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Adriana Fernandes: Guedes aposta em vitória de Lira para reapresentar proposta de nova CPMF
À frente nas intenções de voto para a sucessão na Câmara, deputado do PP já disse que colocaria tema em discussão, diferentemente do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia; novo imposto compensaria redução de encargos sobre salários
BRASÍLIA - A proximidade das eleições para o comando da Câmara e do Senado, marcadas para 1.º de fevereiro, recolocou de novo a proposta de criação de um tributo sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF, na agenda da equipe econômica. Desta vez, com uma alíquota mais baixa.
A expectativa é grande porque o candidato apoiado pelo Palácio do Planalto na Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) – que até agora aparece à frente das intenções de voto, segundo placar do Estadão –, já se manifestou no ano passado favorável ao tributo, com a condicionante de que fosse aprovado com uma alíquota menor.
Nos últimos dois anos, a proposta já entrou e saiu diversas vezes da agenda do governo, mas a avaliação da equipe econômica é que o cenário do mercado de trabalho pós-pandemia vai abrir o caminho para que ela ganhe força. Isso porque a promessa é que o novo tributo, que seria cobrado de todas as transações, poderá compensar uma redução nos encargos cobrados das empresas sobre os salários dos funcionários. Na teoria, a redução estimularia a abertura de mais vagas de trabalho, com custo menor.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, deu sinais, nas últimas duas semanas, que pode voltar com a proposta após as eleições do Congresso.
Como mostrou reportagem do Estadão na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro já sinalizou para caciques do Congresso que aceitaria uma alíquota de 0,10% para o novo tributo. Esse porcentual seria cobrado tanto no débito como no crédito, na retirada e no depósito de recursos, ou seja, nas duas pontas.
Quando o apoio dos líderes dos partidos ao novo tributo tinha sido costurado para o anúncio em reunião no Palácio da Alvorada, o presidente, Jair Bolsonaro, chamou os seus líderes na Câmara, Senado e Congresso e abortou a medida. Com uma alíquota de 0,10%, a arrecadação prevista é de R$ 60 bilhões.
Um integrante da equipe econômica, que falou na condição de anonimato, disse que Guedes é persistente e que não desistiu da ideia porque considera a desoneração essencial para avançar com a agenda de aumento em massa do emprego. O foco será mostrar que não se trata de aumento da carga, porque os impostos sobre os salários seriam desonerados. Na visão do governo, uma medida compensaria a outra. Ou, como já disse Guedes, se colocaria um “imposto feio” (a nova CPMF) no lugar de um “horroroso” (a cobrança sobre os salários).
Num cenário de vitória de Arthur Lira, acredita-se que o apoio do presidente será conquistado, já que ele já tinha sinalizado essa possibilidade com alíquota de 0,10%.
O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sempre se colocou contra a volta da CPMF e chegou a afirmar que, enquanto comandasse a Casa, o novo tributo não seria discutido entre os deputados. Esse foi um dos motivos da desavença entre Guedes e Maia que acabou atravancando a tramitação da proposta de reforma tributária – paralisada no ano passado.
Oposição
Ao Estadão, o principal concorrente de Lira na sucessão de Maia, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), disse que a CPMF é um imposto muito ruim. “Não tem espaço para aumento da carga tributária. A nossa reforma tributária, que é a PEC 45, com ajustes da PEC 110 e o projeto do governo, vai ajudar a geração de empregos e a retomada da economia”, disse Baleia. “Não vejo a CPMF tendo algum impacto positivo na economia, senão aumentar a carga tributária. Não é bom.”
Baleia Rossi lembrou que o Brasil está vivendo um processo de desindustrialização da economia, evidenciado pela saída da Ford do País. “A reforma tributária em discussão na Câmara tem condições de reverter esse processo”, disse Baleia, que é o autor da PEC 45.
A reforma tributária em tramitação na Câmara (PEC 45) substitui cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). A alíquota estimada para não alterar a arrecadação é de 20% a 25%. A receita seria compartilhada entre União, Estados e municípios.
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Vinicius Torres Freire: CPMF de Guedes e pedalada param Congresso e ameaçam povo com mais fome
Está uma zorra total e não vai haver Carnaval. A pedalada do Renda Cidadã subiu no telhado ou, pelo menos, o governo tenta dourar a pílula da moratória dos precatórios, que o povo do mercado e quase todo mundo cuspiu. Na Câmara, há estranhamento entre parte dos parlamentares de DEM, MDB e PSDB e outros que querem tocar a reforma tributária e o centrão, que assumiu de vez o comando parlamentar do governo. Graças ao sururu causado pela CPMF, mas não apenas, a mudança dos impostos está indo para o vinagre. O resto do ano no Congresso fica cada vez mais curto.
Paulo Guedes tenta sair de fininho do vexame do plano pedalada. Além do mais, se estranha cada vez mais com Rodrigo Maia, até agora condestável das reformas, cada vez mais desafiado pelo centrão, se por mais não fosse porque começou a disputa pela presidência da Câmara em 2021.
Segundo o padrão bolsonarista de disseminar “fakes” e tirar o corpo fora, Guedes disse nesta quarta-feira que “há boatos” de que Maia e a esquerda fizeram acordo para barrar privatizações”, aquelas que, no entanto, o governo não consegue organizar ou mandar para o Congresso.
Maia respondeu que Guedes está “desequilibrado” e recomendou que o ministro da Economia veja “A Queda”. Hum.
Trata-se do filme que deu origem àquela série de memes com paródias da cena do chilique de Hitler. Narra a vida no bunker nazista em Berlim, sob fogo dos soviéticos. A interpretação mais benevolente da dica de Maia é que Guedes poderia aprender algo com a história de um bando de psicopatas assassinos à beira do fim, ainda mais alheados da realidade, presos a uma bolha física e mental.
Os líderes do governo no Congresso ainda querem tocar o Renda Cidadã tal como anunciado, com moratória de precatório, com Fundeb, com pedalada, com tudo. Gente do Planalto e mesmo Guedes tentam adoçar o remédio e dizem que o plano do governo “não é bem assim”.
Hum. É ou era.
“É um prazer, uma honra e uma satisfação, presidente, poder anunciar o teu programa”, discursou o senador Márcio Bittar MDB-AC) antes de explicar de onde viria o dinheiro do Renda Cidadã. Depois de assim cumprimentar Jair Bolsonaro, Bittar contou que o programa seria financiado com moratória de precatórios e com parte de recursos federais para a educação básica.
Isso foi na segunda-feira de tarde. Na quarta-feira, Guedes chamou a ideia de “puxadinho”, entre outras desqualificações. O ministro estava no palanque do anúncio do Renda Cidadã e então nada disse a respeito. Já era contra o plano? No Planalto, há quem diga que o ministro não gostara mesmo da ideia; há quem o acuse de querer pular fora do barco que furou.
Também no dia do anúncio, Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, disse que Guedes foi consultado e que Bolsonaro “validou” o que ele e Bittar chamaram de “solução final” para o Renda Cidadã. Como dizia o surfista da caricatura dos anos 1980, “ó u auê aí, ó”: olha a confusão.
Guedes afirmou também nesta quarta-feira que o Renda Cidadã terá dinheiro da fusão de vários programas sociais, 27 deles, segundo o ministro, embora Bolsonaro seja contra “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”. Seja lá como for, todas as “soluções finais” aventadas até agora dependem da aprovação de alguma mudança na Constituição, caso se queira conseguir um dinheiro bom para ampliar o Bolsa Família.
Dá tempo? Daqui a três meses, acabam de vez os auxílios emergenciais. Algo vai acontecer: mais fome, sururu no mercado ou “tirar de pobres para paupérrimos”.
Celso Ming: Umas e outras maldades de uma nova CPMF
Quanto mais se examinam as distorções que esse tributo pode trazer, mais ele se torna inaceitável
Dia após dia, vão aparecendo novas maldades embutidas no projeto da nova taxa sobre movimentações financeiras, cujo nome, sobrenome e sigla seriam Imposto sobre Transações Financeiras, ITF.
Na última quarta-feira, a assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, confirmou que esse novo tributo não se restringiria apenas a operações digitais, como tantas vezes afirmara o ministro Paulo Guedes. Mas, como disse ela, alcançará “todas as transações da economia”.
Também não é verdade que se trata de uma alíquota baixa, de apenas 0,2%. Ela incidirá sobre as duas pontas de cada transação, tanto sobre quem paga quanto sobre quem recebe. Ou seja, a alíquota verdadeira é 0,4%, mais alta do que o 0,38% cobrado pela antiga CPMF, que atingia apenas a ponta do pagamento.
Isso significa muita coisa. Recolherá o ITF tanto quem estiver pagando pelo pãozinho com cartão de crédito como também o padeiro. Significa, também, que o contribuinte brasileiro pagará também pelo consumo no exterior. Se ele liquidar sua conta com cartão de crédito, terá de recolher automaticamente os 6% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre câmbio (conversão da moeda estrangeira em reais), mais o 0,2% dessa nova taxa. O turista estrangeiro que quitar suas contas no Brasil com cartão de crédito não estará sujeito ao imposto, mas quem dele receber terá de recolher sua parte.
Se o que a assessora especial Vanessa Canado está dizendo for confirmado e se todas as transações financeiras estiverem sujeitas a esse tributo, então teremos uma penca de distorções no sistema financeiro do País.
A primeira delas está na Bolsa. Pagar mais 0,4% por compra e venda de ações pode comer um pedaço importante do retorno da operação. Os negócios day trade, por exemplo, poderiam ficar inviabilizados. O mercado secundário perderá liquidez, com prejuízo para todo o mercado de capitais.
E vejam a situação da caderneta de poupança. Hoje, o rendimento mensal não passa de 0,125%. Se o depósito já comerá 0,2%, porque será preciso transferir da conta corrente para a conta de poupança, e se a retirada comerá outro 0,2%, então, só esse imposto estará queimando mais de três meses de rentabilidade.
Impacto semelhante acontecerá sobre os fundos de investimento que já estão sujeitos ao Imposto de Renda e à taxa de administração – e, com o novo imposto, terão sua rentabilidade corroída por mais 0,2% no momento da aplicação e outro 0,2% no momento da retirada. Ou seja, o estrago desse imposto sobre o rendimento do mercado financeiro, num ambiente de juros reais quase negativos, será substancialmente maior do que no tempo da CPMF, quando os juros básicos eram superiores a 10% ao ano.
Se esse ITF for aprovado, outra distorção será a enorme propensão ao uso de dinheiro vivo para pagamento de contas, que seria para fugir pelo menos de uma perna do imposto. O padeiro, acima citado, por exemplo, preferirá receber em dinheiro. E o mesmo acontecerá com outros recebedores de pagamentos: o feirante, o médico, a escola, o dentista… Por aí se vê que a demanda por papel-moeda tenderá a se multiplicar a ponto de não haver lobo-guará que dê conta do serviço.
Para evitar pagamentos em moeda, o governo parece propenso a adotar os dispositivos do efeito Ives Gandra. Explicação: o tributarista Ives Gandra Martins, nesse episódio mui amigo do contribuinte, sugeriu ao governo que um grande número de “pagamentos por fora”, feitos com o objetivo de fugir ao ITF, poderia ser evitado se a PEC do novo tributo incluísse cláusula que torna inválidas transações cuja taxa não tivesse sido recolhida.
Assim, negócios com imóveis, com veículos e outras operações que exijam registro em cartório ou equivalente perderiam validade caso o interessado não apresentasse algum comprovante do devido recolhimento do tributo.
Nas últimas semanas, apareceram mais análises que diziam mais ou menos o seguinte: esse novo imposto é mesmo perverso, mas é melhor engolir essas perversidades e garantir as receitas necessárias para a recuperação da atividade econômica do que continuar no sufoco em que estamos.
Mas quanto mais se examinam as distorções que esse tributo poderá trazer, mais ele se torna inaceitável.
Míriam Leitão: De longe, Cintra vê uma CPMF
Longe do governo há quase um ano, o ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra reconhece a sua proposta de reforma tributária nas declarações do ministro Paulo Guedes, quando ele fala sobre a criação de um imposto digital. Cintra diz que pela arrecadação esperada, a base de tributação não pode ser apenas as grandes empresas de tecnologia, mas todas as transações financeiras. Ou seja, algo semelhante a uma CPMF. Ele acha que o governo tem errado ao não expor o projeto na íntegra, porque isso tem gerado ruído e aumento de resistência à reforma. E afirma que o presidente Jair Bolsonaro foi o primeiro a interditar o debate sobre o novo tributo.
Em uma longa conversa com a coluna, o economista Marcos Cintra falou sobre o que ele define como imposto de pagamentos e as vantagens que vê nesse tipo de tributo. Ele acredita que esse é o único caminho para destravar a reforma tributária e diz que é exatamente isso que o governo pretende apresentar na quarta fase do projeto, pelo que tem entendido das declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes.
— Com muita sinceridade, tudo indica que é o mesmo projeto que estava pronto há um ano atrás. Foi apenas recalibrado. O próprio ministro falou isso na Comissão. A alíquota de 0,2% de cada lado, para gerar R$ 60 bilhões, tem que ter a base mais ampla possível. Então seria o que estava se discutindo lá atrás e que gerou a interdição do debate, primeiramente pelo presidente da República, o que levou à minha exoneração, e depois pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que disse que não o colocaria em pauta — explicou.
Ontem, em artigo no GLOBO, o economista Rogério Werneck, da PUC-Rio, mostrou que a arrecadação da CPMF, em 2007, foi de R$ 36,5 bilhões. Pela alíquota cobrada na época, de 0,38%, a base de incidência do imposto teria que ser R$ 9,6 trilhões, mais de três vezes o PIB daquele ano. Isso comprovaria o forte efeito cumulativo do tributo. “A mágica decorria da incidência em cascata da CPMF que dava lugar a uma base fiscal fictícia”, escreveu Werneck. Marcos Cintra entende que essa incidência em cascata é um problema menor diante da alíquota elevada que uma contribuição como o IVA teria sobre o setor de serviços.
— Eu prefiro um imposto cumulativo de alíquota de 1% do que um imposto de valor agregado com alíquota de 12%. O fatiamento do projeto foi um grande erro do governo, porque impediu as pessoas de verem o conjunto e os benefícios de um imposto de transações — defendeu.
O ex-secretário concorda com quem afirma que a proposta do governo é diferente do que tem sido discutido na Europa. Por lá, apenas a Hungria tem um imposto nos moldes da CPMF, segundo Cintra. O que se discute na França e na Inglaterra é uma forma de taxar as grandes empresas de tecnologia — em um imposto muito parecido com a nossa Cofins — mas ele avalia que isso teria um potencial de arrecadação baixo no Brasil. Por esse caminho, não seria possível desonerar a folha de pagamentos e compensar o setor de serviços pelo aumento de carga de um Imposto de Valor Agregado (IVA).
— Sem compensar os setores de serviços e agropecuário não haverá reforma tributária, porque eles terão um aumento grande de carga e vão inviabilizar a tramitação. E um imposto apenas sobre as grandes empresas de tecnologia não arrecada o suficiente para desonerar a folha.
Na Comissão Mista do Congresso, na última quarta-feira, Paulo Guedes falou que comparar o imposto digital a uma CPMF é maldade ou ignorância. Cintra diz que é preciso que o governo venha a público e apresente a proposta:
— Fica-se apenas com as críticas e o preconceito que se tem contra esse imposto. O governo deixa alimentar esse tipo de inquietude, sem esclarecer como funciona o tributo, qual é a base, quais são as regras.
O economista diz que deixou o governo sem mágoas, porque não via sentido em participar de uma reforma sem que fosse para tentar um imposto de pagamentos — que é seu objeto de estudo de toda a vida. Agora, de longe, vê a mesma proposta ser retomada, mas sem que o governo tenha coragem de a assumir publicamente.
Os argumentos dos que são contra a CPMF me convenceram. Mas aqui estão os de Cintra, que a defende. Enquanto o ministro não apresenta seu projeto, o país perde tempo discutindo sobre hipóteses.
Rogério F. Werneck: Guedes e o terceiro cenário da CPMF e o Congresso
Aprovação da contribuição seria derrota da ala parlamentar mais lúcida
Com sua obsessiva fixação pela recriação da CPMF, o ministro da Economia não só vem tumultuando o esforço de reforma tributária do Congresso, como arrisca dar força decisiva à coalizão contrária à preservação do teto de gastos. É fácil entender por quê.
Nunca é demais relembrar o que há de profundamente errado com a CPMF. Em 2007, último ano em que foi cobrada, com alíquota de 0,38%, a extinta contribuição permitiu que o governo arrecadasse nada menos do que R$ 36,5 bilhões. A divisão do valor da arrecadação pela alíquota de 0,0038 revela o assombroso valor da base fiscal sobre a qual incidia a CPMF: R$ 9,6 trilhões. Cifra mais de três vezes e meia o PIB de 2007!
A mágica decorria da incidência em cascata da CPMF, que dava lugar a uma base fiscal fictícia, sem contrapartida econômica real, em contraste com o que ocorre com formas mais civilizadas de tributação, que incidem sobre renda, consumo, valor adicionado, folha de pagamento e riqueza. Uma alíquota “diminuta” sobre uma base gigantesca e artificial. O sonho da tributação populista.
Mas Paulo Guedes continua obcecado. Quer porque quer que o Brasil se junte ao grupo exclusivo de países nada exemplares que impõem esse tipo de tributo: Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia, Honduras, República Dominicana, Venezuela, Hungria, México, Paquistão e Sri Lanka.
No afã de quebrar resistências à recriação da CPMF, o ministro deixou de lado sua proposta mais simples de compensar, com a receita do novo tributo, a perda de arrecadação que adviria da redução de encargos sobre a folha. A CPMF passou a ser vendida agora como um tributo de 1.001 utilidades que, além da desoneração da folha, permitiria bancar novos dispêndios, como o programa Renda Brasil e até mesmo, assegurou Guedes, “reduzir, cinco, seis, sete, oito, dez impostos”.
O ministro não percebeu que está brincando com fogo. Sua tentativa de quebrar as resistências do Congresso à criação da CPMF pode acabar tendo três desfechos distintos. No primeiro cenário, tais resistências se mostrariam insuperáveis. No segundo, o ministro teria pleno sucesso. Convenceria o Congresso não só a recriar a CPMF, como a dar à receita do novo tributo as exatas destinações que Guedes tem em mente.
Mas há ainda um terceiro cenário, altamente provável, que parece ter escapado a ele. É bem possível que o Congresso, afinal, se encante com as múltiplas possibilidades desse tributo de tão “fácil arrecadação” que é a CPMF. E tão encantado fique, que prefira tomar para si a tarefa de alocar como bem entender a “folga fiscal” que deverá advir da receita do novo tributo. Quando se trata de distribuir benesses, o Congresso tende a dispensar tutela. Prefere suas próprias ideias.
A aprovação da CPMF representaria séria derrota da ala parlamentar mais lúcida, que vem tentando vertebrar a agenda de reforma fiscal. E deixaria a Câmara e o Senado muito mais propensos a compactuar com uma condução irresponsável da política fiscal, num quadro em que, é bom lembrar, o governo não tem nenhum poder de bloqueio no Congresso.
A preservação do teto tem sido ajudada pela percepção de que não há disponibilidade de recursos fiscais para bancar uma expansão de gastos. Com a CPMF, tudo pareceria mais fácil. Bastaria uma “pequena” elevação de alíquota para abrir amplo espaço para gastos adicionais.
Dentro do próprio governo, ganham corpo as pressões contra o teto de gastos. Ministros influentes se batem pela expansão de investimentos públicos. Generais querem que projetos militares sejam excluídos do teto. E o próprio presidente, já em campanha aberta, parece fascinado com a possibilidade de turbinar o Bolsa Família e se transformar em novo Lula, no Nordeste.
A menos que o plano de jogo tenha passado a ser reeleger Bolsonaro a qualquer custo, com apoio da pior parte do centrão, o ministro deveria se preocupar com quão desastroso poderá lhe ser o terceiro cenário, caso ainda pretenda retomar a agenda fiscal anterior à pandemia.
Zeina Latif: Já assistimos a esse filme
Guedes enfrenta uma queda de braço com ministros que pressionam por mais gastos
O presidente Bolsonaro sentiu o gosto do impacto do auxílio emergencial sobre sua popularidade. Não será mais o mesmo, o que implica maior risco fiscal daqui para frente.
A sensação é de déjà vu. Uma grave crise justificando políticas de estímulo econômico, em meio a demandas legítimas ou não. Na corrida em que ninguém quer ficar para trás, a classe política se regozija com as frentes de negociação abertas e as benesses a vários grupos organizados. A maioria aplaude; os críticos ora são ignorados, ora taxados de pessimistas, ora acusados de insensíveis. Cedo ou tarde, a conta chega.
A crise de 2008 foi gatilho para uma miríade de medidas de estímulo. Não tardou para excessos serem cometidos, quando já se recomendava a suspensão das políticas. A disciplina fiscal, pilar dos primeiros anos do governo Lula, foi para as calendas. O crescimento de 7,5% do PIB em 2010 foi, em boa medida, artificial. Eleição vencida.
Dilma dobrou a aposta com estímulos e artificialismos para todo lado. Cruzou o limite da responsabilidade. Vale o dito: remédio demais é veneno. A reeleição foi garantida em 2014 e se adiou uma recessão contratada.
O início daquele filme guarda semelhanças com o momento atual.
Bolsonaro não é afeito a reformas – declarou que fazia a da Previdência a contragosto – e repetidamente freia o Ministério da Economia – como ao evitar reformas que afetam o funcionalismo – e os técnicos do governo – como ao ameaçar demitir quem questionasse o fim do subsídio à energia solar. Seu comportamento influencia o Congresso. Afinal, por que ser mais realista que o rei?
A concorrência na política, um pilar da democracia, se distorce quando o assunto é aumentar gastos. A descrença da sociedade no Congresso exacerba a dificuldade de defender a disciplina fiscal.
Já nos EUA, há o saudável debate no Congresso sobre a extensão do benefício aos desempregados. E os republicanos, disputando a reeleição de Trump, defendem a interrupção em setembro! Aqui, nem sombra disso.
Como se não bastasse, o presidente está em mutação. Populista e pragmático, ele se molda aos novos tempos. Especialistas, como Maurício Moura, apontam mudanças na sua base de apoio: saem os decepcionados das classes mais favorecidas e entram os estratos mais populares beneficiados pelo generoso auxílio emergencial. Essa nova dinâmica poderá implicar inflexão da agenda econômica.
Faltam fiadores da disciplina fiscal no governo. Paulo Guedes, isolado, enfrenta uma queda de braço com ministros que pressionam por mais gastos. Não falta criatividade para evitar as amarras fiscais previstas em lei. Chegou-se a imaginar uma conta de restos a pagar às avessas: libera-se o recurso para investimento em infraestrutura e habitação este ano, por meio de crédito extraordinário para emergências e executam-se as obras depois. Dupla criatividade: nem seriam gastos elegíveis a crédito extraordinário, nem faria sentido liberar o recurso antes da execução.
A lista de pedidos é extensa, incluindo a capitalização de estatais ligadas ao Ministério da Defesa; vinculação de 2% do Orçamento para as Forças Armadas; prorrogação da desoneração da folha; e criação da renda básica (meritória, desde que bem desenhada). Fora o que já foi aprovado, como a expansão do BPC e o novo Fundeb.
Especula-se estender o período de calamidade pública (implica suspensão das regras) para cobrir as medidas de caráter temporário. E as de caráter permanente? Há cheiro de flexibilização da regra do teto e de aumento de carga tributária (para atender à Lei de Responsabilidade Fiscal) no ar. Não há propostas de contenção de gastos obrigatórios.
Não estamos diante de riscos extremos, com a revogação da regra teto e desrespeito explícito à LRF, a julgar pela reação dos investidores e das instituições de controle (TCU). Seria algo intermediário, tentando preservar as aparências, mas preocupante diante da grave situação fiscal.
É preciso mudar o enredo desse filme.
Míriam Leitão: Os ricos e os pobres na visão de Guedes
O ministro Paulo Guedes vê a ação de ricos se escondendo atrás dos pobres nas críticas a um imposto sobre movimentação financeira. Na ida dele à Comissão Mista do Congresso sobre reforma tributária, o ponto mais tenso foi sempre a CPMF. Não aceitou o nome, mas diante de qualquer referência a ele Guedes ou se defendia ou atacava. Disse que só “maldade ou ignorância” levam as pessoas a comparar o imposto que ele quer criar com a velha CPMF. Ele falou isso num disparo contra o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da reforma. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) disse que no caso dela era “ignorância” porque ignora qual é a proposta do governo, dado que ela ainda não foi apresentada.
Somando-se todas as falas, fica claro que, sim, o ministro pensa em tributar as transações financeiras. Mas ele diz que é apenas um imposto sobre as grandes empresas de tecnologia. Paulo Guedes defendeu a tese de que os ricos no Brasil falam em regressividade da CPMF para se esconder atrás dos pobres.
— Se eu falar que há alinhamento com um imposto de movimentação financeira, Deus me livre. Já caiu o Secretário da Receita, cai todo mundo que fala disso. Parece que é um imposto interditado. Muita gente não quer deixar as digitais em suas transações. Escondido atrás do pobre. Se o pobre que ganha R$ 200 de Bolsa Família, e falar que é um imposto de 0,2%, são R$ 0,40. Qualquer aumento de R$ 10 ou R$ 30 já tirou. Não dá para rico se esconder atrás de pobre. O rico é o que mais faz transações, o que mais consome serviços digitais. E está isento. Esconde atrás do pobre — disse o ministro.
Tudo é mais complexo. O imposto distorce preços, camufla a carga tributária, é indireto. E quem demitiu o secretário da Receita que falou no assunto foi o presidente Jair Bolsonaro.
Logo no começo da sessão, o ministro criticou o relator. Disse que Aguinaldo Ribeiro havia cometido um excesso quando disse que o imposto (a CPMF) era medieval:
— Ele sugeriu que a Google e o Netflix existiam na Idade Média quando falou que o imposto digital é medieval. Os padres, os bispos nas catedrais góticas usavam Netflix, Google, Waze.
O deputado João Roma (Republicanos-BA) disse que o relator se referia ao “absolutismo” de um governo que impõe um tributo sem explicar qual é. A senadora Simone Tebet propôs que o governo mostrasse todo o seu projeto:
— Vossa excelência diz que quem está falando de CPMF é por maldade ou ignorância. Eu me incluo entre os ignorantes. Eu quero entender se essa contribuição vai atingir as plataformas ou qualquer um que com um cartão de crédito compre um remédio na esquina.
O ministro não tirou a dúvida da senadora. E reclamou da imprensa, que o faz, segundo ele, ficar o tempo todo se defendendo. Perguntado pelo senador Reguffe (Podemos-DF) se atualizaria a tabela do Imposto de Renda, ele disse que fez as contas:
— Custa R$ 22 bilhões elevar a faixa de isenção para R$ 3 mil. É um Fundeb. Se for estendido às demais faixas a conta vai para R$ 36 bi. A classe política tem de decidir isso. O congressista foi eleito para tomar decisão.
Guedes lembrou que não atualizar a tabela do IR é uma forma oculta de tributar, mas atualizar seria indexar. Em outros países, disse, “todo mundo entende inflação como perda”. Na época da campanha, a promessa era elevar a faixa de isenção para R$ 5 mil.
O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) criticou o aumento do PIS-Cofins (CBS) sobre livros. Guedes de novo falou da divisão entre ricos e pobres:
— O deputado seguramente não quer ser isentado quando compra um livro, né? Ele tem salário suficientemente alto para comprar e pagar imposto como todo mundo. Ele está preocupado com as classes baixas. Essas, se nós aumentarmos o Bolsa Família, vamos estar atendendo. Agora, acredito que eles estão mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias que nós frequentamos.
O ministro disse que “quem tem poder em Brasília” consegue pagar menos imposto e por isso “há R$ 300 bilhões de desoneração”. E quem tem dinheiro “não paga imposto e vai pra Justiça” e assim há um contencioso de R$ 3,5 trilhões.
O que o ministro não explica é por que não cumpriu a promessa de campanha de acabar com os R$ 300 bilhões de renúncias fiscais e por que manteve as isenções da Zona Franca de Manaus, já que me disse que “não deixaria o Brasil todo ferrado” para manter a Zona Franca. Entre os conflitos verbais do ministro e os fatos há uma certa distância.
Everardo Maciel: Fora de foco
Apesar do chavão da pretensa simplificação, nenhum dos atuais projetos de ‘reforma tributária’ simplifica
A pandemia de covid-19 vem se revelando mais persistente e insidiosa do que previra a mais pessimista previsão. A rigor, estamos sob o domínio da total incerteza, não só em relação às possibilidades de superação da crise sanitária, mas também no que se refere à natureza e dimensão das repercussões econômicas e sociais.
A despeito desse quadro de incertezas, a ONU e o FMI projetam para o Brasil, em 2020, aumento de 45% no contingente de pessoas em condições de pobreza ou extrema pobreza, queda de 9% no PIB e dívida pública se aproximando de 100% do PIB.
Esses alarmantes indicadores são agravados pela severa redução na atividade comercial, iminência de extinção ou redução do auxílio emergencial, problemática liquidação do estoque de tributos cujo vencimento foi postergado e agravamento da crise fiscal, sobretudo nos Estados e municípios, pela combinação de queda na arrecadação com aumento de gastos.
Tudo isso num contexto de recessão mundial, em que se tornam escassas as perspectivas de auxílio financeiro externo. Ao contrário do que se faz no resto do mundo, seguimos executando uma política sanitária com baixa coordenação, promovendo debates sobre trivialidades e abdicando de construir um planejamento mínimo para enfrentar as consequências da crise. Esse alheamento da realidade e consequente abulia sugerem uma patologia.
No âmbito tributário, especificamente, é evidente que temos problemas, como, em maior ou menor proporção, todos os países do mundo. Mas, em vez de aprofundarmos o conhecimento desses problemas e identificarmos soluções, preferimos brandir projetos de reforma tributária fundados em surrados chavões, sem a divulgação de qualquer estudo sobre repercussões setoriais e impactos sobre preços e com agendas ocultas que escondem propósitos polêmicos.
Jared Diamond, pensador contemporâneo, em Reviravolta, ao explicar como indivíduos e nações bem-sucedidos se recuperaram de crises, ensina: “Isolar defeitos, preservar qualidades e superar problemas”. Não é o que temos feito. Entre os chavões preferidos está a pretensão de simplificar. Nenhum projeto, entretanto, simplifica.
Por exemplo, hoje, a apuração do PIS/Cofins (contribuições com a mesma legislação e pagas com um mesmo documento de arrecadação), para os contribuintes optantes do regime cumulativo, se dá mediante a singela multiplicação de uma alíquota por uma base de cálculo, o que demanda conhecimentos obtidos nas classes iniciais do ensino fundamental.
Na proposta de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços, a apuração do tributo devido por esses contribuintes se daria mediante uma complexa apuração de créditos e débitos, visto que haveria receitas que permitiriam ou não o aproveitamento de créditos. Resolver essa intrincada questão demandaria um sistema de contabilidade de custos, que permita uma apropriação integrada e coordenada com a escrituração.
Seguramente, faz-se mau uso do vernáculo simplificação. Os problemas do PIS/Cofins (litígios e regimes especiais) são de fácil solução. Litígios se concentram no aproveitamento dos direitos creditórios de insumos no regime não cumulativo, e são praticamente inexistentes no regime cumulativo. Esse litígio decorre de um erro de interpretação produzido por uma instrução normativa.
Para resolvê-lo, cabe tão somente rever a interpretação, na esteira do que tem sido decidido pelos tribunais superiores. Regimes especiais não surgiram por geração espontânea. Para revogá-los, deve-se recorrer à mesma via legal que os instituiu, respeitados os que foram concedidos por prazo certo e determinadas condições, conforme estabelece o Código Tributário Nacional.
De resto, o que se constata é o propósito dissimulado de promover uma grande redistribuição de carga tributária. Reduz-se a tributação de alguns produtos industrializados e aumenta-se, em meio à pandemia, a da mensalidade escolar, da consulta médica, do agronegócio, dos produtos da cesta básica, etc. Que intrigante lógica é esta?
*Consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)
Míriam Leitão: A velha CPMF de roupa nova
O governo tem fantasiado o novo imposto que pretende propor com roupas modernas. Segundo dizem os economistas da equipe econômica, seria o mesmo que está sendo pensado na Europa para as transações digitais. Na verdade, o que está em debate em várias partes do mundo é totalmente diferente de um imposto sobre as movimentações financeiras — eletrônicas ou não — dos consumidores. Tenta-se saber como taxar as grandes empresas da tecnologia, as mesmas que dias atrás foram interrogadas na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos para se defender da acusação de poder excessivo.
Quem explica a diferença entre uma nova versão da CPMF e o que se tenta na Europa é o economista Pedro Henrique Albuquerque, da Kedge Business School, em Marselha, na França. Ele trabalhou no Banco Central, esteve na equipe que implantou as metas de inflação e é autor de um estudo de referência sobre a CPMF e seus impactos na economia brasileira:
— O objetivo na Europa não é tributar transação financeira ou a compra e venda por cartão de crédito. É fazer as grandes corporações americanas pagarem mais impostos. Apple, Google, Facebook, Microsoft, Amazon, ir atrás das receitas dessas empresas. Uma das ideias seria um imposto eletrônico, mas se for feito, vai ter que ser de uma forma que a Amazon pague mais, mas o pequeno comerciante que vende produtos eletrônicos, não. Do contrário, seria injusto. O problema é o poder de monopólio dessas companhias, esse é o centro da discussão.
Pedro Albuquerque fez mestrado e doutorado nos Estados Unidos e há 10 anos é professor na França. No seu estudo sobre a CPMF, publicado em 2001, ainda no Brasil, ele mostrou várias das distorções provocadas pelo tributo: aumento do spread bancário, estímulo à informalidade, custo maior para os mais pobres e peso excessivo sobre as empresas menores.
— O primeiro problema desse imposto é que a base de arrecadação não é estável, pelo contrário, é altamente reativa. Quanto maior a alíquota, mais a base encolhe. É como se o Imposto de Renda tivesse como efeito diminuir a massa salarial. Não é isso que se espera de um bom imposto — disse.
Um dos argumentos que a equipe econômica tem dito, agora com a permissão presidencial para defender o imposto, é que a base de tributação é ampla. Assim paga-se pouco porque todos pagam.
Não foi o que aconteceu no Brasil com a CPMF. Ela era cumulativa, virava uma grande taxação sem transparência, e dava aos maiores a chance de escapar. Grandes empresas levaram vantagem porque usavam a sua capacidade de verticalização. Ou seja, uma grande companhia podia aumentar o número de processos produtivos internamente, para evitar a compra e venda de produtos de terceiros.
Com isso, os pequenos negócios acabavam sendo sobretaxados. Além disso, criou-se um estímulo à informalidade. Albuquerque lembra que no Brasil começou a haver muitas trocas de cheques, que passaram a exercer função de moeda:
— As grandes empresas estavam criando quase que bancos internos com sistemas de compensação. Tentaram proibir isso, mas as pessoas são criativas, e quanto maior a alíquota maior o incentivo. É um imposto regressivo.
As propostas de taxação sobre movimentação financeira vêm da esquerda europeia, explica o economista, mas como forma de impostos regulatórios, como por exemplo sobre o mercado especulativo de ações. Ou inspiradas na Taxa Tobin, do economista James Tobin, que propunha tributar grandes movimentações financeiras internacionais:
— Há várias propostas de impostos eletrônicos na Europa, mas não são impostos que vão fazer o professor pagar mais. Não é para incidir sobre aluguel, sobre compras em geral, o objetivo não é esse.
Ele explica que o que se tenta é um tributo que incida sobre uma empresa grande como a Amazon, mas não sobre uma pequena. Não é para tributar cada transação eletrônica, é para tentar de alguma forma pegar a receita de grandes empresas de tecnologia.
— Com o Google a coisa complica ainda mais. Seria ir atrás da renda de propaganda, da publicidade, que é a fonte da receita da empresa. Não é para taxar a compra do cafezinho na esquina. Seria muito difícil politicamente na União Europeia se alguém tentasse colocar um imposto na conta-corrente do europeu. Seria um escândalo — afirmou.
A expectativa é que o ministro Paulo Guedes explique nos próximos dias e semanas o que pretende, afinal.
Julianna Sofia: Guedes adere ao vale-tudo para recriar CPMF
Por inabilidade ou dissimulação, a equipe econômica insiste não se tratar de reempacotamento da CPMF
No vale-tudo de Paulo Guedes (Economia) para desinterditar o debate sobre a recriação da CPMF, o ministro usa técnicas de um diversionismo pouco sofisticado para sugestionar a opinião pública, majoritariamente contrária ao novo (antigo) tributo.
Nas investidas mais recentes, o economista de Jair Bolsonaro vincula a instituição do imposto, a um só tempo, à desoneração de 25% da folha de salários das empresas, à ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda e ao financiamento de parte do novo Bolsa Família (Renda Brasil).
Com as finanças públicas exauridas, Guedes não abre mão do dinheiro grosso que poderia amealhar com uma alíquota mínima de 0,2%: R$ 120 bilhões. Há planos por uma taxação de até 0,4%. Joga iscas ao empresariado, à classe média e à população de baixa renda para capturar o mundo político —atmosfera na qual nunca orbitou.
Por inabilidade ou dissimulação, a equipe econômica insiste não se tratar de reempacotamento da CPMF, pois o novo tributo incidiria sobre pagamentos, sobretudo compras no e-commerce. Das falas desencontradas e dos vazamentos seletivos de informações, conclui-se, porém, que a intenção vai além de criar um “imposto do Rappi”, restrito ao ambiente digital, de cunho moderno e elitizado.
Pagamentos de qualquer tipo, compras inclusive em dinheiro, estariam sujeitos à tributação devido ao registro digital —hoje válido até para o pãozinho na padaria. Impostos sobre transações vigoram atualmente apenas em uma dúzia de países, como Paquistão, Venezuela, Argentina e Sri Lanka.
A aversão do Congresso é liderada por Rodrigo Maia, para quem a contribuição trava a economia: "Minha crítica não é se é CPMF, se é microimposto digital, se é um nome inglês para o imposto para ficar bonito, para tentar enrolar a sociedade”. A despeito das reações, com o centrão a tiracolo e sem mover um músculo, Bolsonaro autoriza Guedes a se aventurar mais uma vez na busca por apoio.
Míriam Leitão: CPMF: ‘Me chame pelo meu nome’
A CPMF tem má fama. Por isso o governo tenta outros nomes. O ministro Paulo Guedes ora fala em “imposto digital” ora diz que será sobre “transações eletrônicas”. Na verdade, o governo está tentando desde o começo trazer de volta o tributo que provocou muitas distorções. Ele incidiria sobre todos os pagamentos da economia, pesaria sobre todas as compras e transações financeiras, e dos dois lados, o que na prática vai duplicar a alíquota. O governo adoça o nome e oferece os prêmios, como a dizer: tudo isso será seu se aceitares o meu novo imposto.
A primeira coisa a fazer é apresentar a proposta e chamar tudo pelo nome certo. A palavra “digital” soa moderna e parece embutir uma porta de saída: se eu for analógico, poderei fugir do imposto? Se fosse isso, seria um incentivo ao retrocesso e uma punição a qualquer transação eletrônica. Ou seja, o governo estaria estimulando a que todos fossem fisicamente aos bancos, mesmo podendo fazer pagamentos online, e se dirigissem pessoalmente às lojas, mesmo preferindo compras online. Não é disso que se trata, mas se fosse já seria absurdo.
O ministro Paulo Guedes sempre quis introduzir na economia a proposta do ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, desse imposto sobre pagamentos nos moldes da CPMF. Quando Cintra foi claro sobre a natureza do seu projeto tributário, ele foi demitido por decisão do presidente Jair Bolsonaro. Na época, Guedes lamentou: “Morreu em combate nosso valente Marcos Cintra.” Depois, Cintra disse numa entrevista que o governo continuava querendo exatamente aquele imposto. Verdade. A ideia ainda é a primeira.
A má fama da CPMF vem da experiência de quem a pagou por dez anos apesar de o “P” ser de “provisório”. Um imposto que engana. Parece uma pequena alíquota. Alguém pode achar pouco pagar 0,2%. Mas é sobre todas as compras, contratações, serviços prestados, vendas, aplicações, resgates, a infinidade de transações que ocorre dentro da economia. Até chegar na sua mão quantas etapas de pagamentos um produto já cumpriu? O imposto é cumulativo. É regressivo. Rico e pobre pagam o mesmo. Vai no caminho oposto do que se quer modernamente que é saber quanto de tributo há em cada mercadoria ou serviço.
Há outros efeitos colaterais. A CPMF incide sobre impostos já pagos, ou seja, promove bitributação. Também leva à perda de competitividade na economia ao estimular a verticalização. Empresas passam a incorporar todas as etapas do processo produtivo internamente, para fugir do imposto pago pelo serviço de terceiros. A informalidade cresce, e o spread bancário pode ficar maior, provocando aumento das taxas de juros.
A vantagem para o cobrador de impostos é que ela arrecada muito. Fica tentador. Da outra vez, o provisório foi ficando permanentemente na economia até ser derrubado dez anos depois pelo Congresso, em 2007. Se a ideia é repetir a história, que a proposta — como disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia — seja apresentada integralmente. Assim, acabarão as suposições, as meias verdades, os nomes de fantasia, a impressão de que a taxa recairá sobre outro contribuinte. Não, recairá sobre todos.
O governo montou um pacote de bondades e frequentemente saca de lá algum bom bocado para seduzir o contribuinte. Fala em desonerar a folha para estimular o emprego, ou no mínimo a retirada parcial de encargos. Promete elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física. Fala em fazer um novo Bolsa Família, maior e mais amplo. Acena com um IPI menor. Paulo Guedes chegou a fazer até uma pilha. “Você pode até reduzir cinco, sete, oito ou dez impostos”.
Que as contas sejam mostradas, que os nomes próprios apareçam. Esse jogo de balão de ensaio cansou. Todo governo gosta de CPMF. Em janeiro de 2016, meses antes de deixar o cargo, a então presidente Dilma Rousseff disse que “diante da excepcionalidade do momento” a CPMF era “a melhor opção disponível”. Agora, Guilherme Afif, assessor de Guedes, diz: “A resposta a quem critica é: me dê uma alternativa melhor do que essa. Ainda não vi.” Afif ficou conhecido reclamando dos impostos excessivos e agora manda o contribuinte arranjar uma ideia melhor. Ora, deve dizer claramente qual é a conta que pretende enviar para o pagador de impostos.