cpi da covid
Luiz Carlos Azedo: Cenário ruim para 2022
Enquanto a pandemia não é controlada, o cenário econômico continua sendo de muitas incertezas e agravamento dos problemas sociais do país, como o desemprego
Com a leitura do requerimento da CPI da Covid-19 pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), consolidou-se uma das principais linhas de força da disputa eleitoral de 2022, a crise sanitária. Mesmo que a pandemia venha a ser controlada, suas consequências políticas se farão sentir durante a campanha eleitoral, devido ao agravamento do desemprego, que não se resolverá facilmente, e o presidente Jair Bolsonaro será responsabilizado pela oposição, não somente pelo número muito alto de mortes. Os dois problemas ainda se somarão à disputa em torno da Operação Lava-Jato, mesmo que seus processos sejam concluídos ou arquivados, e à defesa da democracia, uma pauta que Bolsonaro reiteradamente põe na ordem do dia ao atacar o Supremo Tribunal Federal (STF), além de os partidos de oposição e a imprensa.
Não foi à toa que Bolsonaro tentou melar a CPI e orientou seus aliados a ampliarem o escopo das investigações, para chegar a governadores e prefeitos, o que somente é possível, constitucionalmente, seguindo o dinheiro destinado ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelo governo federal. Pacheco, cumprindo determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, apensou o requerimento da CPI apresentado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) para investigar a responsabilidade de estados e municípios em más condutas no enfrentamento da pandemia, ao pedido original do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), unificando as duas CPIs requeridas.
Segundo Pacheco, “estão excluídos do âmbito de investigação das comissões parlamentares de inquérito do Poder Legislativo federal as competências legislativas e administrativas asseguradas aos demais entes federados”. A guerra de narrativas entre Bolsonaro e a oposição marcará o funcionamento da comissão, mas são os fatos que determinarão o rumo das investigações.
No dia em que CPI passou a existir de fato, o Brasil registrou 3.808 óbitos por covid em 24 horas e mais 82.186 novos casos, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Com isso, o número de mortos pela doença chegou a 358.425, e o total de casos aumentou para 13.599.994. Na segunda-feira, foram registrados 1.480 óbitos e 35.785 novos casos. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu, ontem, que o Brasil tem 1,5 milhão da segunda dose de vacina em atraso. Ou seja, o cobertor está curto: muitas pessoas não estão recebendo o reforço adequado porque o fluxo de produção de vacinas, principalmente na Fiocruz, não acompanhou a escala da imunização pela primeira dose e houve uma opção de reduzir os estoques de segunda dose para aumentar o número de vacinados parcialmente.
Inflação
Enquanto a pandemia não é controlada, o cenário econômico continua sendo de muitas incertezas e agravamento dos problemas sociais do país, que registra uma de suas maiores taxas de desemprego da história, em torno de 14,5% neste ano, ultrapassando a de países como Colômbia, Peru e Sérvia, e caminha na contramão da taxa média global, cuja estimativa é de recuo para 8,7% este ano, ante 9,3% em 2020. Uma das consequências do desemprego é a fome, que atinge seis de cada 10 domicílios brasileiros; no Nordeste, são sete em cada 10 domicílios, segundo pesquisa das universidades federais de Brasília e Minas Gerais, e a Universidade de Berlim.
Ciente do problema, Bolsonaro tenta culpar governadores e prefeitos. A falta de comida na mesa é leve em 32% das casas, moderada em 13% e grave em 15% (nada pra comer). Além disso, a qualidade da alimentação piorou: queda superior a 40% no consumo de carnes e frutas e de 37% no consumo de verduras e legumes. A pesquisa mostra, ainda, que, em 63% dos domicílios, o auxílio emergencial ser- viu para comprar cesta básica. É um cenário perigoso, porque o auxílio emergencial e o Bolsa Família estão sendo insuficientes para resolver o problema alimentar das famílias de baixa renda por causa da inflação dos alimentos. Nos dois primeiros anos do atual governo, o custo da cesta básica subiu 32%.
Ricardo Noblat: CPI da Covid pode virar a CPI do fim do mundo de Bolsonaro
Se não terminar em pizza, é claro
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sabe-se como começa, mas não como termina. A da Covid, sequer se sabe como começará. Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, leu o pedido de abertura da CPI como mandou na semana passada o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.
CPI é direito assegurado pela Constituição à minoria parlamentar. Mas no que depender da tropa aliada ao governo Bolsonaro dentro do Senado, ela não sairá do papel. Se sair, não será instalada até que passe a pandemia. Se for instalada antes, simplesmente não funcionará. Se funcionar, será sabotada até o fim.
Em sessão nesta tarde, o Supremo deve avalizar a decisão de Barroso que tanto irritou Bolsonaro, deixando-o em pânico. O principal objetivo da CPI é investigar erros cometidos pelo governo no combate à Covid. Secundariamente, poderá investigar erros de governadores e prefeitos no uso de verbas federais.
Faltam vacinas no país. Faltam remédios para a intubação de vítimas da doença em estado grave. Na maioria dos municípios, faltam UTIs, e os doentes são transferidos para municípios que as tenham. Acontece que nesses lugares a rede de UTIs está perto do colapso. E o número de mortes só faz crescer.
Salvo os ideológicos, nenhum parlamentar, deputado ou senador pouco importa, se presta a defender o governo de graça numa CPI, qualquer governo. Bolsonaro já é refém do Centrão, do qual depende para aprovar projetos do governo no Congresso e barrar pedidos de impeachment que possam abreviar seu mandato.
Caberá ao MDB a relatoria da CPI da Covid. É o cargo mais importante. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de Lula e do PT, deve ser o relator. A oposição ao governo e os partidos que se dizem independentes indicarão 7 dos 11 titulares da CPI. É um mau sinal para Bolsonaro. Certeza de encrenca feia.
O MDB tem um pé dentro do governo, mas quer pôr os dois. Se conseguir, não significa que apoiará a reeleição de Bolsonaro no ano que vem, longe disso. A tendência do partido é apoiar um candidato do centro (não confunda com Centrão), mas se ele não tiver chances de vencer, poderá se alinhar a Lula.
Nada pode haver de pior para um governo do que a abertura de uma CPI justamente no momento em que ele está mais fraco, e por ora, sem perspectivas de se recuperar. Se a CPI decolar e investigar a fundo o que deve, haverá chuvas e trovoadas em Brasília com um final imprevisível. Certas coisas serão inevitáveis.
Por exemplo: convocar para depor o atual ministro da Saúde e os três que o antecederam – entre eles, o general da ativa Eduardo Pazuello que saiu de lá insinuando que políticos do Centrão tentaram encher os bolsos nas negociações para a compra de vacinas. Um general sendo interrogado por senadores, já pensou?
Não deverá ser o único. Quanto foi gasto pelo Exército para produzir cloroquina receitada por Bolsonaro para tratamento precoce do vírus? Tratamento precoce para a doença jamais existiu. Quem deu ordem ao Exército para tal? O general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, talvez saiba.
Por que o sucessor de Luiz Henrique Mandetta, o médico Nelson Tech, foi ministro da Saúde por menos de 30 dias? O que o levou a pedir demissão? Não pôde nem montar sua equipe. Por que não pôde? E a história da vacina da Pfizer oferecida ao governo em junho do ano passado e recusada até o final de dezembro?
Se não terminar em pizza, a CPI da Covid tem tudo para no futuro tornar-se conhecida como a CPI do fim do mundo de Bolsonaro e de muita gente.
Fernando Exman: Bolsonaro tenta refundar o governo
Executivo tem responsabilidade no aumento da miséria
O Supremo Tribunal Federal (STF) eclipsou os planos do presidente Jair Bolsonaro de refundar o governo a partir da recente reforma ministerial.
Acreditava-se, dentro do Executivo, que depois de mudanças na cúpula da Saúde essa nova configuração no primeiro escalão pudesse dar tempo suficiente ao governo para promover um rearranjo na base e construir os alicerces de uma aliança voltada à reeleição. Melhorariam também as relações com militares e com a comunidade internacional, ao passo que se tentaria dar novo impulso à coordenação entre as pastas com a troca na Casa Civil.
Problemas mais urgentes seriam também atacados. Uma preocupação dentro do governo é, por exemplo, com uma possível escalada da violência decorrente do crescimento da miséria, embora o próprio combate à fome tenha sido negligenciado.
Surgiram, então, as duas recentes decisões disparadas do STF. A primeira foi de autoria do ministro Luís Roberto Barroso, que instou o Senado a criar a CPI da pandemia. Dificilmente o governo não sairá alvejado da comissão parlamentar de inquérito, mesmo que ela amplie o seu escopo para investigar eventuais irregularidades ocorridas nos Estados e municípios que receberam recursos federais.
São amplos os instrumentos que os parlamentares terão para abespinhar Bolsonaro. Afinal, CPIs podem quebrar sigilos fiscais, telefônicos e bancários. Na história recente, muitas comissões foram instaladas e em nada resultaram. Mas tantas outras buscavam informações sobre determinados assuntos e, ao obterem dados sigilosos, tropeçaram em revelações mais preciosas.
Cabe também aos estrategistas do Planalto avaliarem o custo-benefício - além dos riscos - de se adiar a instalação da CPI da pandemia para o fim do ano. Esse é um movimento capaz de levar à sobreposição do plano de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito ao calendário eleitoral.
O segundo petardo levou a assinatura da ministra Rosa Weber. Na segunda-feira, a poucas horas de os decretos presidenciais que ampliam o acesso a armas e munições começarem a valer, ela sustou trechos da nova regulamentação tão aguardada pela ala armamentista que apoia o governo.
Os decretos dividem a base eleitoral do presidente. Enquanto atiradores, caçadores e colecionadores esperavam uma postura até mais agressiva de Bolsonaro na flexibilização da regulação do setor, evangélicos se mantém contra qualquer investida nesta seara. É um tema delicado, mas do qual o chefe do Executivo demonstra que não abrirá mão.
Nesse caso, será interessante ver como o advogado-geral da União, André Mendonça, tentará se equilibrar entre a missão de defender os pontos de vistas do chefe e ainda sim ter o apoio das igrejas para ser o indicado “terrivelmente evangélico” à próxima vaga do STF. O caminho mais fácil que ele terá para percorrer acabará sendo a fundamentação segundo a qual a maioria da população já se manifestou em 2005 contra a proibição da comercialização de armas e munições e ainda hoje mantém majoritariamente essa posição.
Mendonça já precisou advogar sobre esse tema quando comandou a AGU pela primeira vez, antes de ser nomeado ministro da Justiça. Sua recolocação na posição original foi, inclusive, um dos lances centrais da estratégia de refundação executada no fim do mês passado.
O substituto, Anderson Torres, foi alçado do posto de secretário do Distrito Federal justamente em meio ao temor no governo de que a crise sanitária, depois de se tornar uma crise socioeconômica, possa ganhar os contornos de uma crise de segurança pública.
Torres é delegado da Polícia Federal e possui experiência na área, além de bom trânsito no meio político. Em seu discurso de posse, destacou que a Justiça e a Segurança Pública são a espinha dorsal da paz e da tranquilidade da nação, principalmente em meio a uma crise sanitária mundial com impactos na economia e na qualidade de vida dos cidadãos. Ele sublinhou que se deve garantir o “ir e vir sereno e pacífico”, para então emendar: “A Segurança Pública foi uma das principais bandeiras da sua eleição e ela voltará a tremular alta e imponente”. Foi um discurso direcionado ao setor, mas também para os agentes políticos.
Já a nomeação da deputada Flávia Arruda (PL-DF) pode ter o condão de manter Bolsonaro próximo do próprio PL e do PP, de onde o presidente pode tirar seu candidato a vice e garantir mais tempo de televisão para a campanha.
Bolsonaro gosta de dizer que foi eleito sem dinheiro e tempo de propaganda em 2018. Mesmo assim, até seus aliados concordam com a tese de que sua eleição resultou de uma conjunção de fatores de difícil reedição. O campo adversário busca se fortalecer nas redes sociais. E o presidente pode precisar se expor em debates e ter mais tempo de TV para defender as realizações de seu governo.
Até agora, porém, a reforma ministerial ainda não conseguiu acabar com a desarticulação crônica da administração federal, origem de grande parte dos desgastes sofridos pelo Executivo. O impasse relacionado ao Orçamento deste ano, por exemplo, é uma dessas turbulências gestadas dentro do próprio Executivo.
A preocupação de Bolsonaro com a possibilidade de o aumento da miséria provocar distúrbios sociais também se remete, em parte, a essas divergências internas.
É preciso pontuar que o governo demorou muito para editar uma medida provisória e estabelecer o novo benefício emergencial. Milhões de brasileiros receberão um auxílio emergencial menor e muito mais tarde do que suas famílias podem suportar. Os saques em dinheiro só terão início em maio. Quem nasceu em dezembro só poderá colocar as mãos no dinheiro em junho, e as últimas parcelas estão previstas para setembro. Isso não tem nada a ver com o que o STF decidiu sobre a autonomia dos entes subnacionais para combater a pandemia nem com as medidas de isolamento adotadas por governadores ou prefeitos. Os demais Poderes não podem ser culpados pela morosidade e desarticulação do Executivo.
Bernardo Mello Franco: Bolsonaro está com medo
Jair Bolsonaro está com medo. O capitão sabe que a CPI da Covid pode se tornar uma ameaça ao seu mandato. Por isso, descontrolou-se quando o Supremo mandou o Senado instalar a comissão.
Na sexta-feira, o presidente vociferou contra o ministro Luís Roberto Barroso. Acusou-o de fazer “politicalha”, “militância” e “jogada casada” com a oposição. Faltou dizer que o juiz se limitou a aplicar a lei.
Barroso anotou que a comissão parlamentar de inquérito é um direito da minoria. O Supremo reconheceu isso quando contrariou o governo Lula e determinou a abertura das CPIs dos Bingos e do Apagão Aéreo.
No sábado, Bolsonaro passou do protesto à conspiração. Em conversa com o senador Jorge Kajuru, sugeriu retaliar a Corte com uma ofensiva para destituir ministros. “Tem que fazer do limão uma limonada”, justificou.
No mesmo telefonema, ele disse que desejava “sair na porrada” com o senador Randolfe Rodrigues. Um presidente que ameaça bater no líder da oposição parece avacalhação demais até para o Brasil de 2021.
No desespero, o governo ainda tentou desviar o foco da investigação para mirar em governadores e prefeitos. A ideia esbarrou num detalhe: o Senado não pode invadir o terreno de Assembleias e Câmaras. A comissão se limitará a apurar o destino de repasses federais a estados e municípios.
Bolsonaro sabe o que fez e deixou de fazer para que o Brasil se transformasse no epicentro da pandemia. Agora a CPI poderá identificar suas digitais na falta de vacinas, na sabotagem às medidas sanitárias e na morte de pacientes por falta de oxigênio.
No melhor cenário para o capitão, a investigação ampliará seu desgaste às vésperas da campanha. No pior, ajudará a responsabilizá-lo criminalmente pelo morticínio.
Ontem o senador Fernando Collor escancarou os riscos que o presidente passou a correr. “Temos que ter consciência do momento em que vivemos”, discursou. “Falo isso como alguém que já passou e viveu episódios dramáticos da vida nacional.”
No caso dele, a CPI deu em impeachment.
Merval Pereira: Supremo sob pressão
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem amanhã em sua pauta dois julgamentos com implicações políticas relevantes, e, por isso, seus ministros estão sob intensa pressão dos extremos, de lulistas e bolsonaristas. O próprio presidente Bolsonaro tratou de explicitar essa pressão ao sugerir a um senador que impulsione um processo de impeachment de ministro do STF, afirmando que, fazendo isso, conseguiriam barrar a CPI da Covid que o ministro Luís Roberto Barroso autorizou o Senado a instalar, cumprindo o que manda a Constituição.
O outro tema a ser julgado, a suspeição do ex-ministro Sergio Moro, está sob intenso tiroteio de um grupo de advogados criminalistas chamado “Prerrogativas”, que soltaram suas baterias contra o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo. Coadjuvantes do PT, que também ameaça o plenário do Supremo por meio de seu site oficial, colocando como pontos intocáveis “tanto a anulação das sentenças quanto o julgamento da suspeição de Moro”. E advertem: “Não toquem nos direitos de @LulaOficial”.
O diálogo do senador Kajuru com o presidente Bolsonaro, gravado pelo primeiro, que o divulgou, é uma prova evidente de uma conspiração de interferência do Executivo no Legislativo, embora a intenção do senador ao divulgar a conversa não tenha sido denunciar Bolsonaro, muito ao contrário. Bolsonaro acha que caiu numa armadilha, e Kajuru garante que o avisou de que divulgaria. Seja como for, o diálogo revela o baixo nível em que são tratados os assuntos mais importantes do país.
A CPI da Covid é fundamental para que sejam punidos os responsáveis por essa crise humanitária sem precedentes por que estamos passando, com a culpa claramente exposta do presidente da República, devido a sua intransigência quanto às orientações científicas de proteção da população que governa. Sua teimosia em rejeitar atitudes como distanciamento social ou uso de máscara tem fundamentos políticos rasteiros. Não compreende que o que permitirá a retomada econômica é a vacinação em massa, não o morticínio em busca de uma imunidade coletiva que não acontecerá.
O outro tema da tarde de amanhã, que deve entrar por quinta-feira, é a analise, pelo plenário do Supremo, da decisão do ministro Fachin de tirar de Curitiba os processos contra o ex-presidente Lula, enviando-os à Justiça Federal em Brasília. Com isso, as condenações foram anuladas, e Lula tornou-se elegível. Mas o PT e os membros do “Prerrogativas” não admitem que os 11 ministros votem com suas consciências e passaram a pressioná-los por meio de artigos em jornais, manifestos e declarações nas redes sociais.
A questão deles é temer que, derrubada a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no plenário do Supremo, as provas e investigações contra Lula possam ser aproveitadas pelo novo juiz, já que não foram produzidas por um juiz suspeito, como definiu a Segunda Turma contra a decisão de Fachin, que considerou que o julgamento não deveria começar por ter perdido o objeto com a mudança de foro.
Três advogados membros do “Prerrogativas” escreveram um manifesto onde, depois de divagar filosófica e profundamente sobre o paradoxo do biscoito Tostines, que “vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais”?, dizem que nunca pressionaram o STF, mas advertem ao final, na mesma linha da postagem oficial do PT, que o grupo “Não se furtará, evidentemente, a denunciar estratégias processuais e interpretações regimentais heterodoxas para que determinado e especifico objetivo seja atingido”. Ou seja, não mudem nenhuma decisão que favoreça o ex-presidente Lula.
Um dos autores do texto, Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do “Prerrogativas”, já havia dito que o ministro Fachin estava arquitetando “uma manobra com objetivos políticos”. A advogada Carol Proner, também do grupo, afirmou numa entrevista no YouTube que o ministro Fachin, ao afirmar que o plenário do STF pode reverter a decisão da Segunda Turma, anulando a condenação por suspeição do ex-ministro Moro, está defendendo “um verdadeiro golpe jurídico”. Se isso não é pressão de uma parte interessada, por motivos diversos, em um determinado veredito, não sei o que é.
Juan Arias: Os três gols seguidos em Bolsonaro podem prever sua derrota final
Até os que continuavam apoiando-o porque o viam como o grande inimigo da esquerda começaram a se distanciar dele principalmente após a desastrosa gestão da pandemia com seu negacionismo exasperado
Os que convivem com o presidente Jair Bolsonaro afirmam que nunca o viram tão irritado como nestes dias. Talvez porque tenha sofrido três gols seguidos que podem prever sua derrota definitiva.
Até os que continuavam apoiando-o porque o viam como o grande inimigo da esquerda começaram a se distanciar dele principalmente após a desastrosa gestão da pandemia com seu negacionismo exasperado que fez com o que o Brasil seja visto hoje no exterior como o maior perigo sanitário do mundo.
O capitão viu de repente seu governo vazado três vezes. Primeiro quando o Exército fez com que ele soubesse com a renúncia dos três chefes das Forças Armadas que não está disposto a entrar em política e deu a entender que não é “seu Exército” como ele cacareja a cada dia.
O Supremo que ele achava ter dominado marcou dois gols seguidos em Bolsonaro. Primeiro derrubando por 9 votos contra 2 sua pretensão de que as Igrejas se mantivessem abertas ao culto apesar do agravamento da pandemia. Os magistrados se mantiveram firmes em que são os governadores e prefeitos que, segundo a gravidade do momento, poderão ou não impedir o culto presencial nos templos.
O outro gol do Supremo foi marcado pelo juiz Barroso obrigando o Senado a dar sinal verde à abertura de uma CPI para analisar as responsabilidades do Presidente e de seu Governo na gestão da pandemia que levou o país à catástrofe que está sofrendo com o horror de que em muitas cidades os mortos já superam os nascimentos. No Senado já existiam os votos suficientes para dar andamento à CPI, mas o presidente da Casa se fazia de desentendido e continuava sem abrir a comissão de inquérito sobre os possíveis crimes de Bolsonaro que zomba do que ele chamou de uma simples “gripezinha”. Enfurecido, o Presidente ameaçou o Supremo e o Senado em usar a “bomba atômica” contra eles. Ameaça que deixa a descoberto sua fragilidade e o poder que achava ter sobre as instituições.
Essas três derrotas às que é preciso somar o fato de ter sido obrigado a demitir seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, considerado o coração ideológico do Governo, seguidor fiel de Donald Trump e que estava fazendo com que o Brasil brigasse com meio mundo, indicam que as placas tectônicas de seu poder estão se movimentando e podem causar um terremoto político.
É importante que o amante das ditaduras comece a ver seu poder se quebrar porque com seus desmandos e ataques contínuos à democracia está fazendo com que o Brasil perca as esperanças. E já sabemos o que costuma acontecer quando um povo perde as esperanças nos que o governam.
De fato, com Bolsonaro o Brasil do futuro ficou muito para trás, o do Deus é brasileiro, o do milagre econômico, o país desejado pelos europeus que queriam vir trabalhar aqui, o Brasil respeitado em todos os foros internacionais, o de sua invejada diplomacia exterior. Tudo isso parece de repente ter se desfeito como uma bolha de sabão dando lugar a um pessimismo nacional.
Hoje predominam as fake news que envenenam a sociedade e a desorientam levada pelo ódio em vez da convivência pacífica. Onde se esconderam envergonhadas a esperança e a alegria de viver? Hoje até a música popular se tornou mais violenta.
De tanto falar de armas, de militares, de golpes de Estado, de genocídios e de sentirem-se abandonados em meio à matança da pandemia os brasileiros se veem a cada dia mais abandonados à sua sorte.
Enquanto os mortos se amontoam e já faltam cemitérios, soam macabras as zombarias, as ironias e até as imitações grosseiras de alguém que morre asfixiado por falta de oxigênio por parte de quem detém o poder da nação e deveria mostrar solidariedade e compaixão com tanta dor.
Dá a sensação de uma grande confusão que desorienta as pessoas que já não sabem em quem confiar com as instituições do Estado também até ontem desorientadas e incapazes de se unir contra o perigo comum de quem só pensa em conseguir o poder absoluto para impor um sombrio golpe ditatorial.
É surpreendente ver, por exemplo, os grandes empresários aplaudindo o candidato a ditador que arrastou o país a uma das maiores crises econômicas da história com milhões que ou passam fome, ou estão sem trabalho e que quase não conseguem viver com dignidade com o que ganham.
Estão cegas essas elites financeiras que não veem as lágrimas de milhões de brasileiros que levantam todas as manhãs sem saber se poderão dar de comer aos seus filhos? Esses empresários que manejam as finanças do país não veem que o Brasil está desmoronando e que a cada dia se sente mais inseguro sem saber que futuro seus filhos esperam?
Essas elites da política e do dinheiro não veem que o Brasil amanhece a cada manhã com os grandes veículos de comunicação mundiais anunciando a queda e desmoralização de um país que deveria e poderia ser o coração do continente?
Não, o Brasil não precisa para ser governado e para recuperar sua esperança hoje quebrada de mais messias e redentores, e sim de estadistas capazes de organizar o país em relação à sua dignidade, sem saqueá-lo vergonhosamente para que eles e suas famílias enriqueçam condenando um país rico material e espiritualmente à pobreza e ao desalento.
A única esperança é que a sociedade procure sua unidade e o antídoto para se defender contra os vírus políticos mais mortais do que os da pandemia porque envenenam não só o presente, e sim também o futuro da nação.
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A palavra de ordem dos brasileiros hoje deveria ser a da resistência aos que se divertem e lucram saqueando não só seus recursos, como suas liberdades até de expressão e, principalmente, a esperança de sair do pesadelo que os aflige mais unidos e com orgulho do que realmente representa este país no mundo.
O que espera, por exemplo, o Congresso para dar seguimento aos aproximadamente cem pedidos de impeachment contra o Presidente por parte da sociedade? O Congresso não é a voz e a expressão dos anseios da sociedade?
É desmoralizador ver essa voz da sociedade sufocada pelos interesses puramente pessoais dos que a governam. O que podem pensar os milhões sem casa e morando em pardieiros como animais vendo um senador jovem, filho do Presidente, investigado por corrupção, comprar uma mansão de seis milhões no coração aristocrático de Brasília?
Quando o poder que deveria pensar em como melhorar a vida das pessoas aparece preocupado somente em acumular privilégios e benefícios, a democracia se quebra envergonhada e humilhada.
O Brasil sofreu como tragédia os 21 anos de ditadura militar e agora parece viver como farsa a democracia. Só que às vezes a farsa dos aprendizes a ditadores pode ser mais grave do que a realidade.
O Brasil precisa com urgência de verdadeiros líderes capazes de devolver a esperança perdida a 220 milhões de pessoas submersas hoje no medo e na desilusão. A história é sempre mãe da sabedoria. O que o Brasil vive hoje pode lembrar quando há mais de 2.000 anos Cícero, senador romano, jurista, político e escritor enfrentou o conspirador Catilina que pretendia tomar o poder absoluto, com suas famosas palavras que atravessaram os séculos: “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? Por quanto tempo tua loucura zombará de nós? A que extremo chegou tua audácia desenfreada? Não percebeu que seus planos foram descobertos?”. O conspirador Catilina acabou fugindo de Roma com suas hostes fanáticas e derrotado.
Sim, o Brasil precisa de um novo Cícero capaz de repetir ao conspirador que só sonha em conquistar o poder absoluto zombando da Constituição e da democracia: até quando continuará abusando de nossa paciência?
Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.
O Estado de S. Paulo: Bolsonaro reclama de gravação de conversa por Kajuru e cobra autorização judicial
Segundo o presidente, seria necessária autorização judicial para a gravação do diálogo ter sido feita pelo parlamentar, o que não é verdade
Emilly Behnke, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro reclamou nesta segunda-feira, 12, da divulgação de um telefonema seu com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO). Segundo o presidente, seria necessária autorização judicial para a gravação do diálogo ter sido feita pelo parlamentar, o que não é verdade, uma vez que não há proibição na lei nos casos em que a divulgação é feita por um dos participantes. A conversa entre os dois tratou sobre a instalação da CPI da Covid no Senado, que preocupa Bolsonaro.
“Eu fui gravado em uma conversa telefônica, está certo? A que ponto chegamos no Brasil? Gravado”, comentou para apoiadores na saída do Palácio da Alvorada nesta manhã. "A gravação é só com autorização judicial. Agora, gravar o presidente e divulgar... E outra, só para controle, falei mais coisas naquela conversa lá. Pode divulgar tudo da minha parte, tá?”, disse Bolsonaro. A divulgação da conversa foi feita ontem, mas, segundo Kajuru, o telefonema ocorreu no sábado, 9.
O chefe do Executivo demonstrou irritação com a revelação da conversa. A Coluna do Estadão mostrou, no entanto, que Bolsonaro foi avisado por Kajuru com vinte minutos de antecedência que o áudio seria publicado nas redes sociais. Segundo o senador, Bolsonaro não tentou impedir a divulgação.
No telefonema, Bolsonaro pressionou Kajuru a ingressar com pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal. O presidente dá a entender que, se houver pedidos de impeachment contra ministros da Suprema Corte, podem ocorrer mudanças nos rumos sobre a instalação da comissão. A decisão pela criação da CPI, que tem o apoio de mais de um terço do Senado, foi do ministro Luís Roberto Barroso.
“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também”, disse Bolsonaro ao senador. “Sabe o que eu acho que vai acontecer, eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo.”
Pouco antes de falar com apoiadores no Alvorada, o presidente também foi às redes sociais pedir "união e apoio" ao seu governo. Na postagem, sem citar em nenhum momento o enfrentamento da pandemia que já matou mais de 350 mil pessoas no País, o presidente elege o "comunismo" como inimigo a ser combatido, numa crítica velada a prefeitos e governadores que adotaram medidas restritivas para conter a proliferação da doença.
"Hoje você está tendo uma amostra do que é o comunismo e quem são os protótipos de ditadores, aqueles que decretam proibição de cultos, toque de recolher, expropriação de imóveis, restrições a deslocamentos, etc", afirma o presidente. Apesar de Bolsonaro incluir a expropriação de imóveis na lista, numa tentativa de alarmar a população, nenhum governador ou prefeito adotou a medida entre as estratégias para conter o vírus. Informações nesse sentido envolvendo o governador de Sergipe, Belivaldo Chagas (PSD), já foram desmentidas pelo Estadão Verifica.
Na gravação com Kajuru, além de tratar do impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro insistiu que a CPI da Covid amplie a investigação para incluir governadores e prefeitos, não apenas o governo federal. O presidente atribuiu ainda o número de mortes da covid-19 à suposta omissão de prefeitos e governadores, ignorando que ele mesmo boicota medidas que dão certo contra o vírus, como o distanciamento social e o uso de máscaras. “A questão do vírus... Não vai deixar de morrer gente, infelizmente, no Brasil. Poderia morrer menos gente se os governadores e prefeitos que pegassem recursos e aplicassem realmente em postos de saúde, hospital", disse Bolsonaro a Kajuru.
A publicação de hoje nas mídias sociais do presidente é acompanhada de vídeo com trechos de entrevistas de Bolsonaro antes, durante e depois de sua campanha eleitoral, inclusive com imagens do episódio da facada e de manifestações pró-governo. Ao cobrar apoio e o respeito à Constituição, ele afirmou que não se deve "ofender exatamente aquele que pode ser decisivo" em momentos difíceis.
"Se a facada tivesse sido fatal, hoje você teria como presidente (Fernando) Haddad (PT) ou Ciro (Gomes, PDT). Sua liberdade, certamente, não mais existiria", diz Bolsonaro, numa referência a seus adversários na campanha de 2018.
O chefe do Executivo voltou a defender a "liberdade" ao criticar adoção de "lockdown" por governadores e prefeitos. As restrições, que vão de toque de recolher ao fechamento do comércio, foram decretados após o sistema de saúde de muitas cidades entrarem em colapso, com UTIs lotadas e pessoas morrendo na fila à espera de um leito.
"Cada vez mais a população está ficando sem emprego, renda e meios de sobrevivência... O caos bate na porta dos brasileiros. Pergunte o que cada um de nós poderá fazer pelo Brasil e sua liberdade e... prepare-se", escreveu, conclamando seus seguidores.
El País: Descontrole da pandemia no Brasil deixa reformas econômicas em segundo plano
Enquanto outros Governos começam a pensar na vida depois da crise, o país se encontra suspenso num estado de choque por causa do caos provocado pela covid-19
Isabella Cota e Carla Jiménez, El País
No meio do caos que fez do Brasil o país com mais mortes e contágios diários pelo coronavírus, perdeu-se o espaço para a discussão das reformas econômicas das quais o país necessita. E não é por falta de vontade. O Governo do presidente Jair Bolsonaro pretendia discutir com legisladores em março uma reforma do código tributário e a privatização de algumas empresas estatais. Mas, com média de quase 4.000 mortes por dia e o colapso do sistema de saúde, é impossível pensar no que vem depois. O Congresso se concentrou em votar medidas que facilitem a compra de vacinas e de suprimentos básicos para o sistema de saúde. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, rendeu-se aos fatos. “A vacinação maciça é a melhor política fiscal, a mais barata e de maior impacto”, disse em um evento virtual com empresários no fim de março. A inoculação será o que vai dar início à recuperação da economia, cujo PIB caiu 4,1% em 2020.
O que à primeira vista parece sensato ―cuidar antes da pandemia e depois acomodar as reformas― é na verdade um efeito colateral da errática gestão da crise sanitária no Governo Bolsonaro. Sem planos para vacinação maciça, o mandatário insiste em contrariar as medidas de distanciamento social para o controle da pandemia. “Não temos resposta adequada para lutar com os efeitos da difícil pandemia neste momento”, diz a economista Monica de Bolle. “Estava anunciado, previsto, mas nada se fez”, acrescenta. Na última semana, dois ministros pediram demissão, e o presidente substituiu seis.
Outra amostra da desorganização em que se encontra o Brasil está no fato de que o orçamento para este ano só foi aprovado na Câmara em 25 de março e ainda está pendente de passar no Senado. A proposta oferece verbas adicionais e discricionárias aos parlamentares a um ano das eleições. Isto foi possível apesar do teto fiscal, explica Samar Maziad, analista de risco de crédito soberano do Brasil na agência qualificadora Moody’s. Esse limite autoimposto nos gastos públicos oferece a investidores e analistas uma garantia da solvência fiscal da maior economia da América Latina.
Para não ultrapassar esse teto, os legisladores subestimaram os custeios obrigatórios, como seguro-desemprego e a previdência. As supostas reduções de gasto somam 25 bilhões de reais. O próprio Paulo Guedes aconselhou Bolsonaro a não aprovar esse orçamento, que foi qualificado por economistas e especialistas como uma “peça de ficção”. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também alertou para a falta de solidez do orçamento em entrevistas concedidas na semana passada: “Qualquer incerteza sobre o orçamento agrava a incerteza fiscal”.
No plano econômico e financeiro, o Governo marcou tentos ao conseguir aprovar em fevereiro a independência do Banco Central, assim como uma emenda constitucional para assegurar o pagamento de novas ajudas emergenciais às populações mais vulneráveis à pandemia a partir deste mês. A primeira rodada de estímulo econômico, com ajudas de 600 reais, foi concedida entre abril e dezembro de 2020 e teve um impacto tangível na economia, reduzindo inclusive o nível de pobreza, mas ultrapassou o teto de gastos. Para este ano, o Governo conseguiu aprovar uma segunda onda de estímulos econômicos ―43,8 bilhões de reais para 45,6 milhões de brasileiros― que será paga por quatro meses e em valor inferior, praticamente metade do que foi no ano passado.
“Este é um estímulo muito mais limitado”, observa Maziad. “A pergunta agora é: com esta piora da pandemia e a lenta vacinação, haverá necessidade ou pressão para aprovar ainda mais estímulos econômicos?”, prossegue ela. De acordo com dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), o Governo do Brasil arrecada 33% do PIB em impostos, muito acima da média latino-americana, que é de 23%. Diferentemente de seus pares na região, como a Colômbia e o México, onde atualmente se discute a necessidade de aprovar uma reforma fiscal para aumentar a arrecadação, o problema do Brasil não é esse. É mais uma questão de como simplificar as regras tributárias, diz Maziad, algo que o Governo de Bolsonaro procurava fazer antes que a pandemia se descontrolasse.PUBLICIDADE
“A preocupação é que o aumento do gasto visto no ano passado não se reverta, e como o Governo poderá continuar cumprindo o teto de gasto”, opina Maziad por telefone de Nova York. Por sua parte, De Bolle afirma que esta segunda rodada de apoio econômico não terá o mesmo impacto em 2021. “Teremos um ano difícil na economia, não podemos esperar recuperação porque nossa situação fiscal vai piorar”, antevê.
Em entrevista à agência Reuters, o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), aliado de Bolsonaro, disse que o presidente provavelmente tentará aumentar o gasto público para sustentar sua popularidade, agora que seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está de volta à arena política. Imediatamente depois de o STF anular os julgamentos que o condenaram, Lula atacou Bolsonaro por administrar mal a pandemia e a economia. Ramos afirmou que o Congresso não permitirá nenhuma “aventura fiscal” no período anterior às eleições do ano que vem. “A Câmara esteve muito consciente do problema fiscal do Brasil e tem controles e contrapesos que são efetivos” para conter uma onda de gastos do governo, disse Ramos à Reuters.
Enquanto outros países começam a pensar na vida depois da pandemia, diz Maziad, o Brasil está obrigado a permanecer em um estado de crise, sem avançar suficientemente rápido na vacinação ou na contenção dos contágios. “Em outros lugares já há espaço para pensar em outras coisas ou para olhar além da pandemia, mas no Brasil, nas últimas semanas, basicamente eles centraram a atenção no que está acontecendo com a pandemia e como isso afeta todo o resto. Isto é um obstáculo grande para o crescimento”, aponta a analista.
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Folha de S. Paulo: Bolsonaro tenta derrubar CPI da Covid ao cobrar apuração de prefeitos e governadores
Planalto avalia que ameaça a gestores locais pode reduzir apoio no Senado; governo tenta retirar assinaturas de requerimento
Ricardo Della Coletta, Folha de S. Paulo
O governo Jair Bolsonaro passou a defender abertamente a ampliação da CPI da Covid. Com a medida, a comissão no Senado poderia investigar também a ação de governadores e prefeitos na pandemia.
A estratégia, segundo senadores e auxiliares de Bolsonaro, é jogar mais pressão sobre congressistas para que eles retirem assinaturas do pedido de criação da comissão. Isso precisa ser feito nas próximas horas.
O Palácio do Planalto avalia que a perspectiva de uma CPI que, além do governo federal, mire prefeitos e governadores pode ser suficiente para reduzir os apoios à instalação da CPI no Senado, uma vez que senadores são ligados politicamente às administrações nos estados.
No sábado (10), Bolsonaro defendeu a extensão do escopo do colegiado.
"A CPI [é] para apurar omissões do presidente Jair Bolsonaro, isso que está na ementa. Toda CPI tem de ter um objeto definido. Não pode, por exemplo, por essa CPI que está lá, você investigar prefeitos e governadores, onde alguns desviaram recursos. Eu mandei recursos para lá, e eu sou responsável?", disse.
"Conversei com alguns [senadores] e a ideia é investigar todo mundo, sem problema nenhum", afirmou Bolsonaro que, na manhã do sábado, realizou um passeio de moto pela periferia de Brasília.
Depois, em áudio divulgado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) neste domingo (11), Bolsonaro voltou a apelar para a ampliação da CPI.
"Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir o [ex-ministro da Saúde, Eduardo] Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana", disse Bolsonaro, em gravação reproduzida nas redes sociais do senador.
O discurso foi endossado pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD), em uma sequência de mensagens publicadas no Twitter sábado (10) e domingo (11).
"Uma CPI exclusivamente para apurar o governo federal eu sou totalmente contra. Se tiver CPI, que se apure todos os entes da Federação, inclua estados e municípios e os impactos da liberação da eleição de 2020 para o surgimento da nova cepa (P.1)", escreveu.
Um primeiro passo para a instalação da CPI para investigar as ações e omissões do governo federal no combate ao coronavírus deve ocorrer nesta terça-feira (13), com a leitura do requerimento da comissão pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Mesmo com as assinaturas necessárias, Pacheco vinha bloqueando a criação do colegiado. Segundo ele, o momento não é adequado para investigação parlamentar com potencial de trazer forte instabilidade na política nacional.
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), no entanto, determinou que a CPI fosse instalada. A decisão liminar (provisória) é de quinta-feira (8).
Inicialmente, a ordem do ministro seria analisada no plenário virtual da corte, no qual são depositados os votos, sem debates. No sábado, Luiz Fux, presidente do STF, após consulta aos ministros, antecipou o julgamento para esta quarta (14), que será no plenário físico da Corte.
Na manhã desta segunda (12), Bolsonaro escreveu em suas redes sociais que "nos momentos difíceis deve-se unir forças, nunca ofender exatamente aquele que pode ser decisivo nesse salvamento".
"Convença aqueles que estão ao seu lado a defender a Constituição, em especial seu art. 5°, a nossa bandeira verde e amarela", disse. "Cada vez mais a população está ficando sem emprego, renda e meios de sobrevivência, o caos bate na porta dos brasileiros. Pergunte o que cada um de nós poderá fazer pelo Brasil e sua liberdade e prepare-se", afirmou.
Agora, a principal frente de ação do Palácio do Planalto é tentar conseguir que assinaturas sejam retiradas por senadores até esta terça-feira. Dos 81 senadores, 32 assinaram o pedido de CPI —são necessários 27.
A ameaça de uma CPI com potencial de criar problemas para governadores é considerado um argumento importante para o Planalto, que mira principalmente congressistas ligados a governos estaduais.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) pediu que as apurações envolvam também os gestores locais.
"Dessa forma, não cabe, a nosso ver, instituir uma comissão parlamentar de inquérito para proceder à investigação da atuação dos órgãos estatais diante da pandemia do Covid-19 e limitar o seu escopo exclusivamente aos agentes públicos federais. Trata-se de um sistema nacional e assim deve ser avaliado", escreveu Vieira.
O requerimento dele foi apresentado à Secretaria-Geral da Casa no sábado. Após a instalação da CPI, basta a maioria simples para a aprovação desse pedido de ampliação do escopo da comissão.
Essa possível ampliação do escopo da investigação interessa ao Planalto mesmo se a estratégia de tentar a retirada das assinaturas não surtir efeito.
Se a CPI sair do papel, o Planalto considera que pode equilibrar o desgaste da investigação contra os atos de Bolsonaro com o discurso adotado há meses pelo presidente: o de que estados e municípios receberam vultuosos recursos da União para combater o vírus, mas não só falharam em conter a doença como muitos teriam praticado desvios e ilícitos.
Congressistas que apoiam a CPI, no entanto, dizem que as declarações de Bolsonaro não devem ser suficientes para reverter assinaturas e que o presidente está, novamente, tentando mobilizar sua base.
De acordo com eles, o pedido original da CPI já era amplo o bastante para apurar o uso de dinheiro federal no combate à pandemia, o que obviamente abarcaria administrações locais que tivessem usado esses recursos.
Mesmo com a formalização da CPI, senadores estão céticos quanto à possibilidade de a comissão efetivamente funcionar. Congressistas dizem que o colegiado não tem condições de trabalhar sem as mínimas garantias sanitárias, uma vez que as reuniões de CPI ocorrem em salas fechadas e com reduzida circulação de ar.
De acordo com senadores, é inviável colher depoimentos de forma remota. Mesmo se houver sessões presenciais, eles afirmam que qualquer testemunha poderia alegar motivos médicos para não comparecer. Além do mais, parlamentares dizem que uma CPI que funcione remotamente impossibilita a análise de documentos sigilosos.
A percepção de que a CPI não tem no momento condições de funcionar é partilhada tanto por apoiadores de Bolsonaro quanto por alguns parlamentares da oposição. Três senadores morreram de Covid: Arolde de Oliveira (PSD-RJ), José Maranhão (MDB-PB) e Major Olímpio (PSL-SP).
SENADORES QUE ASSINARAM PEDIDO DE CRIAÇÃO DA CPI DA COVID
- Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
- Jean Paul Prates (PT-RN)
- Alessandro Vieira (Cidadania-SE)
- Jorge Kajuru (Cidadania-GO)
- Fabiano Contarato (Rede-ES)
- Alvaro Dias (PODE-PR)
- Mara Gabrilli (PSDB-SP)
- Plínio Valério (PSDB-AM)
- Reguffe (PODE-DF)
- Leila Barros (PSB-DF)
- Humberto Costa (PT-PE)
- Cid Gomes (PDT-CE)
- Eliziane Gama (Cidadania-MA)
- Omar Aziz (PSD-AM)
- Paulo Paim (PT-RS)
- Rose de Freitas (MDB-RS)
- José Serra (PSDB-SP)
- Weverton (PDT-MA)
- Simone Tebet (MDB-MS)
- Tasso Jereissati (PSDB-CE)
- Oriovisto Guimarães (PODE-PR)
- Jarbas Vasconcelos (MDB-PE)
- Rogério Carvalho (PT-SE)
- Otto Alencar (PSD-BA)
- Renan Calheiros (MDB-AL)
- Eduardo Braga (MDB-AM)
- Rodrigo Cunha (PSDB-AL)
- Lasier Martins (PODE-RS)
- Zenaide Maia (PROS-RN)
- Paulo Rocha (PT-PA)
- Styvenson Valentim (PODE-RN)
- Acir Gurgacz (PDT-RO)
Folha de S. Paulo: Oposição vê clima para CPI da Covid na Câmara após ordem do STF ao Senado
Já Arthur Lira, presidente da Casa e aliado de Bolsonaro, diz não ser esse o momento para se apontar o dedo para ninguém
Danielle Brant, Folha de S. Paulo
A ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), para que o Senado instale a CPI da Covid deu novo fôlego à oposição na Câmara, que vê ambiente favorável para pressionar deputados a recolher assinaturas para abrir uma comissão parlamentar de inquérito na Casa.
A articulação foi retomada após Barroso mandar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), criar o colegiado. A decisão liminar (provisória) do ministro será analisada pelo plenário do STF na quarta-feira (14).
Na decisão, Barroso afirmou que já estavam presentes requisitos necessários para abertura de comissão, como assinatura favorável de mais de um terço dos senadores, e argumentou que o chefe do Senado não poderia se omitir em relação ao tema.
Não é a primeira vez que o STF determina a instalação de CPIs a pedido da oposição. Em 2005, o Supremo mandou instaurar a dos Bingos, em 2007, a do Apagão Aéreo, e, em 2014, a da Petrobras.
Assim como Pacheco, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já se manifestou contra a abertura da CPI. Em março, ele afirmou que o Congresso não deveria parar para investigar a gestão do governo na pandemia ou procurar culpados por erros.
Na sexta-feira (9), em evento na Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), em Arapiraca (AL), Lira voltou a rechaçar a abertura de uma CPI pela Câmara.
Segundo ele, não é o momento para "se apontar o dedo para ninguém". "Daqui a dois, três meses, esses culpados vão estar morando em outro lugar, vão estar apagadas as provas, vão estar escondidas as evidências? Não."
"Então, você [vai] mobilizar 20, 30 senadores numa sala fechada quando o Congresso está funcionando virtualmente e ter de trabalhar presencialmente para fazer política? Porque o que nós não precisamos neste momento é politizar mais um tema."
Lira disse que "quem errou vai pagar" e que o "preço de 330 mil vidas é muito alto para qualquer sociedade, mas não nesse momento e não dessa maneira". O Brasil já soma mais de 350 mil mortos pela Covid-19.
Acho que a CPI [do Senado] cria um clima, um novo ambiente, especialmente se, de fato, for instalada rapidamente, de a Câmara também cumprir seu papel de fiscalizar essas questões da CovidAlex Manente (SP)
líder do Cidadania na Câmara
Deputados da oposição e de partidos de centro, no entanto, veem oportunidade para pressionar colegas e, assim, conseguir o mínimo de 171 assinaturas necessárias para a criação da CPI. A Câmara tem 513 parlamentares.
Segundo a deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC), cerca de 90 deputados já haviam apoiado a criação da comissão até a última sexta-feira.
Para ela, a CPI no Senado "está assustando as hostes do governo". "Estavam preocupados de não criar CPI e agora vão ficar preocupados porque a CPI vai acontecer no Senado, onde há um grupo mais amplo que quer esclarecer esse processo", disse.
A deputada afirmou que a instalação da comissão no Senado favorece a abertura de um processo semelhante na Câmara. De acordo com ela, a medida seria barrada por Lira.
"Acho que ele separa as coisas. Para colocar uma CPI sem ser uma pressão muito grande, sozinho, ele não coloca. Ele coloca mais na frente, se sentir que os interesses do centrão estão sendo ameaçados."
Vice-líder da minoria na Câmara, a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) lembrou que CPI é direito constitucional e não depende do desejo político de quem comanda a Casa.
"A demora de instalar acabou gerando essa incidência do Supremo Tribunal Federal sobre o Senado. Seria desnecessária essa incidência se houvesse a instalação pelo próprio presidente do Senado", disse.
Em sua decisão, Barroso afirmou que não cabe ao presidente do Senado fazer uma análise de conveniência em relação à abertura da CPI e que ele é obrigado a fazê-la quando estão cumpridas as exigências da Constituição sobre o tema.
Na Câmara, para conseguir as assinaturas exigidas, a oposição, que tem 125 deputados, precisaria do respaldo de deputados de centro. Feghali disse acreditar que isso é possível, incluindo o apoio de deputados de centro-direita.
"Tenho certeza de que assinarão esses pedidos de CPI, porque as denúncias são muitas, o número de mortes cresceu assustadoramente, e vários parlamentares têm interesse de investigar os crimes que se repetem do governo federal", disse.
O líder do Cidadania na Câmara, Alex Manente (SP), segue a mesma linha de Feghali. "Acho que a CPI [do Senado] cria um clima, um novo ambiente, especialmente se, de fato, for instalada rapidamente, de a Câmara também cumprir seu papel de fiscalizar essas questões da Covid."
Outros deputados veem na CPI uma forma de encontrar os responsáveis pelos erros no enfrentamento à pandemia no país e investigar a conduta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
"Não podemos continuar enterrando pessoas que poderiam estar vivas se não tivéssemos um presidente tão irresponsável. A postura do governo brasileiro diante da crise é criminosa", afirmou a líder do PSOL na Câmara, deputada Talíria Petrone (RJ).
"A oposição está mobilizada para conseguir assinaturas para uma CPI. Mais que isso, já chegou a hora de um pedido de impeachment que unifique todos setores que defendem a vida."
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) também defende a instalação de uma comissão pela Câmara.
"A CPI da Covid pode ajudar no combate à tragédia da pandemia no Brasil, ajudar a acelerar a produção de vacinas no país e aperfeiçoar o SUS", disse. "Pode igualmente apontar os crimes praticados pelo presidente da República."
Mesmo deputados do centrão reconhecem que haveria espaço para criação da CPI. "Se o Bolsonaro não mudar o discurso e a estratégia no dia dia, será inevitável", afirmou Fausto Pinato (PP-SP).
Na avaliação de deputados próximos a Lira, principal líder do bloco do centrão, apesar de o presidente da Câmara ser contrário à instalação de uma CPI, a resistência poderia ser menor se a ideia fosse criar uma comissão mista de deputados e senadores, a exemplo da que já existe para apurar fake news.
Enquanto isso, o governo pressiona para que senadores retirem a assinatura do requerimento de criação da comissão parlamentar de inquérito. Assim, o requerimento passaria a ter menos de 27 apoiadores —o mínimo exigido para abrir uma CPI.
O documento hoje tem 32 nomes, entre oposicionistas e alguns que se declaram independentes ao governo. Integrantes do MDB, maior bancada do Senado, defendem a investigação.
A tentativa, porém, deve ser frustrada, porque há a avaliação de que a retirada de assinaturas agora passaria uma mensagem negativa, considerando que o requerimento foi protocolado há mais de dois meses.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que assinou o requerimento, critica a tentativa do governo. "É uma demonstração de medo da apuração e chama a atenção, porque, como bem diz o presidente da República, quem não deve não teme", afirmou.
O congressista protocolou neste sábado (10) um pedido de aditamento da CPI da Covid para ampliar o escopo, com a intenção de incluir nas investigações atos praticados por agentes políticos e administrativos de estados e municípios na gestão de recursos federais.
"Para não deixar margem de dúvida, já está apresentado, foi protocolado, e a gente vira esta página e o governo vai ter de inventar outra desculpa [para não apoiar a CPI]", disse. Após a instalação da CPI, o pedido precisa ser aprovado por maioria simples.
Reportagem da Folha neste sábado mostrou que a decisão do STF aumentou o poder de fogo do Senado sobre Bolsonaro.
Para reagir à CPI do Senado, o governo vinha tentado convencer senadores pelo medo, alegando a possibilidade de ampliação do escopo da CPI para atingir prefeitos e governadores, o que comprometeria aliados importantes de congressistas, inclusive da oposição, pouco mais de um ano antes das eleições.
Neste sábado, o próprio Bolsonaro manifestou apoio à ampliação do escopo da comissão.
"A CPI [é] para apurar omissões do presidente Jair Bolsonaro, isso que está na ementa. Toda CPI tem de ter um objeto definido. Não pode, por exemplo, por essa CPI que está lá, você investigar prefeitos e governadores, onde alguns desviaram recursos. Eu mandei recursos para lá, e eu sou responsável?", disse.
"Conversei com alguns [senadores] e a ideia é investigar todo mundo, sem problema nenhum", afirmou. Para o presidente, a CPI foi feita pela "esquerda para perseguir e tumultuar".
Eliane Catanhede: Com a explosiva CPI da Covid e um ‘Deus nos acuda’ pelas vacinas, Bolsonaro perde apoios
Presidente sofre pressões de onde menos queria: o grande capital, que tem forte influência no Congresso
Além de demitir o ministro da Defesa e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, o presidente Jair Bolsonaro trocou mais uma vez o diretor-geral da Polícia Federal, que também é uma força armada, com forte cultura de hierarquia e disciplina. O rastro é de surpresa e de dúvidas: por que e para quê?
São dúvidas pertinentes, depois da tensão criada pelo strike no comando militar e porque a PF foi o pivô da queda do “superministro” Sérgio Moro, que acusou Bolsonaro de ingerência política num órgão que, por definição, precisa de autonomia. É exatamente por causa da PF que o presidente é investigado (pelo menos oficialmente), no Supremo.
Não bastasse, continua sem explicação, e sem mandante, a iniciativa do deputado Major Vitor Hugo, bolsonarista, líder do PSL e frequentador dos palácios presidenciais, de cavar o instrumento da mobilização nacional para tirar dos governadores e dar a Bolsonaro o controle das polícias na pandemia. E com direito de convocação de civis, que vêm sendo sistematicamente mais armados pelo governo – contra, inclusive, a posição do Exército e da PF.
Some-se a crença de Bolsonaro de que ser presidente é ser dono do governo, das instituições, do País. Mete a mão nas Forças Armadas e na PF, nos órgãos de investigação, Coaf, Receita e Abin, nos bancos públicos, Banco do Brasil e BNDES, e nas estatais, como a Petrobrás. “Um manda, o outro obedece”, “eu mando, não abro mão da minha autoridade”, versões bolsonaristas de “o Estado sou eu”.
O que está em jogo é a institucionalidade, e a Federação Nacional dos Policiais Federais soltou nota citando o mesmo princípio basilar usado pelo general Fernando Azevedo e Silva ao cair da Defesa: como as Forças Armadas, a PF também é “uma instituição de Estado, não de governos”. Poderia ter usado também a máxima do general Edson Pujol, demitido do Exército: como “não entra nos quartéis”, a política não deve entrar na PF.
O novo diretor, delegado federal Paulo Maiurino, tem um bom nome, mas está há mais de dez anos longe de operações e da PF, em funções no Congresso, no Supremo, no Ministério da Justiça de Lula e Dilma Rousseff e em São Paulo, com Alckmin, e no Rio, com Witzel, além do DF.
Foi no DF que Maiurino conviveu com o novo ministro da Justiça, também delegado federal Anderson Torres, ex-secretário de Segurança do governo Ibaneis Rocha. Mas não parece a ninguém que Maiurino tenha sido escolha de Torres, nem direta de Bolsonaro, nem dos filhos, nem dos generais do Planalto. Logo, quem o indicou? A pergunta paira em Brasília e a suspeita é de que Maiurino tenha sido indicado pelo Republicanos, ex-PRB, partido da Igreja Universal e do Centrão.
Com a explosiva CPI da Covid, mais de 340 mil mortos e um “Deus nos acuda” pelas vacinas que seu governo não negociou, Bolsonaro perde apoios e sofre pressões de onde menos queria: o grande capital, que tem forte influência no Congresso.
A pandemia não tem a menor importância para ele, mas redes sociais, empresários, Centrão, militares, polícias e igrejas, sobretudo as neopentecostais, são, sim, questões de vida ou morte. Enquanto o Major Vitor Hugo tenta cuidar das polícias, o presidente troca os comandos militares e da PF, dá o Orçamento de mão beijada para o Centrão e janta com empresários e banqueiros em São Paulo.
E o trio bolsonarista, o PGR Augusto Aras, o AGU André Mendonça e o ministro do STF Kassio Nunes Marques, ajoelhava e rezava para o Supremo liberar cultos e missas presenciais. Contraria a ciência e aumenta infecções e mortes, mas, segundo Mendonça, os fiéis estão dispostos a morrer pela fé. Pelo visto, a morrer e a matar. E não só pela fé, mas pelo mito.
*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA
Malu Gaspar: Jair Bolsonaro, um presidente imunizado contra a CPI da Covid
O requerimento para a criação de uma CPI da Covid-19, protocolado no Senado no início de fevereiro, deixou há muito de ser um pedido de investigação para ser um termômetro que afere as chances de sobrevivência política do presidente da República. Aos olhos de hoje, os líderes da Câmara e do Senado parecem ter concluído que Bolsonaro, que esteve na UTI, já pode ser politicamente desentubado.
O requerimento tem a assinatura de 31 senadores, mais do que as 27 exigidas, e o objeto da investigação é definido: “apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados” nos primeiros meses de 2021.
Nessas circunstâncias, o regimento do Senado diz que o pedido deve ser lido em plenário e a CPI, instalada imediatamente. Mas Pacheco, eleito para o cargo com o apoio de Bolsonaro, está há dois meses produzindo desculpas para não fazê-lo. A última foi expressa num documento enviado ontem pelo Senado ao Supremo Tribunal Federal, em resposta a uma ação de parlamentares pedindo a instalação da comissão.
Diz que a CPI poderia ter “efeito inverso ao desejado”, produzindo “desconfiança da população em face das autoridades públicas em todos os níveis”. Menciona, ainda, um eventual “apagão das canetas”, em que os gestores públicos deixariam de tomar decisões urgentes por medo de punição.
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Causa espécie o argumento de que não se deva apurar responsabilidades por uma tragédia sanitária para não causar medo em gestores públicos. Crises são momentos desafiadores, mas não podem ser consideradas salvo-conduto para desvios que causam mortes.
Além disso, acreditar que, depois do colapso no Amazonas e da omissão do governo federal na obtenção de vacinas, será uma CPI que dilapidará a confiança do brasileiro nas autoridades públicas soa tão falso como a promessa milagrosa de cura oferecida pela cloroquina.
Outra coisa que se ouve muito no Congresso é que “uma CPI desviaria o foco”, que deve ser voltado para a obtenção de vacinas. É fato que a pressão dos senadores removeu do cargo o chanceler Ernesto Araújo. É verdade também que o discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira, ameaçando o governo com “remédios amargos” e até fatais (como uma CPI), causou paúra em Bolsonaro.
Depois disso, ele abriu negociações para comprar a Sputnik V. Mas é difícil entender como uma CPI com 11 de 81 senadores poderia causar mais tumulto que os conflitos promovidos pelo próprio presidente da República.
De olho no Zap: Mensagens que tentam fazer de Bolsonaro um defensor das vacinas se espalham nas redes
A questão, aí, parece ser quem se quereria proteger do tumulto. Com a naturalidade de quem entendeu que o que estava em jogo era a ocupação de espaços na máquina pública, e não a confiança da população, Bolsonaro pagou a fatura. Cedeu a cabeça de Araújo ao Senado e entregou um ministério dentro do Palácio do Planalto à Câmara, nomeando para a Secretaria de Governo uma afilhada de Lira, a deputada Flávia Arruda.
No dia seguinte, o presidente da Câmara foi ao Planalto se reunir com o ministro da Saúde e saiu com discurso de líder de governo, desafiando as informações de prefeitos e governadores sobre a vacinação. “Por que o Brasil distribuiu 34 milhões de doses de vacinas e nós só temos 18 milhões de doses aplicadas? Não acho que seja possível que nenhum governador e nenhum prefeito não esteja vacinando.”
De um dia para outro, o remédio amargo virou água com açúcar.
Na Câmara, o foco de Lira passou a ser atender os empresários bolsonaristas Luciano Hang e Carlos Wizard, que reivindicavam mudanças na lei que permitiu a compra de imunizantes pelo setor privado.
Congresso: Líder do governo admite 'tempo perdido' no planejamento da vacinação no Brasil
O texto aprovado em março mandava as empresas doarem as doses compradas ao SUS até que fossem vacinados todos os brasileiros do grupo de risco para a Covid-19. Só depois elas poderiam imunizar seus funcionários, entregando ao SUS uma dose para cada empregado vacinado.
Para atender Hang e Wizard, Lira aprovou, em regime de urgência, o fim da obrigação de esperar a vacinação dos grupos prioritários — o que rendeu ao projeto o apelido de “fura-fila”.
E Bolsonaro, de novo à vontade, voltou a defender remédios sem eficácia, visitou sem máscara bairros populares nos arredores de Brasília e falou contra medidas de isolamento social. No dia seguinte, o Brasil ultrapassou a marca de 4.000 mortes por dia pela Covid-19.
No ofício ao STF, Pacheco afirma que a população “reclama a priorização de soluções, e não a busca de culpados”. A julgar pelos últimos lances, o Congresso não está preocupado em encontrar nem uma, nem outra.
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