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Luiz Sérgio Henriques: Autocracia ou democracia

Difícil recusar o diagnóstico de que ainda pior que um primeiro governo nacional-populista será sempre o segundo, ocasião em que o aspirante a autocrata, reeleito, tentará levar a cabo a obra de deliberada destruição institucional encaminhada antes. Com força e ambição dobrada, no segundo mandato a estratégia de concentração de poder seguirá sua “ascensão irresistível”, ainda que em meio ao caos que todo político autoritário necessariamente fomenta e de que não por casualidade se nutre.

É de tal ordem a nossa circunstância que, mesmo quando não se reelege, o potencial autocrata consegue mobilizar forças que a ele cegamente obedecem e lhe permitem sobrevida. Não importa que esteja fora do poder, ainda será capaz de suscitar paixões coletivas e insuflar ações que nem com muita boa vontade podemos qualificar como minimamente razoáveis. É o caso do ex-presidente Donald Trump, um dos “autores” mais em evidência do manual populista de exercício do poder e esvaziamento das formas civilizadas de mando, a demonstrar que hoje o risco está por toda parte, e não apenas nas sociedades em que a democracia continua a ser uma “plantinha tenra”.

Trump, como é notório, não reconhece a derrota. Volta a ocupar insolentemente a cena, reiterando, como mantra, que triunfou duas vezes sobre os adversários, em 2016 e em 2020, e haverá de vencer uma terceira, em 2024. Em circunstâncias normais, o riso corroeria a “grande mentira” trumpista, deixando a nu o caráter golpista das suas proclamações, de resto não atestadas por nenhuma autoridade eleitoral, seja em que nível for. Mas, como dissemos, temos estado bem longe da normalidade, o que recomenda cuidadosa atenção sobre os perigos que nos circundam.

Negar a evidente derrota é algo muito grave. Valer-se de ambientes e recursos “virtuais” para montar uma realidade paralela em que vivem aprisionados milhões de fanatizados é um desafio inédito para as democracias. Equivale a assumir uma atitude subversiva em face do governante legítimo, questionar o mecanismo da alternância e, em perspectiva, transformar o adversário político em inimigo interno. Numa palavra, equivale a postular para si, assim que possível, já na próxima rodada eleitoral, o poder que se atribui a déspotas ou, antes, que eles mesmos se atribuem, expropriando a cidadania.

O manual do nacional-populismo, assim rascunhado até na tradicional democracia norte-americana, ainda não chegou à página final e conhece outras modulações. Há versões de esquerda, como, bem perto de nós, a venezuelana, com resultados práticos que talvez superem os produzidos a seu tempo pela atroz ditadura de Pinochet. Nayib Bukele, em El Salvador, consegue fervorosos admiradores na direita verde-amarela ao lançar o povo – o “seu” povo – contra a Suprema Corte. Na memorável República Francesa, de trajetória conturbada, mas, de todo modo, altamente representativa do Ocidente democrático, militares extremistas seguem a cartilha da islamofobia e agitam a ameaça, temida entre todas, de “guerra civil”.

Nosso próprio presidente nacional-populista contabiliza, já na metade final do mandato obtido em 2018, atropelos consideráveis à democracia – alguns de demorada e custosa reversão. Seria impróprio atribuir-lhe a paternidade da tática primária e manipuladora do “nós contra eles”, mas havemos de convir que a elevou ao estado da arte. A “utopia” de Jair Bolsonaro – para usar a imagem cunhada por Javier Cercas sobre o tenente-coronel Tejero Molina, que certa vez ocupou a tiros o Parlamento espanhol – é a de um País reduzido a quartel, com todo o pessoal uniformemente treinado para combater uma guerra absurda, por anacrônica, contra “eles”, os “comunistas”, que nem existem mais como força antissistema.

Pulsões antiestablishment, ao contrário, estão disseminadas mundialmente entre os diferentes nacionalismos autoritários. A demagogia trumpista explora insuficiências do sistema eleitoral para, como vimos, construir uma “narrativa” recheada de eleitores fantasmas, mortos e imigrantes ilegais que lhe teriam roubado a vitória. A demagogia bolsonarista, em face de um sistema de votação muito diverso e muitíssimo mais seguro, vai pelo mesmo caminho, porque o que interessa não é o fundamento ou a verossimilhança deste ou de qualquer outro argumento, mas a “desconstrução” das instituições e a difusão de um clima generalizado de sombras e suspeitas. Num caso como no outro, o triunfo do oponente nunca é legítimo. Não pode ser. Não pode haver adversários de boa-fé.

É iluminadora a afirmação, recentemente feita pelo presidente Joe Biden, de que o conflito central da nossa época opõe democracias e autocracias. Populistas podem ser eleitoralmente competitivos e nada impede que, apelando a recursos retóricos duvidosos e valendo-se sem cerimônia das alavancas do poder, vençam uma vez e voltem a vencer mais vezes. Sempre que o desfecho for esse, nenhum sentido terá a fanfarra “libertária” das suas performances histriônicas, pois os países que controlam não mais estarão no rol das grandes democracias.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,autocracia-ou-democracia,70003716350


Joel Pinheiro da Fonseca: Esquerda precisa superar jogo infantil sobre Bolsonaro e impeachment de Dilma

Prosseguindo o debate com o professor Luis Felipe Miguel a respeito do impeachment de Dilma Rousseff, que completa 5 anos, autor argumenta que a esquerda constrói uma narrativa simples e maniqueísta para atribuir à “direita moderada” uma suposta ruptura do pacto democrático e a vitória de Bolsonaro, fechando os olhos para a crise no governo do PT e para a multidão que foi às ruas contra o partido

Rotular é o jeito mais fácil de não argumentar. No Brasil, então, é uma verdadeira arte: encontre os rótulos adequados, adjetivos e qualificações carregados de avaliação moral implícita, e já está comunicado para seu público quem é o bem e quem é o mal. Resta só contar a história.

Assim faz o artigo do professor Luis Felipe Miguel publicado na Ilustríssima em 16/5. Constrói uma narrativa simples e maniqueísta para jogar no colo da direita moderada brasileira (que não seria sequer moderada, mas radical) a eleição de Bolsonaro, seu suposto filho bastardo.

Foi essa direita —e sua aliada, a mídia— que cooptou os protestos de junho de 2013, que não aceitou a derrota nas urnas em 2014, que rompeu o consenso democrático, fez os protestos pelo impeachment e inventou a Lava Jato. A direita quer negar direitos, recusa a justiça social e mesmo a solidariedade. Em um verdadeiro primor de objetividade analítica, Miguel chega a caracterizá-la de “antipovo”.

É fácil jogar o jogo da responsabilidade. Eu também sei jogar. Se fosse entrar nele, diria que o próprio PT pariu Bolsonaro. Primeiro com a corrupção numa escala que chocou o Brasil. Segundo com a pose incessante de superioridade moral, e mesmo de monopólio da virtude, que jogava todo mundo que discordava de sua agenda no campo dos “antipovo”, polarizando o Brasil desde pelo menos 2010.

Foi a dissonância do discurso intolerante vindo de uma “goela muito aberta” pela corrupção (para usar a expressão de Emílio Odebrecht) que engendrou o ódio cego de tantos milhões de brasileiros pelo PT. Por fim, o partido promoveu uma farsa em 2018 com a falsa candidatura de Lula e com o real candidato, Fernando Haddad, inexpressivo, indo se consultar com seu mentor na prisão. O bebê é seu!

Jogar esse jogo, contudo, é perda de tempo. Primeiro porque, como argumentei anteriormente, os rumos da história são incertos. E segundo porque esse jogo nos fixa na percepção enganosa de que a história se faz entre as narrativas de elites opostas (seja a “direita moderadas” ou o PT), ignorando um ator que facilmente é esquecido justo pela esquerda, que gosta de se ver como seu intérprete oficial: o povo.

Na narrativa de Luis Felipe Miguel, o impeachment foi obra de uma decisão da direita de romper o pacto democrático que vigorava desde a redemocratização. Primeiro é preciso apontar que isso está factualmente errado. O impeachment de Dilma foi o segundo desde a redemocratização. Ou seja, não foi rompimento coisa nenhuma, e sim continuidade com nossa tradição democrática e constitucional, que inclui a possibilidade de retirar um presidente impopular que cometa crime de responsabilidade, como foi o caso de Collor e de Dilma.

O objetivo do “golpe” teria sido, ainda segundo Miguel, “impedir que o campo popular continuasse a ser admitido como interlocutor legítimo do jogo político”. Será? Segundo pesquisa Datafolha de março de 2016, 68% da população era favorável ao impeachment. A popularidade do governo estava ainda pior. Na mesma época, Dilma amargava 10% de aprovação. As multidões nas ruas assustavam e pressionavam o Congresso.

É no mínimo curioso que o suposto “campo popular”, acuado, tivesse tão pouco… povo! Custa a Miguel reconhecer que a queda de Dilma não apenas não contrariou como teve a adesão entusiasmada do “campo popular”.

No artigo de Miguel, sobram atores responsáveis pelos eventos de 2013 a 2018: a mídia, o PSDB, a Fiesp, a direita moderada, a burguesia. Só faltou o povo.

A questão é que o povo real, empírico, de carne e osso, sempre múltiplo, nem sempre deseja as mesmas coisas que seus porta-vozes da esquerda iluminada postulam. Ele tem uma autonomia própria para além das elites de direita ou esquerda que buscam domá-lo. Com as redes sociais, essa autonomia só aumentou.

E assim voltamos a 2013. Não houve um aliciamento da direita por obra da malvada mídia. A mídia já não tinha esse poder. Basta lembrar que jornalistas, especialmente da rede Globo, foram vaiados e atacados pela multidão, assim como representantes de todo e qualquer partido.

Com os fatos incontestes da crise econômica (14 milhões de desempregados e a recessão mais profunda jamais registrada em nossa história) e da corrupção do PT e aliados, era bem compreensível que grande parte do povo quisesse varrer os petistas do mapa em 2016.

Somem-se a isso os crimes de responsabilidade concretos —as pedaladas e a criatividade contábil que só aprofundaram a crise fiscal, e que Miguel nem sequer tenta defender— e temos todos os elementos para o impeachment.

Não foi uma pequena elite de direita que tramou e efetuou o impeachment. Ele foi demandado por uma maioria barulhenta da população, que não raro rejeitava também os cabeças dos partidos de centro-direita, que o apoiaram com alguma relutância (com a consciência de que poderiam facilitar a volta do PT).

Esses líderes não contavam com amor popular. Basta lembrar que Geraldo Alckmin e Aécio Neves chegaram a ser vaiados numa manifestação anti-Dilma, e que a popularidade de Temer, em seus melhores momentos, jamais superou os 10%.

O mesmo povo apoiou majoritariamente as greves dos caminhoneiros que colocaram o governo Temer de joelhos. Bolsonaro nadou de braçada. Por fim, nas urnas em 2018, embora contasse com diversos candidatos (Alckmin, Amoêdo, Meirelles), a direita moderada também perdeu feio.

Volto ao ponto central do meu artigo original: temos um forte sentimento antissistema, uma insatisfação profunda com a vida institucional brasileira e com a política como ela é feita. Bolsonaro foi capaz de encarnar esse sentimento.

De minha parte, tenho a consciência tranquila —sim, esta consciência supostamente extremista, antipovo, que nega a solidariedade e ainda quer criminalizar a esquerda— por ter apontado e combatido o movimento pró-Bolsonaro desde 2016, quando ele já exaltava Ustra e antagonizava com Jean Wyllys na Câmara.

Já fui mais radical pró-mercado, mas a vida intelectual é constante transformação. Ao longo desse processo, aprendi muito com autores e interlocutores de todos os vieses, inclusive de esquerda. E sei que o ponto de partida para qualquer troca é não bloquear a discussão desde o início, acusando as motivações alheias, verdadeiro cacoete marxista.

Grande parte da esquerda brasileira ainda está presa ao jogo infantil de tentar colar todo mundo que não compactuou com o PT no campo filobolsonarista. É confortável atribuir as piores intenções para não ter que discutir a realidade.

Houve o petrolão? É um avanço prender políticos e empresários corruptos? É preciso resolver o desequilíbrio fiscal brasileiro? E enfrentar as causas de nossa pouca produtividade no plano global? Não adianta vir com os rótulos de “antipovo” e “contra direitos”. Ou talvez pensem que quebrar o país, estourar o desemprego, derrubar nossa produtividade, fazer controle político de preços e maquiar números, isso sim, seja ser pró-povo!

Esse primarismo mata o debate no Brasil. Não é à toa que, hoje, a oposição eficaz ao governo Bolsonaro venha justamente da centro-direita, no Congresso e nos governos estaduais. Teto de gastos ou expansão fiscal, mercado de trabalho mais rígido ou mais flexível, abertura ou fechamento comercial, direito penal mais garantista ou mais duro com a corrupção; todos são plenamente defensáveis dentro de uma estrutura democrática. Não há que se condenar a priori as supostas motivações (e portanto a legitimidade) de cada um.

Felizmente, parece que o surto que elegeu Bolsonaro começa a enfraquecer. Lula, por outro lado, se fortalece. A pergunta é: seu projeto de poder continuará fechado nesse solipsismo esquerdista ou voltará ao pragmatismo do diálogo de seu primeiro governo?

Vale lembrar que o Bolsa Família foi elaborado em colaboração pragmática com economistas supostamente “neoliberais”, “antipovo” —Marcos Lisboa, Ricardo Paes de Barro e outros—, contra os desejos de quadros históricos do partido. Foi o maior sucesso do PT.

Lulistas viscerais e inteligentes como Luis Felipe Miguel podem ajudar a qualificar o debate ou, viciados na ilusão da própria superioridade moral, acusar tudo e a todos que não se curvarem. Lula e Bolsonaro podem ser muito diferentes, mas o fanatismo de seus seguidores é parecido.

Enquanto culpam os adversários —o Judiciário, a CIA (ou a ONU), a elite, a imprensa—, se aliam a Renans, Liras e Sarneys para governar. Só não se esqueçam de que o povo está vendo. E não se espantem se ele não comparecer.

*Joel Pinheiro da Fonseca é economista, mestre em filosofia pela USP e colunista da Folha

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2021/05/esquerda-precisa-superar-jogo-infantil-sobre-bolsonaro-e-impeachment-de-dilma.shtml

 


Ricardo Rangel: Profecia autorrealizável

Muitos democratas têm se manifestado no sentido de que uma “terceira via” não tem chance e que um segundo turno entre Bolsonaro e Lula é inevitável. Ato contínuo, elogiam Lula, que, afinal, “é um democrata” e não tem por objetivo desmontar por completo as instituições, como o supremo mandatário vem fazendo.

Lula se assemelharia ao barítono da ópera da anedota, que, brutalmente vaiado, alerta: “Não gostaram do barítono? Esperem para ouvir o tenor!”. O barítono Lula parece determinado a mostrar que não desafina, e, incansável, perambula por Brasília, conversa com todo mundo, lança pontes ao centro, busca vacinas, produz um discurso com começo, meio e fim.

Diante da insuportável cacofonia produzida pelo tenor que ocupa o Alvorada, Lula surge com a maviosa voz de um Fischer-Dieskau redivivo. Mas quão afinado com a democracia está, de fato, o barítono Luiz Inácio?

Foi Lula quem criou a polarização e o ódio político: o “nós x eles” que impede o país de se reconciliar consigo mesmo começou contra Collor em 1989, intensificou-se no mensalão, chegou ao paroxismo na Lava-Jato e no impeachment de Dilma; o hábito petista de chamar qualquer não petista de fascista, racista, homofóbico etc. perdura até hoje. Fake news foram usadas para assassinar a reputação de Marina Silva em 2014, e foi Lula que iniciou a campanha de desmoralização e descredibilização da imprensa (que os petistas chamam de “mídia golpista”).

O esquema de corrupção centralizada, administrada pelo Planalto, não foi algo que “sempre existiu”, como dizem os petistas. Foi algo novo: um método de governo que comprava em dinheiro vivo o apoio dos parlamentares e, assim, atentava contra um dos alicerces da democracia, a separação dos poderes, (o tratoraço de Bolsonaro é parecido). E o dinheiro desviado foi também para a campanha eleitoral, reelegendo o PT mais três vezes, atentando contra outro pilar da democracia, a alternância no poder.

“Não se deve perder de vista que, quando se escolhe o menor entre dois males, o que se escolhe é um mal”

Afora os ataques à democracia, ainda houve a “nova matriz econômica”, que provocou um descalabro econômico. E como Lula afirma que o mensalão e o petrolão nunca existiram e atribui o desastre econômico a Temer, é lícito supor que, eleito, vá fazer tudo igualzinho.

Admita-se que, apesar de tudo, Lula continua sendo melhor do que Bolsonaro, mas não se deve perder de vista que, quando se escolhe o menor entre dois males, o que se escolhe é um mal. Então é bom examinar bem para ver se essa escolha é mesmo inevitável. E, por enquanto, não é.

O Brasil é um país onde terremotos políticos se multiplicam — há pouco mais de um mês, Lula não era elegível, a CPI da Covid não existia e nada se sabia sobre o tratoraço, por exemplo —, e ainda faltam dezessete meses para a eleição: há muita água para rolar.

Quem vaticina que um segundo turno entre Lula e Bolsonaro é inevitável não está fazendo análise política, está contribuindo para criar uma profecia autorrealizável: se aqueles que não querem um segundo turno entre os dois polos acreditarem que ele é inevitável, assim será.

Não é hora de crer em vaticínios e inevitabilidades, é hora de criar alternativas.

Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738

Fonte:

Veja

https://veja.abril.com.br/blog/ricardo-rangel/profecia-autorrealizavel/


Janio de Freitas: Os bilhões dos milhões de vacinas

O boicote à vacinação, pela sabotagem à compra de vacinas, é uma aberração que justifica o interesse nela concentrado pela CPI —que vai bem, obrigada. Mas daí deriva a ausência de questionamento, a todos os depoentes, sobre um tema que pode estar na raiz de parte dos transtornos enfim investigados.

As compras de vacinas, ou de ingredientes, movimentam quantias montanhosas. A guerra comercial entre as vacinas, pela conquista da opinião pública e pressão sobre os governos, extravasa em acusações de risco feitas e desfeitas em torno de bilhões. Nem foi outro o motivo da apressada recomendação (se foi só isso) dos Estados Unidos para aqui não se comprar a Sputnik V, que, sobre ser russa, tem preço baixo. A velha proteção comercial americana não se distrai.

A compra que o ministro Marcelo Queiroga comemorou nos últimos dias é de 100 milhões de doses da Pfizer. Em breve passagem de sua entrevista à Veja, Fabio Wajngarten referiu-se ao preço da Pfizer, com a qual negociava: os diretores da farmacêutica “toparam até mesmo reduzir o preço da unidade, que ficaria abaixo dos US$ 10”. Abaixado também o dólar para uma estimativa, só essa compra anda pelos R$ 5 bilhões.

Negócio com tamanho custo para o dinheiro público foi conduzido junto à Pfizer, no entanto, pelo então secretário de Comunicação da Presidência, não pelo ministro da Saúde com sua assessoria técnica, nem pelo ministro da Economia e seus técnicos. Por que o alheio Wajngarten estava “autorizado pelo presidente” para a negociação? Foi acompanhado apenas, em uma reunião com a Pfizer, pelos não menos inabilitados para representar o governo, e o próprio país, Filipe Martins, assessor no Planalto, e o vereador Carlos Bolsonaro.

A CPI está em tempo de se voltar também para o lado do dinheiro na investigação. Há perguntas indispensáveis: como negócios comerciais, as transações com as indústrias das vacinas têm intermediação remunerada? Comissão? De quanto e paga por que lado? Nas compras à Pfizer, há intermediação empresarial remunerada? Em caso positivo, de que empresa(s)? E alguma outra modalidade de comissão, destinada a quem e de que forma?

São informações relevantes em qualquer sentido, inclusive para exteriorizar a importância da tarefa incumbida à CPI.

Wajngarten foi exonerado em circunstâncias algo estranhas, no mesmo março em que, dia 8, o governo aceitou o contrato proposto pela Pfizer e, dia 19, assinou-o. No controle da propaganda do governo, Wajngarten foi acusado de ganho indireto, por triangulação de empresas, com parte das comissões por veiculação de campanhas. Negou, claro. Continuou polêmico, grosseiramente presunçoso e ambicioso.

De repente, ofereceu-se à entrevista de acusações ao general Eduardo Pazuello e ao Ministério da Saúde, na Veja, cuidando de proteger Bolsonaro & família. A interpretação de que agiu por vingança consolidou-se. E fez esperar que Wajngarten na CPI seria fulminante.

A CPI não sabe por que Wajngarten desdisse a entrevista gravada, mentiu o tempo todo, a cara suarenta de pânico, uma pusilanimidade de dar repugnância. Wajngarten não tinha mais motivo para incomodar o governo. Fazê-lo seria atingir Bolsonaro em cheio: era ele, e só ele, quem impedia o fechamento do negócio, afinal autorizando o que antes considerara “leonino”. O argumento de autorização do Senado para aceitar as condições da Pfizer é falso, porque a alegada inconveniência não foi retirada pela medida parlamentar. Bolsonaro aceitou a grande compra negociada por Wajngarten com outras quaisquer motivações.

As mentiras e silêncios de Fabio Wajngarten não importam. O que importa é o que o fez adotar os silêncios e mentiras em lugar das acusações que traziam, implícitas, outras possíveis. Piores.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/05/os-bilhoes-dos-milhoes-de-vacinas.shtml


Correio Braziliense: Em duas semanas, os efeitos da CPI da Covid são devastadores para o governo

Sarah Teófilo, Correio Braziliense

O governo enfrentou duas semanas tensas, e não é nem metade do tempo inicial previsto para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 no Senado Federal. Nesse período, a base aliada e o próprio presidente da República tentaram criar maneiras de desviar a atenção do que é dito na CPI. Voto impresso, ameaça de convocar as Forças Armadas e ataques ao relator Renan Calheiros foram algumas das estratégias adotadas pelo Planalto e aliados no Congresso. Na comissão, quatro senadores aliados buscavam defender o governo ao longo dos seis depoimentos ouvidos. Até o filho 01, Flávio Bolsonaro, entrou na trincheira. Foi à CPI para socorrer o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten e chamar Renan Calheiros de “vagabundo”.

Com argumentos ou xingamentos, o Planalto tenta reagir ao avanço da CPI. O vice-líder do governo no Senado, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), acredita que o governo tem conseguido responder a todos os questionamentos. “Boa parte do que foi discutido na CPI a imprensa já tinha levantado, já tinha informado. O Brasil vem melhorando o combate à covid. O barulho que fica é por conta da questão política”, defende.

Apesar dos esforços para conter os avanços da CPI, o cenário permanece muito desfavorável. Segundo avaliação de cientistas políticos, o desgaste do presidente Jair Bolsonaro é claro. Soma-se aos reveses na CPI a queda de aprovação do presidente, conforme pesquisas de opinião realizadas na última semana. O Instituto Datafolha indicou uma eventual derrota de Bolsonaro para o ex-presidente Lula, em um cenário eleitoral de 2022. Analistas acreditam que o presidente pode “sangrar” com a CPI até o fim do ano, caso ela seja renovada por mais 90 dias, o que aumentaria o desgaste político até o início do processo eleitoral. Para especialistas, o risco de não chegar ao segundo turno já é concreto para Bolsonaro.

Até no ambiente virtual, onde bolsonaristas atuam com grande articulação, o resultado não foi positivo. Informações da agência de análise de dados e mídias .MAP compiladas a pedido do Correio mostram que de 27 de abril a 3 de maio, antes do início da CPI, o apoio manifestado ao presidente nas redes sociais (Twitter e perfis abertos no Facebook, todos os públicos) estava em 43,2%. Na semana seguinte, de 4 a 10 de maio, foi para 27,7%. Já no período de 11 a 14 de maio (até 8 horas), derreteu para 4,9%, em meio aos depoimentos do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Barra Torres, do ex-secretário de Comunicação da presidência Fabio Wajngarten e do presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo.

A queda no apoio, segundo a agência, “é ancorada por uma agenda negativa, que os perfis de direita, entre manifestantes, políticos e influenciadores não conseguiram reverter”. “Apesar da mobilização contrária da direita, que soma quase 41% do debate numa tentativa de blindar o presidente, o apoio à CPI da Covid é de 69%, o que demonstra que o público geral está favorável às investigações”, afirma a diretora-geral da .MAP, Marilia Stabile. Até o momento, no mês de maio, a CPI é o segundo tema, com 11,6% de participação, pouco atrás do Paulo Gustavo, que lidera com 11,9%.

Sangria

Analista político da Consultoria Dharma, Creomar de Souza afirma que o desgaste ainda não se dá de forma irreversível, mas gera elementos de desarticulação. Creomar pontua que é cedo para prever o impacto eleitoral, mas, segundo ele, o presidente precisará “mudar o personagem” até 2022. A questão é saber se o ocupante do Planalto conseguirá e se essa mudança de postura implacará perda de apoio dos bolsonaristas convictos. Para o analista, a principal consequência política da CPI é provocar uma “sangria” no governo até as eleições. “Se a CPI for prolongada até o fim do ano, isso gera um impacto eleitoral maior. O presidente corre o risco de não ir para o segundo turno”, afirma Creomar de Souza.

Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira ressalta que a comissão gera um desgaste natural. Somado a isso, entretanto, ele acredita que o governo produz fatos políticos ruins, como o pedido de habeas corpus para que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello possa permanecer calado em depoimento partir da Advocacia-Geral da União (AGU). “O governo assume um pouco de culpa e aumenta a tensão”, diz.

Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis afirma que o governo está “desesperado, desanimado e desconfiado da CPI”. “Não há nenhum tipo de perspectiva positiva e essa é a apenas a segunda semana”, diz, lembrando que a expectativa é de mais desgaste ao governo nos próximos dias, apesar do salvo-conduto concedido pelo Supremo Tribunal Federal ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

Estratégia diversionista

À medida em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 avança, o governo tenta criar estratégias de desvio de foco. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, os bolsonaristas instalaram uma comissão especial para discutir a proposta de Emenda à Constituição (PEC) que determina a impressão dos votos em eleições para fins de auditoria, mesmo que a questão já tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de forma provisória (liminar). Enquanto isso, o presidente, como de costume, aumenta a temperatura nas falas diárias, e nas redes sociais os parlamentares bolsonaristas tentam conter qualquer dano.

Creomar de Souza, consutor da Dharma, afirma que, do ponto de vista da estratégia de contenção de danos na CPI, os senadores governistas têm encontrado muita dificuldade de encontrar um tom de fala. As estratégias de tumultuar os trabalhos ou de defender a cloroquina foram insuficientes. “Isso não tem gerado um resultado efetivo. Você cria um burburinho, mas a CPI tem avançado nas oitivas”, diz o analista político.

“Vagabundo”

Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira também ressalta ações diversionistas, como as lives do presidente e as manifestações marcadas para este fim de semana, em apoio a Bolsonaro. E ressalta para a participação do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que xingou o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), de “vagabundo”. O ato foi visto como desespero, mas também como estratégia. “O governo tem essa estratégia de tensionar pra tentar desviar o foco. Mas a tensão não desviou o foco, e, sim, aumentou. É um tiro no pé”, avalia, dizendo que atos assim aumentam os holofotes sobre a CPI.

Para o sócio da Hold Assessoria Legislativa, o cientista político André César, o xingamento de Flávio Bolsonaro a Calheiros, por exemplo, é uma estratégia calculada, para repercutir nas redes na bolha bolsonarista, ao mesmo tempo em que tenta mobilizar os “três mosqueteiros” (os senadores governistas que integram a CPI): Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE). “Toda sessão começa com questões de ordem, tentando tumultuar, postergar, e sempre começa com climão. É parte da estratégia do governo, para cansar os presentes, porque sabem que não são maioria”, diz. O analista político afirma, no entanto, que os resultados são pífios.

Professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart ressalta que o entorno do presidente gera ‘factóides’ para desviar a atenção. “É estratégia deliberada do governo para tirar o foco da CPI e acalentar a base apoiadora, o seu núcleo original”, diz.

Fonte:

Correio Braziliense

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4924796-em-duas-semanas-os-efeitos-da-cpi-da-covid-sao-devastadores-para-o-governo.html


Vinicius Torres Freire: O que os EUA sem máscara dizem sobre vacina e epidemia no Brasil

Pessoas que tomaram as duas doses de vacina contra a Covid podem tirar as máscaras e esquecer o distanciamento social em praticamente todas as situações da vida, anunciou a direção dos Centros de Controle e Prevenção da Doença dos EUA (CDC), autoridade em assuntos científicos de saúde.

Isso quer dizer que, para os CDC, as vacinas da Pfizer-BioNTech e da Moderna mais do que protegem de doença e morte. Novidade maior: parece implícito nos dados mais recentes que, mesmo infectada, uma pessoa não transmite a doença (ou o faz em níveis irrelevantes), o que permite vislumbrar o fim da epidemia por lá, caso não apareça variante preocupante do vírus.

As pesquisas que basearam o anúncio dos CDC não fazem observação diretamente orientada ou arranjada para detectar a transmissão, mas os cientistas chegaram a tal conclusão com base no progresso observado no estudo de profissionais de saúde. Em 2 de abril, um estudo dizia que as vacinas Pfizer-BioNTech e Moderna eram efetivas a ponto de evitar a doença em 90% dos casos de pessoas que tomaram as duas doses; no estudo divulgado pelos CDC em 14 de maio, o sucesso foi para 94%.

Das doses injetadas no Brasil até agora, cerca de 70% são de Coronavac. Pouco se sabe cientificamente de sua efetividade, seu efeito no mundo real. No Chile, uma pesquisa divulgada em abril mostrou que a vacina evita doença sintomática em 67% dos casos, internações, em 85%, e mortes, em 80%. Na Indonésia, estudo com pessoal de saúde, divulgado com pouquíssimos detalhes, indica que a vacina evitaria mortes em 98% dos casos, doenças, em 94%, e internações, em 96%. Um trabalho bem preliminar com vacinados no Hospital das Clínicas da USP indica que a Coronavac tem capacidade de prevenção de doença de 74%.

Em São Paulo, o número de mortes diminuiu proporcionalmente muito mais entre pessoas de grupos de idade mais vacinados (ou subiu menos, a depender da data de comparação). Em São Paulo, pessoas idosas começaram a ser vacinadas na semana encerrada no dia 12 fevereiro (no caso, as de 90 anos ou mais). O número de mortes de pessoas com 70 anos ou mais na semana passada cresceu 22% em relação àquela semana de fevereiro. Entre pessoas de 60 a 69 anos (vacinadas mais recentemente), aumentou 158%. Entre pessoas de 20 a 69, 214%.

Pouca gente recebeu duas doses no Brasil, 9% da população total, ante 36% nos EUA. Hoje, há doses disponíveis, já entregues, para vacinar totalmente 20% da população total e 27% daqueles com 18 anos ou mais. Na previsão esperançosa realista, até o final de junho haveria doses disponíveis para vacinar totalmente 48% da população total e 36% dos adultos.

O cronograma “esperançoso realista” deve se confirmar em maio. Para junho, há grande risco de apagão. O Butantan ora não tem perspectiva de receber matéria-prima da China. A Fiocruz tem material para entregar doses até a primeira semana de junho. É a Fiocruz que deve garantir o grosso das entregas de maio e junho (62% do total).

Como não temos governo, o que resta do Congresso tem de perguntar os motivos e riscos de atraso na entrega de matéria-prima da China, para que se tome alguma providência (Jair Bolsonaro continua a sabotar o processo).

Na melhor das hipóteses, apenas daqui a três meses chegaremos à taxa de vacinação dos EUA. Não há estudos precisos sobre efetividade, transmissão ou capacidade dos imunizantes de conter cepas novas e, dada a ainda enorme circulação do vírus, podemos criar ou disseminar bichos ruins. Ainda não há perspectiva de nos desmascararmos.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/05/o-que-os-eua-sem-mascara-dizem-sobre-vacina-e-epidemia-no-brasil.shtml


Eliane Catanhede: Quem obedece não precisa se incriminar, mas tem de contar tudo sobre quem manda

Quando o general da ativa Eduardo Pazuello sentar como testemunha na CPI da Covid, nesta quarta-feira, quem estará no foco não será ele, mas quem mandava nele no Ministério da Saúde. “Um manda, o outro obedece.” Logo, Pazuello é insignificante, o que importa são as ordens, ações e maquinações do presidente Jair Bolsonaro para manter e piorar a pandemia.

Foi isso que a decisão do ministro Ricardo Lewandowski preservou. Com linguagem simples, mas sofisticada engenharia jurídica, que ele não construiu sozinho, o ministro do STF deu um habeas corpus que diz o seguinte: Pazuello pode ficar mudo quando a questão for sobre ele, mas continua obrigado a falar quando for sobre Bolsonaro.

É o suficiente para a CPI, porque ninguém quer saber de Pazuello e todo mundo quer saber de Bolsonaro. O ex-ministro, homem errado na hora errada, tem o direito de não se incriminar e não produzir provas contra si mesmo, mas tem de responder e contar como, quando e onde aquele “que manda” agiu contra isolamento, máscaras e vacinas e a favor da cloroquina.

Lewandowski deve ter acalentado a ideia de simplesmente negar o habeas corpus da Advocacia-Geral da União (AGU) e determinar que Pazuello falasse tudo, sobre todos, sob risco de prisão. Ele, porém, não seria tão voluntarista após as inúmeras vezes em que o Supremo concedeu o direito ao silêncio a depoentes de CPIs, tanto investigados quanto testemunhas. A solução foi o meio termo, mas até a previsão de prisão é dúbia.

O Planalto comemorou a “vitória” da AGU e o senadores Omar AzizRandolfe Rodrigues e Renan Calheiros cumpriram sua parte, “lamentando” o despacho do STF e repetindo docilmente que “decisão da Justiça se cumpre, goste-se ou não”. Tudo teatro. Na vida real, a cúpula da CPI festejou e o governo reclamou.

Cada dia sua agonia. Pazuello dá sinais de pânico e alegou contato com dois infectados pela covid para desertar, ops!, adiar o depoimento. E não é à toa que o presidente aciona AGU, o ministro Onyx Lorenzoni, mundos e fundos. É para tentar se salvar de Pazuello.

E o Exército? Já foi duro engolir Bolsonaro usando um general intendente da ativa para fazer papel de bobo na Saúde, enquanto o “Gabinete das trevas” decidia no Planalto e o presidente espancava a realidade, a ciência e o bom senso. Mais duro ainda foi assistir às patetadas de Pazuello e às humilhações que o presidente lhe impunha – quanto a vacinas, por exemplo. Imaginem a exposição na CPI!

Justificativa do Ministério da Economia ao Congresso por não ter previsões orçamentárias para o combate à covid em 2021, optando por créditos suplementares: ninguém sabia que viria a segunda onda. Por que não? Porque Bolsonaro trocou médicos e epidemiologistas da Saúde por militares que nem conheciam SUS e curva epidemiológica e, portanto, eram incapazes de alertar o Planalto, o governo e o País para os cenários possíveis. Paulo Guedes e seus economistas foram imprevidentes, mas a obrigação de detectar uma nova onda não era deles, era da Saúde. E Bolsonaro nunca quis um real Ministério da Saúde.

A população captou isso. No Datafolha, a atuação do ministério na pandemia despencou de 76% com Luiz Henrique Mandetta para 28% com Pazuello. E, hoje, 51% reprovam e apenas 21% aprovam ação do presidente na pandemia, o que ajuda a entender por que a sua popularidade derrete.

O depoimento de Pazuello não vai reverter isso, pelo contrário, e Bolsonaro faz duas jogadas de risco: tenta usar os contratos mega-atrasados com a Pfizer para apagar tudo o que fez contra as vacinas e ataca grosseiramente a China para sabotar os insumos da “vacina chinesa do Doria”. Ao retaliar o líder errado, a China prejudica a população brasileira. Alguém aí pode dar um toque no Xi Jinping?

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,quem-obedece-nao-precisa-se-incriminar-mas-tem-de-contar-tudo-sobre-quem-manda,70003716315

 


Bruno Boghossian: Para onde vão os bolsonaristas de 2018?

Na última campanha, Jair Bolsonaro convenceu muita gente de que era um político liberal na economia, que defendia a causa lavajatista e rejeitava negociações com partidos tradicionais. Em pouco tempo, ele abandonou essas fantasias, sem fazer muita cerimônia. Resta saber quantos daqueles que se renderam ao estelionato de 2018 estão dispostos a repetir a dose em 2022.

Nem metade dos eleitores que declaram ter votado em Bolsonaro no segundo turno da última corrida presidencial admitem apoiá-lo no primeiro turno do ano que vem, mostra o Datafolha. Nesse grupo, ele teria 49% dos votos, enquanto os demais se dividiriam entre Lula (17%), Sergio Moro (9%) e outros candidatos.

Para comparação, eleitores de Fernando Haddad no segundo turno de 2018 escolheriam majoritariamente Lula no primeiro turno: 72%. Ciro Gomes receberia 8% e outros nomes teriam menos de 5% cada um.

Esse é o retrato de uma parcela específica do eleitorado, uma vez que muitos entrevistados esquecem, confundem ou escondem seus votos do passado. Na pesquisa, 36% dos entrevistados afirmaram ter votado em Bolsonaro em 2018, 30% citaram Haddad, 7% declararam voto em branco, e 27% não responderam. O recorte leva em conta os 36% que admitem ter votado no presidente.

Os números do Datafolha sugerem que, até agora, o antipetismo não foi suficiente para empurrar parte desses eleitores para o campo de Bolsonaro novamente. Numa das simulações de segundo turno, 65% dos entrevistados desse grupo repetiriam a opção pelo presidente, mas 24% escolheriam Lula, e 9% votariam em branco ou nulo. Outros 2% disseram não saber o que fariam.

Como esperado, os bolsonaristas confessos rejeitam Lula consideravelmente: 62% deles dizem que não votariam no petista de jeito nenhum. Apesar disso, 24% deles também responderam que se recusam a apoiar a reeleição do atual presidente. A rejeição de Bolsonaro nesse grupo é semelhante à de Moro (20% deles não votariam no ex-juiz).

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/05/para-onde-vao-os-bolsonaristas-de-2018.shtml

 


Vera Magalhães: Tudo errado para Bolsonaro, tudo certo para Lula, e o centro tá como? Pondo fogo no parquinho

Na última quarta-feira entrevistei o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Às vésperas de completar 90 anos, ele não demonstra muita fé na possibilidade de seu partido, o PSDB, ou mesmo de outras forças de centro se contraporem à disputa entre Jair Bolsonaro e Lula em 2022. E, sem tergiversar, declara voto no petista em caso de segundo turno com o presidente (em 2018, diz ter anulado o voto na disputa entre Bolsonaro e Fernando Haddad).

entrevista foi publicada no GLOBO desta sexta, e a declaração de voto em Lula foi o que mais repercutiu. FH só lembrou do PSDB quando foi questionado, e tratou logo de ir dizendo que, no seu entender, o candidato alternativo a Lula e Bolsonaro não precisa ser tucano.

A sinceridade reflete o momento avacalhado pelo qual passa o PSDB. Aliás, não é um momento: a fase avacalhada vem, pelo menos, desde 2017, quando foi revelado o diálogo de Aécio Neves, então o principal líder tucano, com Joesley Batista. Desde então tem sido ladeira abaixo, com os partidos que sempre foram satélites do PSDB mais ou menos a reboque.

Tucanos, democratas e adjacências colheram alguns bons resultados estaduais em 18 e municipais em 20, mas até aqui não conseguem vocalizar um projeto alternativo para o país que, como diz FC, dialogue com o povo, tenha um “sentido da História”, entenda o que está em jogo no Brasil depois da nuvem de gafanhotos do bolsonarismo.

Pelo contrário: as lideranças do PSDB, do DEM e de outros partidos hoje apenas médios parecem ter resolvido praticar autofagia.

João Doria Jr. tenta colocar em pé seu projeto presidencial, com enormes dificuldades partidárias e eleitorais. O lance mais recente dessa estratégia se deu nesta sexta-feira, com a filiação do vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, ao PSDB.

Por quê? Porque Doria não confia que terá o DEM em seu palanque, e precisa honrar o compromisso de fazer de Garcia o candidato à sua sucessão. O risco é que ele tampouco tem a garantia de que conseguirá ser candidato a presidente pelo PSDB, abrindo espaço para Garcia disputar o Palácio dos Bandeirantes.

Aécio Neves é hoje o verdadeiro dono do PSDB. É combinado com o deputado que age o presidente da sigla, Bruno Araújo, que Doria um dia achou que seria seu aliado. Aécio prefere que o PSDB não lance candidato à Presidência. Quer se tornar um Gilberto Kassab tucano, fazendo do PSDB um partido de deputados, e, portanto, de lauto fundo partidário. Mais: não quer que o partido gaste com candidato a presidente o fundo que tem hoje, para que sobre mais para os candidatos ao Legislativo.

Coisa de partido provinciano, não de uma sigla que já levou a Presidência duas vezes em primeiro turno. Coisa de político que se contentou em ser eminência parda depois de queimar o filme da própria trajetória política.

Doria não conseguiu convencer as demais seções tucanas da viabilidade de sua candidatura. Prova disso é o surgimento de nomes como o do governador Eduardo Leite e o do senador Tasso Jereissati para prévias que hoje são apenas conversa mole para boi dormir e para enrolar o próprio Doria.

No plano paulista, a chegada de Garcia pode levar à saída da legenda de Geraldo Alckmin, que mesmo depois da derrota acachapante em 2018 quer voltar ao jogo político, disputando de novo o governo paulista. Se não conseguir que haja prévias, ele pode migrar para outro partido — na lista de opções estão o PSD de seu ex-inimigo Gilberto Kassab e o Podemos.

E o DEM? Depois de uma campanha brilhante em 2020, ACM Neto achou por bem agir como um coronel e empenhar o futuro do partido no altar do bolsonarismo, traindo Rodrigo Maia e o empurrando porta afora do partido. Agora, vendo que a debandada será maior e que não só Bolsonaro derrete nas pesquisas como a volta de Lula leva vatapá para o acarajé do PT na sua Bahia, se desespera e fica bravinho com a saída de Rodrigo Garcia. Foi ele quem plantou essa lambança.

É vexaminoso ver uma geleia geral de siglas que não têm nada de relevante para dizer a uma população vitimada pelo vírus, pela fome, pela economia em frangalhos, pelo esgarçamento dos valores e das instituições, pela barbárie na segurança pública, pelas ameaças autoritárias diárias do presidente, pela falta de perspectiva.

Lideranças políticas que passam os dias com brigas patéticas em que se xingam de baixinho ou de gordo ou de feio, bobo e chato enquanto deixam se consolidar a polarização entre Bolsonaro e Lula.

De nada adianta lançar mão de clichês sem substância como a procura do “Biden brasileiro” quando o que se tem são nomes que não conseguem sequer reunir uma tropa mínima e dizer a que vieram, quanto mais operar uma estratégia como a do Partido Democrata para unir suas alas e vencer o trumpismo.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/tudo-errado-para-bolsonaro-tudo-certo-para-lula-e-o-centro-ta-como-pondo-fogo-no-parquinho.html

 


Marcus Pestana: O labirinto da reforma tributária

No confuso quadro gerado pelo turbilhão da pandemia é preciso ficar com um olho na saúde pública e outro na economia. Só é possível redistribuir renda se houver geração de riqueza. O Brasil, que já ocupou a sexta posição no ranking dos PIBs dos diversos países, caiu recentemente para o décimo segundo lugar.

Há muito nos debatemos com a armadilha do baixo crescimento. Do pós-guerra até 1980, o Brasil foi o país que teve o mais acelerado desenvolvimento. Já de 2011 a 2020, assistimos a mais uma década perdida. O PIB per capita médio por ano caiu 0,6% no período, desempenho inferior a 156 países no mundo. O pior desempenho em 120 anos. Enquanto isto, a China teve crescimento de 6,3%, a Índia, 3,6%, a Colômbia, 1,2%, os EUA, 1,0%, Rússia, Peru e Chile, 0,8%, Alemanha e Japão, 0,5%. Alguma coisa deu muito errado. E não é repetindo os erros que chegaremos ao acerto. E preciso mudar o rumo.

Muitos fatores contribuem para nos roubar o horizonte de geração de riqueza: Custo Brasil elevado; ambiente de negócios hostil; falta de soluções para uma educação de qualidade e para induzir inovação e avanços tecnológicos; baixa produtividade; instabilidade legal e regulatória; juros altos; quebra de contratos e regras do jogo, alto fechamento da economia brasileira.

A questão fiscal aparece também como um dos gargalos. Pelo lado da despesa, temos um orçamento federal engessado com 82% dos gastos concentrados em transferências a pessoas (aposentadorias, salários, auxílios sociais, seguro desemprego). Resta muito pouco para investir em infraestrutura, ciência e tecnologia, saúde, educação, segurança. Por outro lado, temos renúncias fiscais, carga tributária e endividamento altos para um país em desenvolvimento. Também estados e municípios têm baixo nível de investimento. Isto, evidentemente, inibe o crescimento, a geração de empregos e renda.

Do lado das receitas, temos um sistema tributário injusto, ineficiente, burocrático, pesado, confuso e quase ininteligível. Segundo relatório do Banco Mundial, um dos dez piores do mundo. É urgente a reforma tributária.

Não é tarefa fácil. Uma reforma profunda é complexa e mexe com muitos interesses. O assunto está em discussão no Congresso Nacional. A Comissão Mista Especial produziu um bom relatório, que poderá servir de ponto de partida para as discussões e a deliberação.

Agora se colocou a polêmica reforma fatiada ou reforma ampla. O Ministro Paulo Guedes tem defendido a apreciação fragmentada, iniciando pelo projeto que unifica apenas o PIS e a COFINS.  É claramente insuficiente e produzirá efeitos limitados. O Brasil chegou aqui no campo tributário exatamente pelas múltiplas intervenções parciais e isoladas.

Necessitamos de uma reforma ampla que simplifique a tributação; inverta a atual regressividade, onde os pobres pagam proporcionalmente mais que os ricos; inicie a migração da tributação do consumo para a renda e o patrimônio; desonere os investimentos e a criação de empregos; elimine progressivamente o excesso de incentivos e renúncias; ponha fim à irracional guerra fiscal; diminua o Custo Brasil.

Esperamos que, apesar de toda a instabilidade política atual e da pandemia, o Congresso Nacional abrace de corpo e alma o desafio de produzir a reforma tributária tão necessária para a retomada do desenvolvimento brasileiro.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)

Fonte:

O Tempo

https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739?aId=1.2485296

 


João Gabriel de Lima: O rio turvo dos crimes de lesa-democracia

Existem pelo menos duas coisas em comum entre a propina paga por empresas de ônibus no caso Celso Daniel, o acerto de R$ 2 milhões entre Joesley Batista e Aécio Neves e as verbas que Jair Bolsonaro usou para comprar parlamentares do Centrão, no caso revelado em furo de reportagem do Estadão.

A primeira é que nos três episódios – que diferem no tipo de enquadramento em categorias jurídicas – representantes escolhidos pelo povo agiram às escondidas. A democracia, por definição, é o império da transparência. Ela se alimenta da confiança entre eleitores e eleitos. Sem isso, se deteriora. Um político que age por baixo do pano comete um crime de lesa-democracia.

Para repassar verbas aos parlamentares dispostos a vender apoio, o governo federal usou a “emenda do relator”. Trata-se de uma figura jurídica que havia sido abolida em 1993, por estar na raiz do escândalo dos “anões do Orçamento”, e que foi recriada no ano passado. Em entrevista ao Estadão, o economista Gil Castello Branco, especialista em contas públicas, explicou por que tal dispositivo é nocivo à democracia. Ele possibilita, segundo Castello Branco, que emendas parlamentares sejam colocadas numa espécie de caixa-preta, dificultando seu acompanhamento e rastreamento.

Democracia não é só cumprir regimentos. Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, ela vai muito além. Implica, como se disse acima, transparência obsessiva. É preciso também que as verbas governamentais sejam destinadas a obras que cumpram função pública. Janine foi ministro da Educação, é professor de Ética e autor do livro A Boa Política, lançado pela Companhia das Letras. Ele fala sobre democracia no minipodcast da semana.

A segunda coisa em comum entre os malfeitos petista, tucano e bolsonarista é que, mesmo agindo no escurinho da má política, seus protagonistas deixaram rastros – e foram apanhados.

Parte da propina paga à prefeitura de Santo André foi depositada no extinto Banespa, num caso curioso de corrupção com extrato bancário. Joesley gravou sua conversa com Aécio, e entregou depois o áudio às autoridades. Já os “anões” do “bolsolão”, nome com o qual o episódio se popularizou nas redes sociais, solicitaram o dinheiro por ofício.

Nos textos, pouco se fala sobre a natureza das obras, sua função pública ou justificativas técnicas. Em vez disso, leem-se expressões que revelam a combinação por baixo do pano: “minha cota”, “fui contemplado”, “recursos a mim destinados”.

A série de reportagens, de autoria de Breno Pires, mostrou que alguns parlamentares se negaram a apresentar os ofícios solicitados pela Lei da Transparência. Houve quem alegasse “razões de segurança de Estado”. Como se pretendessem defender o Brasil de uma suposta invasão externa usando um exército Brancaleone de tratores superfaturados.

As reportagens mostraram também que um dos maiores beneficiários das verbas destinadas via Codevasf, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, foi o Amapá do senador Davi Alcolumbre. O Amapá é famoso pelo rio Oiapoque, um dos marcos do norte geográfico brasileiro. O rio São Francisco, no entanto, não passa por lá.

Exaltado por Cartola e Carlos Cachaça num samba-enredo antológico, o São Francisco cumpre funções essenciais de transporte e fornecimento de energia. Já o rio dos crimes de lesa-democracia, como um esgoto, é sempre subterrâneo. A missão do jornalismo é trazer luz às suas águas turvas.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-rio-turvo-dos-crimes-de-lesa-democracia,70003715728

 


Ricardo Noblat: Lewandowski ajuda a montar a arapuca para pegar Pazuello na CPI

Está cada vez mais difícil para o gabinete do ódio comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro criar narrativas a favor de qualquer coisa que beneficie seu pai, o governo dele e aliados.

É o caso, por exemplo, do pedido de habeas corpus da Advocacia Geral da União para que o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, permanecesse calado ao depor na CPI da Covid-19.

O depoimento está marcado para a próxima quarta-feira. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, atendeu ao pedido de habeas corpus, mas só parcialmente.

Pazuello ganhou o direito de não responder perguntas que possam incriminá-lo, mas será obrigado a dizer a verdade em questões sobre fatos e condutas de outras pessoas.

André Mendonça, chefe da Advocacia-Geral da União, achou que não lhe cabia entrar com o pedido no Supremo. Pazuello então contratou um advogado particular para fazê-lo.

A parada foi decidida pelo presidente Jair Bolsonaro que mandou Mendonça seguir em frente com medo de que Pazuello se sentisse abandonado e à vontade para contar o que deveria esconder.

Como, sem dizer a verdade, Carlos e seus comparsas do gabinete do ódio poderão convencer os devotos do seu pai de que ele fez o melhor ao patrocinar a causa de um general em fuga?

Em 2014, durante a CPI da Petrobras na Câmara, Onyx Lorenzoni, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência e à época deputado, escreveu em uma rede social:

– Toda vez que bandido veio à CPI quis ficar calado.

No ano seguinte, durante outra sessão da CPI, Onyx criticou o silêncio do ex-diretor internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, envolvido no escândalo do Petrolão. Disse:

– Nunca vi gente decente, com a verdade do seu lado, se valer desse direito [ao silêncio]. Sempre que se usa esse direito, na verdade, é porque tem algo a esconder.

Meses depois, voltou a usar uma rede social para criticar Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, que estava preso quando prestou depoimento à CPI:

– Questionei Duque sobre o fato de ele preferir se calar. Todos os bandidos que usaram o direito ao silêncio na CPI já foram ou estão presos.

Em 2016, o deputado Eduardo Bolsonaro, também criticou um depoente que ficou calado durante a CPI da Funai e Incra:

– Eu sei que tem o habeas corpus preventivo para não poder falar. Perde esta excelente oportunidade. É uma pessoa covarde, que não tem um pingo de vergonha na cara.

A depender do que disser, Pazuello acabará abandonado pelo governo ao qual serviu com tanto desvelo e obediência.

Covas travou com bravura e perdeu a última batalha de sua vida

Prefeito de São Paulo eleito em outubro último, Bruno Covas deixa exemplo de coragem e de transparência no tratamento de sua doença

O fim da vida para o prefeito de São Paulo Bruno Covas (PSDB), 41 anos, poderia ter sido de menos sofrimento e maior satisfação para ele, família e amigos se não tivesse sido candidato à reeleição.

Seu estado de saúde, à época, inspirava cuidados e ele sabia disso. Os médicos jamais o enganaram a respeito. A medicina é cada vez mais capaz de antecipar o que virá, e mais ou menos quando.

Foi ele que decidiu mesmo assim arriscar-se em uma eleição que costuma cobrar muito dos candidatos mais competitivos e com maiores chances de vencer. Política é uma droga viciante.

De resto, quem teria coragem de tentar convencê-lo do contrário sob a alegação de que poderia ter pouca vida pela frente? Era o que os diagnósticos médicos indicavam com razoável clareza.

Covas foi em frente, viu, venceu e agora… Seguia internado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, até o início desta manhã. Seu quadro clínico era considerado irreversível.

Travou e perdeu uma dura e sangrenta batalha contra um tumor na cárdia, região de transição entre o esôfago e o estômago, detectado em 2019. O câncer espalhou-se por todo o seu corpo.

A doença e a disposição de desafiá-la com bravura e total transparência fez Covas crescer aos olhos dos paulistanos, e isso foi decisivo para que derrotasse Guilherme Boulos (PSOL).

Seu vice, Ricardo Nunes (MDB), é pau mandado de Milton Leite (DEM), presidente da Câmara Municipal pela sexta vez, um político controverso que aprecia extrair vantagens em tudo.

Nunes tem 53 anos, é advogado e empresário. Foi vereador em São Paulo por duas vezes. Durante a campanha de Covas, acusações de violência doméstica o atingiram em cheio.

Antes disso, Nunes ganhara notoriedade na mídia por ser ativamente contra a inclusão de temas de sexualidade e gênero no Plano de Educação da capital paulista.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/lewandowski-ajuda-a-montar-a-arapuca-para-pegar-pazuello-na-cpi