crescimento

Com proporções históricas, última crise hídrica no sudeste foi a maior em quase um século - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Mata Atlântica: desmatamento cresce e aumenta vulnerabilidade a novas crises hídricas

Murilo Pajolla,* Brasil de Fato

Mata Atlântica, bioma cujo território original é hoje lar de 70% dos brasileiros, teve a cobertura florestal reduzida de 27,1% para 24,3% entre 1985 e 2021. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (19) pelo Mapbiomas, que alerta para a importância da preservação ambiental do bioma para prevenir novos casos de escassez hídrica, como ocorreu nos estados de São Paulo e Paraná em 2021. 

Mapbiomas ressalta que as áreas urbanizadas na Mata Atlântica passaram de 674 mil para mais de 2 milhões de hectares entre 1985 e 2021. As cidades cresceram majoritariamente em áreas já degradadas (87,5%), mas 12,7% do crescimento urbano se deu sobre áreas florestais. Os pesquisadores apontam ainda que 57% dos municípios inseridos no bioma possuem menos de 30% da vegetação nativa.

Pecuária perdeu espaço, mas ainda é predominante 

Um quarto do solo da Mata Atlântica ainda é usado para pecuária. A prática teve uma perda líquida de 10,5 milhões de hectares nos últimos 37 anos, mas ainda é a principal atividade econômica desenvolvida no bioma.

A agricultura é o tipo de uso do solo que mais cresceu. A atividade avançou 10,9 milhões de hectares, saltando de 9,2% (1985) para 17,6% (2021). Outro destaque é a silvicultura (eucalipto), que ocupava 0,7% (1985) da área e hoje está presente em 3,5% do território. As duas atividades ocupam um quinto da Mata Atlântica.

A redução da área florestal acompanha a degradação da qualidade da vegetação que sobrou. No período analisado, houve a perda de 23% da chamada floresta madura, composta por habitats antigos e menos alterados, que oferecem mais condições ao florescimento da biodiversidade. 

Conservação é fundamental para evitar crises hídricas

Frear a degradação ambiental é fundamental para combater a possibilidade de novas crises hídricas. No período de 37 anos, a bacia do rio Paraná teve queda na cobertura nativa de 22,5% para 21,6%. Nos rios Paranapanema e São Francisco também houve perda de vegetação de 21,3% (1985) para 20,3% e de 57% (1985) para 52,9%, respectivamente.

A SOS Mata Atlântica lamenta que os sucessivos casos de escassez de água nos últimos anos não foram capazes de mobilizar um esforço de conservação ambiental. 

"A preservação do que restou de Mata Atlântica e a restauração em grande escala são essenciais para preservarmos alguma resiliência dessa região à dupla ameaça da crise climática e da crescente irregularidade do regime de chuvas, decorrente do desmatamento da Amazônia", declarou Luís Fernando Guedes Pinto, Diretor Executivo da ONG, em nota divulgada pelo Mapbiomas.  

O cenário é preocupante, mas há exemplos positivos. Entre eles a bacia do rio Tietê, onde há pouca cobertura nativa, mas que foi palco do aumento de 14,29% para 15,0% na vegetação. Já na bacia do Rio Grande o aumento foi de 17,6% para 19,7%.

Mata Atlântica engloba 17 estados 

O levantamento contabiliza dados dos 17 estados abrangidos pela Mata Atlântica, conforme área prevista na lei 11.428 de 2006. O estados com menor cobertura nativa são Alagoas (17,7%), Goiás (19,5%), Pernambuco (23,4%), Sergipe (25,5%), São Paulo (28,4%) e Espírito Santo (29,3%).  Já os com maior vegetação são Piauí (89,9%), Ceará (76,9%), Bahia (49,7%) e Santa Catarina (48,1%).

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Homens armados circulam em área de disputa entre tráfico e milícia na Zona Oeste do Rio — Foto: Reprodução/Globocop

Milícias alcançam tráfico e já ocupam metade das áreas controladas por grupos armados no RJ, diz estudo

g1 Rio*

Um estudo que será lançado nesta terça-feira (13) afirma que as milícias alcançaram a influência do tráfico de drogas e passaram a ocupar metade das áreas dominadas por grupos armados na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Enquanto isso, mais de 2 milhões de pessoas estão sob controle da facção do tráfico de drogas Comando Vermelho.

O levantamento do Instituto Fogo Cruzado e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), mostra que o crescimento territorial dos milicianos foi de 387% em 16 anos. Com 256,28 km², ou 10% do estado, o domínio corresponde a quase duas vezes o tamanho da cidade de Niterói.

Avanço da milícia

Grupo ocupa 10% do território total do Grande Rio

Fonte: Geni-UFF e Fogo Cruzado

O estudo apresenta também o Comando Vermelho ainda à frente do maior domínio populacional: 2,042 milhões de moradores. Mais de 60% da expansão da facção criminosa ao longo dos anos foi na Baixada Fluminense, em que quase metade das áreas controladas por grupos armados estão nas mãos da milícia.

De 2006 a 2008, o espaço total ocupado por grupos armados era de 8,7%. Desde então, as facções Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro e ADA diminuíram a sua área de influência. A série histórica sinaliza então um “potencial de crescimento” das milícias “mais acelerado que os demais grupos”.

Mais de 90% da expansão de milicianos ocorreu em locais que não eram controlados por facções criminosas.

Fonte: Geni-UFF e Fogo Cruzado

Os dados do Mapa dos Grupos Armados não deixam dúvidas: as milícias são as principais responsáveis por esse aumento de áreas sob domínio de grupos armados, razão pela qual se tornaram a principal ameaça à segurança pública no Grande Rio”, diz a pesquisa.

Enquanto isso, o Comando Vermelho corresponde a 40,3% dos territórios ocupados por grupos armados. Terceiro Comando Puro alcança quase 9%, e ADA, 1,1%.

Na capital, os números são ainda maiores: 74,2% da área dominada pelas milícias. Quase 30% da cidade é controlada por algum grupo armado, em que três em cada quatro são de milicianos.

O estudo mostra que a milícia se concentra “quase que exclusivamente” na Zona Oeste do Rio, seguida pela Zona Norte. Números são inexpressivos e tendem a zero na Zona Sul e no Centro.

O levantamento analisou mais de 689.933 mil denúncias do portal do Disque Denúncia que mencionavam milícias ou tráfico de drogas entre 2006 e 2021.

*Texto publicado originalmente no portal do g1.


Benito Salomão: Uma âncora para a inflação

Brasil terá um longo período de baixo crescimento do PIB e elevada inflação

Benito Salomão / Correio Braziliense

O ano de 20121 caminha para o final, e as projeções mais recentes apontam para um cenário bastante pessimista. O Brasil terá um longo período com a combinação indesejada de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e elevada inflação. Muitos fatores podem explicar essa deterioração macroeconômica súbita, que se deu em um intervalo de poucos meses. A economia brasileira começou 2021 com previsões demasiadamente otimistas. A pesquisa Focus, divulgada semanalmente pelo Banco Central (BC), apontava, em janeiro, previsões medianas de crescimento elevado, inflação próxima ao centro da meta e taxa Selic em torno de 3,25% ao ano. O que aconteceu para que, poucos meses depois, o país estivesse aprisionado em um debate sobre estagflação?

É possível começar constatando que não é possível jogar a conta da deterioração macroeconômica exclusivamente nos modelos mal calibrados do começo do ano. Inúmeros erros de políticas acometeram o país ao longo de todo o ano, a começar, os erros no enfrentamento da pandemia. A sabotagem às medidas de isolamento social quando necessárias e o atraso da vacinação fizeram que os efeitos da covid-19 se ampliassem no tempo, levando às quarentenas intermitentes, que retardam a recuperação e o emprego, além do prolongamento excessivo de medidas de socorro aos vulneráveis como auxílio emergencial.PUBLICIDADE

Outros equívocos se somaram aos erros da pandemia. Como não mencionar o fato de o governo federal ter aprovado a sua Lei Orçamentária Anual (LOA) apenas em abril de 2021? O impasse que atrasou a construção da peça orçamentária se deu envolvendo a dificuldade de conciliar as emendas paroquiais do baixo clero do Congresso Nacional, obstruídas pelo teto de gastos, que está com os dias contados no Brasil.

O consenso político que parece cristalizado nos interesses dos poderes Executivo e Legislativo (predominantemente da Câmara dos Deputados) é de que uma regra fiscal, fruto de um intenso esforço legislativo no passado e muito importante para disciplinar o gasto público, sobretudo obrigatório, pode ser desperdiçada para o atendimento de interesses eleitorais de curtíssimo prazo dos mandatários das duas casas da praça dos três poderes.https://22022f16ea280c4c3474ad784dcf48db.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Mas não se enganem, o populismo carrega em seu DNA o gene da autodestruição. Em clássico ensaio de 1990, Rudiger Dornbusch e Sebastian Edward narram as fases do populismo na América Latina. O texto tem, em determinados trechos, aspectos de profecia. No Brasil, as consequências parecem não estarem dispostas a esperar a próxima legislatura para cobrar a fatura do voluntarismo irresponsável que ocupa Brasília. A inflação chegou aos dois dígitos e tem exercido um impacto avassalador na renda das famílias que tendem a radicalizar contra os responsáveis.

O Banco Central, embora sinalize que fará o “possível” para guiar esta inflação novamente para a meta, tem poucos instrumentos para isso em um cenário cuja política fiscal não colabora. Voltamos ao teto de gastos e aos interesses paroquiais dos populistas de Brasília. No afã de sinalizar medidas para aliviar o sofrimento da carestia provocado pela inflação, a Câmara tem elaborado propostas que fragilizam o equilíbrio fiscal, desancoram as expectativas e alimentam a própria inflação que não cede, apesar de toda contração monetária em curso patrocinada pelo BC.

Inflações elevadas e persistentes são frutos de maus fundamentos macroeconômicos e também da falta de credibilidade do governo de plantão. Desde o Plano Real, os períodos de inflação estável têm estado atrelados a alguma âncora macroeconômica. Entre 1995 e 1998, essa âncora foi o câmbio fixo e em paridade com o dólar. Após 1999 e até o desastre da nova matriz heterodoxa, em meados de 2012, os juros e as metas de inflação funcionaram como âncora. Após 2016, o regime de metas que ancorava as expectativas de inflação ganhou ajuda da política fiscal por via do teto de gastos, que deu ao país uma esperança quanto ao equilíbrio de longo prazo das contas públicas.

Executivo e Legislativo têm sabotado continuamente o teto de gastos, e o Brasil todo está colhendo as consequências da inflação cheia do IPCA, nos índices de difusão de preços e nos núcleos de inflação que têm elevado o custo de vida em todo o território nacional. Uma consequência secundária da irresponsabilidade é a política monetária, extremamente contracionista, que o BC terá que empreender para atenuar os efeitos do populismo político e fiscal sobre os preços. É preciso reancorar a macroeconomia do país.

*Mestre em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU)

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/10/4957764-artigo-uma-ancora-para-a-inflacao.html


Legado, riscos e propostas de educação no Brasil em debate

Webinar terá participação de Marcelo Aguiar, Joaci Góes, Caio Callegari, George Gurgel e o professor Comte Bittencourt

Cleomar Almeida, da equipe FAP

O legado dos educacionistas, os perigos do negacionismo, a necessidade de reformas redistributivas para financiamentos e a experiência de termo de ajuste de gestão imprescindível à inovação da educação serão debatidos no segundo webinar da revista Política Democrática impressa dedicada ao tema. O evento online será realizado, pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), na quinta-feira (26/8), a partir das 19 horas.

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Com transmissão por meio do portal e de redes sociais da FAP (Facebook e Youtube), o evento online terá participação de autores do segundo capítulo da revista, que, em seus artigos exclusivos, analisam a educação na história.

Entre eles estão o ex-chefe de gabinete do ministro da Educação (2003), Marcelo Aguiar, que também foi secretário da área do Distrito Federal por duas vezes (2010 e 2013/2014) e analisou o papel dos educacionistas, como Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro.

“Os três defenderam um Brasil autônomo e democrático, acreditando que a educação seria o caminho mais viável para essa conquista”, escreveu Aguiar, para continuar: “Mas cada um deles fez sua própria trajetória e desenvolveu seu método. A educação como ação política é o que mais os aproxima. Os três também compreenderam, cada qual a seu modo, que a educação é um processo em construção”.

Também tem participação confirmada o empresário e escritor Joaci Góes, autor de texto sobre negacionismo na educação brasileira e que também integra a Academia Baiana de Educação. “Além de aumentar a renda e contribuir para reduzir a violência, uma boa educação contribui para elevar a saúde física e mental dos povos”, analisou.

Tempo médio de estudo

No entanto, por outro lado, ele apontou aspecto que avalia como negativo. “A baixa qualidade do ensino público brasileiro é agravada pelo tempo médio de estudo de nossa juventude (7 anos), muito inferior ao de países como os Estados Unidos (12 anos), e Coreia do Sul (11 anos)”, observou Góes. Segundo ele, esses dados comparativos mostram riscos ao desenvolvimento da educação no Brasil.

O secretário adjunto de Educação em Mogi das Cruzes (SP), o economista Caio Callegari, que abordou financiamento na revista e atuou como especialista em políticas educacionais do Todos Pela Educação durante a tramitação do novo Fundeb, também é outro nome confirmado.

Segundo ele, para enveredar em um novo capítulo do financiamento da educação constituído por reformas redistributivas, será preciso um quádruplo esforço, como “fazer a defesa da lógica da vinculação tributária para a educação e do investimento público na educação pública como elementos basilares de uma rota da equidade”.

Callegari também cita a necessidade de garantir o aperfeiçoamento dos sistemas de dados que, segundo ele, permitirão analisar continuamente as desigualdades e redesenhar as políticas existentes, assim como a manutenção do compromisso das regulamentações pró-equidade do Fundeb, em 2022 e 2023, como orienta a Constituição Federal. Por fim, sugere realizar transformações nas principais políticas do MEC.

A discussão, a ser mediada pelo professor na Universidade Federal da Bahia (Ufba) George Gurgel, deverá ser encerrada pelo professor Comte Bittencourt, ex-secretário estadual de Educação, secretário de Educação e vice-prefeito do município de Niterói.

Experiência exitosa
Ao citar a experiência na Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, Bittencourt destacou o termo de ajuste de gestão, submetido aos órgãos de controle e amplamente divulgado a diversos segmentos da sociedade.

A iniciativa, segundo ele, permitiu transferir recursos não utilizados em 2020 para o ano fiscal de 2021, viabilizando uma execução responsável, ágil e rigorosamente eficiente, com reflexo direto nas escolas.

“O inédito Termo de Ajuste de Gestão representou uma grande inovação e serviu de base para a construção de um planejamento rigorosamente alinhado às necessidades das escolas e coerente com o orçamento, servindo como vetor de resultados qualitativos já mensuráveis e permitindo que o trabalho continue tendo por base uma estrutura bem sedimentada”, disse.





Os assuntos abordados na revista serão debatidos em mais três debates, com previsão de serem realizados a cada 15 dias, no mesmo horário. O primeiro webinar da revista foi realizado no dia 12 de agosto, com discussão da proposta do ex-senador Cristovam Buarque sobre o Sistema Único Nacional de Educação.

2º Webinar lançamento da revista Política Democrática impressa
Tema:
A educação na história
Data: 26/8/2021
Transmissão: a partir das 19 horas
Onde: Portal e redes sociais da FAP (Facebook e Youtube)

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‘Sistema Nacional Único de Educação deve colocar país na vanguarda’


'Sistema Nacional Único de Educação deve colocar país na vanguarda'

Proposta é feita pelo ex-ministro Cristovam Buarque, em artigo na 57ª  edição da revista Política Democrática impressa, a ser lançada em evento virtual da FAP na quinta (12/8)

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

No país com 11 milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever, a educação de base deve ser uma questão nacional, financiada e coordenada pelo governo federal, segundo o ex-ministro da Educação, ex-senador e ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque. “O Sistema Nacional Único de Educação deve nos colocar na vanguarda nos métodos de formação e transmissão de conhecimento”, afirma ele.


Assista!




A análise de Cristovam está publicada na 57ª edição da revista Política Democrática impressa, editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), dedicada exclusivamente à educação e que está à venda na internet.

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O ex-ministro e outros autores participarão do primeiro de cinco eventos on-line de lançamento da publicação, na quinta-feira (12/8), a partir das 19h. A transmissão será realizada no portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade.



As importantes reflexões e análises de 19 autores começam com o artigo de Cristovam Buarque, fazendo um chamado para que a educação brasileira crie condições para dar um salto de qualidade em sua existência.

 “O Brasil não terá futuro se não oferecer a cada uma de nossas crianças a escola da qual elas gostem no presente e que lhes ofereça a chance de melhorar seu futuro e construir o país. Só educação não faz, mas sem educação não se faz uma nação”, diz o ex-senador.

“Entraves ao progresso”
Na avaliação de Cristovam Buarque, o Brasil está com seu progresso amarrado não apenas por causa da educação, mas, segundo ele, “o atraso e a desigualdade de nossa educação têm um papel central na rede de entraves ao progresso”.

Para que haja um salto de qualidade, segundo ele, é preciso manter descentralização gerencial em cada escola e liberdade pedagógica em cada sala de aula, de forma que toda criança seja tratada como brasileira, não como municipal ou estadual.

“A estratégia deve consistir, portanto, em um processo de substituição, por adoção, dos frágeis sistemas municipais por um robusto sistema nacional: com carreira federal para todo professor, padrões nacionais de qualidade nas edificações e nos equipamentos das escolas, todas em horário integral, com atividades pedagógicas, culturais e esportivas” afirma o autor, em outro trecho.

Cristovam Buarque explica que, em vez de espalhar escolas individualmente, o governo federal, ao longo do tempo, substituiria, por cidade, cada sistema municipal por um novo sistema federal. “Por grupos de cidades a cada ano, o novo sistema nacional chegaria a todas as escolas, todos os professores e todos os brasileiros, no prazo de duas a três décadas”, acentua o ex-ministro.


Cristovam Buarque: "Atraso e a desigualdade de nossa educação têm um papel central na rede de entraves ao progresso". Foto: Pedro França/Agência Senado

Aula teatral X Aula cinematográfica
De acordo com ele, o futuro vai exigir mais do que um sistema educacional, já que, conforme acrescenta, também será preciso que haja uma revolução no conceito e na prática do processo educacional. Segundo ele, as novas tecnologias já estão disponíveis, mas ainda não estão sendo usadas para a passagem da tradicional aula teatral – professor, quadro negro e aluno presencialmente – para a nova aula cinematográfica.

Esta última, conforme explica o autor, consiste no professor sendo o roteirista da peça pedagógica, cinematográfica com os recursos da teleinformática, da computação e da cinematografia, para levar para dentro da sala de aula as informações disponíveis nos bancos de dados, imagem e som, usando a prática presencial, remota ou híbrida.


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“Este sistema novo não pode, porém, perder a importância do convívio do aluno com a realidade social ao redor, na convivência com os colegas e com o mundo. Uma aula sobre a vida natural das florestas ganhará muito graças às novas técnicas da teleinformática, mas isto não dispensa a eficiência e a beleza da visita presencial à floresta que é estudada. A escola tem que se modernizar sem perder a comunhão com o mundo”, sugere.

O ex-ministro também diz que a superação de cada problema e a realização de cada propósito – produtividade, distribuição de renda, pacificação nas ruas, eleição de políticos honestos, paz nas ruas, estabilidade institucional, superação do quadro de pobreza, estabilidade, sustentabilidade – exigem diversas ações.

No entanto, segundo ele, cada problema fundamental passa pelo atraso da educação nacional e pela desigualdade, como ela é distribuída, conforme a renda e o endereço da família, impedindo o país de aproveitar o maior de seus recursos: a inteligência potencial dos cérebros de sua população.

“Cada pessoa sem educação de qualidade representará uma perda de capital ao longo do Terceiro Centenário: o Século do Conhecimento. Cada criança sem escola de qualidade no presente seria sintoma de um país sem qualidade no futuro”, alerta.

Lançamento da revista Política Democrática impressa 57ª edição | Educação
Data: 12/8/2021
Transmissão: a partir das 19 horas
Onde: Portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da Fundação Astrojildo Pereira


Fábio Alves: Perdendo o bonde

Brasil está perdendo o bonde do crescimento acelerado da economia global

É cada vez maior o número de fundos de investimentos nacionais que está alocando uma parcela grande de suas carteiras em ativos no exterior, diante da percepção de que o Brasil está perdendo o bonde da elevada liquidez internacional, dos estímulos fiscais em países desenvolvidos e do maior otimismo com o crescimento acelerado da economia global em 2021.

Por enquanto, se esses gestores nacionais ainda não migraram em massa para posições apostando na derrocada de ativos domésticos, muitos deles reduziram significativamente a tomada de risco no Brasil, deixando de aproveitar uma possível alta da Bolsa brasileira ou valorização do câmbio. Ou seja, os ativos brasileiros estão ficando para trás e podem não aproveitar o vento a favor dos mercados globais.

Na semana passada, por exemplo, o Ibovespa caiu 2,47%, acumulando uma perda de 6,25% em apenas duas semanas. Enquanto isso, os índices das principais Bolsas americanas renovaram recordes históricos de alta no período, com o S&P 500 subindo 1,94% na semana e o Nasdaq saltando 4,19%. Já o dólar valorizou-se 3,30% na semana passada, elevando os ganhos a quase 6% em apenas 22 dias de janeiro e deixando o real brasileiro como a moeda com pior desempenho entre as emergentes.

O temor que vem se alastrando nas últimas semanas entre os gestores nacionais é o de que a retomada da economia brasileira poderá se frustrar neste ano em meio ao descontrole da pandemia do coronavírus no País, ao atraso no programa de vacinação, à maior pressão política no Congresso para a renovação do auxílio emergencial e, por tabela, à ameaça ao teto de gasto, a única âncora fiscal a sustentar a confiança dos investidores.

O consenso das estimativas aponta para um crescimento do PIB brasileiro de 3,49% neste ano, segundo a Pesquisa Focus, do Banco Central. Mas o banco BNP Paribas, por exemplo, reduziu recentemente sua projeção para o PIB de 2021 de 3,0% para 2,5%. Enquanto isso, o banco Goldman Sachs elevou sua previsão de expansão do PIB dos EUA para 6,6% neste ano. E o Barclays projeta um crescimento de 5,7% da economia mundial.

“Estamos mais reticentes com os ativos brasileiros por achar que a relação risco retorno está pior do que a dos ativos lá fora, pois ainda que vejamos, por exemplo, maior potencial de alta na Bolsa brasileira do que as de países desenvolvidos, o risco aqui é de piora enquanto lá fora esse risco é menor”, diz Fabiano Godoi, sócio fundador e diretor de investimentos da Kairós Capital, fundo que passou a aplicar em ativos no exterior nada menos do que 95% dos R$ 520 milhões sob gestão.

Para ele, a ameaça iminente é de uma crise fiscal. “Nas últimas semanas, tudo o que a gente escuta dos políticos, seja no Executivo, seja no Congresso, é que é preciso voltar com o auxílio emergencial, o que indica uma direção de piora fiscal”, diz.

No curtíssimo prazo, o foco dos investidores estará na aprovação do Orçamento de 2021. Se o Congresso aprovar um Orçamento que respeite o teto de gastos, sem incluir jeitinhos para gastos extras fora do teto, a sinalização será positiva para o mercado de que o País não caminha para um precipício fiscal.

Mas a eleição para a presidência da Câmara e do Senado, no dia 1 de fevereiro, vem turvando essa perspectiva, uma vez que os principais candidatos para o comando das duas Casas vêm fazendo declarações em apoio à prorrogação do auxílio emergencial.

“Independentemente do mérito, fazer mais gastos fiscais sem ter aprovado reformas como a PEC Emergencial ou a administrativa é um risco muito importante no médio prazo e o que está causando essa divergência entre o desempenho dos ativos brasileiros e de outros países”, diz Godoi. Ele espera que o Orçamento de 2021 possa ser aprovado até o fim de março, mas que apenas a PEC Emergencial, entre as reformas que têm impacto fiscal imediato, possa sair até o fim do ano.

“Não quero estar vendido em Brasil, pois os preços dos ativos domésticos estão convidativos – o real é uma das moedas mais baratas do mundo –, mas só não quero estar em Brasil neste momento, pois o equilíbrio é instável: ou o mercado vai melhorar muito ou a piora será rápida”, afirma Godoi. 


José Roberto Mendonça de Barros: Política ambiental é entrave ao crescimento

Instituições que comandam cerca de US$ 45 trilhões participam de movimento que não pretende investir e comprar ativos de companhias que não tenham boas práticas ambientais, sociais e ambientais

Aos poucos, o mundo começa a vencer a crise do coronavírus, embora com velocidades muito distintas em diferentes regiões. Vimos, ao longo de 2020, muitos países – quase todos na Ásia – lidarem bem com a ameaça da covid-19 e que já estão avançados na recuperação do crescimento. 

Em contrapartida, Europa e Estados Unidos enfrentam agora uma segunda onda da doença, fato que está barrando uma retomada mais robusta na produção e no mercado de trabalho, a despeito da enorme expansão fiscal e monetária empreendida. Mas com um sinal de esperança nesta virada do ano: o pico dos novos casos e mortes coincide, felizmente, com o sucesso de várias vacinas e o início da imunização em larga escala da população. É, portanto, razoável pensar que a maior parte da economia mundial estará em crescimento no segundo semestre de 2021.

Ao mesmo tempo, deveremos assistir a novas tensões e tendências.

No campo das tensões, destaca-se a percepção, exposta e exacerbada pela pandemia, das grandes desigualdades entre pessoas, setores e regiões. Também é certo que a disputa entre as duas grandes potências globais em diversas áreas vai continuar, a despeito da derrota de Trump.

Muitas coisas novas vão se consolidar. Para mim, as mais importantes são a aceleração do progresso técnico, o enfrentamento da questão ambiental e a consequente aceleração da transição energética.

Esse simples resumo da economia global mostra como a situação brasileira é desoladora neste início de 2021.

Antes de tudo porque o negacionismo e o trato dado à covid-19 pelo presidente Bolsonaro encerraram em grande estilo mais uma década perdida. Como disse recentemente o prof. Antonio Delfim Netto, o Brasil desaprendeu a crescer, algo que já estava presente em meu livro Crescer não é fácil, de 2012.

A piora da atual situação será bastante acentuada pela despreocupação na aquisição de vacinas e pela permanente campanha do governo federal contra o necessário distanciamento social e outros cuidados. O resultado será retardar a volta ao trabalho e à normalidade, ainda mais com o final da ajuda emergencial.

Não é impossível um crescimento negativo no PIB do primeiro trimestre em relação ao último de 2020. O primeiro semestre será muito fraco.

Além dos descaminhos e dos absurdos da política governamental relativa à pandemia, temos mais duas áreas nas quais há que se construir algum horizonte antes de imaginar uma retomada do crescimento. Falo aqui da política fiscal e da política externa/ambiental.

A questão fiscal é fácil de descrever, mas quase impossível de encaminhar de forma adequada nas condições atuais. Trata-se de equacionar o que se quer do orçamento: qual a projeção realista de receitas (com ou sem elevação de impostos), o total de despesas e o consequente déficit. É preciso também compatibilizar gastos obrigatórios, a dimensão dos programas de transferências (novo Bolsa Família?) e o volume de investimentos públicos. Evidentemente, o tamanho do déficit tem de ser compatível com uma trajetória aceitável da dívida pública, sob pena de pressionar o dólar e os juros

Eventuais alterações de regras (como a PEC Emergencial) terão de ser aprovadas para dar apoio adequado ao programa votado.

Dado que o objetivo prioritário do Executivo é a reeleição, que o apetite da nova base do governo é insaciável e que o nível de atividade é baixo, a missão acima descrita é quase impossível.

Finalmente, devemos considerar as políticas externa e ambiental frente à situação internacional, que entra em nova fase com a eleição de Biden e após as negociações do Brexit.

O primeiro caso é fácil de expor: a derrota de Trump deve levar ao encerramento da carreira do mais medíocre chanceler de todos os tempos. Nunca tivemos um ministro que comemora ter transformado o Brasil num pária internacional.

A retomada da diplomacia civilizada entre Estados Unidos e seus principais parceiros deve, antes de tudo, acelerar a pauta do Acordo de Paris, da luta contra o aquecimento global e da sustentabilidade ambiental.

A situação brasileira nesse quesito ficará insustentável, bem como a posição do ministro Salles. Não há como evitar a percepção de que a política brasileira dos últimos anos enfraqueceu a fiscalização e o zelo na lida contra a derrubada ilegal da floresta, com a consequente elevação das queimadas.

A maioria das empresas globais está se posicionando para reduzir compra de produtos que não tenham claramente demonstração de origem e certificações de boas práticas, como é o caso de muita coisa que vem da Amazônia. E isso é uma ameaça real. Atividades ilegais jamais trarão desenvolvimento verdadeiro para a região.

Além disso, em 2020 consolidou-se o movimento de empresas e fundos de investimento de não comprarem ativos de companhias que não tenham boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, em inglês). Apenas para ver o tamanho da ameaça: assumiram essa posição instituições que comandam a bagatela de US$ 45 trilhões.

Considerando-se, finalmente, que já tem havido uma saída líquida de investidores estrangeiros do País, a conclusão é inevitável: a nossa política ambiental tornou-se um obstáculo ao crescimento econômico e social. 

Conteúdo Completo:

A vida de milhões de pessoas vai piorar em 2021

Os desafios da economia em 2021

Nunca estivemos tão perto e tão longe da reforma tributária

Política ambiental é entrave ao crescimento

Privatização mesmo  só veremos nos governos estaduais

Reforma administrativa é a agenda que precisa caminhar

O governo Bolsonaro precisaria se reinventar, mas isso é muito improvável

O grande risco para o Brasil este ano é interno, e não externo

Política antiglobalista de Bolsonaro tem um preço

O que é bom para os EUA nem sempre é bom para o Brasil


José Luis Oreiro: Só a retomada salva o país

Retomada do desenvolvimento exige que o país reinicie processo de "catching-up" industrial e tecnológico

A sociedade brasileira passa por uma profunda crise econômica, política e social desde 2013. As manifestações de 2013 foram o evento catalizador de um processo de crescente descrédito na classe política e, posteriormente, de outras instituições da República.

A insatisfação de parte expressiva da população com a performance dos políticos, em particular, e do Estado, em geral, foi incrementada pelos efeitos deletérios da recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 - que foi detonada por um colapso do investimento do setor privado, que se contraiu por três trimestres consecutivos, a taxa de 10% por trimestre. Isso resultou de um processo de "profit squeeze", ou seja, queda das margens de lucro e da taxa de retorno sobre o capital próprio das empresas não financeiras, a qual se tornou na mais duradoura e profunda crise econômica do Brasil nos últimos 30 anos. No auge da crise, mais de 14 milhões de brasileiros estavam desempregados e o PIB apresentou retração superior a 8% em termos reais, com destruição de riqueza de R$ 600 bilhões.

A recessão acelerou o desequilíbrio fiscal da União e dos entes subnacionais, muitos dos quais passaram a enfrentar dificuldades crescentes para manter o pagamento dos servidores em dia. A deterioração crescente do resultado primário da União a partir de 2014 gerou um crescimento acelerado da dívida pública como proporção do PIB, colocando o endividamento da União em trajetória claramente insustentável. A perda de espaço fiscal decorrente desses desdobramentos impediu a realização de uma política fiscal anticíclica justamente no momento em que a mesma era mais necessária. Pelo contrário, a política fiscal executada em 2015 foi francamente contracionista, amplificando assim os efeitos da recessão iniciada em 2014.

Outro fator que amplificou os efeitos recessivos do colapso do investimento privado foi a elevação da taxa básica de juros promovida pelo Banco Central em 2015, na tentativa de debelar os efeitos de segunda ordem que o aumento das tarifas dos públicas e dos combustíveis poderiam ter sobre a dinâmica da taxa de inflação.

O desemprego crescente aguçou a percepção de que a crise brasileira era o resultado da corrupção generalizada dentro do Estado, tal como estava sendo revelado ao público pela Lava-Jato. Essa percepção acabou por gerar um sentimento difuso de "ódio" à classe política, principalmente aos políticos diretamente ligados ao PT.

O imenso apoio popular ao impeachment da presidente Dilma Rousseff foi a demonstração clara de que, na cabeça do cidadão mediano, a crise era resultado direto da corrupção dirigida e organizada pelo PT e seus aliados. Nesse contexto, uma ampla parcela da população acreditava que o afastamento do PT do poder, pelo impeachment, cujas bases jurídicas eram duvidosas, seria uma condição necessária, quando não suficiente, para o fim da corrupção e para a retomada do crescimento econômico.

Os primeiros meses do governo Michel Temer pareciam apontar para uma retomada robusta do crescimento no início de 2017, ainda que poucas pessoas acreditassem na vontade do governo de combater a corrupção.

O governo Temer apresentou à sociedade brasileira uma narrativa essencialmente ortodoxa das causas da crise de 2014 a 2016. O problema fundamental era o desequilíbrio fiscal estrutural, resultado do "contrato social" estabelecido pela Constituição de 1988. Segundo economistas ligados ao governo, a Constituição havia produzido um conjunto de benefícios sociais para os mais pobres e de privilégios para os funcionários públicos que impunham um ritmo para o crescimento dos gastos públicos (entre 5 a 6% ao ano em termos reais) que era muito superior à capacidade de crescimento da economia.

Durante um certo período foi possível acomodar esse aumento dos gastos com o aumento da carga tributária. Contudo, a partir de 2011, a receita passou a crescer mais ou menos em linha com o PIB de tal forma que a deterioração do resultado primário da União tornou-se inevitável. Essa deterioração teria sido "mascarada" pelas "pedaladas fiscais" e outros artifícios de "contabilidade criativa"; mas, a partir de 2014, ficou impossível encobrir a verdade nua e crua de que o governo não era mais capaz de gerar superávits primários e que, portanto, a dívida pública entraria em trajetória explosiva. O desequilíbrio fiscal crescente acabou por gerar perda de confiança dos empresários no governo, o que se refletiu em elevação do prêmio de risco país, desvalorização da taxa de câmbio, queda dos preços das ações e elevação dos juros futuros. Esse quadro levou a uma queda dos gastos de investimento e de consumo, fazendo com que o país entrasse na pior recessão dos últimos 30 anos.

Face a essa narrativa, a solução para a crise era muito clara: o governo precisava fazer um ajuste fiscal estrutural, cujo foco deveria ser a redução do ritmo de crescimento das despesas. Para tanto, foi desenhada uma estratégia em duas etapas. Na primeira, o governo enviou para o Congresso uma PEC criando um teto de gastos para o governo federal. Esse teto não seria a solução do problema fiscal, mas apenas uma espécie de mecanismo que explicitaria o conflito distributivo existente dentro do orçamento. A ideia era congelar os gastos primários da União em termos reais por dez anos, ao final dos quais poderia ser modificado o indexador dos gastos públicos, que havia sido definido como a variação do IPCA no período inicial de vigência do teto.

O problema é que todos os itens das despesas obrigatórias (aposentadorias, pensões, salários do funcionalismo público, gastos com saúde e educação) apresentaram nos últimos 20 anos uma taxa de crescimento muito acima da variação do IPCA. Dessa forma, se nada fosse feito para reduzir o ritmo de crescimento desses gastos, o cumprimento da regra do teto obrigaria a administração federal a reduzir progressivamente os gastos discricionários, que incluem gastos com o investimento em infraestrutura, com o reaparelhamento das Forças Armadas e com a manutenção de instalações do governo federal.

Como é impossível manter o funcionamento da máquina pública federal sem a realização de um valor mínimo de gastos discricionários, segue-se que a ameaça de "shutdown" obrigaria o Congresso a realizar aquilo que foi denominado de "a mãe de todas as reformas", a reforma da Previdência. Uma vez aprovada uma "boa" reforma, o desequilíbrio fiscal estrutural seria eliminado, e o teto dos gastos poderia, eventualmente, ser abolido. Nessas condições, o Brasil poderia retomar o crescimento em bases sustentáveis, pois se produziria uma "contração fiscal expansionista", ou seja, o ajuste das contas públicas levaria automaticamente a um aumento do investimento e do consumo do setor privado.

A PEC do teto dos gastos foi aprovada no final de 2016 e tudo apontava para a aprovação de uma reforma da Previdência em 2017. As condições financeiras da economia brasileira (risco país, taxa de câmbio, juros futuros e índice Bovespa) apresentavam nítidos sinais de melhora no primeiro trimestre de 2017. A melhoria das condições financeiras ocorrida a partir do segundo semestre de 2016 permitiu ao BC iniciar um processo "lento, gradual e seguro" de redução da taxa de juros, o qual deveria, em algum momento, estimular o crescimento.

Mas no meio do caminho havia uma pedra, e essa pedra foi o escândalo da gravação das conversas, por assim dizer, pouco republicanas, entre o presidente da República e Joesley Batista, da JBS. A divulgação desses áudios produziu uma crise política de proporções gigantescas, obrigando o presidente a gastar todo o seu capital político e otras cositas más na tentativa de angariar apoio político para o seu governo e impedir um novo processo de impeachment. No fim do ano de 2017 já estava claro que a reforma da Previdência não teria condições políticas de ser aprovada durante o governo Temer.

Surpreendentemente os mercados financeiros não desabaram com o adiamento da reforma da Previdência. Índices de condições financeiras continuaram relativamente bem-comportados ao longo do segundo semestre de 2017 e no primeiro trimestre de 2018. Apesar disso, o crescimento foi decepcionante em 2017. O PIB apresentou expansão de 1,1% em termos reais, após dois anos de queda acentuada. No fim de 2017, a economia ainda se encontrava 6% abaixo do nível observado em 2013. E o pior, o desemprego superava 13 milhões de pessoas. A produção industrial encontrava-se ao nível de 2004, recuo de mais de 10 anos.

O ano de 2018 se inicia com grandes expectativas de aceleração do crescimento. O ministro da Fazenda esperava um crescimento entre 2,5% a 3%. Se essas expectativas se confirmassem, a taxa de desemprego poderia fechar o ano em torno de 10% da força de trabalho, gerando um saldo de 2 a 3 milhões de novos empregos. Nesse cenário róseo, o candidato à Presidência da República que encarnasse a continuidade da política econômica do governo Temer seria praticamente imbatível nas eleições de outubro.

Mas o otimismo de Henrique Meirelles mostrou-se sem fundamento. No primeiro semestre de 2018 a atividade mostrava sinais de recuperação muito lenta, embora a grande recessão tivesse oficialmente terminado no fim de 2016. A implantação do teto dos gastos pode ter até ancorado as expectativas dos agentes do mercado financeiro, contribuindo assim para a relativa estabilidade dos índices de condições financeiras; contudo, o seu cumprimento estava impondo redução sem precedentes, nos últimos 15 anos, dos gastos com investimento público.

A contração do investimento público - justamente o componente da despesa primária que possui o maior efeito multiplicador - atuou como mecanismo de desestímulo à demanda agregada, numa economia que estava operando com nível absurdamente elevado, para seus padrões históricos, de ociosidade da capacidade produtiva. A greve dos caminhoneiros, a crise econômica na Turquia e Argentina e a indefinição do quadro eleitoral contribuíram para aumentar a incerteza reinante entre agentes econômicos, que se expressou numa deterioração significativa do índice de condições financeiras ao longo do segundo semestre de 2018. Como resultado desses desdobramentos, o ritmo de recuperação da atividade econômica desacelerou e a economia deve ter fechado o ano passado com um crescimento em torno de 1%.

O quadro econômico desolador combinado com a constatação de que a corrupção na máquina pública não estava restrita ao PT levou uma ampla parcela da população a acreditar que os problemas só seriam resolvidos por um outsider da política tradicional. A maioria dos eleitores identificou em Jair Bolsonaro a pessoa que encarnava o anti-establishment.

Mas será que o governo Bolsonaro poderá atender ao desejo de mudança, ou melhor, será que o novo governo poderá recolocar o Brasil na trajetória de desenvolvimento?

Bolsonaro, influenciado pelo czar da economia, Paulo Guedes, parece acreditar que a reforma da Previdência, combinada com um programa ambicioso de privatizações, irá fazer o país sair daquilo que o próprio Guedes chamou de "armadilha de baixo crescimento". Não é a primeira vez que se propõe uma ampla agenda de privatizações como solução para os problemas nacionais. Essa agenda foi extensamente adotada nos governos Collor e FHC.

A taxa média de crescimento no período 1990-2002 foi inferior a 2,5%, mesmo se expurgarmos os dois primeiros anos do governo Collor, quando a economia entrou em recessão devido ao "confisco das poupanças". Também não é a primeira vez que se diz que um ajuste fiscal é fundamental para a retomada do desenvolvimento. Ajustes fiscais foram feitos em 1994-1995; 1999-2000, 2003-2004, 2011, 2015, 2016-2018. Nesses casos, apenas um deles, o período 2003-2004, foi seguido por um período de aceleração significativa e razoavelmente duradoura do crescimento. Nesse caso, a contração fiscal se mostrou expansionista devido ao espetacular aumento das exportações de manufaturados ocorrida no período 2002-2004, decorrente da enorme desvalorização da taxa de câmbio ocorrida em 2002. Em todos os demais casos, ou não houve aceleração do crescimento, ou a aceleração foi pequena e curta ou ocorreu queda do nível de atividade econômica. Em suma, o ajuste fiscal pode ser necessário para evitar um desastre, mas não é nem de perto condição suficiente para a retomada do crescimento.

Esta requer o atendimento de duas condições. No curto prazo é necessária expansão da demanda agregada para que se possa eliminar a ociosidade na capacidade produtiva e para dar emprego digno a mais de 12 milhões de brasileiros. Essa expansão da demanda agregada não poderá vir do investimento, devido à enorme ociosidade da capacidade produtiva e nem do consumo das famílias, devido ao nível elevado de desemprego. O desequilíbrio fiscal também impede uma expansão significativa do investimento público.

A expansão da demanda agregada só pode advir de um forte crescimento das exportações, principalmente das exportações de produtos manufaturados, o que requer taxa real de câmbio estável e competitiva. No médio e longo prazos, contudo, o crescimento só será sustentável se for acompanhado por aumento da produtividade. Ao contrário do que pregam economistas liberais que acham que a produtividade é uma característica embutida nos trabalhadores por intermédio da educação, a boa teoria econômica e a experiência internacional mostram que a produtividade é uma variável cujo comportamento é regido por uma série de fatores, sendo a educação apenas um entre vários.

A produtividade é afetada pela quantidade e a diversificação do conhecimento técnico e científico que está embutido nas pessoas (capital humano), nas máquinas e equipamentos (capital físico), na capacidade das pessoas em se conectarem e assim trocar informações (capital social). Dessa forma, aquilo que uma economia produz e exporta revela a sofisticação ou complexidade das suas capacitações produtivas. A estrutura produtiva importa para o crescimento econômico.

Tendo em vista esse entendimento sobre as causas da produtividade, a retomada do desenvolvimento exige que o Brasil reinicie o processo de "catching-up" industrial e tecnológico interrompido na década de 1980. Um elemento essencial dessa retomada será a reindustrialização, ou seja, o crescimento da participação do valor adicionado da indústria no PIB e do emprego industrial no emprego total. Esse processo irá demandar uma mudança no regime macroeconômico, de forma a manter a taxa de câmbio em níveis competitivos internacionalmente, a exemplo do que foi adotado, de forma bem-sucedida, nos países do Leste Asiático; como também a adoção de uma política industrial que permita aumentar a complexidade tecnológica da pauta de exportações do Brasil. A exemplo do que é feito nos Estados Unidos, Japão, China, e países da Europa Ocidental, o desenvolvimento de um complexo industrial militar no Brasil, puxado por gastos necessários para o reaparelhamento das Forças Armadas, atualmente em grau acentuado de sucateamento, pode ser um dos eixos dessa política.

Se o governo Bolsonaro não trilhar esse caminho e insistir apenas na agenda privatização-reforma da Previdência, então a economia continuará trilhando trajetória de baixo crescimento, provavelmente em torno de 2% ao ano. Esse ritmo será insuficiente para gerar empregos na quantidade suficiente para absorver a enorme massa de desempregados, bem como os brasileiros que ingressam todos os anos no mercado de trabalho. A força de trabalho cresce atualmente 1% ao ano, o que significa que, para manter a taxa de desemprego estável ao longo do tempo, é necessário criar, pelo menos, 1 milhão de postos de trabalho por ano. Considerando crescimento da produtividade de 1% ao ano (o que destrói postos de trabalho na velocidade de 1 milhão de empregos por ano) no cenário no qual não ocorre a mudança estrutural descrita, uma taxa de crescimento de 2% ao ano irá criar postos de trabalho apenas na magnitude necessária para manter o desemprego indefinidamente acima de 10 % da força de trabalho.

Dada a pequena duração do seguro-desemprego e a baixa densidade da rede de proteção social, é pouco provável que a permanência da taxa de desemprego em patamares tão elevados por um período tão longo de tempo seja social e politicamente sustentável. Nesse cenário a desordem social poderá aumentar rapidamente. Além disso, o crescimento econômico anêmico irá agudizar a crise fiscal dos Estados, podendo, inclusive, fortalecer movimentos separatistas no Sul, haja vista que, para parte significativa da população desses Estados, a sua crise fiscal resulta do fato de que (sic) "o Sul tem que sustentar os vagabundos do Nordeste com o Bolsa Família".

O exemplo recente da tentativa de secessão na Catalunha - resultado dos efeitos da crise econômica de 2008-2012 - mostra que o risco de movimento separatista no Brasil não pode ser subestimado. Daqui se segue, portanto, que ou o governo Bolsonaro coloca o Brasil na rota do desenvolvimento econômico - o que implica em mudança estrutural e catching-up com respeito aos países ricos - ou o clima de insatisfação social reinante culmine numa crescente desordem, podendo levar, no limite, à guerra civil.

*José Luis Oreiro é professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IB do CNPq.


PIB da América Latina recuará entre 0,5% e 1% em 2016, diz OCDE

O crescimento do PIB da América Latina será negativo em 2016, pelo segundo ano consecutivo, caindo entre 0,5% e 1%, segundo estimativas da OCDE, Cepal e CAF publicadas na sexta-feira (28), durante a Cúpula Ibero-Americana de Cartagena.

O relatório Perspectivas Econômicas da América Latina 2017 – elaborado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) – antecipa uma “leve reação” do crescimento regional para o próximo ano.

“Se espera que o produto interno bruto (PIB) da região caia entre 0,5% e 1,0% em 2016, antes de subir ligeiramente em 2017. As fracas perspectivas de crescimento mundial, os baixos preços das matérias-primas e as dificuldades para conseguir financiamento têm minado o potencial de crescimento da região”, destaca o relatório.

A região não experimentava dois anos seguidos de contração econômica desde a década de 1980, e após a queda de 0,5% em 2015, isto representa “um desafio para proteger e manter os avanços socioeconômicos recentes, em especial a redução da pobreza e da desigualdade, e a expansão da classe média”.

Diante desta situação, precedida por cinco anos de desaceleração, em 2015 “cerca de 7 milhões de latino-americanos caíram na pobreza”, que agora afeta 29% da população. Além disso, entre 25 e 30 milhões de cidadãos passaram à situação de vulnerabilidade.

“A forte contração econômica esperada no Brasil e na Venezuela, países que representam quase 45% do Produto Interno Bruto (PIB) da região, explica em grande medida o resultado geral”, destaca o relatório.

“Os países exportadores de matérias-primas da América do Sul serão os mais afetados pelas condições econômicas globais e pela queda dos preços internacionais das matérias-primas”.

O documento defende investimentos na educação e na criação de melhores empregos e oportunidades de empreendimento para os jovens, um tema que precisamente abordam os chanceleres e presidentes dos 22 países reunidos na Cúpula Ibero-Americana de Cartagena.


Fonte: pps.org.br


Cristovam Buarque: A crise do teto

O Brasil tinha todos os recursos para se transformar em imenso edifício, mas esqueceu de construir a base sobre a qual edificaria seu futuro. Entre as muitas causas desta fragilidade estão a falta de base educacional e de credibilidade financeira. A conquista de credibilidade é condição básica para construir o Edifício Brasil. É neste sentido que o país debate a decisão radical de impor constitucionalmente limite nos gastos do setor público.

Pode-se discutir se o teto deve ser reajustado apenas pela inflação ou levar em conta parte do aumento da receita de um ano para o outro, seja por melhor eficiência na arrecadação, pelo crescimento do PIB ou por aumento de impostos; mas com a falência financeira do setor público e o descrédito de décadas de irresponsabilidade e inflação, a proposta de levar em conta a aritmética financeira é condição necessária para retomar a credibilidade e, em consequência, o crescimento do emprego.

Caso a regra já existisse, talvez não tivéssemos feito milagres econômicos, mas teríamos um Edifício Brasil sólido, diferente do instável no qual vivemos e que deixaremos para as nossas crianças. Além disso, o teto forçará debates sobre quais são as prioridades que a sociedade define, fazendo surgir os conceitos de “direita” e “esquerda” na escolha do destino dos recursos públicos limitados e sem a ilusão da inflação.

No lugar da mentira de aumentar gastos em todos setores, sem disputas, como nos acostumamos, a política cairá “na real” e demonstrará quem escolhe os gastos sociais, dentro das possibilidades de uma economia eficiente, sem ilusões, acomodamento ou desperdícios e com finanças equilibradas Mas, o teto pode impedir a construção da base educacional necessária, se o Congresso não for capaz de agir para elevar os gastos no setor, graças à redução de outros gastos supérfluos ou injustos.

Dependendo de força política, o teto não impede mais recursos para Saúde ou Educação, nem impede a continuação de obras faraônicas; ou as políticas de subsídios a setores industriais ineficientes; nem evita privilégios salariais a marajás. Tudo dependerá da força política. Será possível descobrir quem estará a favor da Educação, porque agora precisará ficar contra gastos em outros setores. Os recursos limitados induzirão também quem é capaz de fazer mais, com menos gastos, graças à maior eficiência.

Não se deve esquecer que este teto pode ser mais um fracasso, se limitar às despesas sem ao mesmo tempo impedir a avassaladora pressão que existe, inclusive na Constituição, por mais gastos e se não transferirmos para o setor privado os investimentos que não exigem exclusividade estatal. Sem estas ações, em poucos anos a PEC se esgotará e exigirá nova reforma da Constituição para liberar os gastos, aceitar a inflação e a crônica falta de credibilidade. Neste caso, a crise fiscal se transformará em crise constitucional: será a crise do teto.

Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)


Fonte: pps.org.br


David Kupfer: A indústria ainda é aquela

A pesada queda sofrida pelo nível de atividade industrial em agosto último, que foi 3,8% menor do que o do mês anterior, virtualmente anulou toda a recuperação que a indústria havia acumulado em 2016. Esse resultado tão negativo, surpreendente somente para as Polianas de plantão, é revestido de importante caráter didático. O problema econômico brasileiro está longe de ser eminentemente expectacional.

Claro que alterações no estado de confiança dos tomadores de decisão de produção e investimento são variáveis de grande relevância na determinação das perspectivas da economia. Mas o Brasil de hoje está muito menos parecido com um mar de oportunidades enevoado por um quadro expectacional cinzento do que com um deserto de novos e bons projetos provocado pelas toneladas de areia que graves distorções estruturais estão colocando nos motores da economia.

Se é correto que a estagnação da economia brasileira tem origem primariamente estrutural, a solução não estará ao alcance de medidas que simplesmente tenham o dom de convencer investidores reticentes a reencontrarem o espírito animal perdido. Terá de vir de políticas que proporcionem a retirada das amarras ao processo de investimento, reabrindo um horizonte de atratividade econômica para as empresas. Daí a importância crucial de se entender a dinâmica (ou a falta de) recente da formação de capital na economia brasileira, visando identificar onde estão as principais travas.

Sob a ótica da demanda, os números que descrevem a contribuição dos seus componentes para a variação do Produto Interno Bruto durante o último ciclo de crescimento (2004-2010) mostram com clareza o papel fortemente dinamizador exercido pela formação de capital fixo.

Com a exceção de 2009, ápice da crise financeira global, a contribuição desse componente se elevou ano após ano no período até atingir 3,4% em 2010. Isso correspondeu a quase a metade da variação do PIB nesse ano, que foi de 7,5%, e quase igualou a contribuição dada pelo consumo das famílias, que foi de 3,9%, mesmo tendo esse último um peso no produto três vezes maior. Esse dado é importante para desmistificar uma ideia muito difundida, embora muito pouco verdadeira, de que a economia brasileira teria experimentado um puro ciclo de consumo nos anos de expansão da década passada.

Com a chegada de 2011, as tensões e dilemas que vinham marcando o processo de retomada econômica no Brasil começaram a aflorar. No plano internacional, o mergulho da Eurozona sinalizava que a recuperação da economia mundial não viria como resultado das medidas monetárias tomadas pelos bancos centrais líderes. No Brasil, o sucesso das políticas anticíclicas adotadas após a crise de 2008 levou a um paradoxo fundamental: como prosseguir com essas políticas anticíclicas na arquitetura de um modelo de estabilização tão procíclico como o do Tripé Macroeconômico adotado pelo país. Evidentemente, a corda iria arrebentar para algum lado. E arrebentou para o lado da robustez macroeconômica, fazendo do investimento o grande perdedor de longo prazo.

Sob a ótica da oferta, o ciclo anterior de expansão (2004-2010) ocorreu em meio a um quadro muito favorável de preços internacionais dos bens commodities nos quais a economia brasileira é relativamente especializada, que pode ser atribuído, de forma simplificada, ao chamado efeito China que preponderou nesses anos. Mas a expansão dos serviços, especialmente comércio, transportes, e serviços prestados às famílias, também constituiu uma fonte dinâmica tão ou mais relevante, como consequência do efeito renda que se estabeleceu no mercado interno.

A contribuição da indústria manufatureira (não-commodities) foi minimizada pelo “vazamento” para fora decretado pela perda de competitividade relativa trazida pelo período muito longo de apreciação cambial conjugado à estagnação da produtividade e forte ampliação dos custos sistêmicos da produção.

Com o esgotamento do ciclo anterior que se dá a partir de 2011 teve lugar uma reviravolta. Ao invés de premiar, os mercados internacionais de commodities passaram a penalizar a economia brasileira enquanto o dinamismo dos serviços, totalmente dependente que era do efeito renda, literalmente evaporou. Projeções que se possam fazer para frente indicam ser inevitável que, sem o impulso da demanda, os preços dos serviços acabem cedendo como, aliás, a despeito das defasagens, vem sendo gradualmente captado pelos índices de inflação. Mais cedo ou mais tarde, essa trajetória de queda de preços irá disparar um intenso processo de aumento da produtividade dos serviços, que implicará novas tensões sobre a economia brasileira.

A saída da crise, quando vier, vai envolver, necessariamente, a viabilização de novos blocos de investimento. E onde estarão essas oportunidades? Não é preciso ter uma bola de cristal para responder que uma parcela importante virá da infraestrutura. Mas há um outro bloco de investimentos, talvez menos visível, que poderá vir exatamente do processo de modernização dos serviços acima discutido. Ambos acarretam um crescimento da importância da indústria no fornecimento de insumos intermediários e bens de capital mais sofisticados que serão necessários.

Daí decorre uma conclusão cristalina. Dificilmente a retomada virá sem que se recomponha o papel indutor da indústria como motor do crescimento. Mas atenção: será uma nova indústria. E é exatamente nas políticas voltadas para a promoção dessa nova indústria que está a saída. (Valor Econômico – 10/10/2016)

David Kupfer é diretor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ). Escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: gic@ie.ufrj.br.


Fonte: pps.org.br


Mesmo com retomada do crescimento, classes D e E terão mais 1 milhão de famílias em 2025, diz estudo

Sem alívio para os mais pobres

Estica, aperta e corta se tomaram palavras de ordem para lidar com o desemprego e a alta de preços na casa de Glória de Oliveira Brito e Anderson Ornelas, ambos de 42 anos. Depois que Anderson perdeu o cargo de gerente num areal, no início do ano, a renda da família foi reduzida a um terço, para R$ 1.300. A rotina sofreu mudanças drásticas: TV a cabo é coisa do passado, assim como as idas ao shopping e a lanchonetes com as três crianças — Maria Fernanda, de um ano e 7 meses, Daniel, de 6 anos, e Gabriela, de 10 —, que abandonaram as aulas de judô e balé. As viagens habituais para Belo Horizonte e para a Região dos Lagos já não fazem parte dos planos. E até os livros escolares dos filhos mais velhos de Glória só puderam ser comprados no meio do ano.

Nos últimos anos, desde que a economia mergulhou na recessão, o cotidiano das famílias de baixa renda se tornou mais austero. E tudo indica que o cenário vai demorar a mudar. Estudo da Tendências Consultoria Integrada mostra que, até 2025, haverá expansão da pobreza mesmo com a perspectiva de retomada da economia. As famílias das classes D e E — com renda mensal de até R$ 2.166 — continuarão a crescer e chegarão a 41 milhões. A comparação das projeções para este ano e o de 2025 indica que as classes D e E devem ganhar mais um milhão de famílias. Diversos fatores contribuem para a projeção, como a migração de famílias da classe C que não conseguem manter o padrão de vida conquistado, e o surgimento de novas famílias, que se formam em condições piores.

A deterioração do cenário impressiona, especialmente à luz das conquistas da década passada. Entre 2006 e 2012, quando o Produto Interno Bruto (PIB) crescia, em média, 4% ao ano, 3,3 milhões de pessoas ascenderam das classes D e E para a C, que abrange lares com renda entre R$ 2.166 e R$ 5.223, de acordo com o critério de classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep). Com a recessão e a alta da inflação, os ganhos desse período se perderam de 2014 a 2016, período em que as classes D e E tiveram aumento de 3,5 milhões de famílias. Com base no estudo, nem mesmo uma década será capaz de aliviar integralmente os efeitos da recessão. O aumento na base da pirâmide deve ocorrer em ritmo mais moderado, mas, ainda assim, somente de 2019 a 2025, período para o qual se prevê expansão da economia, serão mais 438 mil lares.

— Quando você conduz mal a política econômica, deixa a inflação subir, as mais prejudicadas são as famílias de menor renda. Aliado a isso, se deixou que os gastos públicos subissem muito. A combinação de BNDES inchado, isenções de impostos e incentivos a setores não beneficiou os mais pobres. A economia mais fechada e com viés estatizante impediu maior concorrência e oferta de preços menores. Isso privilegia alguns poucos e prejudica a maioria — avalia Adriano Pitoli, economista, autor do levantamento e diretor da área de Análise Setorial e Inteligência de Mercado da Tendências.

MODELO FRÁGIL DE MOBILIDADE SOCIAL

O problema nos próximos anos, segundo Pitoli, é que a “fórmula mágica” que permitiu a ascensão dos mais pobres entre 2006 e 2012 — com expansão do consumo das famílias no dobro da velocidade do PIB e ampla criação de vagas para mão de obra menos qualificada em comércio e serviços — não deve se repetir. Especialistas destacam também outros componentes que impulsionaram a mobilidade social na década passada, como a política de valorização do salário mínimo, que acumulou crescimento real de 72,31% entre 2003 e 2014, o crédito facilitado, a inflação controlada e a entrada de mais mulheres no mercado de trabalho.

— Há muita coisa errada para consertar na economia. O mercado vai continuar muito fraco. As empresas vão demorar a voltar a contratar. Daqui por diante não tem mágica. As famílias vão ter de se acostumar a viver com menos por mais tempo — resume Pitoli. Com o quadro adverso na economia nos últimos anos, o nível de endividamento das famílias saltou de 18% da renda em 2005 para 30% no ano passado. Para especialistas, a rápida deterioração evidencia a vulnerabilidade do último quadro de expansão.

— Chama a atenção a intensidade do movimento. Ele sugere uma fragilidade da mobilidade social promovida anteriormente. É claro que é bom ter geladeira, carro, televisor e viagem de avião, mas não torna permanente a capacidade de a pessoa se sustentar, dar educação e saúde de qualidade aos filhos — avalia Gesner Oliveira, economista, professor da FGV e pesquisador na área de infraestrutura social.

Para as famílias que sentem no dia a dia o retrocesso na qualidade de vida, o jeito é se adaptar ou escolher criteriosamente quais gastos preservar. Glória e Anderson, que estão desempregados, tiveram de abrir mão do conforto de viver numa casa de dois andares, em Bangu. Eles alugaram o térreo a uma outra família. Junto com o aluguel de outro imóvel, herdado por Glória, esta se tornou a renda familiar no momento. Além de jogo de cintura, a mudança exigiu que eles transferissem a cozinha para o terraço e instalassem uma escada caracol para garantir o acesso direto ao segundo andar. Segundo Glória, a prioridade é preservar a qualidade da alimentação dos filhos.

— Eles têm de ter na mesa aquilo ao que já estão acostumados. A gente deixa de comprar roupa, estica dali, mas não corta alimentação. Os meses que meu marido trabalhou na Ceasa foram ótimos. Ele podia trazer para casa o que não era vendido. Chegava com “tonelada” de inhame, melancia, brócolis e couve-flor — conta Glória, em referência a um bico de três meses que o marido fez transportando alimentos.

PERDA DE BEM-ESTAR

Para Miguel Foguel, economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nas áreas de mercado de trabalho e desigualdade, a perda de bem-estar é um dos efeitos mais duros sobre as famílias, principalmente porque pode respingar na educação:

— Não é de se estranhar que crianças deixem de ir à escola para trabalhar ou que jovens adiem a entrada na faculdade pela mesma razão.

Apesar do prognóstico negativo para os próximos anos, Carlos Antonio Costa Ribeiro, sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj, avalia que a perda – de bem-estar é longe de ser irreversível. Ele aponta duas razões: a chamada mobilidade intergeracional, que mede se os filhos vivem em condições melhores que os pais, tem mostrado resultados positivos, e o ritmo menor de crescimento da população: — As pessoas estão tendo menos filhos. O Brasil tem taxa de reposição menor do que dois, está em 1,8 filho por família. Se a população diminui, e o sistema educacional continua se expandindo, isso significa menos gente entrando na economia ao longo do tempo, com maior escolaridade.

Oliveira condiciona a sustentabilidade da ascensão de classe à melhoria do que chama de infraestrutura social: educação, saúde, saneamento básico e segurança:
— Precisamos de foco na eficiência e na qualidade da infraestrutura social para obter resultados melhores do que as projeções. Caso a família perca o plano de saúde e a possibilidade de manter o filho em escola particular, poderia encontrar bons hospitais públicos. Um grande investimento nessas áreas pode fazer a diferença e criar ascensão social mais lenta. Com isso, não ocorreriam grandes movimentos de consumo ou euforia, mas a construção de uma nação mais igualitária.

Enquanto a realidade se mostra menos acolhedora, as pessoas se adaptam como podem: topam ganhar menos, fazem trabalhos temporários, dirigem Uber ou trabalham por conta própria, lista Foguel: — Elas aceitam para se defender, mas acabam contribuindo para piorar a renda.

Glória está desempregada há três anos. Reclama que o mercado é cruel com quem tem mais de 40 anos e três filhos. Desde então, a técnica em TI só conseguiu um trabalho temporário de três meses, durante os Jogos Olímpicos. Comemorou como se fosse promoção:

— Trabalho desde os 15 anos. É muito difícil ser só dona de casa. Cansa. Mexe com o emocional. Resolvi aceitar essa oportunidade e invertemos os papéis. Foi ótimo. O Anderson cuida das crianças melhor do que eu. É muito rígido com os horários: elas dormiam cedo, só faziam as refeições na mesa, e, antes do meio-dia, o almoço estava pronto.

Glória cansou de procurar emprego. Investiu R$ 400 em equipamentos e montou um salão de beleza em casa, que deve abrir esta semana. Anderson vai usar a experiência na direção para trabalhar como motorista do Uber. Esperam, assim, aumentar a renda da família em, pelo menos, R$ 1.000.

Por: Daiane Costa – O Globo


Fonte: pps.org.br