crescimento econômico
Revista online | Voltaremos a Crescer?
Benito Salomão* , especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
No dia 2 deste mês, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o resultado do PIB referente ao primeiro trimestre de 2022. O resultado foi considerado melhor do que o esperado pelos agentes de mercado, porém, há pouco a comemorar. Existem inúmeras formas de apurar o dado do PIB. Na variação trimestral, houve crescimento de 1% no quarto trimestre de 2021. Já quando se observa o resultado acumulado no ano, o crescimento verificado foi de 1,7%. O dado do PIB acumulado é melhor para uma análise mais de longo prazo, pois são filtrados choques de oferta e demanda que tenham perturbado o comportamento do PIB na passagem de um trimestre para outro.
O risco de uma recessão para o ano de 2022, que constava das previsões ao final de 2021, foi afastado. Porém, a economia brasileira retornou à sua trajetória de baixo crescimento verificado ao longo da última década. Os dados trimestrais do PIB estão disponibilizados para um período que tem início em 1996 até o presente trimestre. Ao longo de todo o período, o crescimento médio trimestral foi de 2,2%.
Uma análise mais cuidadosa dos dados, no entanto, indica que os trimestres que pressionam a média para baixo estão concentrados a partir de 2011. Entre 2001 e 2010, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro foi de 3,7%. Já entre o primeiro trimestre de 2011 e o primeiro trimestre de 2022, essa mesma média foi de 0,8%. Estes dados são inequívocos. O Brasil cresceu pouco ao longo dos últimos 25 anos e, para além disso, houve aguda desaceleração da atividade nos últimos 12 anos.
A análise do crescimento econômico pode ser observada sobre duas perspectivas: (1) ciclo que se refere aos movimentos de curto prazo da atividade e (2) tendência que aponta um comportamento de longo prazo que indica uma trajetória. A supracitada média de crescimento se refere à abordagem de longo prazo, o que já seria grave por si só. Há, no entanto, um ingrediente a mais, três ciclos recessivos ocorreram nos últimos 15 anos: a crise do subprime em 2009, a crise da Nova Matriz Macroeconômica de 2014 a 2016 e a crise do covid-19 de 2020. É possível que a ocorrência consecutiva de tantos choques recessivos de curto prazo tenha deslocado a tendência de longo prazo da economia brasileira que não foi capaz de retornar, até o presente momento, para uma média de crescimento razoável na casa dos 2% ao trimestre.
O problema do baixo crescimento da economia brasileira escancarado pelo IBGE, no dado do PIB do dia 2 de junho, deveria estar neste ano no bojo das principais preocupações do debate eleitoral, no qual novos governantes serão escolhidos para o país e para 27 unidades federativas. A qualidade do debate quanto aos problemas reais do país tem sido frustrante. Esperava-se que intelectuais, economistas, acadêmicos e empresários pudessem conduzir essa discussão via debate público, pressionando e constrangendo os políticos para que encarem esta realidade. Mas isso não tem ocorrido no debate público brasileiro, que tem se concentrado em torno de pesquisas eleitorais.
Na literatura, há um extenso arcabouço teórico voltado a explicar o sucesso (ou não) dos países na busca por um nível elevado de renda per capita. Um dos pioneiros nesta literatura foi o Nobel de economia Robert Solow, que, em seu artigo de 1956, tratou o crescimento de longo prazo dos países como uma função do crescimento dos seus fatores de produção: trabalho, capital e desenvolvimento tecnológico. Em 1990, o também Nobel de economia Paul Romer avançou sobre esta literatura endogenizando, nos seus modelos de crescimento de longo prazo, o processo de desenvolvimento tecnológico. Surge a família de modelos de crescimento endógeno, cuja política pública de desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovações tem papel central na elevação do PIB per capita dos países.
Mais recentemente, tem ganhado espaço no debate acadêmico a noção de que a qualidade institucional dos países influencia nas suas trajetórias de crescimento. Essa tese, que pode ser resumida no livro Por que as nações fracassam?, de Daron Acemoglu, de Harvard, e James Robinson, do MIT, se sustenta no argumento de que há países que criam instituições inclusivas (que estimulam a concorrência via inovação e o crescimento) vis à vis instituições extrativistas. Neste segundo caso, o processo de busca pela inovação e pelo lucro é desestimulado por elites políticas, que capturam os bônus deste processo.
O Brasil precisará enfrentar esta discussão sobre políticas públicas de ciência e tecnologia e sobre modelos institucionais que levem este conhecimento para a competição entre as empresas. Se continuarmos postergando este debate, seremos penalizados como país ao colecionarmos décadas perdidas e vermos nosso PIB per capita se distanciando dos países de renda alta.
Sobre o autor
*Benito Salomão é economista chefe da Gladius Research e doutor em Economia pelo Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Marco Antonio Villa: "Desafio do Brasil é crescimento econômico com democracia"
João Rodrigues, da equipe da FAP
Eleições 2022, guerra na Ucrânia e os desafios para a democracia brasileira. Esses são alguns dos temas da edição 42 da revista Política Democrática online, lançada nesta semana pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). Conduzida pelo diretor-geral da FAP, Caetano Araújo, e pelo embaixador André Amado, com a participação do diplomata Paulo Roberto de Almeida, a entrevista especial foi realizada com o historiador Marco Antonio Villa.
Nesta edição especial, o podcast Rádio FAP analisa diversos pontos da conjuntura política a partir de bate-papo realizado com o professor Villa. Docente aposentado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ele é youtuber, colunista da Istoé, comentarista Jornal da Cultura e do portal UOL. No fim de 2021, lançou o livro Um País Chamado Brasil – que apresenta panorama sobre a formação econômica, política e cultural nacional.
O avanço da extrema direita no mundo, os desafios para crescimento econômico com democracia e a polarização política entre o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro estão entre os principais temas do programa. O episódio conta com áudios da BBC News e do Roda Viva.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Anchor, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
RÁDIOFAP
É HOJE: Crise fiscal, crescimento econômico e democracia
Como crescer e gerar empregos em meio à pressão fiscal e à crise institucional que assola o país? Hoje vamos falar sobre economia.
João Rodrigues, da equipe da FAP
A pressão fiscal que assola o crescimento do país e por consequência a geração de empregos, impede uma possível melhora nas condições de vida da sociedade, sobretudo nos mais vulneráveis e piora as projeções de recuperação econômica nacional.
Não perca esse debate!
🗓️ Hoje (16/9)
🕞 18h30
Expositor
Roberto Brant
Coordenador
Marcus Pestana - ITV - PSDB
Debatedores
Zeina Latif
José Roberto Afonso
Bernard Appy
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Revista Política Democrática || José Luis Oreiro: Por que o crescimento da economia brasileira não decola?
Produção da indústria brasileira recuou 1,1% em 2019 na comparação com 2018, segundo informações divulgadas na primeira semana de fevereiro deste ano pelo IBGE. Os dados jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020
Entre 1980 e 2014, a economia brasileira cresceu a um ritmo médio de 2,81% a.a, segundo dados do IPEADATA. A grande recessão, iniciada no segundo semestre de 2014, produziu queda acumulada de 8,3% do PIB até o último trimestre de 2016. Formalmente a economia brasileira saiu da recessão no início de 2017, ano que apresentou crescimento do PIB de 1,32%, valor 53% inferior à tendência de longo-prazo para o período 1980-2014. Em 2018, o crescimento foi de 1,31%, repetindo assim o desempenho de 2017 e ficando novamente abaixo da tendência de longo-prazo.
Os dados divulgados pelo IBGE em dezembro sobre o comportamento do PIB no terceiro trimestre do ano passado deram ensejo a um aumento (temporário) do otimismo entre os analistas econômicos, não só sobre a performance da economia em 2019. Eles também alimentaram uma narrativa de que, em 2020, o crescimento da economia brasileira iria finalmente decolar, podendo situar-se acima de 2,5%. Em artigo que publiquei no jornal O Estado de São Paulo (3/12/2019), chamei atenção para o fato de que o crescimento observado no terceiro trimestre do ano – de 0,6% na comparação com o período imediatamente anterior – havia sido puxado, pelo lado da oferta, pela agropecuária e pela indústria extrativa. Pelo lado da demanda, as exportações haviam apresentado queda expressiva de 2,8%, ao passo que as importações apresentaram crescimento de 2,9%, sinalizando clara tendência de piora das contas externas brasileiras no médio prazo. Argumentei que a estagnação da produção da indústria de transformação, fonte dos retornos crescentes de escala, absolutamente indispensáveis para a sustentabilidade do crescimento econômico no longo prazo, combinada com a deterioração do saldo comercial e, consequentemente, com o aumento do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, atualmente em torno de 3% do PIB, sinaliza um retorno da general restrição externa[1], tornando insustentável qualquer aceleração mais forte do crescimento da economia brasileira no médio prazo.
Os dados divulgados na primeira semana de fevereiro deste ano jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020. Com efeito, o IBGE divulgou que a produção da indústria brasileira recuou 1,1% em 2019 na comparação com 2018, interrompendo assim o movimento de tímida recuperação da produção industrial ocorrido em 2017 e 2018. Dados divulgados pelo IPEA mostram que a formação bruta de capital fixo recuou 2,7% no quarto trimestre, na comparação com o período imediatamente anterior. Diante dos dados recentemente divulgados, os analistas do mercado financeiro já começaram a reduzir suas previsões de crescimento para 2020, as quais já se encontram bem abaixo de 2,5%, com algumas até mesmo abaixo de 2%. A esse quadro nada animador deve-se somar a incerteza quanto aos efeitos da epidemia de coronavírus sobre o crescimento da China (algumas análises projetam redução do crescimento da China para 4% em 2020 e redução de 33% no ritmo de crescimento na comparação com 2019).
Nesse contexto, é possível que a economia brasileira apresente crescimento inferior a 1,5% em 2020, completando assim quatro anos de crescimento medíocre após o fim da grande recessão. Dessa forma, não há como escapar da conclusão de que a grande recessão de 2014 a 2016 produziu redução da tendência de crescimento da economia brasileira. A questão relevante é saber qual o motivo.
Na minha visão, a redução do potencial de crescimento de longo prazo é um fenômeno que vem ocorrendo desde meados da década passada, em função da desindustrialização crescente da economia brasileira; fenômeno esse que foi tardiamente percebido pelas administrações petistas e enfrentado de forma tíbia e inconsistente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A crise de 2014-2016 piorou esse quadro, pois (i) fez com que as empresas brasileiras suspendessem seus planos de ampliação e modernização da capacidade produtiva, o que aumentou a defasagem tecnológica da indústria brasileira; e (ii) propiciou a adoção de uma agenda de consolidação fiscal baseada na contração do investimento público e das operações de crédito do BNDES, amplificando assim os efeitos da queda do investimento privado em 2014 sobre a demanda agregada, com efeitos negativos também no lado da oferta da economia. Isso em função dos efeitos de transbordamento positivos do investimento público sobre a rentabilidade das empresas do setor privado.
* Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IB do CNPq e Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo da FGV-SP. E-mail: joreiro@unb.br.
[1] Analogia ao General inverno. Trata-se do papel que a restrição externa tem historicamente no Brasil de estrangular o crescimento econômico e desestabilizar o governo (Nota do autor).
FMI reduz a previsão de crescimento para o Brasil e a América Latina
Fundo confirma que a América Latina deve superar a recessão, mas diminui previsão de crescimento
O Fundo Monetário Internacional tenta ser mais otimista ao afirmar que o crescimento ganha mais vigor neste ano após um 2016 decepcionante. Segundo a última revisão dos números da economia global, a América Latina superará dessa forma a recessão, ao se expandir 1,2% nesse ano. Mas também será menor do que o esperado. São quatro décimos a menos em relação ao projetado há três meses e o órgão alerta sobre o impacto negativo da incerteza política em um cenário de baixa produtividade, investimentos frágeis e comércio internacional sem incentivo.
A saída da recessão na região é atribuída ao salto dado pela economia brasileira, a maior do subcontinente. A diminuição das tensões políticas internas e a recuperação do mercado das matérias-primas ajuda. Isso permitirá que ao invés de se contrair 3,5%, cresça um tímido 0,2% nesse ano e acelere a 1,5% no próximo. Mas a expansão é três décimos menor do que o esperado — em outubro a previsão do Fundo para o Brasil era de um crescimento de 0,5%.
As economias latino-americanas terminaram o ano com uma contração de 0,7%, um décimo pior do que o previsto no final do ano. Dessa forma, já se adiantou o pior cenário e que o índice cairia dois pontos percentuais ao longo de 2017. O de 2018 se mantém em 2,1%. O crescimento para a região nesse ano fica assim a menos da metade do caminho do 3,4% esperado para a economia global. As economias emergentes e em desenvolvimento crescerão 4,5%.
O Banco Mundial publicou a atualização de suas projeções há uma semana. O órgão calcula que a expansão da economia global irá acelerar 2,7% nesse ano. O crescimento no grupo dos países emergentes e em desenvolvimento subirá de 3,4% em 2016 a 4,2% em 2017. A América Latina crescerá 1,2%. Mas o Banco Mundial alerta que, apesar a da melhoria, a incerteza domina.
A equipe liderada por Maurice Obstfeld, o economista chefe do FMI, faz uma análise semelhante. A conjuntura global enfrenta um panorama mutável. “Os riscos são significativos e de difícil previsão”, indicam. Citam expressamente o impacto das políticas isolacionistas e protecionistas. Na América Latina, dizem, a revisão para a queda reflete uma menor expectativa de recuperação a curto prazo na Argentina e no Brasil e os problemas que o México enfrentará em relação aos EUA.
Represálias comerciais
O México, pelo contrário, estancou. A expansão passará de 2,2% em 2016 a 1,7% nesse ano. É uma diminuição de seis décimos na previsão, a segunda maior depois da Arábia Saudita. O pessimismo é atribuído à vitória de Donald Trump e ao fato das condições financeiras serem mais restritivas pelo enfraquecimento da taxa de câmbio. A previsão para 2018 também é de queda, 2%. Na espera de que as reformas estruturais comecem a dar frutos, o temor é o impacto da nova direção da política comercial nos EUA.
Os efeitos da mudança de governo em Washington vão em duas direções. Por um lado, o incremento dos investimentos em infraestrutura e o corte de impostos podem acelerar o crescimento dos EUA. Isso, a princípio, é bom para os países que fazem negócios com a maior economia do mundo. Mas o protecionismo de Donald Trump pode acabar com esse impulso e criar tensões, o que se soma a uma aceleração do aumento da taxa de juros.
O impulso do plano econômico do presidente eleito ainda demorará dois anos para ser sentido e dependerá, de qualquer forma, do que for adotado no Congresso. A maior potência do planeta crescerá 2,3% nesse ano, saindo de um anêmico 1,6% em 2016. É uma revisão com aumento de um décimo em relação ao previsto há três meses. E crescerá dois décimos em 2018, até 2,5%, quase meio ponto percentual a mais.
O FMI volta a afirmar que as reformas estruturais são a prioridade por conta do fraco ritmo de crescimento da produtividade. Na maior parte dos casos vê a possibilidade de apoiá-las com incentivos fiscais. Ao mesmo tempo, defende uma maior integração econômica pela via da formação dos empregados para assim conseguir enfrentar o desafio da globalização e da mudança tecnológica, que se intensificará no futuro.
Fonte: brasil.elpais.com
Benefício social influencia a decisão de trabalhar?
Em artigo publicado na imprensa brasileira, o pesquisador do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG), Luis Henrique Paiva, afirma que não existe constatação empírica que sustente a hipótese de que beneficiários de programas sociais deixem de trabalhar por receberem tais benefícios.
A suspeita de que pessoas que recebem benefícios sociais trabalhem menos ou deixem de trabalhar é uma questão internacionalmente debatida. Curiosamente, essa suspeita recai sobretudo nos benefícios contra a pobreza. No Brasil, é o caso do Bolsa Família. A hipótese de que esse programa faria as pessoas trabalharem menos (ou pararem de trabalhar) foi extensamente investigada.
O leitor vai encontrar um “survey” dessa discussão no artigo de Luis Batista de Oliveira e Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, “O que se sabe sobre os efeitos das transferências de renda sobre a oferta de trabalho”). O Bolsa Família só reduziu a oferta de trabalho de crianças, mas esse era um dos seus objetivos.
No que diz respeito ao trabalho dos adultos, as pesquisas chegam a conclusões parecidas: não existe constatação empírica que sustente a hipótese de que haveria efeito preguiça causado pelo programa. Mulheres tendem a reduzir marginalmente o número de horas trabalhadas, aumentando o tempo com os filhos. Homens chegam a aumentar (também marginalmente) sua produção. Na prática, efeito nulo.
Os resultados encontrados no restante do mundo para programas do mesmo tipo são idênticos. O Professor Abhijit Banerjee (do Massachusetts Institute of Technology, MIT) e colegas analisaram dados de sete avaliações aleatorizadas de programas de transferência de renda adotados ao redor do mundo (no artigo “Debunking the Stereotype of the Lazy Welfare Recipient”). Conclusão? “Não encontramos nenhum efeito das transferências sobre a oferta de trabalho, para homens ou mulheres”.
É surpreendente que o número de estudos que procuram efeitos negativos do Bolsa Família no mercado de trabalho seja tão grande e que praticamente não tenhamos estudos voltados a investigar outros benefícios. Gastamos 12% do PIB com benefícios previdenciários (quase 25 vezes mais do que com o Bolsa Família, que custa só 0,5% do PIB) e o número de estudos sobre o impacto dessas transferências na decisão de trabalhar continua sendo ínfimo.
Buscamos preencher esse vazio ao avaliar como o acesso precoce às aposentadorias — traço marcante do sistema previdenciário brasileiro — afeta a decisão de trabalhar. Os resultados estão no artigo “O Impacto das Aposentadorias Precoces na Produção e na Produtividade dos Trabalhadores Brasileiros” (com os colegas Leonardo Rangel e Marcelo Caetano), recentemente publicado pelo Ipea.
Já sabemos que as aposentadorias precoces contribuem para gastos desproporcionalmente altos com benefícios previdenciários no Brasil; que não reduzem as desigualdades de renda ou regionais; que são concedidos em idades muito baixas (em média, aos 55 anos para homens e aos 52 para mulheres), nas quais parte significativa dos seus beneficiários ainda tem plena capacidade produtiva. Agora, temos evidências de que as aposentadorias precoces estão associadas a uma forte redução da oferta de trabalho e a uma queda na produtividade, entre os que continuam trabalhando.
Antes de apresentar os resultados em maior detalhe, cabe notar que não estamos tratando de pessoas idosas. Cerca de 30% dos brasileiros com 59 anos recebem aposentadoria, portanto, abaixo da idade de serem considerados idosos. Além disso, em nosso estudo definimos como “aposentados precoces” beneficiários com idade entre 53 e 59 anos (se homem) e 50 e 54 anos (se mulher). Idades produtivas, portanto. Caberia também lembrar que esses beneficiários poderiam continuar trabalhando normalmente, já que a aposentadoria, no Brasil, é compatível com renda do trabalho. Se na iniciativa privada, poderiam inclusive permanecer no mesmo emprego.
Quais as conclusões? Primeiramente, que o perfil dos aposentados precoces é menos vulnerável do que o dos que não conseguiram se aposentar precocemente, nas mesmas faixas etárias. Os aposentados precoces têm maior percentual de homens, brancos, chefes de família, pessoas com maior acesso a serviços públicos e moradores do Sul e Sudeste em relação aos não-aposentados precoces.
Portanto, é falsa a afirmação de que a aposentadoria por tempo de contribuição protege os mais pobres, que começaram a trabalhar cedo. Os mais pobres, por passar longos períodos na informalidade, aposentam-se por idade ou requerem um benefício assistencial aos 65 anos. A aposentadoria precoce alcança um grupo com trajetória contributiva consistente, que teve (se muito) curtos períodos no desemprego ou na informalidade. Um grupo relativamente mais produtivo da nossa força de trabalho.
Até por isso, a segunda conclusão é preocupante. A taxa de ocupação (como percentual da população do grupo) entre os aposentados precoces é inferior a 40%. Nossas estimativas sugerem que, sem as aposentadorias precoces, a taxa de ocupação nesse grupo seria superior a 80%.
A terceira conclusão também é preocupante. Os aposentados precoces que continuam participando do mercado de trabalho têm um salário 10% inferior ao que seria esperado dadas suas características individuais (como escolaridade, por exemplo). Pode-se supor que uma fração dos aposentados precoces passa a ocupar postos de menor produtividade, em trabalhos que têm como objetivo apenas complementar a renda da aposentadoria.
Em suma, quem tem acesso às aposentadorias precoces é um grupo relativamente mais produtivo da nossa força de trabalho. Após se aposentar precocemente, esse grupo passa a trabalhar muito menos do que o esperado e, entre aqueles que continuam trabalhando, observa-se ainda uma queda de produtividade.
Estimativas preliminares sugerem que o PIB brasileiro seria 0,6% maior do que é, não fossem as aposentadorias precoces. Com o envelhecimento da população, esse número aumentará exponencialmente nas próximas décadas, se nada for feito.
Temos, assim, uma razão a mais para fazer a reforma da Previdência Social. Já sabíamos que a reforma é necessária para melhorar a situação fiscal de longo prazo e por questões de justiça distributiva. Agora também sabemos que a reforma previdenciária é necessária porque o Brasil não pode se dar ao luxo de retirar do mercado, de forma precoce, a parte relativamente mais produtiva da nossa força de trabalho.
Por Luis Henrique Paiva, pesquisador associado do IPC-IG, Pesquisador do Ipea, gestor governamental do Ministério do Planejamento e secretário do Programa Bolsa Família (2012-2015)
Artigo originalmente publicado no jornal “Valor Econômico” em 23 de agosto de 2016.
Fonte: nacoesunidas.org