crimes ambientais
Míriam Leitão: Do chão da floresta à cúpula do clima
Um avião do Comando de Aviação Operacional da Polícia Federal foi a Manaus em novembro buscar policiais para ajudar nas eleições no sul do Estado. O superintendente da PF, Alexandre Saraiva, perguntou ao piloto: “Na volta, tem como sobrevoar os rios Madeira e Mamuru para ver se tem balsa da madeira?” Um agente foi junto para fotografar e trouxe farto material. Assim começou a maior apreensão de madeira feita pela Polícia Federal. A ação foi comemorada em nota pela Secom do Planalto. Saraiva esteve no Conselho da Amazônia para explicar a operação e discutir o destino da madeira. A reviravolta ocorreu quando o ministro Ricardo Salles foi ao Amazonas e passou a defender os madeireiros.
Na reunião de cúpula esta semana sobre clima, convocada pelo presidente Joe Biden, o presidente do Brasil vai mentir. Já há muita falsidade na carta enviada por Bolsonaro a Biden. A meta de zerar o desmatamento ilegal em 2030 é antiga, foi apresentada pelo Brasil em 2009, em Copenhague, e confirmada em Paris. No mesmo dia em que prometeu reduzir o desmatamento, o governo fez o oposto. A boiada de Salles é coisa que passa todo dia. Ele baixou, na quinta-feira, uma instrução normativa que constrange mais ainda a fiscalização ambiental.
— A instrução normativa condiciona a validação das multas ambientais à concordância de uma autoridade ‘hierarquicamente superior’. Já havia antes criado um conselho de conciliação para validar as multas — explica André Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade.
Tudo é complexo quando o assunto é Amazônia. Mas os fatos se juntam. Tanto a exoneração do superintendente Saraiva, quanto as recorrentes normas com as quais o governo Bolsonaro mina o edifício legal construído em governos anteriores, que havia feito do Brasil um exemplo de combate ao desmatamento.
O delegado Saraiva, na sexta-feira, reapresentou a notícia-crime contra o ministro Ricardo Salles no STF por “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato das questões ambientais”. A relatora será a ministra Cármen Lúcia. Ele havia tido dificuldade de incluir no sistema eletrônico, mas, mesmo após o anúncio de que seria exonerado, insistiu. Está convencido de que o que ele viu é crime. E dos grandes. O governo achava o mesmo. A nota da Secom, no dia 24 de dezembro, trazia a bandeira do Brasil ao lado da inscrição “O gigante verde” ilustrando a foto dos caminhões enfileirados da “Operação Handroanthus GLO”. A carga, dizia a Secom, “representa mais de 6,2 mil caminhões lotados”. E isso quando se achava que eram 131 mil m3 de madeira. Na verdade, foram mais de 200 mil m3. Salles diz agora que era tudo legal.
— A madeira que estava nas balsas não correspondia à madeira descrita no Guia Florestal. Nem nos caminhões. Os documentos que os empresários apresentaram têm fortes indícios de fraude, apesar disso o ministro os defendeu — disse Saraiva.
Esse é um fato. Há milhares de fatos estranhos na rede que sustenta o abate da floresta. Contra isso o Brasil aprovou leis e assumiu compromissos internacionais. Na gestão Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente foi feito o PPCDAm, o mais bem estruturado plano de combate ao desmatamento. Era maio de 2005. Por causa dele o Brasil derrubou em 80% o desmatamento nos anos seguintes. Em 2009, para a COP-15, quando o ministro era Carlos Minc, foi anunciada a Lei Nacional de Mudanças do Clima. Assim nasceram as metas do Brasil. Elas não foram inventadas agora pela dupla queima-floresta Bolsonaro&Salles.
— A carta de Bolsonaro a Biden é mais que triste, é dramática. Ele fala em proteger indígenas, e o governo é autor do projeto que legaliza mineração, exploração de madeira, agropecuária, gás, petróleo e usina elétrica em terra indígena. Ele enterrou o PPCDAm mas pede dinheiro alegando que o Brasil reduziu o desmatamento. Caiu por causa do plano que ele desmontou — diz André Lima.
O MapBiomas tem feito perguntas pela Lei de Acesso à Informação ao vice-presidente, general Hamilton Mourão, sobre os crimes ambientais. Fez 66. A resposta é sempre a mesma. A de que o Conselho da Amazônia é só o coordenador. “Sugere-se que seja realizado o pedido ao órgão competente”. Mas o Ibama nem faz parte do Conselho.
Esse ataque múltiplo contra a floresta é a verdade do Brasil. Verdade que não estará na fala de Bolsonaro aos líderes mundiais.
Bruno Boghossian: Em crises ambientais, governo usa estratégia da culpa para confundir
Bolsonaro dá sinais contra punição a responsáveis por crimes ao meio ambiente
Quando a barragem da Vale em Brumadinho (MG) se rompeu, em janeiro, o vice Hamilton Mourão afirmou que a conta do desastre não era do governo. "Nós assumimos faz 30 dias", argumentou. Era verdade. Depois, Jair Bolsonaro sobrevoou a região de helicóptero e declarou que trabalharia para "cobrar justiça".
O novo governo não teve lá muito incômodo naquele primeiro megadesastre ambiental, principalmente porque havia um responsável óbvio, a mineradora. Numa entrevista de rádio, o presidente destacou que "a questão da Vale do Rio Doce não tem nada a ver" com sua gestão.
A busca por culpados funciona como válvula de escape para Bolsonaro nessa área. Um desavisado poderia se impressionar com um aparente esforço para aplicar punições em crimes do tipo, mas o festival de invencionices do governo mostra que o interesse é só confundir.
Nos quase dois meses desde o derramamento de toneladas de petróleo no litoral do Nordeste, o presidente e o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) se mostraram mais preocupados em buscar vilões do que em controlar a extensão da tragédia.
O governo só bateu bumbo para dizer que o óleo era venezuelano e fantasiar sobre o envolvimento do Greenpeace. "Tem umas coincidências na vida, né...", escreveu Salles, apontando que um navio da ONG estaria na região na época do derramamento --o que não foi provado.
Faltou explicar por que a dupla se esmerou em desmontar órgãos ambientais e demorou 41 dias para acionar o plano de contingência.
O interesse público fica atrás do jogo político. Nas queimadas da Amazônia, Bolsonaro disse que ONGs teriam causado a destruição para desgastá-lo. Até agora, as investigações mostraram que o tal "dia do fogo" foi organizado por empresários.
O governo só faz o contrário: dá sinais de que não tem disposição para punir crimes ambientais. Em abril, Bolsonaro chegou a gravar um vídeo para anunciar que fiscais estavam proibidos de destruir equipamentos usados no desmatamento ilegal.