CPI
Míriam Leitão: O governo em grande confusão
No governo, a situação é completamente confusa, quando se trata de Orçamento. Para citar três exemplos, a peça que foi aprovada corta todo o dinheiro da área de tecnologia do Banco Central. Se esse gasto não for recomposto, não tem como rodar o Pix. Foi cortado todo o dinheiro do Pronaf, se não corrigir isso, não haverá financiamento da agricultura familiar. O Plano Safra foi reduzido à metade. Em qualquer órgão que se vá, é o que se ouve. Fala-se em shutdown. Nesse clima, o Senado instala hoje uma CPI para investigar ações e omissões do governo federal na gestão da pandemia que espalhou a morte pelo país. Os fios desencapados estão todos se juntando.
A CPI será instalada num momento de tensão entre governo e Congresso por causa do Orçamento, e ele só pode ser resolvido com um remédio que aumentará o conflito entre os dois poderes: vetando emendas parlamentares e mandando um projeto de lei. Ontem, o Ministério da Economia ensaiava mandar uma PEC tirando despesas do teto. Mesmo assim será necessário explicar bem essa PEC fura-teto para não parecer mais uma manobra criativa.
No meio disso, o presidente tenta escapar da CPI interferindo no Congresso. Na conversa com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), Bolsonaro juntou mais um crime aos muitos que já cometeu, o de impedir o livre exercício de uma CPI. E foi o que ele fez naquele telefonema estranho em que ameaçou até dar “porrada” no senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Numa manobra de desespero, para melar o jogo, os governistas propuseram uma segunda CPI que mira os governos estaduais, mas não conseguiram evitar a menção ao governo federal. Até o filho do presidente assinou em favor dessa CPI que tem como um dos alvos o governo do pai.
O que fará o presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG)? Instalará duas CPIs sobre o mesmo assunto ao mesmo tempo, uma com o apoio do governo? E se é governista não cumpre o primeiro requisito da CPI, que é ser um direito da minoria, e não do governo. Não cumpre também o segundo requisito porque o fato determinado está amplo demais, ele quer pegar vários governadores e além disso o Senado não tem a prerrogativa de investigar governos estaduais.
Hoje o senador Pacheco instala a CPI original, que tem ordem judicial para abrir. O movimento feito pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), de requerer a possibilidade de investigar governos estaduais e municipais, foi apenas para casos em que houver conexão. Ele dá o exemplo de Manaus. Se o governo federal jogar a culpa sobre o governador ou o prefeito, é preciso ouvi-los. Na opinião do senador, isso dá mais legitimidade à CPI. O foco, contudo, será inevitavelmente no governo federal.
Enquanto isso, a economia capta os sinais de piora fiscal e isso se reflete nas oscilações do mercado. O Brasil poderia estar numa boa situação porque está havendo alta forte das commodities e isso, segundo análise que se ouve até dentro do próprio governo, só não está valorizando o real por causa do “excesso de ruídos políticos”. Em condições normais, quando as commodities sobem, as moedas dos países exportadores se valorizam. Era para o dólar estar caindo. Está acontecendo o contrário, o real é uma das moedas que mais perde valor.
— Tudo o que passa pela percepção de instabilidade institucional se reflete no câmbio. E um câmbio em desvalorização persistente pode ter reflexo na inflação — explicou uma autoridade do Executivo.
Se não houver acordo no Orçamento, o governo terá que parar, como já aconteceu nos Estados Unidos. Imagine um shutdown em plena pandemia. Isso foi resultado de uma série de erros do governo e do Congresso. A articulação política, na época a cargo do general Luiz Eduardo Ramos, foi tão mal feita que as informações sobre as despesas cortadas caíram sem aviso prévio sobre os órgãos do Executivo. Normalmente, quando vai haver cortes no Orçamento, os órgãos ficam sabendo dias antes para argumentar, defender o que é essencial. Esse pegou todo mundo desprevenido.
O governo já não está funcionando, agora tem que consertar um monstrengo orçamentário contornando leis fiscais ou irritando o Congresso, onde está começando uma CPI para investigar o crime principal de Bolsonaro, o da gestão desastrosa da pandemia, que mata milhares de brasileiros todo dia.
Carlos Andreazza: Pachequismo parlamentar
Bolsonaro terminara a quinta, 7 de abril, abatido. Roberto Barroso havia, pouco antes, ordenado ao Senado que instalasse CPI cujo objeto consiste em investigar as omissões do governo federal no enfrentamento à peste.
Uma nota: Barroso — que não raro se excede para interferir no Legislativo — não mandara abrir, de ofício, uma CPI; mas tão somente reagira a uma provocação, um mandado de segurança, que invocava a Constituição por um direito das minorias parlamentares. O ministro acertara. Lastreada em jurisprudência do tribunal, a liminar era incontornável e vinha em defesa da democracia representativa. Uma vez cumpridos os requisitos formais, havendo um terço de assinantes entre os senadores, fato determinado e prazo definido, não caberia ao presidente do Senado outro ato senão criar a comissão. Ponto final. Era, pois, o procrastinador Rodrigo Pacheco, comportando-se como um general-ramos de Bolsonaro, a faltar com a responsabilidade institucional — tocado a ser chefe de Poder pela vara do Supremo.
E, então, o abatimento de Bolsonaro na quinta: produto de seu isolamento, aprofundado pela decisão do ministro. No mundo real: está fraco, dependente de Valdemar da Costa Neto e de pachequismos no Congresso.
Na sexta-feira, porém, o presidente mudaria — subiria — o tom; artificialmente, conforme o padrão, para alimentar sua base de apoio sectária. Barroso — a rigor, o STF como instituição a ser corroída — voltava a ser o inimigo. Inimigo imaginário. Inimigo imaginário e secundário, aquele contra quem batalhar na guerra — a principal — contra os tiranos governadores, os corruptos cerceadores da liberdade e semeadores da pobreza.
Por que não investigá-los também — incluí-los — na CPI?
Ali, Bolsonaro soprava o apito que ditaria o comportamento dos seus no curso do fim de semana. Haveria uma “jogada casada” entre STF e a “bancada de esquerda no Senado” — o establishment operando — para derrubá-lo (preservando os tucanos e comunistas). Não apenas. O presidente daria outra senha: era hora de retomar a carga pelo impeachment de ministros do Supremo; cobrou “coragem moral” de Barroso para determinar a abertura de processos dessa natureza.
Nota para desprovidos de memória: por meio do filho Flávio, o moralmente corajoso Bolsonaro trabalhara loucamente para que não prosperasse uma estrovenga chamada CPI da Lava-Toga, proposta para... investigar ministros do STF. Outra nota: ao contrário da instalação de CPI, que não depende do pacheco da vez, pautar impedimento de ministro de corte constitucional é prerrogativa exclusiva do presidente do Senado.
Chegamos ao sábado. A agenda bolsonarista está posta: inchar a CPI para inviabilizá-la tecnicamente. E eis que o senador Alessandro Vieira, dito independente, apresenta petição para que o alcance da CPI seja ampliado. Do ponto de vista legal, um absoluto despautério. Explico: o objeto de uma CPI só pode ser alargado pela própria comissão — o que pressupõe que esteja estabelecida, com membros escolhidos. Não é o caso. (Ainda.) E mesmo essa ampliação tem regras limitadoras, de modo que jamais comportará a inclusão de governos estaduais e municipais à baciada — o que significaria a perda do fato determinado necessário à existência de uma CPI. (Essa ampliação exige fatos conexos. Por exemplo: se se vai, e consta do requerimento, investigar a atuação do governo federal no conjunto de barbaridades que resultou na falta de oxigênio em Manaus, mui provavelmente, como desdobramentos, serão apuradas as responsabilidades do prefeito daquela cidade e do governador do Amazonas na tragédia.)
É como funciona. E o senador Vieira sabe. Deveria saber também que sua medida, formalmente inócua, inócua não é politicamente: ao fomentar insegurança sobre a firmeza do objeto pelo qual se assinou a demanda por CPI, seu movimento estimula senadores a retirar os nomes do documento. Quem subscreve algo cujo conteúdo pode ser mexido no improviso? Não sei se lhe foi a intenção, mas o ato de Vieira bagunça, desinforma e faz o jogo de Bolsonaro.
Não foi, contudo, o pior evento do sábado. Do que só saberíamos no domingo, quando o senador Kajuru tornou pública conversa — de sua parte, sob forma de quebra de decoro, um desfile de vassalagem — havida com Bolsonaro na véspera. Parece-me improvável que o presidente desconhecesse a gravação e a intenção do interlocutor de divulgá-la. Seja como for, enquanto o outro implorava para ser trigo e não joio (não tem votos sem o bolsonarismo), ouvimos Bolsonaro cometer crimes; e mais que simples crimes de responsabilidade.
Para muito além de — aí, sim — interferir num Poder (alguma manifestação de Pacheco a respeito?) para minar CPI (para melar apuração em que, que tal?, seria investigado), o presidente instrumentaliza um senador para intimidar e — a palavra é esta — chantagear o Supremo. E assim continuará, radicalizando, delinquindo, em busca de brechas para seus avanços autocráticos, impunemente, desprovidos que vamos de procurador-geral da República.
Está fraco e isolado, mas não perdeu o senso de — o faro para — oportunidades. Conta com essa gentinha para lhe fornecer os ensejos.
Ricardo Noblat: Bolsonaro sugere impeachment de ministros do STF para esvaziar CPI
Quanto mais confusão, melhor para ele
Por mais repulsiva que seja quando revelada, a tentativa de interferência de um presidente da República em assuntos internos do Congresso faz parte do jogo jogado às escondidas do distinto público, aqui e em toda parte. Não chega a ser um crime capaz de derrubá-lo. Transparência é tudo o que não há na política.
Mas quando um presidente também interfere para que um parlamentar apresente pedidos de impeachment contra ministros da mais alta Corte de Justiça do país, o crime está mais do que configurado – desta vez por atentar contra a autonomia dos poderes. Foi o que fez o presidente Jair Bolsonaro.
Em conversa por telefone divulgada pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) nas redes sociais, Bolsonaro sugere com clareza que, se houver pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal, a CPI da Covid poderá ser esvaziada, deixando assim de investigá-lo e ao seu governo.
Se Bolsonaro sente-se tão à vontade para interferir no Senado e boicotar a decisão do Supremo de mandar instalar a CPI, quanto mais em órgãos que não são do governo, mas do Estado, como Receita Federal, Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República, e o que mais possa ameaçar sua segurança, e a dos filhos.
“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também”, disse Bolsonaro a Kajuru. “Sabe o que eu acho que vai acontecer? Eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo.”
Kajuru respondeu que ingressou com pedido no Supremo para obrigar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a também pautar para votação em plenário o afastamento do ministro Alexandre de Moraes, ao que Bolsonaro respondeu: “Você é dez. Sou a favor de botar tudo para a frente”.
O Senado tem hoje dez pedidos de investigação contra ministros do Supremo. Contra Alexandre de Moraes são seis. Ele virou alvo após determinar a prisão de vários bolsonaristas investigados no inquérito das Fake News. Há pedidos também para investigar Gilmar Mendes, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
CPI é um instrumento da minoria parlamentar assegurado pela Constituição. O pedido de CPI da Covid cumpriu todos os requisitos legais, mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliado de Bolsonaro, preferiu engavetá-lo. Foi o ministro Luís Roberto Barroso que mandou instalá-la de imediato.
“A CPI, hoje, é para investigar omissões do governo Bolsonaro, ponto final. Se não mudar o objetivo, ela vai só vir pra cima de mim. Tem que mudar a amplitude dela”, comentou Bolsonaro com Kajuru. “Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir (o ex-ministro da Saúde) Pazuello para fazer um relatório sacana.”
Amanhã, em sessão do Senado, Pacheco vai ler o requerimento de instalação da CPI. Na quarta-feira, o plenário do Senado aprovará ou não o requerimento que foi assinado por 33 dos 81 senadores. Nesse mesmo dia, o plenário do Supremo avalizará a decisão de Barroso por larga maioria de votos.
Não se sabe se Kajuru tornou pública por sua conta e risco o telefonema trocado com Bolsonaro no último sábado. Ou se foi autorizado por ele a fazê-lo. Para o presidente, em meio a uma pandemia que só cresce e mata porque o governo se recusa a combatê-la desde o início, quanto mais confusão melhor.
Celso Rocha de Barros: CPI da Covid tem que ser início do julgamento de Nuremberg que bolsonarismo merece
Comissão instaurada meses atrás teria salvado milhares de vidas; talvez ainda dê para salvar algumas
O ministro Luís Roberto Barroso determinou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tome vergonha na cara e instaure a CPI que investigará os crimes de Bolsonaro durante a pandemia.
O requerimento para abertura da CPI é assinado por 32 senadores, 5 a mais do que o legalmente requerido. A CPI só não havia sido aberta ainda por mutreta, falcatrua e sacanagem.
O senador Pacheco alega que a instauração da CPI pode prejudicar a ação conjunta dos Poderes contra a pandemia. Ele está mentindo. Não há ninguém na esfera federal tomando qualquer providência contra a pandemia. Cerca de 80% das vacinas aplicadas no Brasil até agora são da Coronavac do Butantan (e de Doria).
O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que não é “hora de apontar culpados”. Disse isso porque Bolsonaro, que é o culpado, concedeu a Lira e a seus aliados no centrão acesso a cargos e verbas da administração federal.
A hora de apontar culpados, se entendi bem, será quando esse dinheiro acabar. Talvez já não dê mais para evitar uma única morte brasileira.
Se vocês quiserem entender a diferença que instituições minimamente funcionais fazem, deem uma olhada no noticiário um dia antes da decisão de Barroso e um dia depois.
Um dia antes, a Câmara aprovou um projeto de lei que possibilita que vacinas sejam desviadas do SUS para empresários utilizando o Ministério da Saúde como laranja. Essa aliança de Chicago Boys inspirados em Milton Friedman com Chicago Boys inspirados em Al Capone só foi possível porque o bolsonarismo estava funcionando sem controle nenhum.
No dia seguinte à decisão de Barroso, o próprio Bolsonaro autorizou, pela primeira vez desde o início da pandemia, que o Ministério da Saúde promovesse campanhas pelo isolamento social e pelo uso de máscaras. Foi medo da CPI.
Agora calculem quantas vidas teriam sido salvas se a CPI tivesse sido instalada no ano passado. Se no começo da segunda onda Bolsonaro já tivesse medo de cair, se o medo de cair o tivesse feito comprar vacinas, defender o isolamento, distribuir máscaras. Teriam sido muitas dezenas, talvez centenas de milhares de brasileiros mortos a menos.
No sábado (10), cruzamos a marca de 350 mil mortos. Segundo as projeções, já temos pelo menos mais cem mil mortes contratadas, isto é, inevitáveis pela conjunção do ritmo de disseminação da doença com as políticas adotadas por Bolsonaro.
Cem mil brasileiros adicionais vão morrer com certeza de Covid-19. Já estão condenados, só não sabem disso ainda. Talvez um deles seja você, leitor. Talvez um deles seja eu.
Mas o risco de que morramos, além desses todos, mais outros 100, mais outros 200 mil, também é alto. Talvez derrubar e prender Bolsonaro não impeça essas mortes, mas manter Bolsonaro confortável no poder as garante.
Quem não trabalha para que Bolsonaro seja responsabilizado por seus crimes trabalha para matar 100, 200 mil brasileiros além dos que já morreram.
A CPI tem que ser o início do julgamento de Nuremberg que o bolsonarismo merece. Não haverá volta ao normal sem isso. Se deixarmos passar os crimes da pandemia, o que teremos direito de criticar nos próximos governos “normais”, seja lá quando for que eles voltem? Corrupção? Inflação alta? Seria falta de senso de ridículo.
O Estado de S. Paulo: Bolsonaro acusa Barroso de 'militância política' por CPI da Covid e cobra impeachment de ministros
Barroso ordenou ontem que o Senado instale a chamada 'CPI da Covid', que tem o apoio de mais de um terço dos senadores, mas sofria resistência do presidente da Casa
BRASÍLIA - Em uma reação ao novo revés sofrido no Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro acusou nesta sexta-feira, 9, o ministro Luís Roberto Barroso de "militância política" e "politicalha" por ter determinado a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a atuação do governo na pandemia.
Em postagem nas suas redes sociais, o presidente afirmou que falta "coragem moral" ao ministro por se omitir de também ordenar a abertura de processos de impeachment contra integrantes da Corte.
"A CPI que Barroso ordenou instaurar, de forma monocrática, na verdade, é para apurar apenas ações do governo federal. Não poderá investigar nenhum governador, que porventura tenha desviado recursos federais do combate à pandemia", postou Bolsonaro em suas redes sociais. "Barroso se omite ao não determinar ao Senado a instalação de processos de impeachment contra ministro do Supremo, mesmo a pedido de mais de 3 milhões de brasileiros. Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política."
Barroso ordenou ontem que o Senado instale a chamada "CPI da Covid", que tem o apoio de mais de um terço dos senadores, mas sofria resistência do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliado do Palácio do Planalto. A exemplo da CPI, a análise sobre pedidos de impeachment de ministros do STF cabe ao Senado e depende de aval de Pacheco.
Ao falar com apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro adotou um tom ainda mais duro, e acusou o magistrado de promover uma "jogadinha casada" com a oposição ao seu governo. "Uma jogadinha casada entre Barroso e bancada de esquerda do Senado para desgastar o governo. Eles não querem saber o que aconteceu com os bilhões desviados por alguns governadores e uns poucos prefeitos também", afirmou o presidente.
"Barroso, nós conhecemos seu passado, sua vida, como chegou ao Supremo Tribunal Federal, inclusive defendendo o terrorista Cesare Battisti (italiano extraditado em 2019 após ser condenado por homicídios em seu país). Use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Supremo", completou o presidente, cobrando a abertura de impeachment contra ministros da Corte.
A criação da CPI da Covid preocupa Bolsonaro por aprofundar o desgaste do governo em um momento de queda de popularidade de Bolsonaro e de agravamento da pandemia. Uma vez criada, a comissão poderá convocar autoridades para prestar depoimentos, quebrar sigilo telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciar culpados e encaminhar pedido de abertura de inquérito para o Ministério Público. Veja perguntas e respostas sobre a CPI da Covid.
Conforme dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa, divulgados na noite de ontem, o Brasil registrou 4.190 novas mortes em decorrência da covid-19 nas últimas 24 horas. O número é equivalente a 174 mortes por hora. Foi a segunda vez que o País superou a marca de 4 mil vítimas em um único dia. O total de mortes na pandemia chegou a 345.287.
A reação agressiva de Bolsonaro contra Barroso remete aos embates ocorridos no ano passado, quando o STF impôs diversas derrotas ao Palácio do Planalto, revogando atos e até a tentativa de nomear o delegado Alexandre Ramagem, amigo da família presidencial, como diretor-geral da Polícia Federal. A nomeação foi anulada na época pelo ministro Alexandre de Moraes.
O Supremo já abriu uma investigação relacionada à atuação do governo na pandemia. Um inquérito apura se houve omissão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise que levou o sistema de saúde de Manaus (AM) ao colapso no início do ano, quando pacientes morreram asfixiados por falta de estoque de oxigênio nos hospitais. O caso foi enviado para a Justiça Federal do Distrito Federal após Pazuello deixar o cargo e perder o foro privilegiado.
A decisão de Barroso foi tomada no mesmo dia em que o Supremo frustrou novamente as pretensões do Planalto, ao permitir que governadores e prefeitos de todo o País proíbam a realização de missas e cultos presenciais na pandemia. Bolsonaro é crítico a medidas de restrições adotadas para conter a propagação da covid-19.
Além disso, o Supremo já havia imposto uma série de derrotas a Bolsonaro em ações relativas ao enfrentamento da pandemia. Foi assim, por exemplo, ao garantir a Estados e municípios autonomia para decretar medidas de isolamento social, decidir a favor da vacinação obrigatória contra a covid-19 e mandar o governo detalhar o plano nacional de imunização contra a doença.
Pedido da oposição. A decisão de Barroso atendeu a pedido formulado pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que contestaram a inércia de Pacheco, que segurou por 63 dias o requerimento pelo início da investigação. Eles reuniram a assinatura de 32 parlamentares em apoio à CPI, mais do que o mínimo de 27 assinaturas necessárias.
“O perigo da demora está demonstrado em razão da urgência na apuração de fatos que podem ter agravado os efeitos decorrentes da pandemia da covid-19”, observou Barroso em sua decisão. “Ressalto que é incontroverso que o objeto da investigação proposta, por estar relacionado à maior crise sanitária dos últimos tempos, é dotado de caráter prioritário”, disse. O ministro submeteu a liminar para análise dos demais integrantes da Corte. O julgamento está previsto para começar no dia 16 de abril no plenário virtual do STF, uma ferramenta digital que permite julgar sem que os ministros se reúnam presencialmente.
Um ministro do Supremo ouvido reservadamente pela reportagem concordou com a decisão de Barroso e avaliou que a posição pacífica do Supremo é de que é direito da minoria a abertura de uma CPI, se ela tiver objeto específico e um terço de assinaturas, como houve.
O decano da Corte, ministro Marco Aurélio Mello, considerou a medida “importantíssima”. “Porque precisamos realmente apurar a responsabilidade quanto ao procedimento, quanto ao atraso em tomada de providências.”
Pacheco criticou ontem a decisão judicial determinando a instalação da CPI, mas disse que pretende cumprir a ordem. Para cumprir a determinação de Barroso, o próximo passo do Senado é a leitura do requerimento de abertura da CPI, o que deve ocorrer na semana que vem. O colegiado será formado por 11 senadores titulares e sete suplentes, que serão indicados pelos partidos. O prazo de duração da comissão é de 90 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período
Ricardo Noblat: Presidente do Senado será testado depois do carnaval da pandemia
CPI é sempre um suplício para qualquer governo
Rodrigo Pacheco, mineiro sem sotaque nascido em Rondônia, há 12 dias presidente do Senado, enfrentará na próxima quinta-feira dois compromissos incômodos. O primeiro: recepcionar seu colega de DEM, o senador Chico Rodrigues, que em outubro passado licenciou-se do mandato por 121 dias. O segundo: decidir se instala ou não a CPI da Pandemia requerida pela oposição.
Será mais fácil para Pacheco riscar de sua agenda o primeiro compromisso do que o segundo. Chico Rodrigues licenciou-se depois de preso pela Polícia Federal escondendo pouco mais de 33 mil reais dentro da cueca – parte deles entre as nádegas, vejam só. A licença serviu para que ele driblasse o risco de ser processado por quebra de decoro parlamentar.
Não era lá um grande risco – os colegas estavam dispostos a protegê-lo e o Conselho de Ética do Senado está desativado há mais de um ano. Mas era aconselhável que ele saísse de cena para esfriar o escândalo. Tudo passa, passará, a memória coletiva é fraca, e são tantos os casos de políticos envolvidos com corrupção que um a mais ou a menos não fará diferença.
Se tivesse dependido unicamente de Rodrigues, não haveria licença. Jurou ser inocente e achou que isso bastava. A haver licença, de início concordou que fosse por 90 dias. Ao descobrir, porém, que o afastamento por até 120 dias dispensa a posse do suplente, licenciou-se por 121 dias – e assim o suplente ocupou seu lugar com direito a salário e tudo mais. O suplente era seu filho.
O segundo compromisso de Pacheco é impostergável. O pedido da CPI da Pandemia foi assinado por 32 senadores – cinco a mais do que o mínimo necessário. Pacheco deu tempo ao governo para convencer quem quisesse a retirar sua assinatura. Aconselhou ao presidente Jair Bolsonaro que mandasse o ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, explicar-se em sessão do Senado.
Foi um vexame – para o governo e para o ministro. A sessão durou cinco horas. Pazuello entrou no Senado com um tamanho de médio para baixo e conseguiu sair menor. Em certo momento, chegou a falar grosso como um general a dar ordens a cadetes indisciplinados. Desculpou-se em seguida. Acabou enquadrado por alguns senadores que reduziram a pó suas explicações furadas.
CPI é um caso sério. Políticos experientes costumam repetir que se sabe como começa uma CPI, mas nunca como termina. É por isso que governos de todas as cores pagam caro para abortar CPIs. Pagam pela retirada de assinaturas, pagam para indicar os integrantes da comissão, pagam para que não lhes criem embaraços, pagam por um relatório final que dê em nada.
E mesmo assim, sentem-se inseguros por meses a fio. É um verdadeiro suplício.
O Estado de S. Paulo: Congresso acumula 32 pedidos de impeachment e sete de CPIs para investigar Bolsonaro
Oposição e partidos de centro aumentam ofensiva contra o presidente, que tenta se 'blindar' com o Centrão
Camila Turtelli e Julia Lindner, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Apesar da aproximação do governo com líderes do Centrão para tentar se "blindar", partidos da oposição e de centro aumentaram nos últimos dias a ofensiva contra o presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Ao menos sete pedidos de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) estão na fila para serem abertos e os requerimentos de impeachment se acumulam na mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Nesta quinta-feira, 21, mais um foi apresentado, totalizando 32 – o que o torna recordista de pedidos em 17 meses de governo, como mostrou o Estadão.
Um dos pedidos de CPI mais avançados é o encabeçado pelo Cidadania, que tem como foco a investigar as acusações, feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal para proteger aliados. “Aqui no Senado já temos quase todas as assinaturas necessárias”, afirma a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), sem, no entanto, revelar quantos faltam. Para ser criada, é preciso o apoio de 27 parlamentares.
Na Câmara, onde são necessárias 171 assinaturas, o deputado Arnaldo Jardim (SP), líder do Cidadania, diz não ver contraposição entre a investigação parlamentar e a que é conduzida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o caso. “São esforços que se somam”, disse.
Nos bastidores, a expectativa é que a abertura de uma comissão sobre as acusações de Moro tem potencial para ser tão ou mais explosiva do que a CPI dos Correios, que em 2005 apurou denúncias relacionadas ao processo do mensalão, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Por esse motivo, o governo tem atuado para conter o avanço das assinaturas e evitar que uma investigação neste momento pode se tornar uma "CPI do fim do mundo", fragilizando ainda mais o presidente.
Caso criado, o colegiado poderá solicitar depoimentos e ter acesso a diversos documentos do governo federal que uma comissão normal da Câmara ou do Senado não teria. Em 2005, a CPI foi criada para investigar as denúncias de corrupção nas estatais, mas o foco acabou virando para o mensalão.
Sob pressão de aliados e após sofrer sucessivas derrotas políticas no ano passado, Bolsonaro passou a distribuir cargos aos partidos do Centrão em troca de apoio no Congresso, ressuscitando a velha prática do "toma lá, dá cá". Até agora, Progressistas, Republicanos e PL já foram contemplados. Como revelou ontem o Estadão, até mesmo a liderança do governo na Câmara deve ser transferida para um indicado do bloco.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) é autor de um dos pedidos de CPI, apenas na Câmara. Ele diz ter coletado 101 assinaturas até o momento e cita as sessões virtuais, em que parlamentares não precisam estar presencialmente em Brasília, como um obstáculo. “No plenário a gente faz corpo a corpo, pede um a um, por requerimento na frente do parlamentar e entrega a caneta. Argumenta e pronto. A distância é duro”, disse. O deputado Aliel Machado (PSB-PR) diz ter 120 assinaturas para o mesmo pedido. “Nossa expectativa é de conseguir todas as assinaturas em até 20 dias.”
O PSOL fez o requerimento no fim de abril e até o momento conseguiu 80 assinaturas. Há ainda pedidos da Rede, PSDB e PT. “Estou confiante, o apoio a Bolsonaro, dentro da Câmara, tem diminuído bastante. Lembrando que hoje temos o apoio de partidos de centro e direita que querem o afastamento do presidente”, disse o líder do PT, Enio Verri (RS).
Impeachment
Nesta quinta-feira, partidos de oposição protocolaram um pedido coletivo de impeachment contra Bolsonaro. A diferença, agora, é que siglas, movimentos sociais e associações se uniram para fazer pressão pela saída do presidente através de um documento único. Os outros pedidos haviam sido apresentados individualmente por parlamentares.
No pedido, a oposição denuncia Bolsonaro com base em três pontos principais. Um deles foi o apoio ostensivo do presidente e sua participação direta em manifestações antidemocráticas contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal durante a pandemia do novo coronavírus; outro são as suspeitas de interferência política na Polícia Federal; e os pronunciamentos feitos em cadeia nacional contra o isolamento social, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e entidades médicas como forma da conter a propagação da covid-19.
Em apelo ao presidente da Câmara para que aceite o pedido de impeachment, parlamentares de partidos como PT, PSOL e PCdoB fizeram um evento no Salão Nobre da Casa para apresentar a denúncia contra Bolsonaro. Estavam presentes a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), o senador Rogério Carvalho (PT-PR), o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), a líder do PSOL na Câmara, Fernanda Melchionna (RS).
O ex-presidenciável Guilherme Boulos, do PSOL, que também participou do encontro, afirmou que Bolsonaro é "um problema de saúde pública" no País. "A prioridade do Brasil nesse momento deveria ser salvar isso, é justamente por isso que estamos aqui hoje. Bolsonaro virou não só um problema político, mas um problema sanitário. Bolsonaro é um problema de saúde pública no Brasil", disse.
El País: Supremo se livra de CPI no Senado, mas segue na mira em Brasília e nas redes
Requerimento de CPI da ‘Lava Toga’ foi arquivado. Advogado promete apresentar pedidos de impeachment de ministros do STF que testarão nova composição da Câmara Alta
O Senado estava prestes a tensionar ainda mais a conturbada relação com o Poder Judiciário quando deu um passo atrás nesta segunda-feira. Em apenas um dia da semana passada, um senador novato, o ex-delegado da Polícia Civil Alessandro Vieira (PPS-SE), conseguiu obter as 27 assinaturas necessárias, ou nada menos que um terço da Casa, para abrir a Comissão Parlamentar de Inquérito apelidada de “Lava Toga”, uma CPI para investigar a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Era o passo mais forte no contra-ataque desenhado pelos senadores, muitos investigados pelo próprio Supremo e incomodados com a decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, de referendar a eleição com voto secreto para presidente do Senado, no dia 2. Porém, depois do vazamento da informação de que o ministro do STF Gilmar Mendes estava sendo investigado pela Receita Federal e de uma série de articulações no fim de semana, três senadores retiraram o apoio à apuração: Tasso Jereissatti (PSDB-CE), Kátia Abreu (PDT-TO) e Eduardo Gomes (MDB-TO). O movimento obrigou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a arquivar o pedido de investigação.
“Em relação ao mal-estar, eu acho que o Parlamento é um Poder e precisa estar em harmonia com o Judiciário, assim como com o Executivo. Nada mais justo que as instituições funcionem”, ponderou Alcolumbre, instado a comentar se havia alguma animosidade com a Justiça.
O arquivamento, contudo, significa uma espécie de trégua temporária. O senador Vieira informou que estuda outras maneiras de obter apoio a investigação, se apresentando um novo pedido com outras 27 assinaturas ou apenas substituindo as que foram retiradas. “Essa não é uma demanda de um ou outro senador, mas de toda a sociedade. Não pode haver democracia se um poder for imune ao debate, críticas e fiscalizações”, afirmou ao EL PAÍS.
A ação do senador vem na esteira de uma série de manifestações nas redes sociais, principalmente entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que tenta minar a credibilidade das altas cortes e especialmente do STF. Há ao menos outras duas ofensivas em curso, que vão testar seu poder de fogo nas próximas semanas e meses. Movimentos sociais e ativistas prometem apresentar mais uma série de pedidos de impeachment de ministros do STF, que tramitam pelo Senado. Enquanto isso, na Câmara, há um movimento incipiente para derrubar a Proposta de Emenda à Constituição que aumentou de 70 para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória dos ministros do STF e de tribunais superiores. Se revogada a chamada PEC da Bengala, o Governo Bolsonaro poderia indicar até quatro nomes para o STF até o fim do mandato –uma das agitadoras da campanha é a deputada Bia Kicis (PSL-DF).
"Ativismo judicial" e Gilmar Mendes
Em seu requerimento que solicitava a abertura da CPI, o senador Vieira ressaltava quatro razões para investigar as Cortes, que ele as definiu como distorções do funcionamento dos tribunais: 1) uso abusivo de pedidos de vista para retardar ou inviabilizar decisões do plenário; 2) o frequente desrespeito ao princípio do colegiado; 3) a distinção entre o lapso de tramitação de pedidos, a depender do interessado e; 4) a participação de ministros em atividades econômicas incompatíveis com a Lei Orgânica da Magistratura. “Temos até ministros empresários. E isso não pode, o magistrado só pode ser juiz ou professor, qualquer atividade fora disso é irregular”, disse o senador.
Há 20 anos, uma CPI do Judiciário foi a responsável por ajudar a polícia a desvendar os desvios de 169 milhões de reais da construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O caso resultou na futura condenação do então senador Luiz Estevão e do juiz Nicolau dos Santos Neto, que ficou nacionalmente conhecido como Lalau.
Na frente dos movimentos sociais e ativistas, o primeiro alvo de pedidos de impeachment deve ser Gilmar Mendes, que já teve cinco requerimentos do tipo arquivados pelo Senado em anos anteriores. Uma reportagem da revista Veja publicada na semana passada mostrou que Mendes e sua esposa, a advogada Guiomar Mendes, são investigados por auditores da Receita Federal por delitos como corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência. O documento obtido pela revista mostra que os fiscais da Receita afirmam, de forma genérica que “o tráfico de influência normalmente se dá pelo julgamento de ações advocatícias de escritórios ligados ao contribuinte ou seus parentes, onde o próprio magistrado ou um de seus pares facilita o julgamento”.
Assim que a informação vazou, Mendes pediu que o Supremo tomasse providências. No mesmo dia, o Ministério da Economia determinou a abertura de uma sindicância para investigar os investigadores. Em nota, a Receita negou que haja provas contra Mendes e a mulher. Em sua defesa, o ministro negou qualquer irregularidade, afirmou que a Receita não pode se transformar na Gestapo (a polícia política do nazista alemão Adolf Hitler), reclamou de abuso de poder e que é alvo de ataques de sua reputação. “Causa enorme estranhamento e merece ponto de repúdio o abuso de poder por agentes públicos para fins escusos, concretizado por meio de uma estratégia deliberada de ataque ‘reputacional’ a alvos pré-determinados”, reclamou o magistrado ao presidente do STF, Antonio Dias Toffoli.
Outros pedidos devem ser apresentados contra os ministros Toffoli e Ricardo Lewandowski. O anúncio foi feito pelo advogado e jurista Modesto Carvalhosa em sua conta no Twitter. A reportagem não conseguiu entrar em contato com esse advogado. Ele é autor de outros dois pedidos que acabaram arquivados. Dos 11 ministros da atual composição do Senado, oito já foram alvos de 20 pedidos de impeachment desde o ano de 2008, todos arquivados pelo presidente da ocasião. Além de Mendes, Toffoli e Lewandowski, já houve tentativas de destituição de Roberto Barroso, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello, Edson Fachin e Rosa Weber. Apenas Celso de Mello, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes não responderam a nenhuma representação. O principal argumento para o arquivamento era "inépcia da inicial", ou seja, que não havia a comprovação de delitos cometidos pelos denunciados.
João Domingos: A ‘CPI da Lava Toga’
Os contrários à votação da pauta econômica e de segurança vão fazer a festa
Fundamentais para o impeachment de Fernando Collor, em 1992, para a descoberta do desvio de verbas do Orçamento da União pelos chamados “anões do Orçamento”, entre 1993 e 1994, e para se chegar ao escândalo do mensalão, em 2005, as CPIs perderam força ou tiveram suas funções invertidas nos últimos anos. De instrumento poderoso de investigação, pois com o auxílio do Ministério Público e Polícia Federal, além de contarem com o poder da publicidade da comunicação parlamentar totalmente despida de censura, muitas CPIs se tornaram instrumento de chantagem, de promoção pessoal e até mesmo de obtenção de vantagens indevidas, conforme investigações internas feitas no Senado e na Câmara e que levaram até à abertura de processos de cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar.
Como as CPIs se banalizaram demais, não foi à toa que oito parlamentares da base do governo de Jair Bolsonaro, seis deles do PSL do presidente, madrugaram na última segunda-feira, 4, para esperar a abertura da porta da Secretaria-Geral da Mesa com um pedido de instalação de uma CPI, todas elas chapa-branca ou para investigar coisas ocorridas nos governos petistas: programa Mais Médicos, Comissão da Verdade, entre outros.
Com a iniciativa, a bancada governista preencheria logo as cinco vagas de funcionamento simultâneo de CPIs, conforme determina o regimento interno da Câmara. Com isso, impediria o PT ou qualquer outro partido de oposição de aparecer com um pedido de investigação indesejável contra o governo de Bolsonaro. Do ponto da luta política, é uma estratégia. Do ponto de vista da investigação parlamentar, a perda de um instrumento que já foi poderoso e que agora tem se prestado a outras coisas, menos à investigação séria.
Se na Câmara o PSL e outros partidos do governo foram mais espertos do que o PT e a oposição, em geral, e entupiram a Mesa da Casa de pedidos de abertura de investigações sobre os petistas, no Senado está se armando uma CPI que tem tudo para nascer torta e se tornar o pior exemplo daquilo em que a investigação parlamentar foi transformada.
Trata-se da CPI que visa a investigar o ativismo judicial dos tribunais superiores. Por trás, desconfia-se que há nela uma vingança de senadores contra o presidente do STF, Dias Toffoli, que há uma semana derrubou manobra do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e determinou que a eleição para a Mesa da Casa tivesse voto secreto e não aberto. Tal CPI ganhou dos senadores o apelido de “Lava Toga”.
Nas circunstâncias em que está sendo criada, e dado o momento político delicado, essa CPI vai servir apenas para causar tumulto e jogar um Poder contra o outro. À sua sombra, os contrários à votação da pauta econômica e de segurança pública do governo vão fazer a festa. Quanto mais confusão nesse momento, melhor para atrapalhar o governo, a votação da reforma da Previdência e o pacote contra os crimes violentos e o crime organizado e o caixa 2 nas campanhas eleitorais.
Se a CPI que visa a investigar o ativismo judicial for levada à frente e concluir que há mesmo um ativismo, o que ela fará? Nada. Vai determinar aos ministros que revejam suas decisões? Na vai. CPIs não têm poder para isso. Ajudará a desmoralizar ainda mais o instrumento de investigação parlamentar. Essa CPI não tem um fato determinado. É carregada de subjetivismo. Diz o pedido de abertura dela que “a atuação dos tribunais superiores tem sido pontuada, na história recente, pelo exacerbado ativismo judicial e por decisões desarrazoadas, desproporcionais e desconexas dos anseios da sociedade”.
Se as CPIs ainda fossem sérias, essa CPI da “Lava Toga” mereceria uma CPI para apurar as circunstâncias em que foi requerida. Até porque o artigo 146 do Regimento do Senado proíbe CPIs sobre o Poder Judiciário. Deixa pra lá.
O Estado de S. Paulo: PT e PMDB fazem pacto de não agressão em CPI
Base e oposição evitam fogo cruzado e concentram esforços para investigar as delações fechadas entre antiga cúpula comandada por Rodrigo Janot e executivos da J&F
Thiago Faria e Isadora Peron, O Estado de S. Paulo
As primeiras reuniões da comissão parlamentar de inquérito (CPI) criada para investigar a JBS estão marcadas pelo cerco à antiga cúpula da Procuradoria-Geral da República, comandada por Rodrigo Janot, e por um pacto de não agressão entre parlamentares da base e da oposição. Ao menos um acordo tácito já está evidente entre os membros: o de evitar, pelo menos por enquanto, convocações de nomes que possam constranger o presidente Michel Temer e o PT.
Levantamento feito pelo Estado com base nos requerimentos votados a toque de caixa na reunião da quinta-feira passada mostra que o foco da comissão será o Ministério Público e o acordo de delação premiada firmado por executivos do Grupo J&F. Das 53 convocações ou convites aprovados, mais de 80% são referentes a pessoas ligadas à empresa ou à Procuradoria-Geral da República. Até agora foram apresentados 229 pedidos, entre convocações, convites, quebras de sigilo e outros, dos quais 102 foram aprovados.
Os requerimentos ligados ao núcleo político, que poderiam levar os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além do ex-ministro Geddel Vieira Lima e o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) a prestar esclarecimentos à CPI mista da JBS foram deixados de lado nesta fase e dificilmente serão aprovados enquanto o pacto de não agressão estiver valendo.
A “afinidade de objetivos” foi admitida pelo relator, Carlos Marun (PMDB-MS), que estuda até ceder um cargo no comando da CPI mista a um nome indicado pelo PT. O pedido foi feito pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS) com o argumento de que, por ter a segunda maior bancada na Câmara, o PT tem direito pelo menos a uma sub-relatoria ou à vice-presidência do colegiado. Dos dez pedidos apresentados por petistas, apenas um se refere a um nome ligado ao governo Temer: o do presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro.
“Existe uma vontade de não fazer pirotecnia. A CPI não pode ser palco de confronto entre governo e oposição. Não é o lugar”, disse Marun. “A afinidade é nos objetivos da CPI, um desejo de todos os membros de que o trabalho avance.”
‘Defensiva’. Outro exemplo de boa vontade mútua foram os convites para ouvir os ex-presidentes da Caixa Jorge Hereda e Maria Fernanda Ramos. Os requerimentos eram de convocações, mas após protesto de deputados petistas o próprio relator concordou em amenizar o texto para deixar como facultativa a presença dos ex-dirigentes. Hereda é ligado ao PT, mas comandou o banco na mesma época em que Geddel era vice-presidente de Pessoa Jurídica.
“Estão todos na defensiva, tanto o pessoal do governo quanto do PT, mas o barco era o mesmo. O governo era PT e PMDB”, afirmou o deputado Delegado Francischini (SD-PR), um dos sub-relatores da CPI. Ele, porém, negou haver acordo com objetivo de poupar alguém.
Deputados petistas disseram que o momento das convocações políticas vai chegar, mas, por ora, serão foco a J&F e integrantes da Procuradoria que atuaram na delação de executivos da empresa. “O fato de não ter requerimento hoje não quer dizer que não vai ter no futuro”, disse o deputado Wadih Damous (PT-RJ). “Se esse acordo vingar, a CPI mista vai perder credibilidade”, afirmou o deputado Fausto Pinato (PP-SP).
Fernando Gabeira: Para chegar a 2018
O caminho é fortalecer a economia e tentar reconciliar a política com a sociedade
Começou o fim do mundo com a delação da Odebrecht. Temer, creio, deu uma resposta adequada, pedindo celeridade nas investigações para poder tocar o barco da reconstrução econômica.
Ele pode não ter sido sincero, porque, segundo a imprensa, no Planalto se falou na anulação do depoimento do diretor da empresa. Mas a celeridade, respeitando simultaneamente direito de defesa e ritmo de uma investigação séria, é a melhor saída para libertar o processo econômico dos sobressaltos políticos. Para almejar essa celeridade, porém, é preciso primeiro responder a uma pergunta: se não existiu até agora, por que passaria a existir de uma hora para outra?
Ela é necessária também para o processo político em 2018. Muitos investigados vão querer se reeleger. Mas nem todos têm êxito em situação pós-escândalo. Lembro-me da CPI dos sanguessugas, deputados que ganhavam propina para emendas de compras de ambulâncias superfaturadas. A maioria foi derrotada nas urnas, em 2006.
Sem julgamento, contudo, o abismo entre sociedade e eleições em 2018 pode se aprofundar ainda mais. As ruas têm se manifestado, mas não se pode esperar delas a solução final do problema. No meu entender, ela está nas mãos do Supremo, que precisa fazer um extraordinário esforço de adaptação às necessidades do momento.
O Supremo parece-me perdido em suas prioridades. As duas últimas intervenções, proibição da vaquejada e descriminalização do aborto, posições com as quais posso concordar, não trilharam o bom caminho.
Existe uma diferença entre uma sentença e uma política para enfrentar os temas. No caso da vaquejada, um processo adequado seria definir o que os americanos chamam de phase out, para que todo o universo econômico que gira em torno da vaquejada se adaptasse. Pelo que vi, seu núcleo central é a criação e o comércio de cavalos de raça. No caso do aborto, o processo político se dá de outra forma. Discussão no Parlamento e referendo popular.
Embora o panorama político seja desolador, quando juízes assumem decisões que deveriam nascer no Parlamento ou nas urnas, eles são obrigados a pensar como categorias políticas. Apesar de ter desaguado no STF, na longa luta política para banir o amianto foi preciso negociar e até formular um projeto de adaptação.
O fim do mundo não é o fim de tudo. Se o Supremo, creio eu, se dedicar integralmente a julgar com rapidez e se reorganizar para a tarefa, pode se queimar menos do que buscando saída para tensões políticas.
As manifestações de rua conseguem fixar alvos. Hoje Cunha, amanhã Renan. Elas não trazem a saída: são contra a corrupção e, em alguns cartazes, pelo fim do cheque em branco dos governos, alusão ao ajuste fiscal.
Mas o nó só pode ser desatado pelas instituições. Agora, por exemplo, o Supremo vai entrar em recesso. Com a situação tão delicada, os responsáveis vão sair de cena. Creio que isso nasce do equívoco de subestimar o alcance da Lava Jato.
Gilmar Mendes, quando esteve no Senado, foi bastante explícito, as operações policiais existem todos os anos. Naquele momento, a Odebrecht fechava o maior acordo de leniência do mundo, pagando cerca de R$ 6, bilhões de multa. E a delação do fim do mundo começava.
Se o Supremo decidir trabalhar a fundo na sua tarefa específica, vai ajudar, indiretamente, a economia e também a política, na tarefa de buscar algum tipo de renovação que a aproxime da sociedade.
É uma difícil travessia. Nela o comandante Temer tem de enfrentar a tempestade e jogar alguns corpos ao mar. E evitar que ele próprio tenha de se jogar na água.
Mas são essas as circunstância e não é possível enfrentá-las suprimindo pedaços da realidade. A maior investigação da História do Brasil chega ao coração do atual governo, que era apenas a costela do governo petista. Agora, ele tem nas mãos a tarefa de conduzir a economia em frangalhos, sob suspeita e com baixa popularidade.
Temer disse que era preciso coragem para governar o Brasil e que ele teria essa coragem. Talvez seja preciso também um pouco de resignação diante do futuro pessoal.
A tarefa de conduzir a reconstrução econômica é decisiva, sobretudo, para os 12 milhões de desempregados. Temer e o mundo político não têm outro caminho exceto continuar trabalhando, enquanto a terra treme sob os seus pés.
Num mundo ideal, nem o Supremo nem os políticos entrariam em férias neste ano de 2016. Talvez todos nós precisemos de umas férias do Supremo e dos próprios políticos.
Mas assim que voltarem, a realidade pedirá respostas mais rápidas e complexas. Se houvesse um projeto de trânsito para 2018, o ritmo de julgamentos seria mais rápido, os vazamentos seriam evitados e o processo de renovação na política seria posto na agenda.
Existem forças poderosas tentando deter ou deturpar a Lava Jato. Elas se aproveitam da confusão, dos impasses. É uma tática que existe nos mínimos detalhes, como a atuação dos advogados de Lula, discursos no Parlamento, notícias inventadas.
Digam o que quiserem das ruas. Não houve violência nas manifestações contra a corrupção. Elas cumprem o seu papel. No fundo, acreditam nas instituições e na possibilidade de que encontrem uma saída.
Algumas instituições entraram em férias. Durante o recesso poderiam pensar no ano que entra. É possível fazer melhor e mais rápido.
É uma ilusão supor que o Brasil não mudou, que será governável com as mesmas práticas do passado. Hoje será menos doloroso avançar do que recuar no projeto de fortalecer a economia e dar à política uma chance de reconciliação com a sociedade. No meio de tanta confusão, na qual estou também envolvido, é assim que vejo o caminho imediato e os dois objetivos principais.
Deve haver centenas de outras visões. Seria salutar discutir como chegar a 2018, e não apenas o clássico quem comprou quem, quem é a bola da vez... A bola da vez é a ameaça de caos.
*Fernando Gabeira: Jornalista
Fonte: opiniao.estadao.com.br
João Domingos: Do céu ao inferno
Diz-se nas rodas políticas de Brasília que a cassação do mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha é apenas uma questão de dias. Três ou quatro, a depender da velocidade da sessão marcada para segunda-feira. O placar apurado pelo Estado mostra que os votos pela cassação podem superar todas as expectativas. A surpresa – exceto liminar numa eventual ação judicial ou manobra regimental de última hora –, se ocorrer, será quanto ao minguado número de votos favoráveis a Cunha, dizem parlamentares que trabalham pela cassação. O que impressiona nessa história toda é a rapidez com que Cunha subiu aos céus e desceu aos infernos. Há pouco mais de um ano ele era muito poderoso.
Tão poderoso que, em 19 de maio de 2015, de forma espontânea foi à CPI da Petrobrás “tirar um sarro”, como se diz por aí, só porque a Procuradoria-Geral da República havia pedido que ele fosse investigado por suspeita de ter se beneficiado do desvio de dinheiro da estatal. Entre um rasgado elogio aqui e outro ali de parlamentares da maioria dos partidos que acompanhavam a sessão da CPI, o deputado Delegado Waldir (PR-GO) perguntou se Cunha tinha contas bancárias no exterior. A resposta foi quase um deboche: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda”.
Como logo surgiram informações em contrário, corroboradas por autoridades da Suíça, Cunha começou a perder terreno. Ainda na liderança do PMDB, ele alimentava a ideia de ser o candidato do partido à Presidência da República em 2018. De forma correta, ele calculou que o PT passaria por um processo profundo de desgaste, abrindo a possibilidade para uma candidatura conservadora. No caso, a dele mesmo. Para que o plano fosse à frente, Cunha precisaria ocupar um cargo importante, como a presidência da Câmara. Isso foi fácil. A seguir, tudo foi encaminhando do jeito que ele queria.
Conquistava mais e mais poder entre representantes de quase todos os partidos. Sua pauta conservadora para a Câmara era muito bem recebida. Os ataques que fazia ao governo petista também. Mas, aí, veio a ideia de aparecer na CPI da Petrobrás. Cunha imaginava que seria coberto de elogios apenas. Mas surgiu a pergunta das contas. E ele disse que não as tinha. Logo, abriu-se o processo no Conselho Ética. Cunha mentira à CPI, foi a acusação. Para tentar atrapalhar os trabalhos no colegiado, Cunha fez tantas manobras que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF que o suspendesse das funções legislativas.
O STF assim decidiu. Importante tentar entender por que, estando no céu, Cunha caiu tão rapidamente no inferno. Como toda instituição, o Congresso costuma criar anticorpos para se proteger toda vez que se sente ameaçado. Foi assim com os senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho quando se envolveram em escândalos. Sem dó nem piedade, senadores que antes eram quase que serviçais dos dois passaram a defender a cassação. Eles renunciaram antes da instauração do processo e conseguiram manter os direitos políticos. Retornaram na eleição seguinte, como se nada tivesse acontecido.
Fariam o mesmo se estivessem no papel de juízes, como estavam os senadores que os abandonaram. Com Cunha acontece a mesma coisa. Ele se tornou uma espécie de câncer para a Câmara, pois é mais rejeitado do que a ex-presidente Dilma Rousseff. Mantê-lo vivo compromete a imagem de todos os deputados. Cunha tem feito um apelo a todos para que o ajudem. Dessa vez, sem a arrogância que o marcou ao depor à CPI da Petrobrás. Mas os deputados, pensando nas próximas eleições, já estão noutra. Só Cunha não percebeu. (O Estado de S. Paulo – 10/09/2016)
Fonte: pps.org.br