crise

Entender esse processo é importante para evitar que a crise se repita | Foto: reprodução/Correio Braziliense

Nas entrelinhas: O impeachment de Dilma foi uma queda anunciada

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Logo após a aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo Senado, por 61 votos a 20, fiz ao então senador Lindberg Faria (PT-RJ), hoje deputado federal, aquela pergunta básica de repórter sobre o “day after” da derrocada petista: “E agora?”. Ele respondeu: “Vamos fazer desse limão uma limonada, estávamos na defensiva, agora já temos um discurso para as eleições: ‘foi um golpe'”. A limonada demorou seis anos; nesse ínterim, o presidente Michel Temer pôs a casa em ordem, e o presidente Jair Bolsonaro, depois, fez uma bagunça muito maior, mesmo.

Agora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva toma a limonada. Como narrativa eleitoral, a tese do golpe contra Dilma serviu para a unificação da esquerda no primeiro turno; no segundo turno, quando venceu com menos de 1% dos votos, exatamente 0,9%, passou a ser um estorvo para os novos aliados. Depois de eleito, por isso mesmo, chamar o impeachment de Dilma Rousseff de “golpe de Estado” é uma tolice política, além de um desrespeito às regras do jogo do nosso Estado Democrático de Direito.

Impeachment existe para que o Congresso e o Supremo possam destituir um presidente da República por “crime de responsabilidade” e evitar uma tragédia nacional, como a que se desenhava entre 2015 e 2016, ou um “golpe de Estado” daqueles que a gente já conhece. É um processo político, ao qual qualquer presidente da República está sujeito, segundo a Constituição de 1988, pelos mais variados motivos, um deles o crime orçamentário, ou seja, as “pedaladas fiscais”. Quem faz a denúncia é a Câmara; quem julga é o Senado, sob a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).

De fato, não foi por causa das “pedaladas fiscais” que Dilma Rousseff caiu. Outros presidentes fizeram coisas piores e foram até o fim do mandato. O impeachment ocorreu porque Dilma levou a economia ao colapso e enfrentava uma oposição de massas que “nunca antes” a esquerda conhecera, nem mesmo às vésperas do golpe militar que destituiu João Goulart em 1964. Ela também deu todos os motivos políticos que seus algozes precisavam.

Entender esse processo é importante para evitar que a crise se repita. Houve irresponsabilidade fiscal, sim; e constitucionalidade no julgamento, também. Presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski, à época presidente do STF, o impeachment poderia ter sido evitado se a presidente Dilma tivesse abandonado a arrogância como fez política, tivesse um mínimo de sensibilidade para ouvir as opiniões críticas, corrigisse os rumos equivocados e buscasse restabelecer a coesão nacional, dilacerada com os desdobramentos das manifestações de junho de 2013. Chance teve com a reeleição, em 2014, porém imaginou que a sua vitória era um endosso ao rumo que tomara.

A narrativa do “golpe de Estado” também permite a dedução de que o governo Dilma continuaria a usar as pedaladas como forma de encobrir as irresponsabilidades fiscais; que os gastos públicos seguiriam sem respeito aos limites da aritmética; que o eleitoralismo se manteria como lógica fundamental do governo; e que o aparelhamento da máquina pública conduziria à decadência de grandes empresas estatais. Por isso, gera expectativas negativas sobre o terceiro mandato de Lula.

Chumbo trocado

A propósito, entre os petistas, nem a cadelinha Resistência tem dúvida de que Lula deveria ter sido candidato em 2014, em vez de Dilma Rousseff. Mas ela se fez de desentendida e usou a prerrogativa da candidatura à reeleição como fato consumado na convenção do PT. Todos os dirigentes petistas sabem disso. Qualquer repórter de política já ouviu de algum parlamentar petista que Lula se arrependeu de ter escolhido Dilma como sucessora. Outros petistas seriam mais capazes, como Jaques Wagner e Fernando Haddad, por exemplo.

O maior problema de Lula não é o chumbo trocado com o ex-presidente Michel Temer, são os aliados do ex-presidente que destituíram Dilma, sem os quais não teria sido eleito. Por exemplo, a então senadora Simone Tebet (MDB-MS), que foi candidata no primeiro turno, apoiou-o no segundo e, agora, é ministra do Planejamento. Ou os senadores Davi Alcolumbre (União-AP), Eduardo Braga (MDB-AM), Osmar Azis (PSD-AM), Jader Barbalho (MDB-PA) e Renan Calheiros (MDB-AL), que votaram a favor do impeachment. São aliados fundamentais para que Lula possa ter uma retaguarda no Senado.

Temer estava quieto no seu canto. Chamado de golpista, reagiu no Twitter com meia dúzia de verdades: “Mesmo tendo vencido as eleições para cuidar do futuro do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece insistir em manter os pés no palanque e os olhos no retrovisor, agora tentando reescrever a história por meio de narrativas ideológicas. Ao contrário do que ele disse hoje (anteontem) em evento internacional, o país não foi vítima de golpe algum. Foi, na verdade, aplicada a pena prevista para quem infringe a Constituição. E sobre ele ter dito que destruí as iniciativas petistas em apenas dois anos e meio de governo, é verdade: destruí um PIB negativo de 5% para positivo de 1,8%; inflação de dois dígitos para 2,75%; juros de 14,25 para 6,5%; queda do desemprego ao longo do tempo de 13% para 8% graças à reforma trabalhista; recuperação da Petrobras e demais estatais graças à Lei das Estatais; destruí a Bolsa de Valores, que cresceu de 45 mil pontos para 85 mil pontos”.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-impeachment-de-dilma-foi-uma-queda-anunciada/

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Sônia Guajajara diz que povos indígenas vivem crise humanitária

Agência Brasil*

Em uma cerimônia carregada de emoção, apenas três dias após os atos terroristas que depredaram os prédios da República, Sônia Guajajara assumiu, nesta quarta-feira (11), no Palácio do Planalto, o Ministério dos Povos Indígenas e Anielle Franco, o Ministério da Igualdade Racial.

As cerimônias de ambas, que não seriam realizadas conjuntamente, tiveram que ser remarcadas em uma só solenidade após o vandalismo golpista do domingo (8). A união acabou gerando um encontro simbólico da riqueza ancestral que compõe a identidade brasileira. Povos de terreiro, e sua herança africana, ao lado de indígenas de diferentes etnias, coloriam o Salão Nobre do Palácio do Planalto e emocionaram as centenas de presentes.

Desta vez, a assunção ministerial contou com a presença do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não acompanhou as de outros auxiliares ao longo da semana passada. Ele estava acompanhado da primeira-dama, Janja da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e ministros.

Violações

Em seu discurso de posse, Sônia Guajajara, a primeira indígena a ocupar um cargo de ministra, afirmou que os povos originários vivem uma crise humanitária no Brasil. Ele citou como causas as invasões de territórios, o desmatamento, o garimpo ilegal, a falta de assistência adequada em saúde e saneamento, entre outros.

"Não é mais possível convivermos com povos indígenas submetidos a toda sorte de males, como desnutrição infantil e de idosos, malária, violação de mulheres e meninas e altos índices de suicídio. Presidente Lula, arrisco dizer, sem exagero, que muitos povos indígenas vivem uma verdadeira crise humanitária em nosso país e agora estou aqui para trabalharmos juntos, para acabar com a normalização deste estado inconstitucional que se agravou nestes últimos anos", afirmou.

Questão climática e ambiental

Guajajara também falou da emergência climática e de como os territórios indígenas são essenciais no combate ao aquecimento global.

"Se, antes, as demarcações tinham enfoque sobretudo na preservação da nossa cultura, novos estudos vêm demonstrando que a manutenção dessas áreas tem uma importância ainda mais abrangente, sendo fundamentais para a estabilidade de ecossistemas em todo o planeta, assegurando qualidade de vida, inclusive nas grandes cidades. Daí a importância de reconhecer os direitos originários dos povos indígenas sob as terras em que vivem", disse a ministra.

A nova ministra também chamou a atenção da sociedade para a preservação do planeta. "Nós não somos os únicos que necessitam aqui viver. Nós apenas coabitamos a mãe Terra junto com milhões de outras espécies. O desprezo por essas outras formas de vida, as práticas de desmatamento intenso feitas sempre em nome da economia de curto prazo, têm efeitos devastadores para o futuro de todos nós", alertou.

Guajajara aproveitou para anunciar a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista, extinto em 2019, pelo governo anterior. "[O conselho] garante a participação paritária entre representações indígenas de todos os estados brasileiros e órgãos do executivo federal", enfatizou a ministra.

Ao final do discurso da ministra dos Povos Indígenas, o povo Terena fez uma apresentação da Dança da Ema.

Texto publicado originalmente na Agência Brasil.


Foto: reprodução DW Brasil

Mundo gasta mais com armas, apesar de crise econômica

Anne Höhn | DW Brasil

O ano passado não foi um bom ano para a economia: falta de mão de obra, cadeias de suprimentos interrompidas e mercadorias que chegavam atrasadas ou sequer chegavam. Como no ano anterior, o principal motivo para isso foi a pandemia de covid-19.

Mas apesar das dificuldades, os 100 maiores produtores de armas do mundo conseguiram faturar juntos 592 bilhões de dólares (R$ 3,1 trilhões) em 2021, o que corresponde a um aumento de quase 2% em relação ao ano anterior.

Os EUA ainda respondem pela maior parcela disso. Fabricantes de armas americanos respondem por cerca de metade das vendas globais. No entanto, as vendas no mercado americano caíram ligeiramente em 2021.

 "Os problemas causados pelas interrupções das cadeias de suprimentos atingiram as empresas americanas com mais força", explica Xiao Liang, um dos autores do mais recente relatório anual do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), sediado na Suécia.

Ele vê o motivo da retração em uma espécie de "covid longa" da economia, que ainda não se recuperou. "Além disso, há também a alta inflação nos EUA em 2021. Esses são os dois principais motivos."

Europa continua se armando

Por outro lado, as vendas na Europa cresceram 4,2% no ano passado. E isso ainda foi antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022. De acordo com o Relatório Sipri 2022, a guerra de agressão russa fez disparar a demanda por armas na Europa e nos Estados Unidos.

"Com todas as armas que são enviadas para a Ucrânia, os EUA e a Europa foram esgotando seus estoques, que agora têm que ser reabastecidos", analisa Liang. "Temos certeza de que haverá mais encomendas, mas é muito cedo para dizer com certeza se isso se traduzirá em receitas maiores já em 2022."

Atualmente, no entanto, só o fabricante alemão Rheinmetall espera para sua divisão de defesa um salto de 30% a 40% na entrada de pedidos em 2023. Esse prognóstico é baseado na necessidade de reabastecer os estoques de veículos blindados que foram enviados à Ucrânia.

Falta tempo

Não faltam encomendas futuras, o que falta agora é outro recurso: tempo. Um exemplo disso é a encomenda dos EUA de mísseis antitanque Javelin. Até o final de outubro de 2022, os EUA entregaram 8.500 desses mísseis à Ucrânia, o equivalente a entre três e quatro anos de produção. "Portanto, é um desafio para as empresas: elas recebem mais pedidos, mas será que conseguem atender e entregar todas as encomendas?", pondera Liang.

Quanto mais tempo durar a guerra, mais urgente se tornará a questão sobre quantas armas os países ocidentais enviarão para a Ucrânia. "Vemos que alguns países já estão tentando encontrar esse equilíbrio", diz Liang. "Se trata de equilibrar as próprias necessidades com o apoio à Ucrânia. Mas ao mesmo tempo sabemos que os estoques estão baixando e que é preciso repô-los."

Alguns países da União Europeia (UE) estão se armando massivamente em resposta à guerra de agressão de Putin. A Polônia quer dobrar seu número de soldados em cinco anos, a Finlândia está fortalecendo suas defesas aéreas. Grécia, França e Itália estão comprando novas armas por bilhões de euros.

Logo após o início da guerra, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, anunciou um fundo especial de 100 bilhões de euros para a Bundeswehr, as Forças Armadas da Alemanha.

Empresas russas estão estagnadas

E a própria Rússia? "A indústria de defesa da Rússia cresceu apenas minimamente em 2021, mas isso não é novidade", diz Lang. De acordo com o relatório do Sipri, uma razão para isso é a ordem dada pelo governo russo ao complexo militar-industrial em 2016 para aumentar a produção civil.

A invasão da Ucrânia pela Rússia provavelmente reverterá essa tendência, segundo Lang, pois a indústria de defesa precisará apoiar o esforço de guerra. Atualmente, entretanto, faltam componentes para a produção de armas.

As sanções econômicas impostas pelos países ocidentais impedem à Rússia a importação irrestrita de chips e semicondutores, peças urgentemente necessárias para a produção, incluindo a fabricação de foguetes e tanques.

China e Oriente Médio

Em relação a Ásia e Oriente Médio, chama a atenção que o Oriente Médio esteja experimentando o crescimento mais rápido. As cinco empresas com sede na região registraram a maior taxa de crescimento de todas as regiões representadas no top 100 em 2021.

Uma tendência contínua na Ásia é que a China, em particular, está acelerando o ritmo de produção. Nos últimos anos, o país tornou-se o segundo maior produtor de armas do mundo, sendo que apenas os EUA produzem atualmente mais. O aumento nas vendas de armas reflete a extensão da modernização do equipamento militar chinês e a meta do país de se tornar autossuficiente na produção de todas as principais categorias de armas.

Entre 2017 e 2021, a China, assim como Índia, Egito e Argélia, adquiriram a maior parte de suas armas da Rússia. Entretanto, o especialista do Sipri diz ainda ser cedo para se saber exatamente como a invasão da Ucrânia pela Rússia está mudando o mercado a esse respeito. "A guerra continuará influenciando a dinâmica nos próximos anos", afirma Liang.

Matéria publicada originalmente no DW Brasil


Foto: picture alliance

Inflação na zona do euro atinge novo recorde

Made for Minds*

A inflação na zona do euro atingiu nível recorde, impulsionada pela alta dos preços de eletricidade e gás natural, em consequência da guerra na Rússia.

A inflação anual chegou a 10,7% em outubro, informou nesta segunda-feira (31/10) a agência europeia de estatísticas Eurostat, sendo este o maior índice já registrado desde do início das análises, em 1997. Em setembro, o percentual era de 9,9%.

Ainda assim, os números do terceiro trimestre foram marginalmente melhores do que o esperado, após a economia da Alemanha registrar crescimento de 0,3%. França e Espanha cresceram 0,2% e a Itália anunciou nesta segunda-feira um crescimento de 0,5%.

O crescimento econômico nos 19 países que utilizam a moeda europeia desacelerou em antecipação a uma possível recessão, como vem sendo previsto por muitos economistas, resultante da queda no consumo em razão da alta dos preços.

A inflação anual chegou a 10,7% em outubro, informou nesta segunda-feira (31/10) a agência europeia de estatísticas Eurostat, sendo este o maior índice já registrado desde do início das análises, em 1997. Em setembro, o índice estava em 9,9%.

A economia da zona do euro, que vinha se recuperando dos efeitos da pandemia de covid-19, teve um leve crescimento de 0,2% entre julho e setembro, desacelerando do percentual de 0,8% registrado no segundo trimestre em razão dos preços altos.

Ainda assim, os números do terceiro trimestre foram melhores do que o esperado, após a economia da Alemanha registrar crescimento de 0,3%. França e Espanha cresceram 0,2%, e a Itália anunciou nesta segunda-feira um crescimento de 0,5%.

Em comparação com o terceiro trimestre do ano passado, o crescimento econômico da zona do euro foi de 2,1%, informou a Eurostat.

Crise energética

A crise na Ucrânia fez com que o preço do gás natural disparasse, enquanto a Rússia reduzia o envio do combustível para o continente.

A Europa teve de recorrer a custoso envio de gás natural liquefeito (LNG) através de navios vindos dos Estados Unidos e do Catar para suprir os estoques e garantir o aquecimento das residências durante o inverno.

Apesar do êxito em abastecer os estoques de gás, a alta dos preços tornou mais cara ou deficitária a produção de bens como aço ou fertilizantes. O poder de compra dos consumidores vem se exaurindo, enquanto aumentam os gastos com combustíveis e com as despesas mensais.

preço do gás natural para a compra em curto prazo teve um certo alívio recentemente, mas ainda se manterá em alta nos mercados pelos próximos meses, o que deve fazer com que a energia ainda se mantenha como um peso para a economia no futuro próximo.

Retração nos próximos meses

A alta da inflação é atualmente um fenômeno internacional, com aumentos de preços nos níveis mais altos em 40 anos também nos Estados Unidos.

Os dados da Eurostat mostram que os preços dos alimentos, tabaco e álcool também estão entre os maiores fatores para alta da inflação, aumentando 13,1%, enquanto a energia subiu 41,9% em um ano.

Economistas preveem que a economia irá se retrair pelos próximos meses e na primeira metade de 2023.

A alta da inflação levou o Banco Central Europeu (BCE) a aumentar a taxa de juros no ritmo mais acelerado de sua história, em 8 de setembro e 27 de outubro, o que gerou temores em relação às consequências da guerra anti-inflacionária.

Texto publicado originalmente em Made for minds.


Revista online | 10 anos do Código Florestal: retrocessos e pouco a comemorar 

Raul Valle*, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)  

“Agora temos a lei ambiental mais rigorosa do mundo”, bradou o então deputado federal Paulo Piau (MG) sobre o novo Código Florestal que acabava de ser aprovado pelo Congresso Nacional – com seu voto e atuação proativa. Para a senadora Kátia Abreu (TO), outra fervorosa defensora da nova lei, ao contrário do que as ONGs diziam, o desmatamento ilegal iria cair “drasticamente” nos anos seguintes com a aprovação do novo texto, não havendo, portanto, porque temê-lo.

No último dia 25 de maio completou-se 10 anos da aprovação do novo Código Florestal (Lei Federal 12651/12). Em 2021, o desmatamento na Amazônia foi 200% superior ao do ano anterior ao da aprovação da lei. Mesmo na Mata Atlântica, que havia atingido o estágio de quase “desmatamento zero”, este atingiu patamares maiores do que antes da aprovação da nova lei. No Mato Grosso, capital do agronegócio, o desmatamento não apenas aumentou, mas continuou ilegal: 92% do desmatado até 2019 não tinha qualquer tipo de autorização, embora a quase totalidade dos imóveis rurais já esteja dentro do Cadastro Ambiental Rural – CAR. A promessa vendida à sociedade à época da aprovação da lei era de que, em troca das muitas anistias concedidas aos produtores rurais, estes iriam a partir de então parar de desmatar e começar a restaurar os seus passivos remanescentes, pois ao entrar no CAR seriam vigiados de perto pelos órgãos ambientais, que poderiam enviar as multas “pelo correio” caso verificassem qualquer desmatamento ilegal. Ledo engano.

Veja todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online

Fruto de um longo embate dentro do Congresso Nacional, o qual opôs representantes do agronegócio, de um lado, e ambientalistas, cientistas e pequenos agricultores de outro, a lei foi a primeira vitória maiúscula que a então crescente bancada ruralista obteve na sua guerra contra o que, em sua visão, conformava o “eixo do mal”: as regras de proteção ao ambiente, de reconhecimento de terras indígenas e de garantia de direitos trabalhistas. Até então, desde a redemocratização, o setor havia acumulado apenas “derrotas”, com a aprovação de leis ambientais mais rigorosas, que impunham limites ao uso de recursos naturais em propriedades privadas e aprimoravam a forma de punir o descumprimento das regras estabelecidas. Foi após a aprovação do Decreto Federal 6514, em 2008, que o setor resolveu dar um basta e pressionar por uma mudança na lei, que datava de 1965. Até então era simples descumprir as regras estabelecidas. O decreto, no entanto, fechou lacunas jurídicas há muito usadas e tornou real a possibilidade de que a lei teria que ser cumprida. Confrontado com essa perspectiva, o setor resolveu que era melhor mudar a lei do que se esforçar para cumpri-la.

Confira, a seguir, galeria de fotos:

Floresta em formato de pulmão desmatado | Reprodução/Estratégia
Aligator dies by fire | Foto: Shutterstock/Tiago Marinho
Amazônia crises | Foto: Shutterstock
Amazônia desmatamento | Foto: shutterstock/Rich Carey
Deforestation forest destruction | Foto: shutterstock/Viktor Sergeevich
Desmatamento | Foto: shutterstock/Paralaxis
Floresta queima | Foto: shutterstock/JH Bispo
Global crises | Foto: Shutterstock/Marti Bug Cacther
Pantanal em chamas | Foto: Shutterstock/Rafael Martos Martins
Save the earth | Foto: Shutterstock/studiovin
Save the planet | Foto: Shutterstock/Teekatat Roongruang
World crises | Foto: Shutterstock/Osorio
Floresta em formato de pulmão desmatado
Aligator dies by fire
Amazônia crises
Amazônia desmatamento
Deforestation forest destruction
Desmatamento
Floresta queima
Global crises
Pantanal em chamas
Save the earth
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Floresta em formato de pulmão desmatado
Aligator dies by fire
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Amazônia desmatamento
Deforestation forest destruction
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Floresta queima
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O balanço de 10 anos da aprovação da lei não é bom. Embora a maior parte dos imóveis rurais já estejam inscritos no CAR – em alguns estados os números superam os 100%, dentre outras razões porque houve fracionamento artificial de imóveis para aproveitar o máximo as benesses da lei, maiores para pequenas propriedades – é ínfima a quantia dos que foram efetivamente analisados para saber se há passivos e obter do proprietário o compromisso de recupera-los. No Pará, apenas 0,1% chegaram nessa etapa e na maioria dos estados o número é ainda menor. A honrosa exceção é o Espírito Santo, que tem o mais robusto programa de apoio à restauração florestal do país e mais de 70% dos imóveis já analisados.

Quando a lei foi aprovada muitos elogiaram seu suposto equilíbrio. Por não ter agradado nem os ambientalistas, que viam com horror regras que dispensavam a recuperação de 21 milhões de hectares de florestas, nem os representantes do agronegócio, que gostariam de eliminar totalmente qualquer restrição legal ao desmatamento, vendeu-se a ideia de que ela seria justa. Se efetivamente o setor agropecuário tivesse se engajado em sua implementação, cumprindo com a promessa de que dali pra frente a coisa seria diferente, ou seja, que mesmo menos protetiva a lei finalmente sairia do papel, talvez pudéssemos concordar com essa análise. 

O que vemos, no entanto, é que a aprovação do novo Código Florestal foi a abertura de uma caixa de pandora. Ao conseguir uma vitória tão maiúscula, o setor agropecuário descobriu que podia fazer muito mais. De alguma forma, normalizou-se a lógica de que, com poder, é melhor mudar a lei que impõe alguma restrição do que cumpri-la. Disso resultaram muitos outros projetos de lei que avançam rapidamente no Congresso Nacional para anistiar grileiros e permitir mais desmatamento. Como podemos perceber, isso tem feito muito mal não apenas ao meio ambiente no país, mas à própria qualidade de nossa democracia.

Sobre o autor

*Raul Valle é advogado, mestre em Direito Econômico e coordenador de incidência política do WWF Brasil.

* Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de julho/2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Janio de Freitas: CPI da Covid é exemplo de atuação a Ministério Público e Judiciário

Já Rodrigo Pacheco não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados

Janio de Freitas / Folha de S. Paulo

A descrença na punição dos indiciados na CPI da Covid, pelo visto, bem próxima da unanimidade, é um julgamento de tudo o que se junta no sentido comum de "Justiça brasileira".

Também desacreditado por parte volumosa da opinião geral, o desempenho da CPI excedeu até o admitido pelos mais confiantes.

O fundo da realidade volta à tona, porém. A criminalidade constada aliados por covardia ou por patifaria.

CPI traz mais do que a comprovação de um sistema de criminalidade quadrilheira, voltado para o ganho de fortunas e mais poder político com a provocação da doença e de mortes em massa.

Nas entranhas desses crimes comprovados, está a demonstração, também, da responsabilidade precedente dos que criaram as condições institucionais e políticas para a degradação dramática do país e, nela, a tragédia criminal exposta e interrompida pela CPI.

Nada na monstruosidade levada ao poder surgiu do acaso ou não correspondeu à índole do bolsonarismo militar e civil.

Muito dessa propensão foi pressentido e trazido à memória pública com exaustão, lembrados os antecedentes pessoais e factuais.

Também por isso as surpresas com a pandemia não incluíram a conduta do poder bolsonarista, que então prosseguiu, em maior grau, a concepção patológica de país traduzida na liberação de armas, nas restrições à ciência, na voracidade destrutiva.

A CPI proporciona ainda um exemplo ao Ministério Público e ao Judiciário.

Cumpriu um propósito de extrema dificuldade, porque contrário a um poder ameaçador e desatinado, e o fez com respeito aos preceitos legais e direitos. Sem a corrupção institucional própria do lavajatismo.

É necessário não esquecer a contribuição, para o êxito incomum da CPI, de senadores como Omar Aziz, que impôs o bom senso e a determinação com sua simpática informalidade. E Randolfe Rodrigues, autor da proposta de CPI e impulsionador permanente do trabalho produtivo.

Tasso Jereissati foi importante, com o empenho para aprovação e composição promissora da comissão, além de dirimir impasses --tudo isso, apesar da cara de cloroquina do seu PSDB chamado a definir-se contra o poder bolsonarista.

O polêmico Renan Calheiros foi, como sempre, muito decidido e eficiente. Otto Alencar e Humberto Costa, médicos, foram decisivos muitas vezes. E houve vários outros, mesmo não integrantes do grupo efetivo, como Simone Tebet.

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco não deve ficar esquecido. Filia-se ao PSD com o projeto de candidatar-se à Presidência, de carona no êxito da CPI.

Contrário à investigação da criminalidade do governo e de bolsonaristas na pandemia, sumiu com o projeto aprovado para criação da CPI.

Foi preciso que o Supremo o obrigasse a cumprir as formalidades de instalação. E não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados.

A descrença em punições não precisa de explicação. Oferece mais uma desmoralização das afirmações de que "as instituições estão funcionando" no país do governo criminoso e da descrença nos tribunais superiores.

Sem solução

Inesperada, a derrota na Câmara do projeto que passaria ao Congresso atribuições dos promotores e procuradores, sem com isso atacar o essencial, evitou mais uma falsa solução.

Mudar a natureza de procuradores e promotores é impossível, um Dallagnol será sempre o que é. Logo, o necessário é o acompanhamento honesto do que se passa no Ministério Público, e mesmo no Judiciário.

Tarefa básica que os conselhos dessas instituições não fazem, funcionando sobretudo no acobertamento dos faltosos.

Eis uma norma há anos adotada pelo Conselho Nacional do Ministério Público: mesmo que determinada pelas regras penais, a demissão do faltoso só deve ocorrer se há reincidência.

Do contrário, a pena será apenas de suspensão temporária da atividade e dos vencimentos. Uma discreta indecência.

O necessário é fazer com que os conselhos sejam leais às suas finalidades.

O que o Congresso pode conseguir com a criação de um sistema de vigilância público-parlamentar. Até algo assim, os conselhos do Ministério Público e da Magistratura continuam como motivo de descrença extensiva nessas instituições.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/10/conselhos-de-ministerio-publico-e-judiciario-sao-motivo-de-descrenca-extensiva.shtml


Dorrit Harazim: Vísceras expostas

Cabe agora ao Ministério Público e à Justiça responder aos pedidos de indiciamento

Dorrit Harazim / O Globo

O simples fato de a CPI da Covid ter existido e resistido, apesar da tropa de choque bolsonarista e da contrariedade do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já foi notável. Duplamente admirável foi o empenho da maioria de seus integrantes em trabalhar como gente grande, com decência e benefício claro para a sociedade. Conseguiram dar algum compasso moral a um Brasil que, de resto, está à deriva e expuseram as vísceras de Jair Bolsonaro, cujo método de governo se assenta num amplo leque de tipificações penais.

Nada a festejar, porém. Não pode haver conforto para povo algum que tem na chefia da nação um presidente indiciado por crime contra a humanidade — no caso, contra sua própria gente. É igualmente trevoso para a história de qualquer nação ver seu presidente indiciado por mais outros oito crimes. É tudo de um horror abissal, por ser factual. E por quase ter ficado enterrado nos porões do governo, não fosse o dever cumprido pela maioria na CPI.

Cabe agora ao Ministério Público e à Justiça responder aos pedidos de indiciamento. E dar uma resposta adulta para a gargalhada com que o filho Zero Um do presidente, senador Flávio Bolsonaro, pretendeu desdenhar o documento histórico. O aspecto mais chulé da vida nacional anda esquisito — num curto espaço de tempo somos informados de que o presidente chora escondido no banheiro e de que o Marcola do PCC, líder da maior facção criminosa do país, está deprimido na prisão.

Mas são problemas reais que deixam em torvelinho 213 milhões de brasileiros. A fome de comer pelanca, o caos social, a extrema direita sem freios, os solavancos na economia, a emergência ambiental, a incerteza quanto a liberdades, a degradação geral da vida em sociedade — tudo isso entrou em marcha acelerada sob o comando errático de um só homem, Jair Bolsonaro. Que ninguém se engane — armados de fé e, se preciso, munidos de armas, seus seguidores mais extremados nunca lhe faltarão no pacto de morte contra o Estado Democrático de Direito.

Talvez o presidente e o relator da CPI da Covid, senadores Omar Aziz e Renan Calheiros, já tenham se arrependido de ter votado pela recondução de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República. Nos Estados Unidos, o então presidente Donald Trump sobreviveu a dois processos de impeachment porque os senadores do Partido Republicano cerraram fileiras. Acreditaram estar fazendo política. Na realidade, fizeram história trevosa ao deixar o caminho aberto para Trump e sua vertente nacionalista voltarem ao poder — seja na reconquista da maioria na Câmara e no Senado em 2022, seja com Trump de volta à Casa Branca em 2024.

Não se trata de alarmismo. Nesta semana, Steve Bannon, o já notório cérebro de uma internacional fascistoide que inclui o Brasil, desafiou abertamente o Poder Legislativo dos EUA. Simplesmente recusou-se a depor perante a comissão de inquérito que investiga sua atuação na invasão do Capitólio de 6 de janeiro último, quando milicianos trumpistas pretendiam impedir a certificação da vitória eleitoral de Joe Biden em 2020. Parece pouco? Para padrões da bicentenária democracia americana, não é. Ao deboche público das instituições, arrostado por Bannon, vem somar-se uma acelerada limitação do direito ao voto em vários estados decisivos do país. E esse desmonte é obra de governadores mais leais a Trump que àquilo que os Estados Unidos de melhor deram ao mundo: o voto universal e livre.

Por toda parte, pipocam candidatos a clones de Trump, que Steve Bannon vai arrebanhando e formatando em rede. Alguns ainda são meros aspirantes a um poder menor, como a figura midiática do argentino Javier Milei, candidato a uma vaga no Congresso nas eleições do próximo mês. Admirador declarado de Trump e Bolsonaro, tem fala carismática e propostas de soluções simples para problemas complexos, como manda o manual populista. Outros visam mais alto logo de cara. Na França está em curso a ascensão meteórica e inesperada do polemista Éric Zemmour, apresentador do canal conservador CNews , que parece querer disputar a corrida presidencial. Situado à extrema direita de Marine Le Pen, Zemmour também é admirador declarado de Trump, alerta contra o “declínio da França”, ataca a imigração, o islamismo e o resto da cartilha democrática.

Sem falar no governo a cada dia mais fechado da Polônia, primeiro a desdenhar de peito aberto as convenções democráticas da União Europeia. Na sexta-feira, a ainda chanceler da Alemanha, Angela Merkel, recebeu uma ovação sincera dessa mesma União Europeia. Foi recebida pelo rei Philippe da Bélgica (a sede da EU é em Bruxelas), homenageada com peças de Mozart e Beethoven em concerto de gala e saudada com frases como “a senhora foi um compasso”, “as próximas cúpulas sem Angela Merkel serão como Paris sem a Torre Eiffel”. No caso, não eram exagero — por 16 anos ela foi âncora. Sem ela, a Europa e o mundo com Trumps e Bolsonaros se tornarão ainda mais sombrios.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/visceras-expostas.html


Brasil precisa investir R$ 110 bi até 2035 para garantir acesso à água, diz ANA

Mananciais são vulneráveis em 44% das cidades, diz pesquisa. Agência aprova plano para recuperação dos principais reservatórios do país

O Globo e Agência Brasil

RIO - O Brasil precisa de um investimento total de R$ 110 bilhões até 2035 na infraestrutura de produção e distribuição de água para garantir o acesso. É o que aponta a segunda edição do Atlas Águas, levantamento feito pela Agência Nacional de Águas (ANA).

EmpregoImóveis e saneamento impulsionam geração de vagas na construção civil, que ultrapassam 200 mil no ano

Esse montante contempla a construção de novas estruturas e a reposição das que já existem, incluindo ações para reduzir as perdas de água e melhorar a gestão dos sistemas para garantir a segurança hídrica das cidades do país. Atualmente, com a seca no centro-sul, várias cidades já enfrentam racionamento de água.

O trabalho avaliou, entre outros itens, a capacidade dos sistemas nas cidades, o desempenho da produção de água potável e da rede de distribuição e a vulnerabilidade dos mananciais.1 de 6 


Usina Hidrelétrica binacional de Itaipu. A maior do mundo desde a inauguração, em 1984, até o ano de 2012, produz até 14.000 megawatts. Foto: Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional
Vista aérea da usina de Belo Monte, a segunda maior do país: capacidade para 11.233 megawatts. Foto: Divulgação
Hiderlétrica Ilha Solteira, em São Paulo. Em operação desde 1973. Foto: Henrique Manreza / Manreza Imagens / Divulgação / CTG Brasil
Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins, no Pará, pode produzir até 8.535 megawatts e foi inaugurada no mesmo ano que a de Itaipu, 1984. foto Rui Faquini
Usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Com capacidade instalada de 3.750 megawatts, ela está em operação no Rio Madeira, na Bacia Amazônica, desde 2013. Foto: Divulgação/PAC
No mersmo Rio Madeira, está a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, instalada no rio Madeira, em Porto Velho (RO). Ela tem capacidade para 3.568 MW. Foto: Divulgação / Ibama
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Usina Hidrelétrica binacional de Itaipu. A maior do mundo desde a inauguração, em 1984, até o ano de 2012, produz até 14.000 megawatts. Foto: Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional
Vista aérea da usina de Belo Monte, a segunda maior do país: capacidade para 11.233 megawatts. Foto: Divulgação
Hiderlétrica Ilha Solteira, em São Paulo. Em operação desde 1973. Foto: Henrique Manreza / Manreza Imagens / Divulgação / CTG Brasil
Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins, no Pará, pode produzir até 8.535 megawatts e foi inaugurada no mesmo ano que a de Itaipu, 1984. foto Rui Faquini
Usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Com capacidade instalada de 3.750 megawatts, ela está em operação no Rio Madeira, na Bacia Amazônica, desde 2013. Foto: Divulgação/PAC
No mersmo Rio Madeira, está a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, instalada no rio Madeira, em Porto Velho (RO). Ela tem capacidade para 3.568 MW. Foto: Divulgação / Ibama
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Neste último quesito, o Atlas concluiu que 44% das cidades têm fontes de captação de água vulneráveis a eventos climáticos críticos, como secas e mudanças climáticas.

Escalada: Gasolina nas bombas já subiu 40% este ano. Botijão ultrapassa R$ 100 pela 1ª vez na média do Brasil

Do total de investimentos estimados, 76% são demandas das regiões Sudeste e Nordeste, que concentram o maior contingente populacional do país.

Só 7 milhões têm segurança hídrica máxima

Levando em consideração os parâmetros do Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH), o Atlas apresenta um novo índice para medir o nível de garantia de acesso a água tratada em diferentes regiões diante das recentes crises hídricas.

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O levantamento apontou que apenas 7 milhões de brasileiros vivem em cidades com segurança hídrica máxima. Somente 667 cidades contam com um sistema de abastecimento de água capaz de garantir o fornecimento. 

Há pouco mais de 50 milhões de brasileiros vivendo em cidades com baixa ou mínima segurança hídrica. São 785 cidades nessa condição.

Outros 77,3 milhões de brasileiros vivem nas 1.975 cidades classificadas com segurança hídrica média quanto ao seu sistema de abastecimento de água. Em 22% das cidades os sistemas de distribuição têm alto índice de perdas.

Plano para recuperar reservatórios

Nesta segunda-feira, a diretoria da ANA aprovou um plano de contingência para recuperação dos principais reservatórios de água do país, principalmente os de usinas hidrelétricas, informou a Agência Brasil.

O objetivo da medida é aproveitar o período chuvoso, que vai de dezembro deste ano a abril de 2022, e garantir a recuperação dos níveis para os anos seguintes.

Após nova lei:  Saneamento básico atrai investidores e projetos. Infraestrutura é crucial para tirar o Brasil do atraso

O plano define vazões defluentes máximas que devem ser praticadas durante o período chuvoso nos reservatórios de Serra da Mesa, Três Marias, Sobradinho, Emborcação, Itumbiara, Furnas, Marechal Mascarenhas de Moraes, Jupiá e Porto Primavera. Novos reservatórios poderão ser incluídos nas medidas de contingência. 

A agência informou que as regras serão comunicadas ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para adoção no Sistema Interligado Nacional (SIN). A implementação das medidas será acompanhada por meio de boletins e sala de crise específicas.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/brasil-precisa-investir-110-bi-ate-2035-pra-garantir-acesso-agua-diz-ana-1-25241710


William Waack: Falta um sonho para o posto de candidato da terceira via

O problema da terceira via não é a quantidade de eleitores, mas o que dizer a eles

William Waack / O Estado de S. Paulo

Não se sabe se a questão está suficientemente clara para os postulantes ao posto de candidato da terceira via, mas o problema é muito mais de conteúdo do que de espaço eleitoral. As pesquisas indicam claramente a existência de um grande “buraco” entre os blocos consolidados a favor, respectivamente, de Bolsonaro e de Lula. Contudo, esses números enganam.

Na conta simples o “centro” abarca no mínimo um terço do eleitorado. Bastaria então ampliar esse “meio entre os extremos” para tirar Bolsonaro do segundo turno e formar uma “união nacional” para derrotar o hoje favorito Lula. Que o “centro” esteja fortemente dividido entre vários postulantes é normal neste momento da corrida eleitoral. A popularidade ou rejeição de cada um deles parece oscilar em função do “recall” de eleições recentes ou do fato de alguns serem relativamente desconhecidos.

Mas bastante preocupante do ponto de vista de um país preso no momento à escolha entre Bolsonaro e Lula é o fato de as pesquisas qualitativas estarem detectando um inusitado grau de resignação, desinteresse e desilusão (reforçada pela atual polarização) em boa fatia de eleitores de “centro”. A mensagem “nem nem” até aqui não está chegando, o que ajuda a entender o nível de conforto manifestado por articuladores das campanhas de Bolsonaro e de Lula.

A desilusão com os “rumos” do País é marcante nesses levantamentos. Porém, até aqui os postulantes à candidatura de terceira via demonstram incapacidade de formular uma postura política mais próxima ao “sonho” de futuro do que à negação dos pesadelos lulista e bolsonarista. Os especialistas já dizem aos marqueteiros que o “sonho” será essencial para uma candidatura competitiva frente a Bolsonaro e a Lula que, goste-se ou não deles, sabem falar para os respectivos públicos (ou até mais).

Nessas conversas tem sido feito uso recorrente de dois exemplos de campanhas presidenciais brasileiras pós-redemocratização, um bem-sucedido e outro que bateu na trave: Fernando Collor (1989) e Marina Silva (2014). Ambos saíram de patamares baixos e se tornaram competitivos dentro da postulação genérica do “não sou como eles” – uma noção até bastante emotiva do “novo” e “promissor” contra o velho e estabelecido. Em certa medida, Bolsonaro de 2018 também cabia nessa categoria, mas as circunstâncias dessa última eleição são consideradas excepcionais e não há perspectivas de que se repitam no ano que vem.

A desilusão de boa parte do eleitorado é consequência direta de um sistema político e de governo que garantiu a desproporção no voto proporcional e a crise de representatividade – o mesmo conjunto de distorções que, mantidas como estão, impedirá de governar efetivamente qualquer vencedor em 2022. Lula, aliás, já promete reverter a “tomada do poder” pelo Legislativo feita através das emendas do relator, que Bolsonaro entregou bisonhamente ao Centrão.

A natureza da crise brasileira é política, se arrasta há muitas décadas e está desaguando num país capaz de nem sequer corrigir – quanto mais eliminar – as sequelas de sempre: miséria, injustiça social e desigualdade. Não há dúvidas de que a tão falada agenda de produtividade, que implica urgentes e gigantescos investimentos em educação, saúde e qualificação, é a chave para romper a armadilha da renda média na qual o Brasil vegeta há tantas décadas.

Por sua vez, a “chave” da conquista dessa “chave” está no terreno da política, da capacidade de aglutinação através de efetiva formulação do “sonho”. Não é algo que marqueteiros consigam criar: eles são encarregados de executar, com as ferramentas de campanha política, a “visão” que um candidato seja capaz de elaborar. Até aqui o uso mais ou menos eficaz dos lemas “sou o melhor anti-bolsonaro ou anti-lula que existe” não está funcionando. Nem levará à agenda da produtividade sem uma ampla reforma política.

Olhando para o calendário eleitoral formal, que só começa no ano que vem, talvez tudo isso pareça cedo demais para os planos dos candidatos à terceira via. Mas é bom lembrar que não há plano que resista ao primeiro contato com a realidade, e os fatos da política indicam que a terceira via capaz de derrotar Bolsonaro e Lula precisa do “sonho” já.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,falta-um-sonho,70003867571


Míriam Leitão: Um governo sem remédio

A inflação está de volta aos dois dígitos com seu efeito devastador sobre os mais pobres, num momento em que há um forte aumento da pobreza. Isso deveria estar no centro das atenções do governo, mas o presidente está ocupado em fazer campanha antecipada, em jogar a culpa dos problemas sobre os governadores. O Ministério da Economia não conseguiu formular uma boa proposta de combate à inflação, de redução da pobreza, e está num jogo de faz de conta fiscal.

Faz de conta que o teto de gastos está sendo respeitado, faz de conta que a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo obedecida. O teto fica onde está, mas muitas despesas vão sendo depositadas sobre ele. E quanto mais despesas sobem, mais fictícia se torna essa trava fiscal. A ideia de financiar um novo programa social com receitas ainda a serem criadas é delirante. E sim, fere a LRF. O secretário especial de Fazenda, Bruno Funchal, diz que se o projeto do Imposto de Renda não for aprovado não haverá o novo programa. Isso é de tranquilizar, por um lado, mas não resolve a outra questão. Há necessidade de mais dinheiro para as transferências de renda. E isso é necessário porque os pobres ficaram mais pobres, e há mais pobres no país.

Na visão do mercado financeiro o que está claro é que o governo não quer cortar despesas para compensar a ampliação da rede de proteção aos mais pobres. Espaço há, como as emendas bilionárias de relator, que só servem para comprar o apoio dos políticos do centrão. A saída, então, será através do velho truque do aumento de impostos. Por isso subiu o IOF e o governo quer urgência na aprovação do seu projeto de IR. Ainda assim, as contas não fecham, porque existe a limitação do teto de gastos. A proposta inicial era ruim, foi piorada na Câmara e empacou no Senado. Não há qualquer certeza de que ela de fato vai arrecadar mais. O governo diz que o projeto será neutro, mas que com o aumento da receita vai financiar o programa. Ou é neutro ou aumentará a receita. Mas vários economistas estão prevendo que, na verdade, haverá perda de arrecadação. Os estados sabem que perderão.

O que o Brasil não precisa? De inventar um programa de transferência de renda só para tirar a marca do PT do Bolsa Família. E foi exatamente o que governo fez. Ele baixou uma Medida Provisória extinguindo o programa e criando o novo Auxílio Brasil, mas não sabe ainda como vai financiar. Enquanto isso, cria-se o que já existiu, como o vale-gás. Ele foi extinto quando o governo Lula eliminou vários programas para concentrar no Bolsa Família, porque uma política potente é melhor do que a pulverização dos programas sociais.

Tempo para formular ideias melhores houve. E foi desperdiçado neste improviso constante que domina o governo Jair Bolsonaro. O negacionismo é ruim em si mesmo e por todos os efeitos colaterais. Ele impede que o governo tenha uma visão da sequência dos eventos e planeje a ação pública. Bolsonaro achou que a pandemia seria curta, negou a segunda onda, combateu as vacinas, brigou com os dados, desuniu o país e só agiu empurrado. Agora, unido ao Ministério da Economia, o presidente lança mão de medidas populistas para ver se consegue reverter a queda forte de popularidade.

A inflação vai atingir, com o dado de setembro, 10,2% segundo o Banco Central. As famílias estão endividadas, empobrecidas, e os juros terão que subir porque o BC tem que cumprir seu mandato de atingir a meta de inflação. Seria melhor se o presidente não atrapalhasse tanto a economia, com suas ameaças, mentiras e ataques.

O Brasil já reduziu tanto a sua expectativa em relação ao comportamento adequado de um presidente da República que comemora o fato de ele não falar de golpe desde o dia 7 de setembro. O país vai contando os dias como se, por decurso de prazo, Bolsonaro fosse deixar de ser o que é. Nesse meio tempo ele usou descaradamente o dinheiro público em campanha antecipada, atacou os governos estaduais por causa do preço do combustível, mentiu inúmeras vezes, fez apologia de armas colocando uma criança no ombro com um fuzil de brinquedo na mão, ameaçou as famílias dizendo que quem não se armar terá que atirar com balas de feijão quando invadirem sua casa. Não há o que salve esse governo. Ele não tem remédio.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/um-governo-sem-remedio.html


Paulo Baía: A intolerância, o racismo, a ciência política e a UFRJ

Considero ruim, péssimo, ter que escrever esse artigo, na medida em que esta questão deveria ser tratada exclusivamente no âmbito da UFRJ

Paulo Baía / Cidadania e Política

O Departamento de Ciência Política do IFCS/UFRJ é um dos herdeiros do setor de política da antiga Faculdade Nacional de Filosofia e tem como histórico, desde 1972, quando entrei no IFCS-UFRJ como estudante, ambiguidades, obscuridades, conflitos sem foco, genéricos e egocentrados, intolerâncias pessoais, irracionalidades comportamentais e administrativas, individualismos fóbicos; ou seja, não se constitui como uma unidade funcional, acadêmica, profissional, educacional, pedagógica. Defino o DCP-IFCS como um organismo disfuncional, anômico, no estreito sentido que Émile Durkheim dá ao conceito de anomia. Foi criado para não ter projeto coletivo, projeto educacional, projeto de universidade, projeto de cidadania republicana. Exemplos de episódios rotineiros como disfuncionalidade não faltam, pelo individualismo fóbico associado à baixa produtividade acadêmica, universitária e a um diletantismo narcísico predador dos ethos de sociabilidade e possibilidades de convívio.

O DCP-IFCS teve a oportunidade de desenvolver um programa de pós-graduação em ciência política, que foi mais uma experiência de disfuncionalidade e predação institucional e pessoal. A pós-graduação do Departamento de Ciência Política da UFRJ foi de curta existência e traumática, foi descredenciada pela CAPES por incompetência e improdutividade.

A reunião do dia 11 de agosto de 2021 seria mais um encontro de agravos e deselegâncias existenciais rotineiras, caso não tomasse a dimensão extramuros, do cercadinho narcísico, transbordando os conflitos pessoais permanentes e irreversíveis para fora do departamento, envolvendo todo o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, a estrutura superior da UFRJ, assim como todas as associações científicas, acadêmicas e profissionais das ciências sociais.

A discussão entre dois professores, que não se gostam, não se toleram, foi no mínimo deselegante e, no limite do limite, agressiva, por divergências administrativas, de pensamento acadêmico, social, de mundo, de vida e políticos, por interesses pessoais distintos.

Extrapolou para uma acusação de racismo de um professor contra outro, de racismo estrutural e permanente da UFRJ contra um professor preto por ser preto, fora da reunião, bem depois do encontro disfuncional, nos espaços públicos da atualidade.

O foco da reunião, mais uma entre tantas, extrapolou a rotina profissional, acadêmica, funcional, demonstrando mais uma vez o que classifico como disfuncionalidade estruturante e predatória do Departamento de Ciência Política.

Sempre lembro que esse departamento faz questão de esquecer que teve como professor catedrático o equilibrado e notável Vitor Nunes Leal, que chegou ao posto de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) da república, como professor de Ciência Política da Universidade do Brasil, sendo um dos pioneiros que gestaram a ideia de ciência política no Brasil, na Universidade do Brasil e na UFRJ.

Quero acrescentar, ressaltar, que considero ruim, péssimo, ter que escrever esse artigo, na medida em que esta questão deveria ser tratada exclusivamente no âmbito da UFRJ, na Congregação do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e das Instâncias Superiores da UFRJ.

Entretanto, o que nós estamos vendo e vivenciando é uma campanha publicitária, muito bem articulada, que já conta com mais de mil assinaturas em diversos abaixo-assinados on-line, com várias cartas manifestando apoio incondicional à acusação de racismo da UFRJ e do professor Josué Medeiros no Brasil e no exterior.

Matérias jornalísticas às dezenas, nas mais diversas mídias nacionais e internacionais, ratificando o racismo estrutural, permanente e o que isso significa, da UFRJ e do professor Josué Medeiros.

O apoio irrestrito à acusação de que o professor Josué Medeiros é racista e tem que ser afastado imediatamente da UFRJ virou um mantra, um salmo.

Fui chamado para apoiar esse movimento contra a UFRJ e o professor Josué Medeiros como racistas, para assinar petições on-line ou manifestar repúdio ao professor Josué Medeiros e à UFRJ como racistas estruturais, dar declarações na imprensa, nas mídias e redes digitais apoiando incondicionalmente o professor Wallace Moraes como vítima de racismo.

Não fiz isso, me recusei a entrar em um movimento de efeito manada, de torcedor revoltado de time de futebol, de facção e/ou partido.
Fiz o que sempre faço, fui buscar informações, fui apurar, fui escutar atentamente, nos detalhes, todas as versões, sentimentos e opiniões de quem participou da reunião fatídica, mais uma reunião do disfuncional e predador Departamento de Ciência Política do IFCS-UFRJ.

As acusações do professor Wallace Moraes contra o professor Josué Medeiros, a chefia do DCP-IFCS e a própria UFRJ se tornaram um debate público protagonizado por personalidades e ativistas de múltiplos movimentos políticos, estranhos aos quadros profissionais da UFRJ e sua imensa comunidade acadêmica. O que não significa um equívoco, mas uma imprudência, ao se tornar um debate público, midiático.

Sendo eu um intelectual público, um ativista dos direitos humanos, um ativo humanista e homem público no Brasil e professor da UFRJ, me manifestei inicialmente com uma carta aberta pública em que chamava atenção para a ideia de que o professor Wallace estava tendo uma visão ficcional da realidade, afirmativa que refaço nesse artigo, pois ao ouvir com mais detalhes vários relatos da reunião do dia 11 de agosto e do próprio professor Wallace Moraes, percebo que ele teve sua postulação, legítima, para participar como avaliador de uma banca de concurso público do DCP-IFCS desqualificada de forma deselegante, no limite máximo, com intolerância acadêmica e profissional, por uma ação de maioria eventual, como é a prática do DCP-IFCS. O professor Wallace Moraes teve a percepção de que estava sendo acuado em sua postulação administrativa/acadêmica e sua posição como docente escanteada no momento da reunião.

Todas e todos os participantes dessa reunião do DCP-IFCS do dia 11 de agosto foram responsáveis pelas deselegâncias, arrogâncias e intolerância acadêmica que descartaram a presença do professor Wallace Moraes como membro titular da referida banca de avaliação para um concurso público de muitos concorrentes, houve silêncio generalizado no instante da tomada de decisão da maioria do colegiado do DCP-IFCS.

Semanas depois do dia 11 de agosto formou-se uma estrutura profissional de comunicação e divulgação de uma acusação de racismo na reunião, uma estrutura de marketing de combate, de marketing de aniquilação, exigindo punição imediata para o professor Josué Medeiros e a chefia do DCP-IFCS. O pedido de apuração administrativa não era o foco, era secundário, alegórico, uma cereja no bolo punitivista de uma sentença já lavrada. Uma instrumentalização, aparelhamento indevido da acusação de racismo contra a UFRJ e o professor Josué Medeiros, que não posso apoiar em nenhuma hipótese.

A esse cenário de punitivismo preventivo, de linchamento moral de reputação, aniquilação midiática e condenação antecipada do professor Josué Medeiros, se juntou um vídeo de combate tecnicamente perfeito para o ataque a um inimigo individual, o professor Josué Medeiros, e as ciências sociais e demais ciências como um todo racistas, a atual UFRJ como uma instituição racista no tempo presente.

O vídeo profissional de marketing político de combate, de aniquilação, traz muitos perigos em função dos seus impactos psicossociais e/ou emocionais, com possibilidade efetiva de formação de um 'ethos' guerreiro, justiceiro, como nos ensina Norbet Elias, em algum jovem militante mais sensível ao chamamento e incentivo do vídeo tão bem elaborado, produzido e divulgado.
Como disse, o vídeo é uma peça de marketing político de combate irretocável, de aniquilação, pelo estilo de narrativa e estética audiovisual.

Logo, não é razoável que esse vídeo esteja circulando, pois ele estimula o ódio, a vingança, mesmo que contra uma posição que se considere injusta.
O vídeo e as demais ações de marketing político de combate, de aniquilação dos inimigos, a UFRJ e o professor, tem um elevado poder de destruição emocional e física do professor Josué Medeiros e de quem não é a favor, de maneira irrestrita, ao professor Wallace Moraes.
O foco no professor Wallace Moraes, no referido vídeo, o apresenta como um personagem "vítima irreversível e permanente" de racismo por ser o único professor preto do DCP-IFCS.

Na minha avaliação como especialista em campanhas políticas, é um vídeo manipulador, que instrumentaliza, de forma egocentrada, narcísica, as teses do racismo estrutural como definidas pelo professor Silvio de Almeida, do lugar de fala dos movimentos identitários exclusivistas, da legítima e histórica luta antirracista no Brasil e da tese da epistemologia do sul, formulada pelo sociólogo português Boaventura Santos.

O que torna o vídeo uma peça perigosa, pois articulações sob impacto do vídeo são fechadas a apurações diferentes da já definida como a verdade absoluta em sua estética e fala. O vídeo afasta as negociações de conflitos e mediações, direito à defesa, por mais singela que seja; pois para uma guerra de posições, de narrativas, não importam os fatos apurados ,o tempo, o espaço e as verdades diferentes reveladas por investigações técnicas e legais. O cálculo político do marketing de combate é a aniquilação do inimigo de imediato, tornando essa peça publicitária um "tiro de canhão" com objetivo de "rendição incondicional" ou "morte simbólica" dos inimigos elencados no vídeo, a UFRJ e o professor Josué Medeiros.

As teses e o argumentos do vídeo são potentes, aniquiladores, definitivos.

A história começou pelo fato de o professor Wallace Morais ter se sentido discriminado por racismo pela fala do professor Josué Medeiros, o que é um sentimento legítimo e inalienável do professor Wallace Moraes, é um sentimento individual, uma emoção íntima do professor Wallace. Quem sente a dor é ele, por suas vivências psíquicas, emocionais e suas subjetividades íntimas, mais ninguém.
O professor Wallace Moraes tem o irrestrito direito de ter suas emoções e sentimentos da maneira que as classifica em sua individualidade, em sua intimidade.

Essa questão vem sendo discutida nas teses que abordam o racismo estrutural, via Silvio de Almeida, na longa história escravista e brutal de cinco séculos no Brasil, nos estudos de traumas emocionais, psiquiátricos, psicanalíticos e de psicologia política. Ao mesmo tempo, é colocada dentro de um movimento sociopolítico por jovens que se autoproclamam libertários e/ou decoloniais, se articulando com a proposta de construção de epistemologias a partir do Sul Global, negando o movimento iluminista e seus legados ao longo de alguns séculos.

Esse movimento coloca em questão a noção de que a epistemologia do Norte Global não contempla as demandas e as realidades do Sul Global, chamando atenção para o fato de que tudo que foi feito nas ciências sociais deve ser descartado por ser colonizado, imperialista, escravista e racista, pois não representa a realidade social na qual estamos inseridos de fato. As ciências humanas são uma invenção colonial, na avaliação da maioria dos decoloniais e/ou libertários, ao estilo Charles Mills, nada serve.

Charles Mills, o esclarecidíssimo filósofo e pensador jamaicano, para chegar à frase "nada serve" , só "a filosofia africana", conhecia profundamente toda a produção filosófica e de teoria social feita em cada recanto do mundo, de sul a norte, de oeste a leste.

No entanto, tenho críticas e reações a esse movimento de desmonte dos saberes, que chamo de " metodologia do desfazimento". Sou muito grato pelo histórico das ciências sociais, pelo saber científico construído ao longo dos séculos pela humanidade, remontando aos saberes do mundo grego romano, da eclética Europa, dos norte-americanos, canadenses, argentinos, mexicanos, dos saberes asiáticos, latinos, africanos e dos ameríndios, mesmo que os ressignificando, os recontextualizando ou os contestando com evidências de pesquisas empíricas ou teóricas, como Alberto Guerreiro Ramos, Anísio Teixeira e Mário de Andrade fizeram com eficiência e eficácia.

As influências de Alberto Guerreiro Ramos, suas teses sobre "reducionismo sociológico' e "uma sociologia em mangas de camisa" são tatuagens em minhas percepções e análises.

Continuo gostando muito do que escreveu Clóvis Moura sobre o Brasil e Wright Mills sobre o fazer sociológico e a imaginação criativa.
Os decoloniais, libertários e/ou monopolistas do lugar da fala, em sua grande maioria -não em sua totalidade - não reconhecem a legitimidade, a autenticidade, a validade, a existência de pesquisas e elaborações teóricas que não sejam exclusivamente autorreferenciadas na trajetória de vida de quem fala, pelo fato delas, pesquisas, não serem considerados representantes da realidade social, suas porta-vozes militantes.

Eu adoro a ideia de nossa magistral Conceição Evaristo de "escrevivências", incentivo todas as pessoas a escrever, a relatar, a fazer testemunhos de suas vidas e trajetórias existenciais. Isso lança luz, lança lume, pistas, traz indícios, como nos ensina Carlo Ginzburg em sua "micro história" e seu indiciarismo ou surgimento do conceito de geo-história, elaborado pelo historiador francês Fernand Braudel.
Se ficarmos apenas com essa prática de exclusividade do lugar de fala, será o fim das pesquisas em ciências humanas, linguísticas e literárias.

Em geral, de forma militante, o "lugar da fala" como método tem sido uma apologia do senso comum, um "neopentecostalismo" acadêmico, artístico e literário.

É evidente que não me filio a esse pensamento revisionista, negacionista, de uma "metodologia dos desfazimentos" , tenho grande gratidão pelo histórico das ciências sociais com suas perspectivas, ensaios e erros, suas transformações, aos saberes a que tive acesso, que ressignifiquei, em minha formação continuada e permanente como pesquisador, professor e ativista por direitos civis, comunitários, fundamentais e humanos aos 70 anos de idade.
Por que faço desse movimento, desse episódio do DCP-IFCS, uma reflexão?

Fui chamado, pressionado, intimidado, seduzido, ameaçado, por ser um intelectual e professor negro, a ser a favor do professor Wallace Moraes, negro como eu. E a ser contra o professor Josué Medeiros por ser branco, portanto um racista permanente. Para mim isso é um simplismo, um primarismo político, existencial, ético e moral.

A maioria absoluta dos signatários dos vários manifestos contra o professor Josué Medeiros como racista e a favor do professor Wallace Moraes como vítima de racismo pela UFRJ e pelo professor Josué Medeiros não conhecem o episódio, "foram na fé", aderiram a pedido de amigos e amigas de pronto, assim me relataram.

Decidi apoiar a defesa do professor Josué Medeiros como um antirracista e a defesa da UFRJ como instituição republicana.
Vejo, percebo, avalio ao explicitar a minha posição nesse furdunço, que seria mais cômodo, confortável, ficar em silêncio como muitos estão, mas este episódio do DCP-IFCS do dia 11 de agosto acabou por produzir três vítimas públicas. O professor Wallace Moraes, o professor Josué Medeiros e a UFRJ como universidade e instituição centenária.

Reconheço que Wallace Moraes foi vítima, ao ser tratado de maneira deselegante, inconveniente, agressiva mesmo, não ocorrendo a mediação, a contenção necessária de todas e todos os demais presentes na reunião, que ao invés de trabalharem para o equilíbrio da reunião, aproveitaram para acirrar os ânimos. Sendo pois todos os presentes na reunião responsáveis pelo clima e ambiência de agressividade, de intolerância interpessoal, individualismo fóbico e egocentrismo acadêmico; em que o outro, o indivíduo, os grupos diferentes, não são reconhecidos, não existe alteridade. É o Departamento de Ciência Política sendo o Departamento de Ciência Política.

A perspectiva de diferenças é fundamental para o pensamento contemporâneo, assim como para uma universidade como a UFRJ, no ano de 2021 do século XXI, nos seus cem anos de vida institucional no estado brasileiro.

Uma universidade estruturada no pensamento de ensino iluminista, advindo dos anos 1200, e que se reinventa a todo o tempo com sua performance inovadora, criativa, produção de conhecimento e intercâmbio mundial.

A Universidade deve ser um espaço de multiplicidades, onde haja permanente e continuada combinação e convívio dos diferentes, do particular, do peculiar, da especificidade, com o universal, com o global. E isso o Departamento de Ciência Política insiste em não fazer.

Ao escrever esse artigo quero refazer a minha afirmação inicial de que o Professor Wallace Morais não foi vítima na reunião do dia 11 de agosto.

Sim, ele foi vítima sim, de intolerância pessoal e acadêmica, por uma posição egocentrada, arrogante e particular, mesmo que sem dolo e premeditada.

Volto a insistir que defendo, com muita tranquilidade e convicção, que o professor Josué Medeiros não é racista, nem foi racista na reunião de 11 de agosto do DCP-IFCS e não agiu com dolo ou má fé.

Não vou me ater à história de vida pública e/ou particular do professor Josué Medeiros, vou para frases específicas que constam no abaixo-assinado de acusação.

Não endosso que dizer que uma pessoa está se vitimizando por ser negra é uma frase que possa ser classificada, entendida, tipificada como racismo ou intolerância racial. Não há materialidade para racismo ou injúria racial neste caso do uso da frase, sem dolo. Em nossa luta, como negros e negras, não podemos deixar que detalhes nos desmoralizem administrativamente ou judicialmente. Logo, se o professor Wallace Moraes denunciasse o professor Josué Medeiros à direção do Departamento de Ciência Política do IFCS por intolerância acadêmica, a denúncia teria, talvez, alguma concretude, algum significado, restando verificar se houve dolo ou não.

Pois quando se acusa de racismo, temos que ser precisos, cirúrgicos.

Cheguei como negro na UFRJ em 1972, como estudante, frequentava os bailes da pesada no Canecão, apenas com músicas negras americanas, com o Big Boy. Assim como era frequentador assíduo dos bailes da Black Rio, no MAM. Me autodefinia como preto, como negro, e usava cabelo black. Enfrentava a resistência das esquerdas e das direitas, que me chamavam de americanizado, me acusavam de ser contra o socialismo e de ser alienado. Por décadas me senti deslocado, no IFCS-UFRJ, por ser o único professor negro no antigo departamento de ciências sociais. Entrei através de um processo seletivo com uma vaga para professor de Metodologia das Ciências Sociais. Os sociólogos, antropólogos e cientistas políticos da época não sabiam matemática, muito menos estatística, o que ocupava uma grande parte do edital. Eu tinha cursado técnico em estatística e bacharelado em estatística na ENCE/IBGE e tinha trabalhado no IBGE.

Pense em um jovem negro que se apresenta como negro e contesta técnica e teoricamente as teses de democracia racial no Brasil, como professor efetivo da UFRJ.

Indicando como leituras Guerreiro Ramos, Clóvis Moura e Du Bois, leituras que fiz orientado pelo velho trabalhista, professor e pastor batista José de Souza Marques, que me ajudou muito nesse mundo dos brancos.

Montamos um "núcleo da cor", para acolhimento e convívio dos poucos estudantes e docentes que se autodefiniam como pretos e pretas nos anos 1970/80.

Tive a sorte e a oportunidade de ser subsecretário estadual de Direitos Humanos do notável e bravo coronel da PMERJ, antropólogo e professor da UERJ, Jorge da Silva.

A resistência, o repúdio, foi quase unânime ao implementarmos o primeiro sistema de cotas raciais na UERJ e na UENF contra a maioria absoluta dos docentes, funcionários técnico-administrativos e corpo discente, contra a reitora da época, professora Nilcéa Freire, que depois se tornou aliada do sistema de cotas raciais.

O modelo usado pelo governo federal, com Lula presidente, para as universidades federais, foi nossa lei carioca e fluminense, sobretudo uma lei dos favelados cariocas e da baixada fluminense, aprovada pela Alerj, considerada constitucional pelo STF.
As portas das faculdades de medicina, engenharias, química, arquitetura, comunicação social, economia, biologia, das universidades federais foram arrombadas pelas cotas raciais.

Fui criado ouvindo diariamente a frase do professor, pastor e parlamentar trabalhista José de Souza Marques, negro, do qual tive a felicidade de ser aluno no Colégio Souza Marques, em Cascadura. E que nos incentivava a sermos negros em tempo integral, em todos os locais, em 1966. Ele usava exatamente a expressão: "Não se vitimize por ser negro, por ser pobre. Não vamos nos vitimizar por sermos negros. Nós temos que nos orgulhar de sermos negros e temos que enfrentar todas as adversidades cotidianas, separando, com muita precisão, aquilo que é um ato de discriminação racial, de cor, étnica, daquilo que é crítica ou afronta pessoal não racista, ou indicação e críticas de erros nossos."

Outro dado é que a frase "não se vitimizar por ser negro" está presente em vários dos discursos do pastor Martin Luther King, aos quais tive acesso via professor José de Souza Marques: "Se você não pode correr, ande; se você não pode andar, sente, se não pode sentar, rasteje; se você não pode rastejar, resista. Mas, não se vitimize por ser negro. Se afirme por ser negro."
A frase também está presente no pensador, sociólogo, filósofo nascido no século XIX e que marca sua carreira acadêmica e seu ativismo por direitos civis nos EUA, o professor William Edward Burghardt Du Bois.

Eles insistiam que, nós negros, não devemos nos vitimizar, mas nos reafirmar e lutar para nos colocar dentro de contextos gerais.
Não só na universidade, mas nas sociedades das quais fazemos parte, buscando conquistar espaços, direitos e reconhecimento.
Por isso, faz tempo, muito tempo, acredito que a expressão "se vitimizando por ser negro" não pode ser caracterizada como racista ou injúria racial.

Temos que encarar a questão do egocentrismo acadêmico em todas as universidades, das vaidades do mundo intelectual fora da universidade e das vaidades no mundo acadêmico em especial.

Quero chamar atenção às intolerâncias pessoais por vaidades e vedetismo nos ambientes universitários, independentemente de distinções raciais, étnicas, por sexo e por gênero espalhadas por todos os cantos acadêmicos.

Desejo chamar a atenção para o papel da UFRJ, com cem anos de existência, na construção da cidadania republicana, na luta contra a desigualdade social e contra o racismo.

Os atos e mecanismos estão aí, na estrutura e prática da UFRJ. É evidente que têm que ser modificados a cada movimento de transformação da sociedade, mas eles aí estão como conquista de pretos e pretas, em uma longa trajetória de gerações e gerações de toda a comunidade acadêmica da UFRJ.

Temos hoje dois professores - Wallace Moraes e Josué Medeiros - que são dois lutadores contra as desigualdades sociais, o racismo estrutural, trazendo essa nova terminologia do professor Sílvio Almeida.

Os dois professores em questão são necessários nas lutas pela ampliação da democracia, na concepção de Claude Lefort, no Brasil do tempo presente. É uma tarefa geracional, para consolidar e ampliar direitos civis fundamentais.

Assim, quero crer que o Departamento de Ciência Política deve ser ajudado a pensar a sua existência, sua disfuncionalidade permanente. Proponho, como sugestão, uma transformação radical do DCP-IFCS, sua extinção.

Que no seu lugar sejam criados novos departamentos na área de ciência política.

E, mais uma vez, manifesto, pelo meu histórico de vida, por minhas convicções humanistas, o meu compromisso de apoio integral à luta antirracista, principalmente a luta por uma sociedade que enfrente as suas desigualdades históricas e estruturadas, herdeiras de uma máquina política excludente, perversa e escravista. Enfim, termino esse artigo afirmando que professores apaixonados pela docência como Wallace Moraes e Josué Medeiros não precisam fazer as pazes, serem amigos, mas conclamo que tentem um pacto de convivência pessoal, já que vão conviver na UFRJ pelos próximos 35 anos.

Também concluo dizendo que a carta pública que o professor Josué Medeiros faz pedindo desculpas ao professor Wallace de Moraes foi de bom tamanho, abrangente e sincera, e tem meu apoio, mas deve ter um desdobramento, um fato novo, como uma fala pessoal, direta ao professor Wallace Moraes.

Uma fala em que manifeste reconhecer que foi agressivo, impertinente e deselegante com o professor Wallace na reunião do dia onze de agosto de 2021.

*Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor da UFRJ em 2 de outubro de 2021.

Fonte: Perfil Quarentena News/Facebook
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Sobreviver, renovar, prosperar: um caminho para o transporte coletivo

Luis Antonio Lindau, Cristina Albuquerque e Fernando Corrêa / WRI Brasil

O transporte coletivo é a espinha dorsal das grandes cidades, garantidor do acesso de milhões de pessoas a oportunidades e vetor de vitalidade econômica. Mas está ameaçado. Em que pesem os papeis socialeconômico e ambiental que desempenham nos centros urbanos, sistemas de ônibus no Brasil atravessam crises financeiras que colocam em xeque a continuidade dos serviços. O futuro do transporte coletivo passa não só por sobreviver, mas por se renovar para então prosperar.

Para sobreviver, o setor – em especial o ônibus, responsável por quase 86% das viagens em transporte coletivo no país – precisa, urgentemente, de novas fontes de recursos. A pandemia levou a quedas na demanda de até 70% e tornou inadiável a busca de receita adicionais para o sistema, hoje sustentado apenas pela tarifa na maioria das cidades. O transporte coletivo sangra, e é preciso estancar o ferimento.

Renovar é tratar as causas da sangria: solucionar problemas estruturais e proporcionar as bases para uma transformação do que temos hoje para um transporte urbano sustentável, inclusivo e de qualidade para todos. A mobilidade deve ser concebida para não deixar ninguém para trás, aumentando a oportunidade de acesso a empregos, educação, saúde e lazer. Ao mesmo tempo, precisa adaptar-se às transformações urbanas, às mudanças de comportamento e à emergência climática. Cidades terão de reimaginar o transporte coletivo – dos modelos de contrato e financiamento à integração física, temporal e tarifária –, para viabilizar redes multimodais, implantação de infraestruturas, aquisição de frotas mais limpas e uma operação mais coordenada e eficiente.

Prosperar será consequência dessa transformação. Para as cidades vibrantes, resilientes e inclusivas que buscamos, o planejamento e as ações devem mirar, desde já, nos desafios de médio e longo prazo. Ordenar a ocupação do território, integrar as diversas opções de transporte na escala metropolitana, garantir estabilidade financeira e capacidade para investir em infraestrutura de baixo carbono.

É para esse futuro urgente que apontam as ações elencadas a seguir.

Webinar do WRI Brasil, ITDP Brasil e Idec: soluções para o transporte coletivo



Como garantir um direito refém da demanda?

O transporte coletivo é um direito constitucional. Sem ele, milhões de pessoas teriam comprometido o acesso a emprego, educação, saúde e lazer. Nas últimas duas décadas, o setor passa pelo agravamento progressivo de uma crise que decorre, sobretudo, de seu modelo de financiamento, quase sempre baseado na tarifa paga pelos passageiros.

À medida que a população ascendeu economicamente, migrou para alternativas menos sustentáveis, como carros e motos. Quando a única receita do sistema é a arrecadação tarifária, a alternativa imediata diante de uma queda na demanda é reduzir a oferta e os investimentos em qualidade. Cria-se uma espiral negativa, em que a queda na demanda gera queda na qualidade do serviço, e vice-versa.

Quem mais perde com esse modelo, seja pela menor frequência do serviço, seja pelos veículos lotados e cada vez mais precários, são as pessoas que dependem unicamente do transporte coletivo – 50% dos passageiros, segundo pesquisa QualiÔnibus em nove cidades brasileiras. Elas pagam a conta.

Há medidas relativamente baratas para se atenuar alguns problemas e garantir melhorias sensíveis na qualidade do serviço. Faixas dedicadas para ônibus propiciam maior eficiência, regularidade e ganhos de tempo. O escalonamento de horários foi implementado por Fortaleza para melhor atender à demanda durante a pandemia, sem comprometer a segurança sanitária dos passageiros.

Mas, embora valiosas, medidas como essas não resolvem o fato de que a conta do transporte coletivo não tem fechado, e os sintomas são cada vez mais graves. A pandemia de Covid-19 atingiu em cheio as cidades brasileiras. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mapeou 56 cidades brasileiras afetadas em 2021 por greves, rompimentos contratuais ou intervenções. Garantir a continuidade do serviço passa por buscar, urgentemente, novas fontes de recursos.

Corredores e faixas dedicadas para ônibus promovem eficiência e regularidade. Foto: Felipe Paiva/WRI Brasil

Precisamos falar sobre subsídios

Os melhores sistemas de transporte coletivo do mundo são altamente subsidiados. Um levantamento com 22 cidades europeias revela que o subsídio público médio por lá é de 46,8% dos custos. No Brasil, o tema é tabu. Um estudo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) identificou, entre 35 sistemas de ônibus urbanos que operam 59,1% da frota nacional, apenas 12 cidades com algum tipo de subsídio. A média desses subsídios é baixa: corresponde a cerca de 14,9% do custo nos seis sistemas que disponibilizam informações. Nos sistemas metroferroviários, a realidade é outra: a média de subsídio é de 35% dos custos, e ultrapassa 80% em sistemas da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

A discussão sobre o transporte coletivo por ônibus no Brasil precisa avançar para “quanto” e “como”: quanto custa um serviço de qualidade e, diante da precariedade fiscal que afeta governos em todos os níveis, que medidas podem gerar os recursos adicionais necessários para oferecer esse serviço com equidade?

Há um vasto cardápio de fontes adicionais de receitas disponíveis. Um caminho é aprimorar impostos e taxas territoriais. Na medida em que um transporte coletivo estruturante e com qualidade gera valorização imobiliária, é justo que o IPTU seja mais alto em regiões beneficiadas. O Estatuto da Cidade instituiu a Outorga Onerosa do Direito de Construir e os Certificados de Potencial Adicional de Construção, instrumentos específicos para a recuperação da valorização imobiliária. Cidades podem direcionar parte desses recursos para fundos de mobilidade que viabilizem a manutenção de serviços de qualidade.

<p>gráfico mostrando que subsídio na europa é muito superior a subsídio no brasil/p>

Precisamos falar sobre a cobrança pelo uso do carro

Um fundo de mobilidade municipal pode ajudar a corrigir uma distorção que tem condenado os centros urbanos à paralisação. Enquanto o subsídio ao transporte coletivo enfrenta resistência, o uso do carro é estimulado há décadas. Reduziram-se impostos para a compra, alargaram-se avenidas, ergueram-se viadutos enquanto o transporte coletivo ganhou pouco espaço para circular livre dos engarrafamentos. A frota de automóveis e motocicletas aumentou em 331% de 2001 a 2020 no país, e uma pesquisa de 2020 do Instituto Clima e Sociedade (iCS) mostrou que 45% dos brasileiros pretendem comprar um carro.

O prognóstico que se desenha é desanimador. Porque, junto com o crescimento do uso de carros e motos, aumentam os congestionamentos, a poluição atmosférica e mortes em sinistros de trânsito. Um estudo anterior à pandemia em regiões metropolitanas que concentram 23% da população brasileira estimou em cerca de 128 mil as mortes precoces ligadas à poluição do ar entre 2018 e 2025, a um custo de R$ 51,5 bilhões em perda de produtividade.

O que cidades brasileiras podem fazer – e várias cidades latino-americanas, europeias e asiáticas têm feito – é cobrar pelo uso do carro e direcionar as receitas para investimentos em transporte coletivo e ativo. A justificativa principal são as externalidades negativas: quem opta por usar o carro partilha com toda a sociedade os impactos sociais, ambientais e econômicos de sua escolha.

Segundo a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), carros e motos respondem por 85% dos investimentos em infraestrutura viária e dos custos ambientais e de saúde do transporte urbano, em comparação a 15% do transporte coletivo. É justo cobrar por esses impactos para subsidiar o transporte coletivo, que beneficia toda a coletividade e hoje é bancado apenas pelas pessoas que o utilizam.

No Brasil, uma das poucas medidas consolidadas para corrigir essas distorções é a cobrança pelo estacionamento rotativo em via pública. Mas, geralmente, cobra-se pouco. Estacionar um carro particular em uma região comercial da cidade deveria ser significativamente mais caro do que acessá-la com transporte coletivo. Há vários caminhos para aprimorar a cobrança do uso do meio-fio e do espaço público destinado a estacionamentos, e exemplos de como direcionar as receitas para o transporte sustentável.

Impostos sobre combustíveis, taxas de licenciamento de veículos e taxação do congestionamento – também comumente chamada de “pedágio urbano” – são outras fontes em potencial. A experiência de Londres é exemplar: a cidade cobra de veículos para acessar a região central. A prática rende à cidade mais de R$ 1 bilhão ao ano, e permite conciliar uma política de “tarifa acessível” para o transporte coletivo à oferta de um bom serviço e à redução substancial de emissões, poluentes, congestionamentos e sinistros de trânsito na região de abrangência.

Esses recursos – como outras receitas adicionais de que já tratamos – podem alimentar fundos municipais de transportes, como o implementado por São José dos Campos, que recebe 38,5% das receitas do estacionamento rotativo. A médio e longo prazo, esses fundos podem garantir lastro financeiro para a operação e os investimentos na qualificação do sistema, além de possibilitar estabilidade tarifária e até mesmo cobrir gratuidades.

Renovar para não salvar a ineficiência e a iniquidade

Salvar o transporte coletivo como ele é hoje seria perpetuar a ineficiência, a baixa qualidade e, em última instância, a perda de clientes. Toda ação para captar recursos adicionais deve ser voltada à melhoria da qualidade do serviço e à promoção de maior acesso das pessoas a oportunidades. Renovar passa por resolver problemas estruturais dos sistemas de ônibus nas cidades.

Novo modelo de negócios permitiu a Santiago liderar a transição para ônibus elétricos da América Latina. Foto: Cristina Albuquerque/WRI Brasil

Os modelos de contratos usuais no Brasil carecem, por exemplo, de mecanismos que garantam a qualidade, um padrão adequado de oferta e a resiliência do serviço. Separar as concessões de provisão dos veículos e de operação das linhas é uma alternativa. Assim, Santiago e Bogotá têm conseguido dividir riscos entre diferentes empresas, remunerar as partes segundo indicadores de qualidade e eficiência e viabilizar a eletrificação da frota.

Adequar a oferta de mobilidade à demanda de viagens

Renovar passa pela coleta e abertura de dados para entender as mudanças nos padrões de deslocamento das pessoas e pelo aperfeiçoamento de instrumentos como as Pesquisas Origem e Destino (OD). Os dados permitem às cidades planejar tanto a oferta de linhas de ônibus quanto a implantação de infraestrutura para os transportes coletivo e ativo. Poucas são as cidades brasileiras que vêm realizando periodicamente esses levantamentos, em geral através de longos questionários. Joinville inovou. O método utilizado na última Pesquisa OD da cidade catarinense cruza dados de telefonia móvel com outras fontes, como os dados GTFS das empresas operadoras. Além de facilitar a coleta de dados, o método permite identificar com mais precisão os trajetos percorridos pela população.

Qualificar e ampliar calçadas e ciclovias – e conectá-las ao transporte coletivo – também é parte importante da renovação. Em levantamento do Instituto Clima e Sociedade (iCS), 67% das pessoas responderam que trocariam o transporte individual por uma alternativa sustentável. As que não trocariam deram dois motivos principais: conforto (26%) e praticidade (20%). (Re)conquistar essas pessoas passa por oferecer a elas a possibilidade de realizar os deslocamentos do dia a dia de forma cômoda – mesmo que envolvam, por exemplo, caminhar até um terminal de ônibus e usar uma bicicleta compartilhada no último quilômetro.

Ao oferecer às pessoas uma rede de transportes confortável, com informação em tempo real e pagamento facilitado, o sistema de transportes começa a se aproximar da chamada mobilidade como um serviço (MaaS, na sigla em inglês): um sistema totalmente integrado, que conecta os usuários de um ponto a outro da cidade “sem costuras” (do inglês, seamless) e com o bastante eficiência.

Renovação passa por promover a integração de infraestrutura segura para transporte coletivo e mobilidade ativa. Foto: Alf Ribeiro/Shutterstock

Planejamento e integração para prosperar

Na cidade próspera que queremos, o transporte sustentável é acessível, confortável, seguro e conveniente – por isso, é a escolha preferida da maioria da população, independentemente da faixa de renda. Para chegar lá, é preciso perseguir uma visão contemporânea de futuro, desdobrada em um planejamento integrado de transportes e desenvolvimento urbano, contemplando um conjunto de ações concatenadas.

As cidades que conceberem de forma coordenada a mobilidade e o uso do solo poderão fomentar a consolidação de centralidades, contrapondo o espraiamento decorrente do crescimento urbano desordenado que predominou nas cidades brasileiras, e que vem gerando emissões, sinistros viários, congestionamento e acesso desigual a oportunidades.

Uma retomada verde da economia, que encaminhe nossas cidades para um desenvolvimento de baixo carbono, não pode prescindir de um transporte coletivo mais sustentável e equânime, que proporcione benefícios substanciais para o ambiente e as pessoas. Priorizar ações e investimentos no transporte sustentável e na mobilidade de baixo carbono abre portas para que cidades acessem financiamento verde e climático.

Cidades podem liderar a transformação

Sobreviver, renovar e prosperar: essas três palavras descrevem a construção de um novo círculo virtuoso para o transporte coletivo. E o que é bom para o transporte coletivo, é bom para as pessoas, para o clima e para a economia. Cidades e líderes que perceberem e abraçarem essa perspectiva estarão mais perto de oferecer um transporte coletivo de qualidade para a população e de se tornarem exemplo para cidades no Brasil e no resto do mundo.

Fonte: WRI Brasil
https://wribrasil.org.br/pt/blog/cidades/sobreviver-renovar-prosperar-caminho-para-transporte-coletivo-de-qualidade-no-brasil