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Maria Cristina Fernandes: Para o legado da CPI ultrapassar 2022

Além do roteiro de 2022, CPI tem que proteger o país contra novas pandemias

Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico

É preciso blindar o país contra novas pandemias Não é porque genocida rima com querida que o presidente Jair Bolsonaro cairá ou deixará de cair. Nem se a PEC 5 tivesse sido aprovada ontem na Câmara o procurador-geral da República deixaria de ser omisso na denúncia contra o presidente da República.

Depois do fracasso da frente ampla contra Bolsonaro, o relatório é a principal herança do Congresso para as eleições. Desperdiçá-la é perda de tempo e dinheiro. A CPI deixa um legado eleitoral relevante para 2022 tenha o relatório 10 ou 11 crimes.

De estimativas como a do sanitarista e fundador da Anvisa Gonzalo Vecina colhe-se que 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas. O genocídio se sustenta na robustez da tragédia que poderia ter sido evitada, mas divide juristas de todos os matizes e não assegura aceitação da denúncia contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional.

A comissão ofereceu um roteiro que facilita a vida dos marqueteiros. Tá tudo ali, das imagens do presidente tirando a máscara de uma criança de colo aos relatos pungentes dos familiares das vítimas, deixadas para o fim, como em toda CPI, para fazer da comoção um motor da aprovação do relatório.

Uma pandemia com mais de 600 mil mortes, porém, é uma tragédia grande demais para que tenha 2022 como o limite de seu horizonte. Até porque novas pandemias virão. Das 206 páginas do relatório dedicadas às providências da CPI da Covid, 91 se destinam à proposição de projetos de lei e no apoio à celeridade daqueles que já tramitam no Congresso.

São 17 novas propostas e outras 11 em tramitação. Do combate à divulgação de notícias falsas à inclusão de ilegalidades do combate a pandemias no rol de crimes hediondos, passando pela pensão de crianças e adolescentes órfãos da covid-19 há de tudo lá. O que falta são propostas capazes de blindar a gestão de pandemias futuras contra insanidades.

Tome-se, por exemplo, o Plano Nacional de Imunizações. Criado em 1973, o PNI foi, em grande parte, o motor da reputação que o Brasil desfrutava em vacinas até o vírus do bolsonarismo. Foi a base institucional para a história de adesão dos brasileiros à vacinação que, para além dos números, se traduz no dito popular: de graça, até injeção na testa. Se o Estado oferece cuidados, não há por que rejeitá-los.

A evolução da curva da vacinação da covid-19 é uma demonstração disso. Depois que as vacinas passaram a ser ofertadas com planejamento adequado, a imunização só cresce, tendo levado o Brasil a passar os Estados Unidos no percentual de imunizados. O problema foi o que aconteceu antes disso.

O relatório é farto na descrição do atropelamento do PNI. O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, contou que o programa poderia ter mantido seu protagonismo não fosse o boicote bolsonarista. O mundo começou a vacinar em 8 de dezembro de 2020 e aplicou 4 milhões de doses até o fim daquele mês.

O Brasil teria como ter aplicado 60 milhões de doses no ano passado e 100 milhões até maio de 2021, mas o governo postergou o prazo para setembro. O resultado é que em julho deste ano o Brasil, que tem 2,8% da população, somava 13,2% de todas as mortes do mundo.

Se o PNI tivesse um conselho gestor, com a presença não apenas de sanitaristas e imunologistas, mas de representantes dos Três Poderes, em condições de mobilizá-los, a insanidade não teria dado as cartas.

O Congresso votou os recursos de combate à pandemia e o Supremo garantiu a autonomia da federação, mas o Executivo atropelou o PNI. Um conselho com mandato seria capaz de dar-lhe status de programa de segurança nacional imune aos humores de plantão.

Gonzalo Vecina lembra que o programa tinha um conselho, majoritariamente de médicos, até Bolsonaro tomar posse e desmontá-lo junto com outros 31 “covis de petistas”. Fosse um conselho votado e aprovado pelo Congresso ele não poderia tê-lo feito de uma canetada.

Por mais que o PNI seja enraizado nas práticas sanitárias do país, foi a completa autonomia do Executivo nas deliberações que empoçou os 81 e-mails com a oferta de 70 milhões de doses da Pfizer durante seis meses. Um programa de imunização gerido por um colegiado não permitiria que um ministro da Saúde como Eduardo Pazuello voltasse atrás de um protocolo de intenções para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac com desfaçatez que coube numa frase: “É simples assim: um manda e o outro obedece”.

Um conselho gestor do PIN aprovado pelo Congresso como legado desta CPI certamente neutralizaria o raio de ação de um filho de presidente, como o vereador Carlos Bolsonaro, que tomou parte nas discussões com a direção das grandes farmacêuticas.

O Brasil sabe vacinar e tem um povo que entende a importância da imunização. E é este binômio que poderia ter sido melhor protegido pelo relatório. Assim como o Sistema Único de Saúde. Se algo avançou no SUS ao longo da pandemia foi a centralização de dados para a elaboração de um prontuário eletrônico para todos os seus usuários, projeto que ainda está em curso sob o nome de ConecteSUS.

A CPI se desenrolou paralelamente à discussão do edital do leilão da tecnologia 5G. Mas não fez gestões para influenciar o edital de maneira a exigir que o vencedor forneça tecnologia capaz de integrar Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais de Saúde e prontuários hospitalares.

Colocar o maior dos insanos na cadeia inibiria a volta dos que ainda não foram. Mas a CPI precisa ir além se pretende contribuir para a blindagem do país contra novos vírus, estejam eles no populismo da extrema-direita ou na microbiologia.

Foro privilegiado

A capitulação de Paulo Guedes ao teto furado guarda mais relação com a necessidade de o ministro manter o foro privilegiado do que com uma conversão das convicções do ministro. Está marcado para o dia 10 de novembro o depoimento de Guedes sobre sua offshore. Mais do que o afastamento de sua conta na Ilhas Virgens Britânicas, o que importa é se houve ou não movimentação da conta. É em torno deste ponto que se mobilizam os parlamentares.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/para-o-legado-da-cpi-ultrapassar-2022.ghtml


Relatório da CPI expõe "estratégia macabra" de Bolsonaro na pandemia

Bolsonaro minimizou a pandemia, se opôs a medidas de distanciamento, espalhou paranoia antivacinas e estimulou infecções ao longo da crise

DW Brasil

Documento descreve que ações criminosas e omissões do governo federal contribuíram decisivamente para o desastre que tirou mais de 600 mil vidas, e que autoridades "assentiram com a morte de brasileiros" na pandemia.

Após quase seis meses de trabalho, a CPI da Pandemia foi palco nesta quarta-feira (20/10) da leitura do relatório final produzido pelo senador Renan Calheiros.

O texto pinta a atuação do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia como negligente, incompetente, anticientífica, corrupta, macabra, caótica, criminosa e decisiva para que o Brasil produzisse o desastre sanitário que já ceifou oficialmente mais de 600 mil vidas. Segundo o relatório, o governo Bolsonaro "assentiu com a morte de brasileiras e brasileiros".

O texto descreve como o negacionismo do governo incluiu a formação de redes que promoveram fake news, paranoia antivacinas e incentivo ao desrespeito às normas de distanciamento.

Também descreve como as autoridades federais optaram por expor "deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa" ao recusarem a adoção de medidas de distanciamento – como máscaras – e abraçarem a promoção de um ineficaz e potencialmente perigoso "tratamento precoce". Tudo para buscar uma "imunidade de rebanho" por contaminação natural, mesmo diante das evidências de que milhares de brasileiros morreriam nesse processo.

Segundo Calheiros, essa "estratégia macabra" resultou até março de 2021 em pelo menos 120 mil mortes que poderiam ter sido evitadas.

O relatório ainda afirma que o Ministério da Saúde foi palco de "um esquema de corrupção nunca visto" e que "houve deliberado atraso na aquisição de imunizantes, em evidente descaso com a vida das pessoas".

O documento com 1.180 páginas lista mais de 60 pessoas, imputando mais de 20 crimes, incluindo crimes contra a humanidade, fraude em licitação, corrupção, incitação ao crime, prevaricação, emprego irregular de verbas públicas e falsificação de documentos.

Entre os acusados estão Jair Bolsonaro, três dos filhos do presidente, sete ministros e ex-ministros, deputados e empresários bolsonaristas acusados de espalhar fake news e promoverem desrespeito às normas sanitárias, militares que ocupavam postos no Ministério da Saúde, membros do "gabinete paralelo", figuras envolvidas em suspeitas de corrupção na compra de vacinas e médicos envolvidos em fraudes e uso antiético de medicamentos ineficazes contra a covid-19.

Antes da leitura do relatório, ocorreram algumas mudanças. O senador Calheiros atendeu a pedidos do presidente da comissão, Omar Aziz, e outros senadores para retirar acusações de genocídio indígena contra Bolsonaro e outros acusados. O nome do influente empreendedor religioso Silas Malafaia, que era originalmente acusado de "incitação ao crime", também foi retirado da lista de acusados.

Apesar da retirada de alguns crimes, Aziz afirmou durante a sessão que "o presidente [Bolsonaro] cometeu muitos crimes e vai pagar por eles".


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Acusações contra Bolsonaro

O relatório descreve ações do presidente que agravaram a pandemia, incluindo seu entusiasmo pelo falso tratamento precoce – que resultou na queda de dois ministros da Saúde que resistiram em adotar os medicamentos ineficazes –, seu desprezo pelas vacinas, declarações minimizando a gravidade da doença e sabotagem de medidas de distanciamento. O relatório cita, por exemplo, episódios em que o presidente incentivou pessoas a não usarem máscaras.

"Isso nos leva a concluir que o presidente tinha interesse em encorajar os brasileiros a se expor ao contágio sem proteção, para que pudessem ser infectados pelo vírus sem maiores dificuldades ou barreiras", diz o texto.

"Jair Bolsonaro colaborou fortemente para a propagação da covid-19 em território brasileiro e, assim, mostrou-se o responsável principal pelos erros cometidos pelo governo federal durante a pandemia da covid-19."

Ao todo, o relatório pede o indiciamento de Bolsonaro por dez crimes:

- Epidemia com resultado morte

- Infração de medida sanitária preventiva

- Charlatanismo

- Incitação ao crime

- Falsificação de documento particular

- Emprego irregular de verbas públicas

- Prevaricação

- Crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos

- Violação de direito social

- Incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo.

Jair Bolsonaro, durante uma das inúmeras aglomerações que o presidente promoveu durante a pandemia


Coletiva de Imprensa do Ministério da Saúde. Foto: Alan Santos/PR
Lançamento de campanha de vacinação no Palácio do Planalto. Foto: PR
Ministro Eduardo Pazuello durante coletiva de imprensa. Foto: PR
Ministro Eduardo Pazuello durante coletiva de imprensa. Foto: PR
Pazuello durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Presidente Bolsonaro e o ministro Pazuello durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Ministro Eduardo Pazuello em cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello participa de motociata com o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
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Coletiva de Imprensa do Ministério da Saúde. Foto: Alan Santos/PR
Lançamento de campanha de vacinação no Palácio do Planalto. Foto: PR
Ministro Eduardo Pazuello durante coletiva de imprensa. Foto: PR
Ministro Eduardo Pazuello durante coletiva de imprensa. Foto: PR
Pazuello durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Presidente Bolsonaro e o ministro Pazuello durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Ministro Eduardo Pazuello em cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello participa de motociata com o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
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Titulares da Saúde na mira

O relatório também pede o indiciamento do general Eduardo Pazuello, que ocupou a chefia do Ministério da Saúde entre maio de 2020 e março de 2021, e o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga.

Durante o período em que exerceu o cargo, Pazuello se notabilizou por obedecer ordens de Bolsonaro para expandir o uso da ineficaz cloroquina, ignorou ofertas de vacinas de grandes laboratórios, não fez esforços para aumentar a testagem, tentou esconder os números de mortes e casos de covid-19 e foi acusado de não agir durante a crise do oxigênio em Manaus.

O relatório o acusa de epidemia com resultado morte, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação e comunicação falsa de crime.

Já Queiroga é acusado no relatório de prevaricação e epidemia com resultado morte.

Titulares da Saúde, Marcelo Queiroga e Eduardo Pazuello executaram estratégia anticientífica de Bolsonaro

Veja a lista completa de pessoas acusadas no relatório final

Fake news

Parte do relatório se debruça sobre a rede de fake news bolsonarista que atuou durante a pandemia, minimizando a doença, promovendo tratamento ineficazes e paranoia antivacinas, além de mentir sobre as ações do governo federal e direcionar ataques contra Poderes e instituições, incluindo o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF).

O texto aponta que essa rede de fake news era dividida em cinco núcleos: o núcleo de comando (1), núcleo formulador (2), núcleo político (3), núcleo de produção e disseminação das fake news (4), e núcleo de financiamento (5).

Segundo o relatório, o núcleo de comando de fake news é formado por Jair Bolsonaro e três de seus filhos: o senador Flávio Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro.

No núcleo formulador aparecem dois assessores presidenciais: o seguidor do ideólogo Olavo de Carvalho e ultradireitista Filipe Martins (Assuntos Internacionais) e Tercio Arnaud (assessor do Planalto).

Jair Bolsonaro e seu filho Flávio, acusado de fazer parte de núcleo de propagação de fake news

No núcleo político são citados aliados do governo que rotineiramente espalham fake news sobre a pandemia: os deputados Ricardo Barros, Osmar Terra, Carlos Jordy, Carla Zambelli e Bia Kicis, além do ex-ministro Ernesto Araújo e o diplomata Roberto Goidanich, o empresário Carlos "Wizard" Martins, o ministro Onyx Lorenzoni e o ex-deputado extremista Roberto Jefferson.

"Eles incentivaram as pessoas ao descumprimento das normas sanitárias impostas para conter a pandemia e adotaram condutas de incitação ao crime", diz o relatório.

Já o núcleo de produção e disseminação de fake news inclui veículos bolsonaristas, como os sites Terça Livre, Brasil Paralelo, Brasil Sem Medo (ligado a Olavo de Carvalho), entre outros. Os ativistas que fazem parte desse núcleo são figuras conhecidas de outros inquéritos por fake news, como Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio.

Por fim, no núcleo de financiamento aparecem os nomes dos empresários bolsonaristas Otávio Fakhoury e Luciano Hang.

"Na prática, ao estimular a população a se aglomerar, a não se vacinar, a desobedecer às regras de uso de máscara e de lockdown, pessoas influentes e agentes políticos contribuíram para o agravamento da pandemia", conclui o texto, que também aponta que o discurso antivacinas propagado por Jair Bolsonaro e outros propagadores de fake news "certamente causou a perda de inumeráveis e valiosas vidas durante a pandemia".

O empresário bolsonarista Luciano Hang, acusado de financiar rede de fake news e propagar mentiras sobre a cloroquina


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Imunidade de rebanho, falso tratamento precoce e gabinete paralelo

O relatório também aborda o funcionamento de um "gabinete paralelo", uma estrutura obscura de aconselhamento para temas da pandemia à parte do Ministério da Saúde. O grupo, formado por entusiastas de tratamentos ineficazes, céticos das vacinas e leigos em saúde, é suspeito de assessorar Bolsonaro de maneira extraoficial na tomada de decisões sobre a pandemia, longe dos olhos do público e controle institucional.

Entre os membros desse gabinete, segundo o texto, atuaram figuras como o ex-assessor da Presidência Arthur Weintraub, a médica Nise Yamaguchi, o empresário bolsonarista Carlos "Wizard" Martins, o biólogo Paolo Zanotto, o deputado Osmar Terra e o médico Luciano Dias Azevedo.

De acordo com o relatório, o grupo fez "aconselhamento para que fosse atingida a imunidade de rebanho pela contaminação natural no Brasil". "Essa estratégia, atrelada à ideia de que o contágio natural induziria imunidade coletiva, visava exclusivamente à retomada das atividades econômicas", disse o senador Calheiros durante a leitura do relatório.

"A ideia era permitir que o novo coronavírus se propagasse livremente entre a nossa população", prossegue o texto. "[A] busca da imunidade de rebanho por infecção levou o presidente a resistir fortemente à implementação de medidas não farmacológicas, tais como o uso de máscara e o distanciamento social, bem como a não promover a celeridade necessária na aquisição de vacinas."

Dentro dessa estratégia, de acordo com o relatório, também estava o "tratamento precoce", o coquetel de drogas ineficazes, cujo principal ingrediente incluía a hidroxicloroquina, que começou a ser propagandeada por Bolsonaro como uma "cura" contra a covid-19 ainda em março de 2020.

O presidente continuou a defender o uso da cloroquina mesmo após estudos científicos demonstrarem sua ineficácia contra a doença. Seu governo chegou a lançar um aplicativo chamado TrateCov que recomendava altas doses de cloroquina até mesmo para bebês.

"As consequências dessa estratégia macabra foram mensuradas pela ciência. Se as medidas não farmacológicas tivessem sido aplicadas de forma sistemática no país, poderiam ter reduzido os níveis de transmissão da covid-19 em cerca de 40%, o que significa que 120 mil vidas poderiam ter sido salvas até o final de março de 2021", defendeu o senador.

Osmar Terra, um dos principais ideólogos do negacionismo da pandemia no governo Bolsonaro

Atrasos na compra de vacinas

No relatório, o senador Calheiros descreve como o governo Bolsonaro, com o auxílio de Pazuello e participação do ex-ministro Ernesto Araújo, tratou com descaso a aquisição de vacinas.

No início de 2021, ficou evidente que o governo não tinha vacinas suficientes após ignorar seguidas ofertas da Pfizer/BioNTech, que poderiam ter resultado no início da vacinação no país semanas antes. Além disso, o governo chegou a boicotar a Coronavac, a vacina promovida pelo governo de São Paulo, chefiado por João Doria, um desafeto do presidente. O governo ainda optou por apenas aderir à cobertura mínima de vacinas do consórcio internacional Covax Facility, quando poderia ter pedido cinco vezes mais vacinas.

"Os trabalhos da comissão revelaram que a aquisição de imunizantes não foi uma prioridade", diz o relatório, que conclui que "essa atuação negligente apenas reforça que se priorizou a cura via medicamentos, e não a prevenção pela imunização, e optou-se pela exposição da população ao vírus, para que fosse atingida mais rapidamente a imunidade de rebanho".

Corrupção

Enquanto ignorava ofertas de grandes laboratórios, o Ministério da Saúde abria as portas para empresas de fachada que faziam ofertas irreais de imunizantes. Segundo Calheiros, formou-se um "mercado interno de corrupção no Ministério da Saúde".

A maior parte das irregularidades ocorreu durante a gestão Pazuello. As denúncias envolvem empresas como a pequena Davati, que mesmo não possuindo vacinas, iniciou negociações para a venda de dezenas de milhões de imunizantes. Segundo um depoente, um membro do ministério exigiu propina para fechar o negócio.

Outra empresa envolvida em denúncias é a Precisa Medicamentos, que chegou a fechar um contrato envolvendo vacinas do laboratório indiano Covaxin. O negócio levantou suspeitas por envolver uma atravessadora e vacinas compradas por um preço bem superior a de outros imunizantes de laboratórios mais conceituados. Segundo um denunciante, houve pressão de altos membros da pasta para que o contrato fosse aprovado. Esse caso arrastou o deputado e líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, que foi acusado de agir como lobista para a Precisa.

Um terceiro núcleo inclui suspeitas sobre a empresa VTCLog, responsável pelo armazenamento e distribuição de insumos de saúde. A empresa recebeu um aditivo em um contrato num valor 1.800% superior ao recomendado em parecer técnico da pasta. A CPI mostrou indícios de que um funcionário da empresa pagou boletos do ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Dias, justamente o responsável pela assinatura do aditivo.

Relatório também aponta série de "crimes contra a humanidade"cometidos pelo governo Bolsonaro. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Crimes contra a humanidade

O relatório ainda cita uma série de "crimes contra a humanidade" cometidos pelo governo Bolsonaro e figuras e empresas próximas ao governo.

Em janeiro de 2021, enquanto os hospitais de Manaus enfrentavam mais um colapso, o então ministro Pazuello viajou à capital do Amazonas para lançar um aplicativo que estimulava o consumo de cloroquina. Paralelamente, a pasta ignorou sinais de que a cidade estava sofrendo com desabastecimento de oxigênio nos hospitais. A omissão resultaria na morte de dezenas de pacientes por asfixia.

"O ponto mais crítico de toda essa situação é que, pelo que foi apurado, as autoridades federais poderiam ter agido para evitar essa tragédia, mas permaneceram inertes", aponta o relatório, que afirma que o governo Bolsonaro usou a cidade "como um laboratório humano" para testar a cloroquina, classificando a ação de crime contra a humanidade.

Outro caso de crime contra a humanidade envolve o estudo dos efeitos da substância proxalutamida conduzido no Amazonas pelo médico Flávio Adsuara Cadegiani, durante o qual 200 pessoas morreram. Segundo o senador Calheiros, o uso da proxalutamida também foi estimulado por Bolsonaro.

Um terceiro caso envolve as ações da empresa de planos de saúde Prevent Senior, que usou em larga escala em seus pacientes o "kit covid" promovido por Bolsonaro. Depoentes acusaram a empresa de até mesmo produzir estudos que eram manipulados para se adequar às falas de Bolsonaro sobre a suposta eficácia do fármaco e de ter realizado um "pacto" com o governo para usar os medicamentos ineficazes.

Cemitério em Manaus. Enquanto pacientes sofriam com falta de oxigênio, governo transformou cidade em "laboratório humano" para testar cloroquina

Próximo passos

A votação do relatório pela CPI está prevista para o dia 26 de outubro.

Uma CPI não tem poder para denunciar formalmente e nem punir. Após a votação, o relatório será encaminhado aos órgãos de investigação.

Dependendo da pessoa e seu cargo, o pedido será dirigido a diferentes órgãos. No caso de detentores de foro privilegiado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) será encarregada de analisar os pedidos e decidir se há base para a abertura de inquéritos.

Não há muitas ilusões de que o procurador-geral, Augusto Aras, dará um prosseguimento efetivo aos pedidos. Aras já demonstrou seguidas vezes que não tem intenção de incomodar Bolsonaro juridicamente e já deixou de agir em episódios graves, como as ofensivas do presidente contra outros Poderes.

O procurador-geral da República, Augusto Aras. Há poucas ilusões de que ele vá agir contra Bolsonaro

Aras terá 30 dias para dar um encaminhamento ao relatório da CPI. Se o procurador-geral decidir arquivar o texto ou não enviar as denúncias ao Supremo, membros da CPI cogitam acionar os ministros do tribunal com o auxílio de entidades de direito privado, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

No caso dos crimes contra a humanidade, a CPI também pode remeter as denúncias ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia.

Ao final da leitura do relatório, o senador Calheiros afirmou que os trabalhos da comissão silenciaram "um coro demoníaco, vindo de uma catedral da morte sediada pelo governo federal, que gerou uma necrópole aterradora, marcada pelo desprezo à vida, o escárnio com a dor das mais de 600 mil famílias, a insensibilidade e a indiferença".

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/relat%C3%B3rio-da-cpi-exp%C3%B5e-estrat%C3%A9gia-macabra-de-bolsonaro-na-pandemia/a-59566825


RPD || Alessandro Vieira: A CPI que fez a diferença

Comissão expôs erros e omissões graves da desastrosa atuação do governo Bolsonaro no combate à pandemia

À medida que a CPI da Pandemia se aproxima de seu término, aumenta, na mesma proporção, a cobrança por resultados práticos dos seis meses de depoimentos, quebras de sigilo e milhares de documentos colhidos, em um país que, a essa altura da tragédia, beira os 600 mil brasileiros mortos pelo coronavírus. Você já viu muitas CPIs atravessarem momentos históricos difíceis, mas certamente nunca testemunhou uma comissão parlamentar que fez tanto de fato pelo país - os porões que abriu, as portas que lacrou e, sem falsa modéstia, as vidas que salvou. A CPI tirou o foco do cercadinho e escancarou erros e omissões graves do Governo Federal. Ademais, descobriu indícios da existência de um mecanismo de favorecimento de empresas para desvio de recurso público operando dentro do Ministério da Saúde.  

Já tivemos muitas comissões de inquérito, retratos de seus momentos políticos, da realidade do país. Algumas mornas, outras efervescentes. Algumas mero conchavo entre amigos - terminando em 'pizza' -, outras esmagadas pelos tentáculos do Estado. Mas nenhuma - e não tenho dúvida em cravar isso - como a CPI da Pandemia. Uma CPI realizada na era das tecnologias da informação e comunicação e da efervescência das redes sociais, que de forma inédita tem de lidar com o gabinete das fake news, mas também com a checagem de fatos em tempo real. Estamos chegando aos derradeiros dias de trabalho, da CPI das CPIs, como já foi consagrada. E o que lhe garante esse título é o volume de erros, omissões, irregularidades e evidências de crimes de corrupção que estão sendo desvendados à medida que ainda se vive a Pandemia, e que a cada dia novos fatos se revelam. 

Mais de 600 mil brasileiros perderam suas vidas – pais, mães, irmãos, amigos, que não retornarão. Algumas ceifadas por falta de vacinas, outras por falta de orientação e comunicação acerca de medidas não farmacológicas e tantas outras pela falta de políticas concretas de gestão e contensão e propagação do vírus. Não há precedente para tal massacre - ainda mais turbinado por um esquema corrupto e desumano, em diversos escalões e com diferentes fardamentos. Mas a CPI da Covid também reflete uma ruptura no que considero ser um momento particularmente baixo da degradação da atividade parlamentar, com o esforço do Executivo para reduzir as Casas Legislativas a um entreposto de emendas e cargos. A CPI da Covid é, mesmo em meio a esse cenário hostil, uma luz no fim do túnel para o povo, mostrando que, mesmo em tempos sombrios, ainda que em menor número, existem pessoas sérias que pensam no Brasil e que lutam pela justiça, pela ciência e pela verdade. 

Foram desafios marcantes. Graças ao equilíbrio de seus líderes, e membros mais combativos, a CPI terminará seus trabalhos sem se desviar do caminho. Muito claramente, narramos, ao longo desses meses, um enredo terrível - longe de poder ter um final feliz. Além da omissão fatal do Governo Federal, comprovada nos depoimentos que convocou e documentos que analisou, a CPI expôs a vergonhosa atuação do presidente e de seus subordinados, ele que favoreceu a disseminação da epidemia causada pelo novo coronavírus, sendo incapaz de proteger seu povo - que continua enterrando centenas de brasileiros por dia. Pior: isso não foi casual, foi deliberado, baseado numa crença negacionista, anticiência e antivacina. 

A CPI expôs um governo sem um pingo de empatia com seu povo, com os hospitais lotados e os cemitérios cheios passando longe das agendas das autoridades. A CPI seguiu o dinheiro, e o mau-cheiro, chegando aos mais altos escalões da República. Internações, intubações, dores lancinantes, cadáveres em carros frigorífico, covas coletivas, sequelas de todo tipo, tomaram o noticiário, mas não entraram nos amplos salões do Planalto - e de muitos de seus equivalentes locais. Tivemos, tragicamente, o pior governo do mundo contemporâneo no pior momento de nossa história administrativa recente. Com base em provas documentais e depoimentos, a CPI mostra que o governo não foi só inepto, é ganancioso, favorecendo a disseminação da epidemia e o enriquecimento de empresários e políticos aliados. Despejando toda sua ignorância, despreparo, ideologia, ambição, e misturando jalecos com fardas, transformou a política de saúde pública em um genocídio.  

Quanto mais avançamos, mais desafios tem a comissão para que a sociedade, num novo momento, por meio de seus mecanismos legais, dê prosseguimento ao que não será possível concluir agora. Por seu tempo de vida, e por nossas próprias limitações, a CPI não conseguirá investigar todos os âmbitos de corrupção. Não acabaremos com a escuridão. Mas certamente teremos jogado muita luz sobre muitas realidades ocultas. E aberto espaços novos para o exercício da cidadania. Nossos frutos estarão espalhados por quem sabe, outras CPIs - spin-offs depois da nossa última temporada - investigações do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, da Polícia Federal. E, especialmente, em nossas consciências, valores e práticas. 

__Esse texto é uma homenagem póstuma a um amigo que, no meio da pandemia, perdemos para a Covid. E que, presente em nossas vidas, nos animou a enfrentar o que enfrentamos. Dor e saudade, Senador Major Olímpio. Um Brasil melhor vai nascer, muito graças a seu espírito. 

*Alessandro Vieira é senador da República (Cidadania-SE). Integra o Movimento Acredito e o RenovaBR. Pautou sua campanha  política no combate à corrupção e é um dos senadores que mais se destacaram nas sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.


CPI ouve paciente da Prevent Senior e médico que denunciaram operadora

Prevent teria sido negligente com paciente, colocado em 'cuidados paliativos'; Walter Correa de Souza Neto ajudou a revelar supostas irregularidades

Agência Estado

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid terá dois depoentes nesta quinta-feira, 7: o primeiro será o usuário da Prevent Senior Tadeu Frederico Andrade. Na sequência, quem depõe é o médico Walter Correa de Souza Neto, que trabalhou na operadora de planos de saúde e ajudou a revelar irregularidades na conduta da empresa no tratamento de pacientes com covid-19

Andrade, advogado de 65 anos, esteve internado por 120 dias em um hospital da rede, em São Paulo. Ele entregou ao Ministério Público paulista um prontuário assinado por uma médica que chegou a orientar a suspensão de medicamentos à época em que estava internado, com o objetivo de encaminhá-lo ao paliativo e, supostamente, reduzir os custos do tratamento. Mas a família de Andrade não acatou a orientação e o advogado conseguiu se recuperar. Como mostrou o Estadão, o caso é tratado como possível tentativa de homicídio. Leia matéria completa.

A Prevent Senior também é acusada de pressionar médicos a prescreverem remédios ineficazes contra a covid-19, sem respeitar a autonomia médica, além de ocultar mortes de pacientes que tiveram coronavírus e realizar estudo em pacientes para testar a eficácia da hidroxicloroquina associada à azitromicina no tratamento da covid, sem o consentimento de pacientes e familiares. A rede também é suspeita de se associar ao chamado "gabinete paralelo".

O requerimento para ouvir paciente e médico partiu do senador Humberto Costa (PT-PE). No documento, o parlamentar relata que Tadeu Frederico de Andrade contou ter sido infectado pela covid-19 no fim do ano passado e, após atendimento por telemedicina na Prevent Senior, foi-lhe receitado o chamado "kit covid" - conjunto de medicamentos sem eficácia contra o coronavírus. Seguindo a prescrição, Andrade tomou a medicação, mas seu quadro clínico se agravou, necessitando de internação em unidade de tratamento intensivo (UTI). Foi a partir daí que a operadora teria pressionado a família a colocá-lo sob "tratamento paliativo". Ele passou um mês na UTI. 

Já Walter Correa de Souza Neto deverá relatar aos senadores se havia cerceamento da autonomia médica dos profissionais que atuavam na Prevent Senior e se a distribuição do kit covid era feita indiscriminadamente, além de conduzir estudo irregular e agir sobretudo para reduzir custos, como o caso de Andrade. 

Acompanhe a CPI da Covid:



Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/ao-vivo/cpi-da-covid-depoimentos-paciente-tadeu-prevent-senior-medic


CPI ouve presidente da ANS sobre denúncias contra Prevent Senior

Relator da CPI suspeita que a Prevent Senior foi blindada pela ANS enquanto executava o protocolo de "tratamento precoce" contra a covid-19

Mário Scheffer / O Estado de S. Paulo

Sem nada de novo para apresentar na sessão desta terça-feira, 5, a CPI da Covid exibiu involuntariamente outro “merchan”, nome que se dá à propaganda comercial feita dentro de um programa de TV pelos próprios apresentadores.

Após o vídeo com o programa motivacional da Havan para funcionários, foi a vez da VTCLog mostrar como funciona o sistema de empacotamento de encomendas da empresa.

“O senhor confirma que foi condenado por corrupção ativa, entre 2004 e 2009, envolvendo dois servidores da extinta Cenadi?”, indagou o senador Renan Calheiros ao depoente, Raimundo Nonato Brasil, na última sessão pública destinada a esmiuçar a corrupção no Ministério da Saúde.

Se confirmada a nova promessa do relator – “não vamos falar grosso na investigação e miar no relatório” – a CPI poderá esclarecer porque o setor de logística do SUS federal tem sido particularmente suscetível à corrupção ao longo dos anos.

A atividade é essencial, foram os aviões e caminhões fretados pela empresa investigada que entregaram, em cada canto do País, 300 milhões de doses de vacinas contra a covid. O volume de dinheiro reservado é alto, há muitos CNPJs e pessoas envolvidas em armazenagem, separação, distribuição e transporte de insumos. Ou seja, uma área de risco para más condutas com fins ilícitos.

A Cenadi mencionada foi a Central Nacional de Armazenamento e Distribuição de Imunobiológicos, que funcionou por duas décadas antes de sua discutível troca pela VTCLog, decisão de Ricardo Barros à frente da Saúde.

Caso se confirme, o fato de existir um mesmo personagem envolvido em desvios, passados mais de dez anos, pode ser indício de corrupção estrutural, profundamente arraigada, de permissões dadas aos mesmos grupos em diferentes governos e ocasiões.

A CPI reviu detalhes sobre possíveis subtrações milionárias, embutidas na relação mais recente entre VTCLog e governo federal, que firmaram contrato “multimodal sob demanda” , aditivos sem licitação, sem contar os esqueletos no armário, da época em que Barros era ministro.

Espera-se, contudo, que o rol de indiciados sugeridos pela CPI seja acompanhado de estratégias de mitigação da ladroeira de recursos do SUS daqui em diante.

Brandida por Calheiros, a diferença de decibéis, entre a voz grossa do homem e o miado do gatinho, poderá ser medida com mais precisão na sessão da CPI desta quarta-feira, quando é aguardado o depoimento do diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Rebello.

Em seu novo livro, Catástrofe, fundamental para nossos dias, o britânico Niall Ferguson, após percorrer várias desgraças da humanidade, oferece nova perspectiva sobre responsabilidades na pandemia do coronavírus.

O autor argumenta que existe uma geometria fractal dos desastres. Como um cristal de neve que se amplia, há várias versões menores aninhadas em um evento gigante devastador.

No finalzinho da prorrogação da CPI, eis que surge a ANS, a exibir seu quinhão lúgubre do enterro de 600 mil corpos.

Caso fosse superada a arguição diagonal, o uso do presidente da ANS só para chegar à Prevent Senior, a CPI ampliaria a linha das responsabilizações sobre a catástrofe sanitária.

Num exercício imaginário, o blog Diário da CPI preparou um roteiro de 10 questões dirigidas ao presidente da ANS:

  • Por que a ANS acobertou, durante tanto tempo, a propagação criminosa do “tratamento precoce”, feita não só pela Prevent, mas por outros planos de saúde como Hapvida e Unimed, segundo documentos da CPI?
  • Por que nada foi feito pela ANS quando, em março de 2020, a Prevent ocupava o noticiário ao divulgar dados de óbitos de idosos por covid à revelia da vigilância epidemiológica do SUS?
  • A ANS pretende decretar o regime de direção técnica na Prevent, assegurando a portabilidade dos clientes da empresa para outros planos?
  • ANS irá providenciar a saída de atuais clientes da Prevent Senior, se assim desejarem, para outros planos ou retorno a seus planos anteriores, sem carência, garantindo as mesmas condições de cobertura e preço?
  • A CPI tem dados que indicam a morte de mais de 20 mil pessoas por covid em UPAs no Brasil, devido à falta de leitos para internação. Por que a ANS emitiu posição contrária ao uso público de leitos hospitalares privados durante a pandemia?
  • Por que a ANS desobrigou os planos de saúde, até agosto de 2020, de cobrir a realização de testes para covid?
  • Por que a ANS permitiu reajustes de mensalidades, sem concessões, de março até agosto de 2020, o que levou pessoas e empresas a perderem seus planos nos momentos mais críticos da pandemia?
  • Por que a sabatina no Senado, em julho de 2021, que aprovou Rebello para a ANS, foi antecedida da retirada de sua indicação por Bolsonaro e, mesmo assim, seu nome foi imposto por Ricardo Barros, pelo Progressistas e Centrão?
  • Por que na ANS é tão comum a indicação, por parlamentares e partidos políticos, de diretorias e cargos, ocupados por pessoas sem competências e habilidades na saúde?
  • Por que tantos presidentes e diretores da ANS praticam a “porta giratória”, vêm do setor privado e voltam imediatamente a trabalhar para empresas que antes eram fiscalizadas por eles?

Assista!



Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/diario-da-cpi/cpi-da-covid-o-que-a-ans-precisa-explicar/


CPI entra na reta final com cerco a planos de saúde

Para senadores, já há elementos para que o MP investigue empresas que adotaram cloroquina e omitiram mortes por covid-19

Afonso Benites / El País

CPI da Pandemia entra em sua reta final nesta semana e, por falta de tempo, deixará para o Ministério Público a conclusão das apurações sobre planos de saúde que omitiram óbitos de covid-19 e que pressionaram seus médicos a prescreverem o ineficaz kit covid. Parlamentares ouvidos pela reportagem entendem que não há tempo hábil para terminar essa investigação —a previsão é encerrar os trabalhos no próximo dia 20. Além disso, avaliam que já há elementos suficientes para que os ministério públicos federal e estaduais sigam nas apurações. Há ao menos três empresas na mira da CPI: Prevent Senior, Hapvida e Unimed Fortaleza. As duas primeiras são suspeitas de interferir na subnotificação de mortes por coronavírus e de ceder cloroquina para seus clientes —a terceira é suspeita apenas por este último caso.

No sábado, o EL PAÍS revelou que o Hapvida omitiu da declaração de óbito de um de seus pacientes o coronavírus. A operadora admitiu o erro, mas alegou que fez a correção na informação enviada às autoridades sanitárias. Os senadores vão solicitar que o Ministério Público apure se o mesmo erro, intencional ou não, ocorreu em outros casos.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos de saúde, e o Conselho Federal de Medicina, que não se opôs à prescrição em série da cloroquina, também serão citados como investigados no relatório final. A ANS, na visão desses senadores, teria se omitido diante de diversas denúncias de que as operadoras de saúde estavam pressionando seus profissionais a entregarem o kit covid. Desde o segundo semestre do ano passado, diversos jornais brasileiros noticiaram os erros. Antes, em maio, uma denúncia chegou ao Ministério Público do Ceará, relatando a prática no Hapvida. Os promotores que receberam o documento entenderam que o caso deveria ser analisado na esfera do consumidor, não no âmbito da saúde pública. Uma multa foi aplicada ao plano de saúde, no valor de quase 500.000 reais, mas a empresa, a quarta maior do país, recorreu.MAIS INFORMAÇÕES“Há indícios significativos para que autoridades brasileiras, entre elas o presidente, sejam investigadas por genocídio”

Na reta final, a CPI da Pandemia costura o relatório que envolve o presidente Jair Bolsonaro não apenas com a crise sanitária e eventuais crimes de responsabilidade, mas também para mostrar que ele e seu entorno cometeram crimes comuns e contra a humanidade. Havia a expectativa de que o relatório fosse entregue até o dia 15 de setembro, mas as revelações de que a seguradora Prevent Senior, que tem clara proximidade com o bolsonarismo, promoveu o uso indiscriminado de medicamentos ineficazes contra covid-19 em sua rede de hospitais fez que os senadores postergassem o fim das investigações para o dia 20 de outubro. Por enquanto, o relatório tem 700 páginas e quatro anexos. Falta inserir um capítulo específico sobre as operadoras de saúde.

Esta será a última semana de depoimentos na CPI. Nesta terça-feira, os senadores ouvem Raimundo Nonato Brasil, sócio da empresa VTCLog, que é suspeita de ilícitos em contratos com o Ministério da Saúde; na quarta-feira, fala o presidente da ANS, Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho; e, na quinta-feira, dois médicos da Prevent Senior que fizeram parte da equipe que elaborou um dossiê para mostrar as práticas desumanas da companhia.

Segundo fontes com acesso aos documentos finais da CPI, não era possível encerrar as apurações ignorando as operadoras de saúde suspeitas de transformar seus pacientes em cobaias de testes macabros sem o conhecimento deles próprios ou das autoridades sanitárias. Entre as vítimas desse uso indiscriminado de medicamentos ineficazes contra covid-19 estavam o médico Anthony Wong, um dos defensores da cloroquina, e Regina Hang, mãe do dono das lojas Havan e influencer do bolsonarismo, Luciano Hang. Ambos foram tratados com kit covid e morreram no hospital Santa Maggiore, da Prevent Senior. Na última semana, um dos diretores da companhia admitiu na CPI que algumas das certidões de óbito de seus pacientes eram adulteradas e não constavam a real causa da morte: coronavírus. Entre eles estão Wong e Regina Hang.

Entorno familiar de Bolsonaro

Os trabalhos da CPI cercam também o entorno de Bolsonaro. Está em pauta a ligação da segunda ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, com lobistas que atuavam no Ministério da Saúde. Valle é mãe do quarto filho do presidente, Jair Renan Bolsonaro. Ela teve os sigilos fiscais e bancários quebrados pela Justiça do Rio de Janeiro no escândalo da rachadinha dos gabinetes parlamentares de Flávio e Carlos Bolsonaro, os filhos mais velhos do presidente, que entraram na política pelas mãos do pai. Esse esquema envolvia a retenção de parte dos salários dos funcionários do então deputado estadual Flávio e do vereador Carlos.

Até agora, sabe-se que no período em que Valle e Bolsonaro estavam casados e ela chefiava o escritório dos filhos dele, entre 1997 e 2008, o casal adquiriu 14 imóveis, sendo que cinco deles foram pagos com dinheiro em espécie. Os promotores que atuam no caso suspeitam que parte desses imóveis foi adquirida com o desvio dos vencimentos dos servidores. A CPI quer esmiuçar essas informações e entender qual é a relação da ex-mulher com o Ministério da Saúde. Atualmente, Valle é assessora no gabinete da deputada federal Celina Leão (PP-DF).

Nas últimas semanas, dados compartilhados pelo Ministério Público Federal com a CPI mostram que Valle tentou interferir junto ao lobista Marconny Albernaz de Faria para conseguir cargos para seus indicados no Ministério da Saúde. Faria já depôs na CPI e omitiu qual era o seu relacionamento com a mãe de Jair Renan. Valle, por sua vez, teve seu depoimento aprovado, mas, a princípio, não deve sobrar tempo para ouvi-la. Ainda assim, ela e Faria estarão entre as 300 pessoas que devem ser investigadas no âmbito da crise sanitária. Há ainda 150 empresas entre os alvos dos senadores.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-10-05/cpi-entra-na-reta-final-com-cerco-a-planos-de-saude-e-inacao-de-orgaos-de-fiscalizacao.html


CPI ouve sócio da VTCLog sobre contratos suspeitos

Empresa de Raimundo Nonato Brasil é suspeita de superfaturar R$ 16 milhões em contratos com a pasta

Agência Estado

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid ouve nesta terça-feira, 5, o sócio da empresa de logística VTCLogRaimundo Nonato Brasil, que tem contrato com o Ministério da Saúde desde 2018 para armazenamento e distribuição de medicamentos, insumos e vacinas. Os senadores investigam a atuação da empresa e sua relação com o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e com o ex-diretor de Logística da pasta Roberto Ferreira Dias.

A VTCLog ganhou espaço no governo federal na gestão de Barros na Saúde. Até então, a pasta tinha equipe própria para executar os serviços de logística para armazenamento e distribuição de medicamentos e outros insumos em todo o País. Em março de 2018, a empresa assinou o contrato de terceirização desses serviços — válido até 2023 —, no valor de R$ 97 milhões. A empresa ainda é suspeita de superfaturar R$ 16 milhões em contratos na Saúde assinados em 1997 e em 2003, aponta relatório do Tribunal de Contas da UniãoLeia matéria completa aqui.

Em agosto, a CPI mostrou que um motoboy da empresa pagou boletos bancários atribuídos a Roberto Dias. Após entrar na mira da comissão por suspeita de ter pedido propina para aquisição de doses de vacina da AstraZeneca, o ex-diretor foi demitido da pasta no fim de junho. Os boletos pagos em nome de Dias foram emitidos pela Voetur, grupo empresarial ao qual a VTCLog pertence. Na época, a pedido do vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a comissão aprovou a quebra dos sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático de Raimundo Nonato. Leia matéria aqui.

Os senadores já ouviram o motoboy Ivanildo Gonçalves Silva, que admitiu ter feito saques em espécie de “um valor de 400 e poucos mil”. Ele negou ter conhecimento da origem e dos destinatários desses valores, que, suspeita-se, estariam relacionados a desvio de recursos em contratos na Saúde. A CPI levantou saques que totalizam mais de R$ 4,7 milhões desde 2018.

Raimundo Nonato chega para depor amparado por um habeas corpus concedido pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que lhe garante o direito de ficar em silêncio e não responder a perguntas que possam incriminá-lo. Em agosto, a pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a CPI aprovou a quebra dos sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático do empresário.

O requerimento para a oitiva do sócio da VTCLog partiu dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE)Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Humberto Costa (PT-PE)

Acompanhe ao vivo a CPI da Covid:



Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/ao-vivo/cpi-da-covid-depoimento-socio-vtclog-raimundo-nonato-brasil


CPI: Sócio da VTCLog depõe nesta terça; relatório deve ser votado dia 20

Encerramento da comissão deve ter homenagem às quase 600 mil vítimas de covid-19 no Brasil

Agência Senado

A próxima reunião da CPI da Pandemia está agendada para esta terça-feira (5) para ouvir o sócio da empresa de logística VTCLog, Raimundo Nonato Brasil. Para esta semana, também está confirmado o depoimento do presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, na quarta-feira (6). A previsão do presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), é que o relatório final seja votado no dia 20 de outubro, e que o fim dos trabalhos da comissão seja marcado por uma cerimônia em homenagem às quase 600 mil vítimas de covid-19 no Brasil, ainda sem data confirmada.

O requerimento para a oitiva do sócio da VTCLog partiu dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Humberto Costa (PT-PE). A empresa presta serviços ao Ministério da Saúde desde 2018, durante o governo Michel Temer, quando o ministro era o atual deputado Ricardo Barros (PP-PR). Os parlamentares estão investigando se houve alguma irregularidade nos contratos entre a empresa e o governo, inclusive para a distribuição das vacinas contra a covid-19.

A Comissão de Inquérito está apurando denúncias envolvendo o Departamento de Logística da pasta e o seu ex-diretor Roberto Ferreira Dias e tem informações que o conectam com sócios da VTCLog. 

Além disso, o senador Humberto Costa lembra que uma reportagem veiculada no Jornal Nacional, da TV Globo, em julho passado, colocou sob suspeita um aditivo contratual firmado entre a União e a empresa. 

De acordo com a reportagem, Roberto Ferreira Dias,  ignorou parecer da consultoria jurídica, apontando que o aditivo poderia se mostrar desvantajoso para a administração pública, com caracterização de sobrepreço. A análise recomendou ainda que a área técnica avaliasse outras alternativas, inclusive a rescisão contratual e a realização de novo procedimento licitatório. 

"Além disso, uma segunda reportagem veiculada na revista digital Crusoé, explora a hipótese de que o referido contrato seria a base para o pagamento de vantagens indevidas a lideranças políticas do partido Progressistas, o que aumenta a gravidade das denúncias e reivindica a adoção, pela CPI, das medidas necessárias ao aprofundamento da apuração", justificou. 

Críticas 

Em agosto, a pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a CPI aprovou a quebra dos sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático de Raimundo Nonato.

Ao justificar o requerimento, o senador lembrou que a decisão de contratar a VTCLog, a partir de 2018, deu-se depois que o então ministro Ricardo Barros decidiu fechar, no Rio de Janeiro, a Central Nacional de Armazenagem e Distribuição de Imunobiológicos (Cenadi), que era diretamente subordinada ao governo e responsável pela logística há mais de duas décadas.

"A antiga Cenadi tinha dependências próprias sem custo, dentro do departamento de suprimento do Exército, na Zona Norte do Rio, em local próximo à Fiocruz, uma das maiores fornecedoras de insumos do Brasil. A contratação da VTCLog sofreu diversas críticas de funcionários do Ministério da Saúde", explicou. 

Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/10/01/socio-da-vtclog-e-o-proximo-a-depor-na-cpi-da-pandemia


Elio Gaspari: Quem protegeu a Prevent?

Na quarta-feira deverá comparecer à CPI da Covid o doutor Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS). Ele poderá contar o que fez diante das denúncias do comportamento da Prevent Senior durante a pandemia. A primeira suspeita de que havia fogo debaixo daquela fumaça veio do próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em abril de 2020, quando ela tinha no acervo 58% dos mortos de São Paulo. O dono da operadora chamou-o de “irresponsável” e, pelo que se viu, colocou sua empresa debaixo da asa do Planalto, maquiando mortes, empurrando cloroquina e ameaçando médicos com retórica de miliciano.

O que a ANS fez? A autossatanização da Prevent tem no seu bojo uma competição empresarial, e a Agência a conhece muito bem. Nesse mercado há de tudo: portas giratórias, capilés e jabutis em medidas provisórias. A Justiça guarda pelo menos duas delações premiadas de uma empresa corretora de planos que concordou em pagar R$ 200 milhões de multa.

Durante os dias da Lava-Jato, chegou-se a especular que os procuradores voltassem seus olhos para a privataria da saúde. Quando apareceu a lista de operadoras de planos entre os patrocinadores das palestras de um deles, viu-se que rendiam pelo menos “R$ 10 mil limpos”. A Lava-Jato olhou para outros lados.

A Prevent é um caso em si, e seus maganos estão sofrendo pelo que fizeram, mas a ANS sabe muitos mais. Basta lembrar que foi ela que obrigou as operadoras de planos a cobrirem os custos dos testes para o vírus. Até a terceira semana de março do ano passado havia operadoras se recusando a fazê-lo. Até agosto, quando os mortos passavam de 90 mil, alguns planos continuavam negando cobertura aos testes sorológicos. Só a ação da ANS os levou a mudar de conduta.

De Pedro@gov para Fabio.Jatene@edu

Prezado doutor Jatene,

Escrevo-lhe por sugestão de meu médico, o conde de Motta Maia, do nosso velho amigo Louis Pasteur e de seu pai, o doutor Adib.

Na noite de 17 de novembro de 1889, quando uns militares me embarcaram como negro fugido, mandando-me para a morte no exílio, eu lhes disse: “Os senhores são uns doidos”.

Passou-se o tempo e vejo que, de tempos em tempos, nossa terra fica nas mãos de doidos. Em março do ano passado, vosmicê disse que 45 mil moradores de São Paulo seriam atingidos pela epidemia desse novo vírus. Foi um Deus nos acuda, como se o senhor fosse mais um doido. Na semana passada, os infectados da sua cidade passaram de 1,5 milhão. Os mortos foram 30 mil.

O doutor Pasteur horrorizou-se com os charlatães que empurravam cloroquina nos pacientes e pediu-me que vosmicê lembrasse aos seus colegas e a esse moço que governa o Brasil o que lhe aconteceu, lidando comigo, em 1884.

Ele pesquisava uma vacina contra a raiva. Aplicando-a em cães, havia dado resultado, mas era preciso testá-la em gente. Foi quando me escreveu, oferecendo-se para testá-la no Brasil. Pedia que eu a oferecesse a presos condenados à morte, no dia da execução. Tomariam a vacina. Se morressem, ficaria tudo igual. Se sobrevivessem, estariam livres. Eu lhe disse que no Brasil não aplicávamos mais a pena de morte, pois eu a comutava.

(Como bom dissimulador, estava desconversando, reconheço.)

Os doidos daí testaram a tal cloroquina sem informar aos pacientes, e o moço do governo fez propaganda do remédio até em reuniões de chefes de Estado.

Mesmo entristecido, sinto-me vingado: os senhores são uns doidos.

Atenciosamente,

Pedro de Alcântara.

Jango em Moscou e na China

Passados 60 anos, veio à tona o relatório do embaixador João Augusto de Araújo Castro, narrando a visita de João Goulart à China, em agosto de 1961. O texto é de 4 de setembro, quando a crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros já havia esfriado, com a solução do parlamentarismo que permitiria a posse de Jango.

Em 30 páginas, Araújo Castro conta a passagem da comitiva do então vice-presidente por Moscou e Beijing. No dia 25 de agosto, quando Jango já estava em Singapura, Jânio renunciou. Mais tarde, Araújo Castro viria a ser o último chanceler de Goulart e morreria em 1975, como embaixador do governo do general Médici em Washington.

O relatório de Araújo Castro mostra como os chineses tentaram forçar a transformação de um acordo interbancário num sinal de reconhecimento do governo de Beijing, com o qual o Brasil não tinha relações diplomáticas. Jango e Castro habilmente contornaram a manobra e acabou tudo bem.

Antes de chegar a Beijing, a comitiva de Goulart passou por Moscou, onde Jango se encontrou com o primeiro-ministro Nikita Kruschev e ouviu o seguinte: “Eu disse a Kennedy (o presidente dos Estados Unidos): Fidel Castro não é comunista, mas acabará sendo. Ele não tem alternativa.”

Kruschev tinha um viés fanfarrão, mas sabia do que estava falando.

Naqueles dias, os Estados Unidos já haviam rompido relações com Cuba, e a Casa Branca havia patrocinado uma fracassada invasão da ilha.

No dia em que Araújo Castro assinou seu relatório, Fidel mandou uma carta a Kruschev pedindo 388 mísseis de curto alcance. Era o início de uma negociação que evoluiu para a entrega de ogivas nucleares capazes de atingir os Estados Unidos e, um ano depois, levou o mundo para a beira da Terceira Guerra Mundial.

Valentia incompleta

A Universidade de Campinas cassou o título de doutor honoris causa que concedeu em 1973 ao então ministro da Educação, Jarbas Passarinho.

Coronel da reserva, Passarinho morreu em 2016. Ele mandou às favas os seus escrúpulos de consciência quando defendeu a edição do AI-5, em 1968. É direito de qualquer universidade conceder e mesmo cassar títulos de doutorado honoris causa, mas fazê-lo depois da morte do homenageado, é coisa meio girafa. A Federal do Rio de Janeiro cassou o título do presidente Emílio Médici em 2015, 20 anos depois de sua morte.

Seria o jogo jogado se as congregações das universidades divulgassem, junto com a cassação da honraria, quase sempre bajuladora, a lista dos professores doutores que a concederam. Afinal, nem Médici nem Passarinho pediram coisa alguma.

Sinal do Centrão

Jair Bolsonaro assumiu sabendo que não tinha base parlamentar além do cacife da Bolsa da Viúva. Fala em “bancadas temáticas”, uma espécie de cloroquina política.

Aninhando-se no Centrão, conseguiu a proeza de ver derrubados 12 de seus vetos num só dia.

O Centrão sentiu cheiro de queimado.

O repórter Lauro Jardim informa que Lula combinou um jantar para quarta-feira. Nele poderão estar, além do ex-presidente José Sarney:

Eunício de Oliveira, dono da casa, foi ministro das Comunicações de Lula.

Edison Lobão foi ministro de Minas e Energia de Lula e de Dilma Rousseff.

Jader Barbalho foi ministro da Previdência de Sarney.

Renan Calheiros foi ministro da Justiça de FHC.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/quem-protegeu-prevent-1-25222231


Elio Gaspari: Quem protegeu a Prevent?

A Prevent é um caso em si, e seus maganos estão sofrendo pelo que fizeram, mas a ANS sabe muitos mais

Elio Gaspari / O Globo

Na quarta-feira deverá comparecer à CPI da Covid o doutor Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS). Ele poderá contar o que fez diante das denúncias do comportamento da Prevent Senior durante a pandemia. A primeira suspeita de que havia fogo debaixo daquela fumaça veio do próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em abril de 2020, quando ela tinha no acervo 58% dos mortos de São Paulo. O dono da operadora chamou-o de “irresponsável” e, pelo que se viu, colocou sua empresa debaixo da asa do Planalto, maquiando mortes, empurrando cloroquina e ameaçando médicos com retórica de miliciano.

O que a ANS fez? A autossatanização da Prevent tem no seu bojo uma competição empresarial, e a Agência a conhece muito bem. Nesse mercado há de tudo: portas giratórias, capilés e jabutis em medidas provisórias. A Justiça guarda pelo menos duas delações premiadas de uma empresa corretora de planos que concordou em pagar R$ 200 milhões de multa.

Durante os dias da Lava-Jato, chegou-se a especular que os procuradores voltassem seus olhos para a privataria da saúde. Quando apareceu a lista de operadoras de planos entre os patrocinadores das palestras de um deles, viu-se que rendiam pelo menos “R$ 10 mil limpos”. A Lava-Jato olhou para outros lados.

A Prevent é um caso em si, e seus maganos estão sofrendo pelo que fizeram, mas a ANS sabe muitos mais. Basta lembrar que foi ela que obrigou as operadoras de planos a cobrirem os custos dos testes para o vírus. Até a terceira semana de março do ano passado havia operadoras se recusando a fazê-lo. Até agosto, quando os mortos passavam de 90 mil, alguns planos continuavam negando cobertura aos testes sorológicos. Só a ação da ANS os levou a mudar de conduta.

De Pedro@gov para Fabio.Jatene@edu

Prezado doutor Jatene,

Escrevo-lhe por sugestão de meu médico, o conde de Motta Maia, do nosso velho amigo Louis Pasteur e de seu pai, o doutor Adib.

Na noite de 17 de novembro de 1889, quando uns militares me embarcaram como negro fugido, mandando-me para a morte no exílio, eu lhes disse: “Os senhores são uns doidos”.

Passou-se o tempo e vejo que, de tempos em tempos, nossa terra fica nas mãos de doidos. Em março do ano passado, vosmicê disse que 45 mil moradores de São Paulo seriam atingidos pela epidemia desse novo vírus. Foi um Deus nos acuda, como se o senhor fosse mais um doido. Na semana passada, os infectados da sua cidade passaram de 1,5 milhão. Os mortos foram 30 mil.

O doutor Pasteur horrorizou-se com os charlatães que empurravam cloroquina nos pacientes e pediu-me que vosmicê lembrasse aos seus colegas e a esse moço que governa o Brasil o que lhe aconteceu, lidando comigo, em 1884.

Ele pesquisava uma vacina contra a raiva. Aplicando-a em cães, havia dado resultado, mas era preciso testá-la em gente. Foi quando me escreveu, oferecendo-se para testá-la no Brasil. Pedia que eu a oferecesse a presos condenados à morte, no dia da execução. Tomariam a vacina. Se morressem, ficaria tudo igual. Se sobrevivessem, estariam livres. Eu lhe disse que no Brasil não aplicávamos mais a pena de morte, pois eu a comutava.

(Como bom dissimulador, estava desconversando, reconheço.)

Os doidos daí testaram a tal cloroquina sem informar aos pacientes, e o moço do governo fez propaganda do remédio até em reuniões de chefes de Estado.

Mesmo entristecido, sinto-me vingado: os senhores são uns doidos.

Atenciosamente,

Pedro de Alcântara.

Jango em Moscou e na China

Passados 60 anos, veio à tona o relatório do embaixador João Augusto de Araújo Castro, narrando a visita de João Goulart à China, em agosto de 1961. O texto é de 4 de setembro, quando a crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros já havia esfriado, com a solução do parlamentarismo que permitiria a posse de Jango.

Em 30 páginas, Araújo Castro conta a passagem da comitiva do então vice-presidente por Moscou e Beijing. No dia 25 de agosto, quando Jango já estava em Singapura, Jânio renunciou. Mais tarde, Araújo Castro viria a ser o último chanceler de Goulart e morreria em 1975, como embaixador do governo do general Médici em Washington.

O relatório de Araújo Castro mostra como os chineses tentaram forçar a transformação de um acordo interbancário num sinal de reconhecimento do governo de Beijing, com o qual o Brasil não tinha relações diplomáticas. Jango e Castro habilmente contornaram a manobra e acabou tudo bem.

Antes de chegar a Beijing, a comitiva de Goulart passou por Moscou, onde Jango se encontrou com o primeiro-ministro Nikita Kruschev e ouviu o seguinte: “Eu disse a Kennedy (o presidente dos Estados Unidos): Fidel Castro não é comunista, mas acabará sendo. Ele não tem alternativa.”

Kruschev tinha um viés fanfarrão, mas sabia do que estava falando.

Naqueles dias, os Estados Unidos já haviam rompido relações com Cuba, e a Casa Branca havia patrocinado uma fracassada invasão da ilha.

No dia em que Araújo Castro assinou seu relatório, Fidel mandou uma carta a Kruschev pedindo 388 mísseis de curto alcance. Era o início de uma negociação que evoluiu para a entrega de ogivas nucleares capazes de atingir os Estados Unidos e, um ano depois, levou o mundo para a beira da Terceira Guerra Mundial.

Valentia incompleta

A Universidade de Campinas cassou o título de doutor honoris causa que concedeu em 1973 ao então ministro da Educação, Jarbas Passarinho.

Coronel da reserva, Passarinho morreu em 2016. Ele mandou às favas os seus escrúpulos de consciência quando defendeu a edição do AI-5, em 1968. É direito de qualquer universidade conceder e mesmo cassar títulos de doutorado honoris causa, mas fazê-lo depois da morte do homenageado, é coisa meio girafa. A Federal do Rio de Janeiro cassou o título do presidente Emílio Médici em 2015, 20 anos depois de sua morte.

Seria o jogo jogado se as congregações das universidades divulgassem, junto com a cassação da honraria, quase sempre bajuladora, a lista dos professores doutores que a concederam. Afinal, nem Médici nem Passarinho pediram coisa alguma.

Sinal do Centrão

Jair Bolsonaro assumiu sabendo que não tinha base parlamentar além do cacife da Bolsa da Viúva. Fala em “bancadas temáticas”, uma espécie de cloroquina política.

Aninhando-se no Centrão, conseguiu a proeza de ver derrubados 12 de seus vetos num só dia.

O Centrão sentiu cheiro de queimado.

O repórter Lauro Jardim informa que Lula combinou um jantar para quarta-feira. Nele poderão estar, além do ex-presidente José Sarney:

Eunício de Oliveira, dono da casa, foi ministro das Comunicações de Lula.

Edison Lobão foi ministro de Minas e Energia de Lula e de Dilma Rousseff.

Jader Barbalho foi ministro da Previdência de Sarney.

Renan Calheiros foi ministro da Justiça de FHC.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/quem-protegeu-prevent-1-25222231


Maria Cristina Fernandes: Luciano Hang lidera bolsonarismo contra o Leviatã

Enquanto Hang explora revolta contra poder do Estado na pandemia, Bolsonaro mantém espetáculo com carimbo sobre wi-fi e microcrédito

Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico

O depoimento do dono das lojas Havan à CPI da Covid no Senado mostrou que a oposição ainda está despreparada para enfrentar o bolsonarismo na sucessão presidencial de 2022. Levou quatro horas para Luciano Hang começar a falar o que, de fato, importava para sua vinculação com o gabinete paralelo da pandemia e o financiamento das “fake news”.

Até lá, Hang teve palco para se apresentar como representante daquela fatia do eleitorado que está mais fechada com o presidente Jair Bolsonaro. Até vídeo-propaganda de sua empresa teve oportunidade de exibir. O Datafolha chama de empresários e o Atlas de empreendedores, mas os dois institutos convergem na constatação de que este é o segmento em que o presidente colhe seu melhor desempenho, com 48% de aprovação.

Entre eles não se incluem grandes empresários e banqueiros que se mobilizam por uma terceira via, mas donos de restaurantes e botecos, feirantes, cabeleireiras e empreendedores de toda ordem que se multiplicaram com a epidemia do desemprego. Eles se identificam com Bolsonaro porque seu negócio faliu ou foi severamente afetado pelas medidas de restrição adotadas por governadores e prefeitos.

Não são adoradores do presidente, mas é ele quem encarna hoje a rejeição ao Estado interventor, esse Leviatã que trancou as pessoas em casa, obrigou o uso de máscaras e multou estabelecimentos que desafiassem horários restritos de funcionamento. Esta mentalidade que remete ao monstro bíblico ao qual foi equiparado o Estado absolutista, foi vitaminada pela pandemia. Não se trata de um fenômeno tupiniquim. Acomete negacionistas no mundo inteiro e tem, no Brasil, um lídimo representante em Luciano Hang.

Até a CPI entrar no que realmente importa para vinculá-lo aos crimes da pandemia, o dono da Havan teve a oportunidade de buscar empatia com a plateia ao longo da sessão da CPI. Filho de operários, teve dislexia na infância e vendia biscoitos na escola. Foi operário até se arriscar como comerciante com uma pequena loja de tecidos.

Nega ser empresário, como o faria qualquer dono de bodega. Fala de si como comerciante, apesar de ter um conglomerado de 164 lojas em 20 Estados. Para todo pecado levantado pela CPI, apresentava uma história capaz de comover seus pares. Contas bancárias e offshores no exterior? Claro, como poderia importar sem uma empresa lá fora para amortizar a flutuação do câmbio? Empréstimos de R$ 27 milhões no BNDES? Sim, mas não porque precisasse. Fatura mais do que isso por dia. Passou a vender cestas básicas para se enquadrar no critério de atividade essencial? Sim, mas se pode vender chocolate por que não feijão e arroz?

É claro que foi contraditado pelos senadores. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), lembrou que enquanto dona Maria não consegue R$ 1 mil de crédito para comprar uma máquina de costura, o empresário que se veste de verde-amarelo para se fingir de patriota pegou dinheiro que não precisa. O relator, Renan Calheiros (MDB-AL) tirou dele que os sites para onde destina R$ 150 milhões por ano em publicidade são escolhidos a dedo e mostrou vídeo em que Hang, ao contrário do que dissera, coagiu funcionários a votar em Bolsonaro em 2018.

Hang quis desenhar para os senadores a diferença entre tratamento preventivo e inicial com o kit covid quando, na verdade, nenhum dos dois funciona. Preparou, como clímax do depoimento, a imagem de filho zeloso que ganhara dinheiro para que os pais tivessem a vida digna que foi negada aos avós. Por isso, autorizou até kit-covid para salvar a mãe, mas foi obrigado a reconhecer a omissão da causa de sua morte no atestado de óbito.

Os senadores da oposição concluíram sua intervenção constatando a utilidade do depoimento. Será? O que o empresário disse naquela comissão que já não fosse do conhecimento do inquérito das “fake news” no Supremo Tribunal Federal ou da própria CPI? Há informações que ajudarão a compor o relatório, como o do encontro entre Hang e o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), horas antes da sessão. A dúvida que se coloca é a do custo-benefício do depoimento.

Os próprios senadores alertaram que uma rede de robôs havia entrado em ação para atacar seus perfis sociais durante a sessão. O filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), que estava sumido da CPI, reapareceu com o claro intuito de provocar os colegas. Foi, em parte, bem sucedido, como mostraram as mãos trêmulas do senador Rogério Carvalho (PT-SE) quando exigiu que o advogado do depoente deixasse a sala por desacato.

As imagens do depoimento já foram devidamente editadas e caíram na rede para mostrar uma goleada de Hang, a começar pela transmissão ao vivo em rede social dos próprios deputados da tropa de choque bolsonarista, como Daniel Freitas (PSL-SC) e Bia Kicis (PSL-DF), lá presentes.

Não importa que esta goleada-fake se destine a convertidos como aqueles que lotaram a avenida Paulista no 7 de setembro. O presidente está dedicado à outra ponta do eleitorado. Não apenas com um auxílio emergencial vitaminado mas também com o carimbo que busca imprimir ao programa “Wi-fi para todos”, versão bolsonarista do petista “Luz para todos”, e, mais recentemente, com a investida para tomar o controle do Centrão sobre o microcrédito do Banco do Nordeste do Brasil.

Enquanto Hang mantém o picadeiro do circo armado, Bolsonaro cuida de garantir o sucesso de atrações como a da oposição ao seu próprio governo. Deixou isso claro no dueto com o presidente da Petrobras, Joaquim Luna e Silva, em torno do preço dos combustíveis. Um finge que bate enquanto o outro se mantém irredutível contra o intrépido presidente em sua luta contra a carestia.

Os espetáculos se sucedem enquanto Bolsonaro cuida, na coxia, de esticar a corda com o Centrão, como no BNB, certo de que três datas ainda terão que ser vencidas para que algum desembarque se concretize: a votação do Orçamento de 2022 até 31 de dezembro, o empenho das emendas parlamentares, em 2 de abril, e o encerramento de sua execução financeira, em 2 de julho. É este o prazo que a oposição tem para aprender a enfrentar o bolsonarismo sem dar palco para maluco.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/hang-lidera-bolsonarismo-contra-o-leviata.ghtml


Luciano Hang presta depoimento à CPI da Pandemia

Investigações apontam que o bolsonarista foi membro atuante do grupo de aconselhamento a Bolsonaro durante a pandemia

Victor Fuzeira e Marcelo Montanini / Metrópoles

Com foco na ação do “gabinete paralelo”, a CPI da Covid-19 ouve, na manhã desta quarta-feira (29/9), o empresário Luciano Hang. As investigações apontam que o bolsonarista foi membro atuante do grupo de aconselhamento ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a pandemia da Covid-19.

A ida de Hang ao colegiado também faz parte do esforço concentrado dos senadores para apurar irregularidades que envolvem a operadora de saúde Prevent Senior.

Hang chegou ao Senado pouco depois das 10h e falou com a imprensa. Ele afirmou que, ao contrário de outros depoentes, chega ao colegiado sem um habeas corpus que lhe concede o direito de não responder perguntas durante a oitiva.

“Hoje aqui estou sozinho, como um brasileiro normal, um comerciante. Tenho a certeza que estou com Deus e com milhões de brasileiros que querem um Brasil melhor e é por isso que eu luto”, disse.

Aliado de Bolsonaro, o empresário, que assumiu a alcunha de Veio da Havan dada por críticos, é suspeito de ter financiado a disseminação de fake news em blogs bolsonaristas e o grupo de consultores informais do presidente Jair Bolsonaro.

A Prevent Senior tem ligação com o “gabinete paralelo”, como revelou o Metrópoles, por meio do virologista Paolo Zanotto, que integrava o grupo e levava dados da empresa para o governo federal.

Outra situação que envolve Hang e a operadora de saúde é o caso da possível alteração na certidão de óbito da mãe dele, Regina Hang, supostamente a pedido do próprio empresário. A advogada Bruna Morato, que representa ex-médicos da Prevent Senior, confirmou, nessa terça-feira (28/9), em depoimento à CPI, que a mãe do empresário usou medicamentos sem comprovação de eficácia para a Covid-19 e teve a certidão de óbito alterada.

Profissionais de saúde da Prevent Senior, representados por Bruna Morato, elaboraram um dossiê entregue à comissão com denúncias de uso indiscriminado, nos hospitais da empresa, de medicamentos sem comprovação de eficácia para o tratamento da Covid-19 e coação de médicos para adotarem esse protocolo.

Outra acusação que pesa sobre a empresa é a de alterar atestados de óbitos para ocultar morte de pacientes por Covid-19, com orientação para os médicos mudarem os prontuários.

Às vésperas do depoimento, o empresário divulgou vídeo, nas redes sociais, algemado, provocando a comissão. Hang disse que vai depor com “o coração aberto”. “Se não aceitarem o que vou falar, já comprei uma algema para não gastarem dinheiro. Vou entregar uma chave para cada senador. E que me prendam”, ironizou.

Há uma expectativa de depoimento tenso. Contudo, o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), contemporizou: “Ele é um depoente como qualquer outro e nós já tivemos um triste espetáculo de depoente que se utilizou das prerrogativas de parlamentar, que é o caso do deputado Ricardo Barros [líder do governo Bolsonaro na Câmara], para tentar tumultuar, [mas] o senhor Hang não tem imunidade parlamentar. Então, eu espero que ele se comporte conforme reza o Código de Processo Penal”, afirmou o parlamentar.

“As algemas, a mim não me incomodaram. Se ele está tão obcecado pelo uso assim, é uma escolha dele”, alfinetou.

Fake news

Além do “gabinete paralelo” e da Prevent Senior, outro assunto que os senadores querem apurar é a disseminação de fake news relativas à pandemia, e Hang é um dos alvos. Documentos obtidos pela CPI, e divulgados pela TV Globo na semana passada, relevam que o empresário teria financiado o blogueiro Allan dos Santos por intermédio do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro.

Allan dos Santos é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos inquéritos que apuram disseminação de fake news e atos antidemocráticos.

Seguindo a linha de investigação sobre a disseminação de fake news e a ligação com o governo federal, a comissão ouvirá outro empresário bolsonarista, Otávio Fakhoury, que é vice-presidente do Instituto Força Brasil. Ele também é investigado pelo STF no inquérito das fake news.

Assista:



Fonte: Metrópoles / Agência Senado
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/cpi-da-covid-luciano-hang-depoimento