e mentiras, justiça e politiquices, tudo em desfavor do real saneamento das instituições.

Junta-se a isso a má comunicação do governo com a sociedade, que não conseguiu esclarecer a verdadeira natureza das reformas. Presumiu-se, equivocadamente, que campanhas publicitárias convencionais seriam suficientes.

Essa incúria robusteceu as previsíveis reações de setores privilegiados, que dispõem de motivação e força para manipular uma sociedade cronicamente mal informada.

Algumas reformas miram o futuro, como a inconclusa e indispensável reforma da previdência e a desprezada e também indispensável reforma orçamentária.

É preciso, entretanto, também cuidar do presente. Ainda há muito o que fazer no âmbito do gasto público.

A crise fiscal é de fato alarmante. Se a União pode dissimular o problema, mediante emissão da moeda, boa parte das entidades subnacionais caminha para o precipício.

A União precisa cuidar de si e olhar para os Estados e Municípios, sob a égide de um programa de recuperação fiscal, com especial ênfase no financiamento dos déficits previdenciários correntes, nos diferentes entes federativos.

É uma tarefa complexa, que demandará, provavelmente, financiamentos de instituições financeiras, privatização ou vinculação de ativos, redefinição dos conteúdos das despesas vinculadas, revisão da gratuidade de serviços públicos para os que podem pagar, etc.

O governo Temer demorou a deflagrar um programa de privatização, cujo desfecho é, até agora, imprevisível. As entidades subnacionais, por sua vez, somente se movem nessa direção, quando impelidas por dolorosas crises.

A privatização não deve ser vista apenas como forma de gerar recursos para enfrentamento da crise fiscal, mas como meio para conferir maior eficiência econômica e, por mais absurdo que pareça, diminuir a corrupção.

Acrescente-se, à guisa de exemplo, a inaceitável violação sistemática do teto constitucional de remuneração dos servidores públicos, por meio de inúmeros expedientes, dissimulados ou não.

Mais grave é que essa violação se opera pelo abusivo recurso a verbas insusceptíveis de tributação pelo imposto de renda, como “auxílio-moradia” e outras falsas indenizações, concessão continuada de diárias, etc.

As chamadas verbas de representação dos parlamentares e participação remunerada de autoridades do Poder Executivo em conselhos de administração de empresas estatais são outros caminhos para burlar o teto constitucional.

Tudo isso depõe contra o princípio da moralidade na administração pública, preconizado no art. 37 da Constituição.

Ainda que modestas ante a dimensão do problema fiscal, medidas como essas são, como se diz popularmente, o varejo a serviço do atacado.

Há os que proclamam a inevitabilidade do aumento de tributos como meio para enfrentar a crise fiscal. Essa hipótese merece ponderação.

É verdade que é inescapável a elevação das alíquotas do PIS/Cofins, como forma de compensar as perdas, já visíveis, na arrecadação, decorrentes da lamentável decisão do STF, que excluiu o ICMS da base de cálculo daquelas contribuições.

Afora isso, é preciso, como se fez no governo FHC, explorar possibilidades de geração de receitas extraordinárias, mediante utilização do instituto da transação, nos casos de litígios judiciais e administrativos que não serão resolvidos sequer a médio prazo.

Por essa via, logrou-se arrecadação, em valores correntes, da ordem de R$ 5,5 bilhões e R$ 18 bilhões, respectivamente, em 1999 e 2002.

Por que não tentar outra vez? Tributação do ágio e planejamento tributário abusivo são exemplos contemporâneos desses litígios.

 


Míriam Leitão: Respiro na economia

A inflação mais baixa desde o início do regime de câmbio flutuante, em 1999, é um alívio enorme na lenta recuperação que o país atravessa. Foi essa redução que permitiu o novo corte de juros pelo Banco Central, para 8,25%, e tem promovido aumentos reais na renda dos trabalhadores. O BC falou em política monetária “estimulativa” e aumentaram as chances de juros na casa de 6% no ano que vem.

O país vive dois momentos distintos. Na economia, há sinais cada vez mais fortes de recuperação, enquanto a política continua fonte de incertezas. A bolsa começou o dia em alta, quebrou recorde histórico, mas perdeu força e fechou pouco abaixo do topo. O mercado financeiro se anima com os números melhores da economia, mas também faz as contas do jogo político do ano que vem. O depoimento do ex-ministro Antonio Palocci pode dar novo impulso ao Ibovespa.

O Banco Central reduziu a Selic em 1 ponto e no comunicado afirmou que na próxima reunião o ritmo de cortes deve ser reduzido de forma “moderada”. Alexandre de Ázara, da Mauá Investimentos, enxerga pelo menos mais dois cortes de juros e não descarta a Selic em 6% no ano que vem.

— O BC sugere um corte de 0,75 ponto na próxima reunião, em outubro, e outro de 0,5 ponto, em dezembro. E há chance de nova redução em janeiro, o que colocaria a Selic abaixo de 7% — disse.

A queda da inflação é impressionante e tem várias causas. No pior momento, chegou a 10,71%, em janeiro de 2016, e ontem caiu para 2,46% no acumulado em 12 meses, abaixo do piso de 3% da meta. Os alimentos estão dando uma contribuição importante e caíram pelo quarto mês seguido. Mas, além disso, há a recuperação da confiança no trabalho do BC e da equipe econômica, que segurou o dólar e conteve as expectativas, e também o efeito da recessão, que aumentou a capacidade ociosa da economia.

Essa redução dos preços tem provocado aumento da renda disponível das famílias, principalmente entre os mais pobres. Isso fica claro em levantamento feito pelo Procon de São Paulo, que mostrou que, em um ano, o custo da cesta básica caiu de R$ 701 para R$ 642. Uma queda de 9%. Ao mesmo tempo, lembrou o economista Fernando Montero, da Tullett Prebon, o salário mínimo subiu de R$ 880 para R$ 937. Se há um ano sobravam R$ 178 após a compra da cesta básica por quem ganhava o mínimo, hoje, sobram R$ 297.

No setor industrial, a Anfavea divulgou que a produção de veículos teve alta de 20% nos últimos 12 meses e revisou para cima sua estimativa deste ano, para 25%. De janeiro a agosto, as vendas subiram 5,3% em relação ao mesmo período do ano passado, e as exportações dispararam 56%. O emprego, que vinha em queda livre há quatro anos, agora tem uma ligeira alta. Para se ter uma ideia do impacto da recessão no setor automotivo, o número de empregados caiu de 157,6 mil, em 2013, para 126 mil, em 2016, e agora sobe para 126,3 mil. Se não há sinais de retomada forte nas vagas, dá para afirmar que parou de cair.

Na segunda-feira, o IBGE já havia divulgado o quarto crescimento consecutivo da produção industrial, que subiu 3,4% no período. Apesar da queda do setor no PIB do segundo trimestre, puxada pela construção civil, a indústria vem dando sinais de que está deixando o fundo do poço. É isso que mostra a taxa acumulada em 12 meses, que caía 9,6% em junho do ano passado e agora recua apenas 1,1%. Mês a mês, os números deste ano estão melhores do que os do mesmo período do ano anterior.

A economia segue em recuperação enquanto atravessa a tempestade política.

LADEIRA ABAIXO. Após o comunicado do Banco Central, o banco BNP Paribas revisou para 6,5% sua projeção para a Selic no ano que vem.

RISCO FISCAL I. Relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI) piorou projeção para a dívida bruta, que deve chegar a 93,3% do PIB em 2024.

RISCO FISCAL II. Mesmo com a aprovação de reformas, dívida cairá muito lentamente e chegará a 2030 ainda na casa de 85,5% do PIB.

 

 


Marcos Troyjo: Cúpula dos Brics mostra que China espera eleição brasileira de 2018

Os principais temas da cúpula dos Brics realizada nesses últimos dias na cidade chinesa de Xiamen concentraram-se na busca por aumentar o comércio intra-aliança num contexto global de protecionismo. E, claro, avançar em projetos voltados ao financiamento do desenvolvimento.

Isso passa tanto por entendimentos no nível bilateral entre os membros do grupo, como pelo reforço dos mecanismos de financiamento construídos pelo próprios Brics, como já argumentei em outras ocasiões, a construção institucional faz deles "Brics 2.0", o que não é pouca coisa. Agrupamentos como o G7 jamais foram além de declarações sobre a conjuntura global.

Nesse sentido, o futuro do agrupamento talvez passe também pela ideia de "Brics +" ("Brics Plus"). É dizer, eventualmente incluir outros atores importantes do mundo em desenvolvimento nas tratativas. Nesta cúpula da China, estiveram presentes como observadores, os chefes de governo de México, Tailândia, Tadjiquistão, Egito e Guiné.

Uma iniciativa em que a arquitetura de "Brics Plus" faça sentido mais imediato é o banco criado em 2008, na cúpula de Fortaleza.

Daí a instituição chamar-se "Novo Banco de Desenvolvimento", e não Banco do Brics, o que deixa a porta aberta a novos sócios. Já no âmbito mais amplo da aliança, aumentar demais o número de membros pode ser uma aposta arriscada. A China gosta da ideia, mas Índia e Brasil têm reservas, pois acham que isso diluiria a efetividade do agrupamento.

A verdade é que os Brics só progredirão como aliança em áreas, de que é exemplo o financiamento do desenvolvimento, onde seus interesses são claramente coincidentes.

Nessa linha, os Brics avançaram também nas negociações para o estabelecimento de sua própria agência de classificação de risco. O tema é de interesse prioritário para a China, mas não a formalizaram durante esta Cúpula de Xiamen. Vale lembrar que mais do que alternativa às tradicionais Moody's, S&P e Fitch, a medida se alinha à busca por maior "compliance" da parte de empresas e fundos chineses.

A China tornou-se grande origem não somente de exportações, mas de investimentos estrangeiros diretos (IEDs) e empréstimos. Com US$ 700 bilhões, o portfólio chinês de financiamento ao desenvolvimento é o dobro do que disponibiliza o Banco Mundial.

A disputa de fronteira entre China e Índia que se acirrou antes da Cúpula tensionou o ambiente e representou um momento de desconforto entre os dois gigantes asiáticos. Wang Yi, chanceler chinês, passou os dias que antecederam o encontro da aliança em intensos esforços diplomáticos para atenuar o clima com Nova Déli e portanto não envenenar por completo a atmosfera da Cúpula dos Brics com o contencioso.

Cumpre destacar que em temas mais nevrálgicos do cenário internacional os Brics apresentam pouca coesão. Não constam da agenda dos Brics certas pautas, que agradam à Rússia, por exemplo, como a atuação do Ocidente na crise síria. A questão é sensível demais, e países como o Brasil entendem que a ONU é o fórum adequado.

Tampouco se puderam observar declarações mais incisivas em outros temas espinhosos que afetam os Brics individual ou coletivamente – como a tensão geopolítica em torno do mar do Sul da China ou mesmo no recente atrito fronteiriço Índia-China em Doklam.

A exceção de destaque foi a maneira com que os Brics condenaram a Coreia do Norte por sua escalada nuclear-armamentista.

No campo econômico, o desigual desempenho dos Brics é uma medida para aferir quais países encontram-se no bom caminho. Ao passo que a "Chíndia" deverá contribuir com 35% do crescimento global em 2017, a participação da "Brússia" na expansão do PIB mundial será pouco acima de zero.

Nesse contexto, dentre as divisões por performance dos Brics é a "Chíndia" que pode desempenhar algum papel na retomada da economia brasileira. É claro que temos de destacar a Índia e o potencial de absorção que ela representa para a indústria de alimentos brasileira, bem como de nossas commodities agrícolas e minerais.

Quem continua, porém, a dispor de maior capacidade em fazer uma grande diferença tanto em comércio como investimento para o Brasil permanece sendo a China. Isso vale para bens em que dispomos de vantagens comparativas (como soja e minério de ferro) e para oportunidades de investimentos em fusões & aquisições, privatizações e concessões ou novos investimentos em infraestrutura.

Continuaremos, sim, a ver a compra de ativos empresariais brasileiros pelos chineses. Ainda assim, a participação brasileira nessa cúpula dos Brics bem como as conversações bilaterais com Pequim estiveram mais próximas da imagem de "arar o terreno" do que de algo que se possa colher já no ano que vem.

Como em tantas outras áreas fundamentais para o desenvolvimento brasileiro, a maioria dos investimentos chineses de grande fôlego deverá aguardar os rumos que o Brasil tomará a partir do pleito presidencial de 2018.

 


Merval Pereira: Um país no precipício

Não há nos áudios divulgados da conversa entre Joesley Batista e seus advogados nenhuma acusação contra ministros do Supremo Tribunal Federal, somente tentativas de aproximação próprias do que chamam pejorativamente de lobistas, algumas delas de tão baixo nível que revelam a verdadeira face desse empresário, que não passa de um bandido sem escrúpulos, disposto a qualquer coisa para obter vantagens para si e seu grupo.

Esse cidadão deveria estar preso e ter os benefícios obtidos com a delação anulados necessariamente, quanto mais não for para preservar o instituto da colaboração premiada que esse indivíduo manipulou em favorecimento próprio. É estranho que o Procurador-Geral Rodrigo Janot tenha colocado no mesmo patamar as acusações feitas a ministros do STF e à Procuradoria, pois somente contra seu ex-colaborador, Marcelo Miller, há fatos seriíssimos que indicam que ele ajudou os irmãos Batista a montarem suas delações quando ainda estava trabalhando como assessor de Janot.

Ao contrário de absolver o presidente Michel Temer, essa constatação só piora a situação do presidente, pois, além do diálogo que manteve com Joesley naquela fatídica noite no porão do Palácio Jaburu continuar existindo na vida real, embora possa vir a ser apagado dos autos do processo, é inevitável constatar que a intimidade com figura tão baixa, a ponto de ouvir relatos de crimes de obstrução de Justiça e estimulá-los, só o iguala moralmente a seu interlocutor.

Por obra do destino, no mesmo dia em que se tomou conhecimento da reviravolta no caso da delação da JBS, a Polícia Federal descobriu malas e caixas cheias de dinheiro, mais de R$ 40 milhões, que pertenceriam ao ex-ministro Geddel Vieira Lima, que não por acaso era o elo entre Joesley e Temer. Outro assessor, Rodrigo Rocha Loures, assumiu seu lugar por indicação verbal do próprio presidente, o que indica que aquela mala cheia de dinheiro que ele pateticamente carregava com corridinhas pelas ruas de São Paulo seria o começo de uma série de outras, como as encontradas no apartamento de Salvador.

Comenta-se que também o ex-governador Sérgio Cabral tinha um apartamento apenas para guardar dinheiro vivo, e o que parecia uma lenda urbana pode acabar se revelando mais um hábito desse bando de ladrões que tomaram conta do país nos últimos anos.

O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, transformou em denúncia o quadrilhão, acusando o ex-presidente Lula de ser o chefe de uma quadrilha que reunia a ex-presidente Dilma, o ex-ministro Antonio Palocci e todos os demais comparsas na devastação do país, resultante na pior crise econômica e social por que já passamos em nossa história.

Essa acusação chega com anos de atraso, pois já no surgimento do mensalão em 2005, e posteriormente no seu julgamento em 2011, estava evidente que o chefe da quadrilha não era o ex-ministro José Dirceu, que, coadjuvante importante do golpe, assumiu a culpa por missão de ofício de sua parte, e por impossibilidade política naquele momento de nomear o verdadeiro responsável pela miséria político-partidária em que se transformou o presidencialismo de cooptação.

O ex-presidente Lula se vangloriava de que ninguém sabia levantar a estima do brasileiro como ele, e entre seus feitos estava trazer para o país, irresponsavelmente, a realização da Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas. Pois agora se sabe que também essas glórias efêmeras foram conseguidas através de corrupção de delegados internacionais e de obras superfaturadas, tanto as viárias quanto os estádios, que se transformaram em elefantes brancos, inúteis no caos em que se encontra a infraestrutura do país.

A corrupção para atingir objetivos populistas irresponsáveis saiu do conluio da União com os governos do Estado e do Município do Rio de Janeiro, ambos do esquema político do PMDB, cujas entranhas vêm sendo reveladas. As imagens das malas de dinheiro entregues a políticos desprezados pelos que os compravam – Joesley diz em um desses novos áudios que o senador Aécio Neves, a quem também deu malas de dinheiro a pretexto de um alegado empréstimo pessoal, é um bandidão – são chocantes para o cidadão comum e nos colocam como país no mais baixo nível na escala internacional de nações dominadas por governantes populistas.

 


Maria Alice Carvalho: Descrédito nas instituições cria ‘salvadores da pátria’

Para professora da PUC-RIO, relação entre Legislativo e Executivo representa só os interesses de políticos e setores da burocracia

O Globo

Professora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, a historiadora e socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho afirma que a investigação, o julgamento e a punição dos casos de corrupção são "a ideia-mãe da democracia", mas não devem levar a um descrédito nas instituições que abra espaço para "salvadores da pátria". Para Maria Alice, a propalada parceria entre União, estado e município que vigorou no Rio nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Sérgio Cabral deveria ter gerado desconfiança desde o início. Não havia "nenhuma voz dissonante", lembra.

De todos os episódios revelados pelas investigações de corrupção no Rio de Janeiro, qual a senhora considera mais simbólico?
Não sei se há um fato mais específico. Estamos vivendo no país todo uma crise política, e a corrupção tem a ver com essa crise. Não sei se dá para mapear limites federativos dessa corrupção. Há evidência de que ela é sistêmica, extrapola os limites nacionais e se manifesta de forma distinta na cidade e na Região Metropolitana do Rio, em São Paulo, Alagoas. Cada lugar tem sua história.

O que marca a política no Rio de Janeiro?
A transferência da capital para Brasília é um marco da alteração da vida política, cultural e institucional do país sem qualquer compensação que pudesse reerguer a economia e o prestígio regionais. O que o Rio apresentou de interessante, e o golpe de 1964 eliminou, foi o início de uma organização popular autônoma nos anos de 1950, com movimentos associativos bastante consistentes. Às vésperas da Constituinte de 1988, essa malha associativa estava arrasada, mas a cidade não estava inerte. Os constituintes receberam demandas e sugestões de associações e movimentos sociais. Havia um nexo entre política e organização social e popular, e isso foi a grande novidade da redemocratização brasileira.

O que interrompeu esse processo?
Fomos atropelados pela dimensão do tráfico de drogas e pelos nexos que ele estabeleceu na cidade, corrompendo a segurança e a política locais. Hoje, tudo isso está muito agravado pelo armamento pesado, um componente mais do que pernicioso na vida da cidade, que produz o terror nas ruas e multiplica a violência. Há uma dificuldade da vida social do Rio, e das favelas principalmente, em estabelecer limites para os desmandos de “mandões” e do próprio governo.

O cenário tem se agravado?
Nas últimas décadas, o cotidiano, a vida como ela é, ficou de fora do arranjo político entre o Executivo e o Legislativo. É uma política de representação que não representa a sociedade, só os próprios interesses de políticos e de segmentos da burocracia do Estado, construída à base de benefícios mútuos e barganhas, e não em torno do compromisso com o bem público. Esse modelo entrou em colapso. E a sociedade só não explodiu porque, para grande parte dela, a política não importa. É lamentável de dizer, porque não há democracia que sobreviva à apatia dos cidadãos, mas as pessoas têm tentado levar suas vidas, alimentar seus filhos, garantir a escola, a saúde, sem pensar que a política pode facilitar ou dificultar nossa vida. A política enche barriga, sim: dependendo de em quem se vota, as liberdades e a justiça social são mais ou menos contempladas. Isso se perdeu, a política se tornou “coisa de políticos”. A corrupção deslegitima a democracia porque corrói os mecanismos pelo quais as pessoas entendem os limites às suas práticas. É como se vivêssemos em permanente e profundo descontrole, e essa sensação é ruim para a democracia, pois ativa as fantasias exclusivas de ordem e punição.

Como o Rio passou, em tão pouco tempo, de símbolo da parceria entre União, estado e município, com os ex-presidentes Lula e Dilma, a síntese do colapso e do abandono?
Essa noção de unidade deveria ter gerado desconfiança. Imagine esses três agentes — presidente, governador e prefeito — sem voz dissonante. Era como se a única saída para nosso desenvolvimento fossem as obras, a Olimpíada, a articulação com empresas, com empreiteiras para construir um novo Rio. E a política, inerte. Não havia oposição e, portanto, discutiu-se muito pouco acerca do que parecia ser um grande consenso. A política exige limites. A democracia é essa tensão entre o direito e o poder.

O Ministério Público e a Justiça apontam que, no Rio, talvez tenha havido o esquema mais duradouro e organizado de corrupção.
A ideia de tornar mais transparente esses processos, de revelar a corrupção, é uma medida salutar. Mas a transparência é um procedimento, não um valor em si. Tem que ser perseguida, e há regras para tal. Essa sede de revelação do sistema de enriquecimento ilícito e de descompromisso com a coisa pública propicia o surgimento de uma histeria ética que pode favorecer a desmoralização das instituições e, no limite, a desinstitucionalização da política. Passa uma noção de que tudo está tão deteriorado que não há o que fazer. A ideia de revelar, de arrolar os casos a serem investigados, julgados e eventualmente punidos, é uma ideia-mãe da democracia. Mas viver alimentando a imaginação social com listas de culpados, de testemunhas, fazer da agenda brasileira apenas essa caça aos corruptos empobrece a natureza da política, os valores em torno dos quais estamos alinhados. Essa apreciação da política como lugar onde todos os vícios se apresentam e onde se encontram todos os malfeitores é grave, acaba criando uma descrença, uma relação de recusa da sociedade ao mundo da democracia e suas instituições.

Os movimentos que pregam o voto em pessoas de fora da política servem à renovação?
Não sei se são “de fora” da política, porque, se vão concorrer, passam a ser de dentro. É um truque, não convence. A sociedade espera uma renovação, mas demora. Não vamos achar uma boa política, um bom político, imediatamente. Temos que fortalecer e reinventar as formas de associação que produzem coesão na base da sociedade. No mundo das favelas ou nos bairros populares da Zona Norte, há uma força associativa, a despeito do tráfico, que é cada vez mais importante. Produção cultural intensa, a chegada dessa juventude negra e pobre, moradora da favela, à universidade; uma voz autoral sobre aquele mundo — o nosso mundo — que não é mais apenas a dos acadêmicos do asfalto. Assim, vamos reconstruindo uma sociabilidade mais amena e uma política participativa e democrática. Não vai ter solução mágica, a democracia é um processo de construção permanente.

As eleições de 2018 já vão mostrar sinais de mudança?
O caminho aponta para a novidade. Por enquanto, falamos de procedimentos: transparência, punição. Em breve, será preciso recuperar valores como compromisso público, uma ética social menos individualista, uma experiência associativa mais densa. Não dá para dizer “está tudo perdido”, pois isso pode fazer com que líderes oportunistas e carismáticos apareçam como salvadores da pátria, desprezando instituições e reeditando um padrão de governo que não interessa.

 


Miriam Leitão: Fim da recessão 

A recessão ficou para trás. Tecnicamente, é isso que se pode dizer com o segundo trimestre de alta. O dado divulgado encerra 12 trimestres de queda na comparação com o mesmo período anterior. A recuperação é lenta e frágil, porque anda sobre o terreno movediço da crise política, mas os indicadores positivos começam a aparecer com mais frequência, como a queda do desemprego divulgada esta semana.

Foi o quarto mês seguido de redução do desemprego. A população ocupada aumentou em um milhão e quatrocentas mil pessoas no trimestre de maio a julho, comparado ao trimestre anterior. Com a liberação do FGTS das contas inativas, as famílias reduziram dívidas e elevaram o consumo. Isso evitou o número negativo que se temia que ocorresse no segundo trimestre. O impacto da crise de 17 de maio foi menor do que o esperado, disse a MB Associados, que ontem mesmo revisou de 0,3% para 0,7% o PIB do ano. Pode parecer pouco, mas se ocorrer esse resultado, o país terá saído de uma queda de 3,6% para uma alta de 0,7%. Recuperação de mais de quatro pontos percentuais.

O crescimento no primeiro trimestre foi forte, de 1%, mas concentrado na agricultura. No segundo trimestre, foi menor (0,2%), mas pela força do consumo (1,4%) e pelos serviços (0,6%), que são mais dinâmicos e sustentáveis. A indústria decepcionou, com recuo de 0,5%, depois de subir 0,7% no primeiro tri. Os investimentos caíram pelo quarto trimestre seguido, sinal de que há muita desconfiança dos empresários na recuperação. Nos últimos 15 trimestres, desde o final de 2013, os investimentos tiveram apenas um único número positivo. Isso mostra que não há garantia de crescimento sustentado.

No desemprego, os dados voltaram a seguir a sazonalidade característica do indicador, com altas no início do ano e melhora no segundo trimestre até o Natal e Réveillon. Em 2015 e 2016, isso não aconteceu, a destruição do vagas foi contínua. Este ano, o número de desempregados chegou a 14,17 milhões em março, e agora recuou para 13,32 milhões, segundo o IBGE, no quarto mês seguido de redução. A maioria das vagas é no emprego informal e por conta própria, mas os números do Caged, com carteira assinada, também voltaram ao azul.

A recuperação enfrenta três grandes barreiras. A primeira é a crise fiscal, que depende das medidas de ajuste que o Congresso e o governo Temer ainda não aprovaram. A segunda é o desemprego que, embora caindo, está muito elevado. E a terceira é o próprio ritmo de crescimento do PIB, que nem de longe lembra o vigor da saída da crise de 2008/2009. Na taxa acumulada em 12 meses, só se espera um número positivo no final deste ano, em torno de 0,5%, agora com viés de alta.

Na semana que vem, podem vir outras duas boas notícias. Na quarta-feira, saem os dados da inflação de agosto, e a expectativa do Banco BNP Paribas é de alta de 0,29%, o que levaria a taxa em 12 meses para 2,56%, no patamar mais baixo desde 1999. Isso permitirá a nova redução de um ponto percentual de juros que será anunciada na noite da quarta pelo Banco Central, levando a Selic para 8,25%. O departamento econômico do Itaú ainda projeta mais dois cortes de 0,5% até o final do ano, seguido de outro, de 0,25% no início do ano que vem. Isso quer dizer que o país começará 2018 com juros de 7%, patamar mais baixo da história, e uma inflação bem pequena, que pode ficar abaixo do piso da meta. A queda dos juros agora se justifica pela forte redução da inflação.

O banco UBS, que cravou o dado de crescimento de 0,2%, disse que sua projeção para ano, de 0,5%, está para subir. A percepção é a mesma do economista Fernando Montero, da Tullett Prebon, que aposta em revisões para melhor das projeções do mercado.

“Assumindo um PIB estável no segundo semestre, o ano já teria crescimento garantido de 0,5%. Desta forma, há chance de revisão para cima na nossa estimativa. Para 2018, estimamos alta de 3,1%", escreveram os economistas Tony Volpon e Fábio Ramos em relatório do UBS.

Com dois trimestres seguidos de alta, o país já pode dizer que tecnicamente deixou a recessão para trás. Mas a economia precisa ainda de uma recuperação mais forte que derrube o desemprego.

 

 


Arnaldo Jardim: Logística e crescimento

O Programa de Parcerias em Investimentos (PPI) que o Governo Federal lançou há um ano avançou com as concessões divulgadas na semana passada. Um profícuo caminho para a retomada econômica brasileira. Envolve todos os setores e felizmente inclui iniciativas importantes para a nossa agropecuária – que ainda perde competitividade no contexto mundial devido ao alto custo Brasil.

Parcerias pensadas para ajudar no equilíbrio da dívida da União, alavancar a economia e viabilizar investimentos, gerar empregos e melhorar a infraestrutura do País. É a saída para uma realidade onde não há espaço para aumentar mais impostos e a arrecadação.

Com um Produto Interno Bruto (PIB) de -3,6%, o Brasil precisa gerar oportunidades e fomentar os setores que podem atrair investidores e que nos diferenciam no mercado mundial como a agropecuária – onde somos campeões de exportação de carnes, açúcar e suco de laranja, por exemplo. É mais um importante passo no sentido de resolver equívocos do passado, em que o lastro técnico foi subjugado pelas questões ideológicas.

Todos os setores necessitam de investimentos para serem alavancados, mas para o agropecuário isso é determinante. É preciso resolver problemas logísticos que fazem com que o produtor brasileiro ganhe até 16% menos do que o agricultor dos Estados Unidos, por exemplo.

Um prejuízo que pode ser estancado com concessões como a BR 364/RO/MT, onde transitam, com destino a Porto Velho, mais de quatro milhões de toneladas de grãos. Também importante para o agronegócio, a BR-153/GO/TO, que recentemente teve a caducidade declarada, está na lista de projetos prioritários e precisa sair do papel.
É preciso ainda tirar da teoria a concessão da Ferrogrão, projeto de R$ 12,6 bilhões apontado como a única alternativa eficiente para escoar a safra pelo Norte. A ferrovia pode reduzir pela metade o custo do transporte dos grãos do Cerrado.

Somos os mais eficientes da porteira para dentro, mas precisamos reduzir os altos custos de escoamento da produção, o que passa inquestionavelmente por uma logística mais eficiente. Nosso produtor rural é comprometido, trabalha de sol a sol e ama o que faz, mas precisa de incentivos para continuar em sua atividade.

No Estado de São Paulo essas parcerias de investimentos já vêm sendo feitas e com sucesso. O governador Geraldo Alckmin sabe da importância de incentivar a atividade empreendedora e tem executado o maior plano estadual de parcerias de investimentos.

O Rodoanel é um dos mais destacados exemplos, permitindo acesso ao maior porto do Brasil, o de Santos, sem a necessidade de passar pela área urbana de São Paulo, ganhando tempo e economizando dinheiro. A parte Norte será entregue no ano que vem, saindo da Rodovia Presidente Dutra e chegando ao maior aeroporto brasileiro, Cumbica, em Guarulhos, integrado com a Rodovia Fernão Dias e fechando na Rodovia Bandeirantes. Será a conclusão de uma obra de 180 quilômetros que auxilia não apenas a logística, mas a economia ao gerar pelo menos 4.300 empregos diretos.

Outras vias também ganharão parcerias para serem melhoradas, como a Rodovia Centro Oeste Paulista, no lote Florínea-Igarapava, reunindo 570 quilômetros de rodovias (com 201 de duplicação) cobrindo trechos da SP-266, SP-294, SP-322, SP-328, SP-330, SP-333 e SP-351. As estradas concedidas cruzam 30 municípios, entre eles: Assis, Marília, Novo Horizonte e Ribeirão Preto, destaques da nossa agropecuária. Os investimentos ao longo dos 30 anos do contrato serão da ordem de R$ 3,9 bilhões.

Já a Rodovia dos Calçados terá parceria no lote Itaporanga-Franca, reunindo 747 quilômetros de rodovias (com 275 de duplicação), que passam por 35 municípios de regiões também fortes na atividade agropecuária de Franca, Batatais, Ribeirão Preto, Araraquara, São Carlos, Jaú, Barra Bonita e Itaí. Obras que continuam ainda nas Rodovias do Litoral Paulista, em 343 quilômetros (45 de duplicação).

Com quase 20 anos de existência, o programa de concessão paulista é responsável por ter gerado as 19 melhores estradas do País, segundo pesquisas realizadas com os próprios usuários. É desta qualidade que a produção agropecuária precisa para ser escoada.

O Governo de São Paulo, em ação integrada com o Governo Federal, tem feito parcerias também para executar o Ferroanel e evitar o tráfego de composições férreas. O objetivo é executar o Ferroanel ao lado do Rodoanel. A desapropriação e a terraplanagem já foram feitas, resta agora o Governo Federal definir quem será a executora da obra.
Também com o Governo Federal, nosso Estado está investindo na Hidrovia Tietê-Paraná, onde um convênio de cerca de R$ 200 milhões está garantindo o derrocamento de 10 quilômetros de pedral para garantir navegabilidade o ano todo. Com muita ou pouca chuva, a produção encontra um bom caminho pelo rio, aliviando o trânsito de caminhões e baixando o custo.

São alguns exemplos que o Brasil precisa seguir. É hora de olhar o agronegócio com a importância econômica, social e ambiental que ele tem. Investir na logística – com ganhos não apenas para a agropecuária – é o começo ideal para colocarmos o Brasil de volta nos trilhos.

* Arnaldo Jardim é deputado federal licenciado (PPS-SP) e secretario de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo