cpi da covid-19

CPI da Covid: Senadores decidem convocar Barros como testemunha

O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu encerrar o depoimento do deputado Ricardo Barros (PP-PR) para que ele compareça em outra data na condição de testemunha, situação em que ficará obrigado a dizer a verdade

Líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, Barros depôs nesta quinta-feira (12/08) na condição de convidado. Sua participação foi encerrada após o parlamentar acusar a CPI de estar afastando empresas interessadas em vender vacinas ao Brasil, o que gerou revolta e bate-boca entre os senadores.

Segundo integrantes da CPI, o laboratório chinês CanSino Biologics desmentiu o líder do governo e disse que mantém seu interesse em vender vacinas ao Brasil. A comissão decidiu, então, que fará uma consulta ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre que medidas podem ser tomadas no caso de um parlamentar mentir em depoimento. A previsão é que o novo depoimento de Barros será marcado apenas após uma resposta da Corte.

"O mundo inteiro quer comprar vacinas. E eu espero que essa CPI produza um efeito positivo para o Brasil, porque o negativo já produziu muito. Afastou muitas empresas interessadas em vender vacina ao Brasil", disse o deputado, na fala que precipitou a discussão e o encerramento da sessão.

"Isso não é verdade", reagiu a senadora Simone Tebet (MDB-MS), lembrando que já havia mais de 400 mil mortes por covid-19 no Brasil e faltavam vacinas no país quando a CPI foi instalada.

Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse a jornalistas após a sessão que "não demorou 30 minutos para CanSino desmentir (Barros)". Segundo ele, a comissão não atrapalhou a compra de vacinas, mas impediu negócios com suspeitas de ilegalidade.

"A CPI atrapalhou um golpe de US$ 45 milhões que iria ser dado por uma empresa que tem sede no paraíso fiscal. A CPI atrapalhou negócios que nós temos elementos parta indicar que o senhor Ricardo Barros estava também envolvido. Foi isso que a CPI atrapalhou", disse ainda.

A fala de Rodrigues faz referência ao contrato para compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, do laboratório Bharat Biotech, ao preço total de R$ 1,6 bilhão. Esse contrato foi suspenso pelo Ministério da Saúde após a CPI passar a investigar possíveis ilegalidades envolvendo a ação da empresa Precisa, intermediária no contrato, que solicitou pagamento antecipado a ser pago por meio de uma terceira empresa, em Singapura.

O contrato também gerou suspeitas porque o governo brasileiro aceitou em fevereiro deste ano pagar US$ 15 (R$ 80,70 na cotação da época) por dose da Covaxin, antes mesmo de firmar contrato para compra de vacinas da Pfizer por US$ 10, que vinham sendo oferecidas desde 2020.

Ricardo Barros foi envolvido no escândalo após ser citado na CPI em junho pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF), que em março levou ao presidente Jair Bolsonaro indícios de ilegalidade na negociação para compra da vacina Covaxin, acompanhado de seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda.

Segundo o parlamentar do DEM, o presidente afirmou que sabia que um deputado da base do governo estava envolvido no caso e que levaria a denúncia ao delegado-geral da Polícia Federal, o que não foi feito naquele momento. Questionado na CPI sobre quem seria esse deputado, Miranda disse: "Foi o Ricardo Barros que o presidente falou".

Bolsonaro nunca desmentiu a fala de Miranda e não removeu Barros da posição de líder do governo na Câmara.

Questionado sobre isso no início do depoimento, Barros afirmou à CPI que seu suposto envolvimento no escândalo de compra superfaturada da Covaxin foi um "mal-entendido".

Segundo ele, o presidente não afirmou que ele estava envolvido no escândalo, apenas perguntou ao deputado Luis Miranda (DEM-DF) se ele estava envolvido

Barros argumentou que Bolsonaro fez essa pergunta porque Miranda teria mostrado uma reportagem ao presidente sobre o suposto envolvimento de Ricardo Barros em irregularidades da empresa Global, que é sócia da Precisa, empresa que intermediou a compra da Covaxin.

A Global e Ricardo Barros são investigados por um contrato para venda de medicamentos ao Ministério da Saúde, da época em que o deputado comandava a pasta, no governo de Michel Temer (2016-2018).

A empresa não entregou os remédios, embora tenha recebido valores adiantados, e o Ministério da Saúde ainda tenta recuperar os valores na Justiça. Barros nega que tenha cometido alguma ilegalidade. na operação.

"Espero que esse mal-entendido de que eu teria participado dessa intermediação da Covaxin fique esclarecido de uma vez por todas", disse o deputado. "Presidente não pode desmentir o que nunca disse."

No entanto, Barros disse que nunca perguntou sobre o encontro a Bolsonaro.

A interpretação de Barros sobre a fala de Miranda gerou revolta do presidente CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

"Nós não criamos versões aqui, são fatos!", disse Aziz. "E aqui o deputado Luis Miranda disse claramente para todos nós que a pessoa a que Bolsonaro se referia é vossa excelência. E digo mais, se eu fosse o líder do governo da Câmara, eu exigiria que o presidente falasse em rede nacional que não foi assim que aconteceu, o que ele nunca fez."

Os senadores então exibiram diversas vezes vídeo do depoimento de Luis Miranda em que ele afirmava que Bolsonaro citou Barros.

Na gravação, a deputada Simone Tabet (MDB-MS) pergunta a Miranda se ele confirma a informação que havia dado e Miranda afirma: "Foi o Ricardo Barros que o presidente falou."

Isso levou a uma discussão enorme entre os senadores, interrompendo o depoimento por breve período ainda cedo.

Ricardo Barros na CPI da Covid
Barros foi citado na Comissão Parlamentar de Inquérito em junho, quando Luis Miranda (DEM-DF) disse que Bolsonaro citou o nome do líder do governo ao tomar conhecimento de suspeitas de corrupção no contrato de compra da vacina contra covid. Foto: Agência Senado

Barros: 'não provarão nada contra mim'

Após o encerramento do depoimento, Barros disse que sua participação foi interrompida porque ele conseguiu responder a todas as acusações.

"Eu entendi tudo: o jogo não estava bom, ele (Aziz) é o dono da bola, ele põe a bola embaixo do braço e vai embora. Não quer jogar mais porque eles (os senadores) não estavam conseguindo sustentar a sua narrativa", afirmou.

"Eu estou documentado, para cada assunto (que lhe era questionado) eu pedia autorização e mostrava os documentos que embasavam o fato de que eu não tenho nada a ver com a Covaxin, que o presidente já declarou que não tem nada contra mim e me mantém líder do governo", acrescentou.

Ele disse que segue à disposição da CPI e que não provarão nada contra ele. "Eu não menti nada, eles não provarão que eu menti. Eles vão ter a minha quebra de sigilo, vão procurar tudo e continuarão não achando nada", desafiou.

Ricardo Barros na CPI da Covid
'Eles vão ter a minha quebra de sigilo, vão procurar tudo e continuarão não achando nada', desafiou Barros. Foto: Agência Senado

Segundo o líder do governo, o que comprovaria que as empresas deixaram de ter interesse no Brasil foi o fato de terem descredenciado as representantes que haviam nomeado no Brasil e não terem rapidamente escolhido outras para dar andamento ao pedido de autorização para suas vacinas na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Os descredenciamentos das representantes de CanSino e da Bharat Biotech, porém, decorreram das investigações.

No caso da CanSino, o vice-presidente de Negócios Internacionais da farmacêutica chinesa, Pierre Morgon, disse ao jornal Valor Econômico que decidiu trocar a empresa representante do laboratório no Brasil por questões de compliance e que segue interessado em vender sua vacina ao Ministério da Saúde.

Já a Bharat Biotech rompeu com a Precisa após ser revelado que a empresa apresentou documento falso ao Ministério da Saúde.

Quem é Ricardo Barros?

Ricardo Barros (PP-PR) soma mais de 20 anos como deputado federal e já integrou a base aliada de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer, antes de apoiar o presidente Jair Bolsonaro.

Figura importante do chamado Centrão, como é chamado o bloco informal na Câmara que reúne partidos sem linha ideológica clara, mas com valores conservadores, ele foi líder ou vice-líder no Congresso Nacional de quase todos os presidentes eleitos após a ditadura militar.

De 1999 a 2002, Ricardo Barros foi vice-líder na Câmara do governo Fernando Henrique Cardoso e líder do governo no Congresso Nacional ao longo do ano de 2002. O PP, partido de Barros, apoiou José Serra (PSDB-SP), candidato de FHC na eleição presidencial.

Mas, quando Lula ganhou nas urnas, a legenda logo aderiu à base do governo petista, em 2003.Durante praticamente todo o período em que Lula esteve na Presidência contando com o apoio do PP, Ricardo Barros ocupou cargos de direção no partido - foi vice-líder do PP na Câmara e vice-presidente nacional do partido. Foi ainda vice-líder do governo no Congresso, em 2007.

Como integrante do PP, Barros também fez parte da base do governo Dilma Rousseff, mas depois foi um dos articuladores da revitalização do Centrão e apoiou o impeachment da presidente.

Com a chegada de Michel Temer ao poder, Ricardo Barros foi alavancado para o posto de Ministro da Saúde, comandando a pasta de 2016 a 2018.

Em 2018, o paranaense deixou o cargo para concorrer ao cargo de deputado federal. Em 2020, foi anunciado seu nome como líder do governo Bolsonaro na Câmara.

Como ministro da Saúde, Ricardo Barros tentou promover cortes na pasta e a redução do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em diferentes momentos, ele defendeu o enxugamento de gastos do SUS, argumentando que em breve o país não teria mais como bancar direitos que a Constituição garante, como acesso universal à saúde.

Em 2018, o paranaense deixou o cargo para concorrer ao cargo de deputado federal. Em 2020, foi anunciado seu nome como líder do governo Bolsonaro na Câmara.

Ex-governadora do Paraná, a esposa de Ricardo Barros, Cida Borguetti, reforçou esta aproximação do Planalto, sendo nomeada por Bolsonaro ao Conselho de Administração da Itaipu Binacional em maio deste ano.


Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58192549


CPI da Covid ouve líder do governo na Câmara, Ricardo Barros

De acordo com depoimento prestado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) à comissão, ao relatar ao presidente da República as suspeitas na negociação da Covaxin, ele teria ouvido do mandatário que se tratava de 'rolo' do aliado

Cássia Miranda / O Estado de S.Paulo

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid recebe nesta quinta-feira, 12, o líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressitas-PR), suspeito de envolvimento na compra da vacina indiana Covaxin. Marcado por "pressões atípicas" e outras supostas irregularidades, o contrato firmado pelo Ministério da Saúde para aquisição de 20 milhões de doses do imunizante acabou cancelado.

De acordo com depoimento prestado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) à CPI em 25 de junho, ao relatar ao presidente Jair Bolsonaro as tais pressões e suspeitas no processo aquisição da vacina, ele teria ouvido do mandatário que se tratava de “rolo” de Ricardo Barros. Miranda levou a denúncia ao presidente após ser alertado por seu irmão, Luis Ricardo Miranda, diretor de importação do ministério da saúde De acordo com o deputado, o presidente se comprometeu a acionar a Polícia Federal para apurar o caso. O líder do governo nega ter participado da negociação.





Tanto Miranda quanto o líder do governo são alvo de representações no Conselho de Ética da Câmara. O primeiro, por aliados de Bolsonaro, que defendem a perda de seu mandato; o segundo, por parlamentares da oposição. A PF apura se o presidente cometeu crime de prevaricação por, supostamente, não ter pedido a apuração do caso.

Ex-ministro da Saúde no governo TemerBarros foi o autor, em fevereiro, da emenda na Câmara que viabilizou a importação da Covaxin por meio da inclusão da Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO), da Índia, na lista de agências reconhecidas pela Anvisa para permitir a “autorização para a importação e distribuição de quaisquer vacinas” e medicamentos não registrados na agência, desde que aprovadas por autoridades sanitárias de outros países. A CDSCO deu aval à Covaxin; no Brasil, a Anvisa chegou a ceder uma autorização prévia para importar o imunizante, mas cancelou a licença em meio às suspeitas. Barros negou que sua emenda tivesse relação com o caso. 

Entender a relação de Barros com dois personagens envolvidos nas investigações também é o objetivo dos senadores hoje; a CPI busca esclarecer o envolvimento do líder do governo com o dono da Precisa MedicamentosFrancisco Maximiano, e com o ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, que teria feito o pedido de propina para a compra de outro imunizante, 200 milhões de doses da AstraZeneca por intermédio da Davati Medical Supply.

Maximiano, que ainda não depôs à comissão, também é sócio de outra empresa, a Global Gestão em Saúde, que intermediou contrato suspeito com o Ministério da Saúde, quando Barros chefiava a pasta, entre 2016 e 2018. Na ocasião, a pasta pagou R$ 20 milhões para comprar remédios de alto custo a pacientes com doenças raras, mas os produtos nunca foram entregues

O requerimento de convocação de Barros é de autoria do senador Alessandro Vieira(Cidadania-SE). A oitiva estava prevista para ocorrer antes do recesso parlamentar, mas foi adiada, o que levou o deputado a ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido para determinar que a CPI tomasse seu depoimento ainda em julho. A defesa de Barros alegou que adiar o seu depoimento constitui abuso de poder. 

O ministro do STF Ricardo Lewandowski indeferiu o pedido, mas garantiu que o líder do governo tivesse acesso aos documentos reunidos pela CPI da Covid referentes à sua atuação. Parte desse material foi obtida por meio da transferência dos sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático do deputado, aprovada pela CPI.

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Monitor da CPI: veja agenda e resumo dos depoimentos

Entenda as suspeitas na compra de vacinas que atingem o governo Bolsonaro

Conselho de Ética da Câmara abre processo contra Barros e Miranda

Miranda diz à PF que tem ‘medo’ de Lira e de caciques do Centrão


Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cpi-da-covid-ouve-lider-do-governo-bolsonaro-na-camara-ricardo-barros-nesta-quinta,70003808595


Luiz Carlos Azedo: O sapo barbudo

Bolsonaro explora o descontentamento dos militares com o Supremo, cuja verdadeira causa é a anulação das condenações de Lula e seu favoritismo nas pesquisas

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Derrotado, o presidente Jair Bolsonaro não se deu por vencido. Continua a cantilena contra a urna eletrônica, dessa vez anunciando que pretende provar que Aécio Neves (PSDB-MG) venceu as eleições contra Dilma Rousseff, em 2014. O tucano deu a deixa para isso, ao se abster na votação que sepultou a proposta de emenda constitucional da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que restabelecia o voto impresso. Como se sabe, Aécio tentou anular a eleição da petista e alegou abuso de poder econômico, além de pedir recontagem de votos, inconformado com a derrota.

As declarações de Bolsonaro, ao reiterar as acusações sem provas de que as urnas eletrônicas não são confiáveis, provocaram reação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para quem o assunto está encerrado e o “esticar de cordas” já ultrapassou “todos os limites”. Será? Bolsonaro havia prometido aceitar o resultado da votação. Lira virou muitos votos contra a proposta, para evitar uma derrota acachapante do presidente da República, que cairia no seu colo e no do Centrão. Resultado: o placar de 229 votos a favor da emenda (44,83%) contra 218 (42,49%), com 64 ausências, derrotou a emenda constitucional, que precisava de 308 votos, mas não liquidou a narrativa de Bolsonaro, porque a maioria dos deputados que votaram endossou a proposta.

A votação expôs as contradições do Centrão e da própria oposição. A maioria da bancada do PSDB foi a favor do voto impresso — isto é, 14 dos 26 deputados, sendo que cinco se ausentaram e Aécio se absteve. O inverso aconteceu com o PL, partido da ministra Flávia Arru- da, secretária de Governo, que contou com o apoio de apenas 11 dos 41 deputados da legenda (sete se abstiveram). Os únicos partidos que votaram monoliticamente foram do PCdoB, com oito votos contra a proposta, e o PSC, com 11 votos a favor. Em todas as demais bancadas houve dissidências e muita tensão, em razão das emendas ao Or- çamento e da pressão dos seus eleitores bolsonaristas.

Bolsonaro também tentou mobilizar seus aliados no Senado para reabrir a discussão sobre o voto impresso, mas o movimento foi prontamente esvaziado pelo presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para quem o assunto foi encerrado com a votação na Câmara. “Eu quero reiterar a minha confiança na Justiça Eleitoral brasileira, para que possa se desincumbir dos caminhos da eleição de 2022 com o máximo de lisura, sem qualquer tipo de fato que possa ser apontado em relação à fraude ou qualquer coisa que o valha”, disse. Com essa decisão, agora o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) estão alinhados em relação à segurança da urna eletrônica, mas a dúvida sobre a aceitação do resultado das eleições por Bolsonaro, caso seja derrotado, mais do que nunca, permanece no ar. Por quê?

Favoritismo
Ora, porque existe uma grande insatisfação na cúpula das Forças Armadas com o STF, que Bolsonaro explora com obstinação. Ontem, o novo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, fez gestões junto ao tribunal para tentar restabelecer o diálogo entre o ministro Luiz Fux, presidente da Corte, e o presidente da República. É um gesto importante, mas de pouca credibilidade, porque Bolsonaro trabalha em outra direção. Aproveita-se do descontentamento dos militares com o Supremo, cuja verdadeira causa é a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu favoritismo nas pesquisas de opinião para a Presidência, em 2022.

O petista fez mais pelo reaparelhamento das Forças Armadas do que qualquer outro presidente da República. Financiou projetos e reorganizou programas da indústria de Defesa: submarino nuclear, novos aviões de caça, satélites de comunicações e observação, caminhões e caros blindados, monitoramento da Amazônia. Entretanto, Bolsonaro trouxe-as de volta ao centro do poder e promete restabelecer a tutela militar sobre a nação, além de ter melhorado os soldos e preservado privilégios na reforma da Previdência. Num regime democrático, as Forças Armadas devem se manter apartadas da política. Caso Lula seja eleito, portanto, terão que engolir o sapo barbudo outra vez, como diria o falecido governador Leonel Brizola. Bolsonaro trabalha dia e noite para impedir que isso ocorra, com um golpe de Estado, caso perca eleições para o petista. Esse é o busílis do estresse da República.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-sapo-barbudo

Rosângela Bittar: Podem me chamar de ‘05’

Antes que se pudesse decorar seu nome, o novo ministro da Justiça estreou, no fim de semana, com duas entrevistas recheadas de pérolas do estilo bolsonarista de comunicação confusa. O chamado padrão “00”.

Legítimo exemplar do time em que se notabilizaram Abraham Weintraub e Ernesto Araújo, já substituídos, e os ainda atuantes Ricardo SallesDamares Alves e Milton Ribeiro, o ministro Anderson Torres mimetiza a família presidencial. E escolheu a CPI da Covid para se apresentar.

Como fizera antes dele, com palavras iguais, o senador Flávio “01”, o ministro Torres honrou o espírito negativista do governo. Primeiro, deixou claro que, se Bolsonaro contaminar alguém porque aglomerou sem máscara, a culpa é do contaminado que se aproximou muito dele. Depois, proclamou a inoportunidade da CPI, indiferente ao fato de que ela já está funcionando e começou a ouvir, ontem, os depoimentos de ex-ministros da Saúde. Seria a hora oportuna quando não houvesse crime a apurar e culpados a punir?

Incidiu, também, na questão que já não se discute: a subordinação política da Polícia Federal aos caprichos presidenciais. Ameaçou os senadores com a requisição, para a CPI, dos inquéritos da Polícia Federal, sob sua jurisdição, e que tratam da aplicação das verbas da pandemia. Num acesso de criatividade, repetiu o bordão popularizado mundialmente pelo misterioso Garganta Profunda: siga o dinheiro…

Como se o escândalo da gestão federal da pandemia, objeto da CPI, não envolvesse, também, dinheiro. Além de negligência, omissão e negação da ciência. Três atributos marcantes da atuação do presidente.

O ministro da Justiça se esquece de que todos os governadores e prefeitos são políticos ligados a senadores e deputados. Todos, não só os da oposição. Nem o governista sênior da CPI, Ciro Nogueira, pode negar sua ligação histórica, em muitas campanhas e várias administrações, com o governador do Piauí, Wellington Dias, do PT.

Esta questão, no entanto, deve ser resolvida com a convocação do próprio ministro Anderson Torres para depor. E esperar dele maior apreço ao Parlamento do que o dispensado pelo ex-ministro general Eduardo Pazuello. Cujo depoimento, antes marcado para hoje, foi adiado porque a testemunha alegou cumprir quarentena por ter tido contato com infectados.

Com um delegado da Polícia Federal e um auditor do Tribunal de Contas na assessoria do relator, será possível à CPI precisar o que o novo ministro da Justiça quis dizer ao País enlutado.

A advertência mais surpreendente do espetáculo de estreia, porém, foi a sua afirmação de que a CPI da Covid não pode ser política. Mas, exclusivamente, técnica. As CPIs são políticas ou não são CPIs. O que seria uma CPI técnica? Estará Anderson Torres confundindo o inquérito parlamentar com as indispensáveis perícias datiloscópicas e grafológicas do seu universo policial?

A CPI da Covid, aliás, é mais política que qualquer outra. Nada fará que não gere fato político. Seja para o governo se defender, seja para a oposição acusá-lo. Está vinculada, fortemente, à sucessão de Jair Bolsonaro em 2022.

A crença do presidente da República, e só ele acredita nisso, de que foi ele mesmo, com seus argumentos e sua imagem, que venceu em 2018, é equivocada. Quem perdeu para Bolsonaro foi o centro, que agora quer retomar a sua posição na eleição do ano que vem. É para isso que os liberais trabalham com determinação.

O PSDB, o MDB, o DEM e o PSD querem estar de volta ao segundo turno. Certamente, acreditam que vão disputá-lo com um candidato da esquerda, PT ou PDT, que tem sempre vaga garantida na final. A CPI da Covid demarcará os espaços.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,podem-me-chamar-de-05,70003704191


Carol Pires: Bolsonaro contra as mulheres

Bolsonaro já tem esboçado um projeto de lei que institui o 8 de outubro como Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto. É o prenúncio de uma ofensiva contra direitos arduamente conquistados. E também um aceno aos seus idólatras.

Nos últimos dois anos, foram apresentados 43 projetos de lei no Congresso sobre interrupção voluntária da gravidez —praticamente a mesma quantidade oferecida entre 1995 e 2018. Dos atuais, 11 são de autoria da deputada fluminense Chris Tonietto, do PSL, que dedica seu mandato a cercear o direito das mulheres.

O projeto mais recente de Tonietto quer vetar o serviço de aborto por telemedicina, fundamental para cumprir o direito de mulheres em meio à pandemia. No mais retrógrado, quer proibir o aborto em casos de estupro e até mesmo quando a mulher corre risco de morte. Justifica que “nunca ocorre o caso em que o aborto é necessário para salvar a vida da gestante”. Por ignorância, crueldade ou para ocultar que a pauta é de saúde pública, ela ignora casos de eclampsia, diabetes gestacional, anemia grave e o risco aumentado de hemorragia pós-parto para menores de 15 anos.

Represados pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, projetos desse nível podem contar com a cumplicidade de Arthur Lira, sócio oportuno do bolsonarismo. Seria um reforço de peso ao Executivo, que vem fazendo estragos através da pastora Damares Alves (que tentou até mesmo impedir que uma criança vítima de violência sexual tivesse o acesso ao aborto garantido por lei) e do Ministério da Saúde, que já editou portarias impondo constrangimento às vítimas de estupro.

Em minoria no Congresso, os progressistas não têm ambiente político para armar uma pauta propositiva. Por terem cedido à pressão de líderes religiosos conservadores enquanto estiveram no poder, hoje precisam atuar na contenção de danos. É urgente que se posicionem, porque a linha de ataque do outro lado está formada.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/05/bolsonaro-contra-as-mulheres.shtml


Ricardo Noblat: PSD de Kassab terá candidato a presidente na eleição de 2022

Poucos metros separam os hotéis onde estão hospedados em Brasília o ex-presidente Lula e o ex-prefeito de São Paulo e presidente do Partido Social Democrático (PSD) Gilberto Kassab.

Nos corredores do Senado, enquanto o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta depunha na CPI da Covid-19, espalhou-se a notícia de que Lula e Kassab tomariam café juntos.

Fake news. Até o início da noite, Lula não havia convidado Kassab para uma conversa ao pé do ouvido. Os dois ficarão em Brasília até amanhã. Mas se convidar, Kassab irá.

“Sou uma pessoa educada e não recusaria o convite de um ex-presidente da República”, disse Kassab a este blog. O que não quer dizer que Kassab admite apoiar Lula na eleição do ano que vem.

“O PSD terá candidato a presidente, mas não será do PT”, garante Kassab, e para por aí. Não disse se será um candidato próprio ou de outro partido. Mas não será nem Lula nem Bolsonaro.

Fundado em 2011, o PSD apresentou-se à época como um partido que não seria de direita, nem de esquerda, nem de centro. Dez anos depois, o PSD pode ser de direita, de esquerda ou de centro.

Tudo depende do momento e das alianças possíveis a serem feitas nos Estados e Municípios. Kassab prefere chamar isso de “pragmatismo responsável em favor do país”. Vá lá que seja…

O prefeito do Rio Eduardo Paes já foi do PV, PFL, PTB, PFL de novo, PSDB, PMDB e DEM. Filiou-se, ontem, ao PSD de Kassab, que poderá ser o destino de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Parte do PSD carioca corteja o governador Cláudio Castro, filiado ao Partido Social Cristão (PSC). Mas Castro ficará onde está ou irá para onde o presidente Jair Bolsonaro mandar.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/psd-de-kassab-tera-candidato-a-presidente-na-eleicao-de-2022


Fernando Exman: A CPI entre o eleitor na ponta e o poder central

Disse certa vez um experiente parlamentar a seu herdeiro político: “Brasília é um perigo porque é uma bolha. É um equívoco as pessoas acharem que Brasília é real. Em Brasília, nós estamos sempre de passagem. A pessoa não pode achar que é senador e Brasília é eterna. Ela tem que passar aqui três ou quatro dias e voltar para o mundo real toda semana, porque é de lá que a vida real a alimenta. A bolha acaba te retratando uma realidade que difere do que acontece na ponta”.

Esse ensinamento de pai para filho ocorreu num passado longínquo – bem antes de o novo coronavírus surgir, espalhar-se pelo mundo, provocar uma tragédia humanitária e o Senado instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar responsabilidades pela péssima condução do enfrentamento da pandemia no Brasil. E vale ponderar que a capital federal mudou desde então: o aumento da pobreza é perceptível para aqueles que se propõem a observar o que vem ocorrendo nas ruas, mesmo que através dos vidros fumês dos carros oficiais. O Distrito Federal também enfrenta desafios para vacinar seus habitantes.

Mas, o conselho permanece atual. Explica, em parte, a postura de governadores e de seus aliados no Senado Federal. Está evidente a divisão entre os senadores que foram escalados na CPI para defender o poder central, aqueles que pretendem atacar seus adversários locais e os que de alguma forma dão suporte político, a partir de Brasília, às administrações que atuam na ponta.

Muitos senadores e governadores, estes se convocados, demonstrarão mais preocupação com as mensagens que chegarão à tal “ponta”. É lá que o cidadão vive, morre, passa fome, vê seus familiares e amigos sofrerem. Foi onde faltaram leitos de UTI, oxigênio, equipamentos individuais de proteção. Na ponta, as doses de vacina ainda demoram a chegar.

Segundo o Ministério da Saúde, aliás, o impacto esperado das ações de vacinação só tem início após cerca de 30 dias da distribuição das doses. A estimativa considera o tempo da operação logística e o período necessário para o desenvolvimento da resposta imune da população.

Do ponto de vista político, o que se tem certeza é que o calendário eleitoral de 2022 aguarda a todos e será devidamente observado – com ou sem pandemia. E é por isso que, se convocados, governadores prestarão depoimentos olhando mais para seus Estados. Buscarão os ouvidos dos eleitores.

Para alguns deles, as pautas que determinarão o resultado das eleições do ano que vem são as iniciativas voltadas à atenção à saúde e as medidas de apoio econômico que cada um tiver adotado durante a crise. Muitos Estados lançaram seus próprios pacotes de socorro e auxílios emergenciais, uniram-se a fim de comprar equipamentos e, agora, tentam adquirir vacinas.

“A sociedade espera de quem foi eleito encontrar solução e não ficar buscando culpados ou adversários. Fomos eleitos para buscar soluções”, diz um governador. “O cidadão que está sofrendo em casa espera do seu líder uma mensagem de solução e de esperança. É isso que temos que garantir para a sociedade. Isso não é empurrar com a barriga. Por isso nós fomos buscar a vacina.”

Um outro governador reclama da demora na chegada de novas levas de imunizantes e alerta que a falta de informações atualizadas e detalhadas sobre a população, em razão de dificuldades orçamentárias para a realização do censo, é algo que preocupa. Pode haver dificuldades na execução de políticas públicas na área da saúde, inclusive durante o processo de vacinação.

Fica também claro o roteiro defendido pelos porta-vozes do Executivo. De acordo com eles, deve-se ter alternância entre as testemunhas. A ideia é poder gerar pelo menos alguns constrangimentos a governadores e prefeitos.

Elaborada a partir do Palácio do Planalto, essa estratégia pretende destrinchar as denúncias de eventuais desvios de recursos transferidos para Estados e municípios, possíveis fraudes em licitações, irregularidades em contratos, superfaturamentos e assinaturas de contratos com empresas fictícias. Ou seja, depurar como se deu o uso das verbas pelos entes federados.

Não se trata de pouco dinheiro. Um dos requerimentos apresentados pelos governistas aponta que até o fim do ano passado a Polícia Federal realizou mais de 60 operações. Investiga-se a compra de equipamentos individuais de proteção, como máscaras e aventais, a aquisição de respiradores artificiais e a assinatura de contratos para a construção de hospitais de campanha. Negócios que teriam movimentado cerca de R$ 2 bilhões, segundo o requerimento.

Essas operações policiais ganharam destaque no noticiário e foram incorporadas no discurso do presidente e de ministros. É um tema com apelo entre os eleitores de Bolsonaro, mas que, se aprofundado pela CPI, pode até acabar ajudando na reação dos gestores estaduais. Aliados dos governadores sempre questionaram se a Polícia Federal pode ter sido instrumentalizada para satisfazer interesses políticos do grupo que hoje ocupa o poder central.

“Há de se avaliar quais foram as iniciativas e o porquê dessas iniciativas, para que nós possamos ter a conclusão do que foi feito com transparência e principalmente levando em consideração as circunstâncias do momento”, afirma um governador, ponderando que não se deve falar em superfaturamento quando as condições de mercado estão distorcidas, com o crescimento da demanda mundial e redução da oferta de equipamentos e insumos relacionados à pandemia.

Pelo que se viu até agora em função da correlação de forças dentro do colegiado, dificilmente a CPI deve esmiuçar o que ocorreu nos Estados. O que deve ficar patente, porém, é que no mínimo Bolsonaro abdicou da missão de liderar a nação na luta contra o vírus. Governadores querem que ao menos a comissão produza um registro histórico, responsabilize quem faltou com a população e nomeie aqueles que tentaram buscar soluções.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/a-cpi-entre-o-eleitor-na-ponta-e-o-poder-central.ghtml


Malu Gaspar: Exército trabalha para descolar imagem de Pazuello de militares na CPI da Covid Visualizações: 34

O Exército vem trabalhando nos últimos dias para impedir que o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na CPI da Covid prejudique  a reputação da força. O comandante do Exército, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, conversou sobre o assunto na segunda-feira à noite com o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz.

Nos últimos dias, também fez chegar a Pazuello recados para que o ex-ministro não associasse sua atuação no ministério aos papéis que desempenhou no Exército. Temia-se, inclusive, que Pazuello pudesse comparecer de farda à CPI – o que foi desencorajado nas mensagens enviadas ao ex-ministro.

Pazuello tranquilizou os interlocutores e prometeu ir ao Senado à paisana. Mas o comportamento do ex-ministro nos treinamentos prévios à CPI, no final de semana, deixou os militares preocupados.

Num dos momentos de maior tensão, o ex-ministro se exasperou e começou a dizer que não iria admitir ser abandonado, por que estava cumprindo uma missão como oficial da ativa.

A expressão acendeu um alerta no Exército, preocupado com a forma como Pazuello pudesse descrever sua atuação no ministério. Foi por isso que, além de reforçar a ordem para que Pazuello não ostentasse seu vínculo com a força no depoimento, o comandante Paulo Sérgio decidiu também procurar o senador Omar Aziz.

Na conversa, na segunda-feira à noite, Aziz garantiu que a CPI ouviria Pazuello como ministro e não como general ou militar – a pessoa física e não a pessoa jurídica, como ele mesmo disse na conversa, segundo fontes próximas a Aziz.

O presidente da CPI e o comandante do Exército se conhecem há muitos anos. O senador foi governador do Amazonas quando o general era comandante da 12ª Região Militar, com sede em Manaus. O general Paulo Sérgio passou dez anos na Amazônia em diferentes funções.

Na conversa com Omar Aziz, o comandante também informou em primeira mão ao presidente da CPI que Pazuello talvez não pudesse prestar ao depoimento porque dois coronéis com quem ele tinha estado no final de semana estavam com suspeita de Covid.

Um desses coronéis é Elcio Franco, ex-secretário-executivo de Pazuello, que também acompanhou o treinamento do ex-ministro no Palácio do Planalto, no final de semana. A suspeita de Covid foi depois confirmada, e Pazuello conseguiu adiar o depoimento para o dia 19 de maio.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/comandante-do-exercito-trabalha-para-descolar-imagem-de-pazuello-de-militares-na-cpi-da-covid.html

 


Zeina Latif: Haverá apoio para aventuras?

A eleição presidencial está distante, mas contamina o cenário econômico. Mostra disso é que não cessam as pressões por mais gastos na novela do orçamento, em meio à crescente fragilidade do governo.

Difícil é distinguir o que é fruto da intenção de alavancar Bolsonaro e o que são os interesses paroquiais de parlamentares que reconhecem o risco político de ser aliado do presidente.

Os presidentes que buscam a reeleição costumam ser os favoritos nas corridas eleitorais. Contam com o poder de usar a máquina pública em seu benefício e têm maior potencial de apoio, que se traduz em arrecadação de recursos de campanha e tempo de TV.

Bolsonaro, que ainda procura um partido para chamar de seu, provavelmente não contará com as mesmas vantagens, a depender do cenário de baixa aprovação em 2022. O cacife de um político decorre de sua perspectiva de poder.

Seu ponto de partida é bem menos favorável. A avaliação positiva do governo estava em 30% em meados de março (Datafolha), inferior aos cerca de 42% dos ex-presidentes em período equivalente.

Em termos líquidos, o degrau é maior: -14% (30% menos 44% de ruim/péssimo) ante cerca de +25% dos antecessores. E a aprovação seguiu em queda, segundo a pesquisa Exame-Ideia: 23% para avaliação bom/ótimo no dia 22 de abril ante 27% em 25 de março.

O espaço para melhora adiante parece limitado. O presidente pouco conseguirá capitalizar o avanço da vacinação, pois esta nunca foi sua bandeira, pelo contrário. Além disso, a Coronavac de João Doria e a CPI da Covid poderão atrapalhar suas pretensões.

Na economia, mesmo considerando um cenário otimista de controle da pandemia até 2022 – algo improvável segundo muitos especialistas -, há limites para uma puxada do mercado de trabalho, variável chave para a aprovação de qualquer governo.

Mesmo com a renovação de medidas de socorro, não será possível repetir, nem de longe, a dose de estímulos de 2020, que totalizaram 10% do PIB, incluindo recursos do Tesouro e crédito direcionado. Vale notar que, em sua maioria, são medidas de curto alcance para preservar o consumo de famílias e evitar demissões.

Nada que gere ganhos mais perenes, como no caso de ações para treinar a mão de obra ou financiar a inserção tecnológica de pessoas e empresas. Soma-se a isso a necessária alta de juros pelo Banco Central, cujo efeito máximo sobre a economia se dará em 2022.

É verdade que o relaxamento do isolamento social irá beneficiar os segmentos de serviços que mais contratam, mas muitos indivíduos estarão à margem do mercado de trabalho por falta de qualificação adequada às exigências da tecnologia.

Difícil reverter o quadro observado em 2020, quando o número de ocupados com ensino superior completo cresceu 7,6%, enquanto os demais amargaram com o recuo de 13,2%. Está contratada a piora adicional dos indicadores de desigualdade, um combustível extra para a insatisfação social.

Adicionalmente, a busca de ganhos de produtividade pelas empresas reduz o potencial de contratações no curto-médio prazo. A indústria, por exemplo, retomou os patamares de produção pré-crise, mas pouco contratou.

Fevereiro registrou recuo de 10,8% no número de ocupados na comparação anual. O mesmo ocorreu em outros setores, como apontou Naercio Menezes Filho, no Valor.

A baixa popularidade tende a afastar mais apoiadores e aliados. Não à toa o mercado financeiro especula precocemente como seria o governo Lula.

Os mares também serão revoltos em outras frentes. Com o desgaste de Paulo Guedes, incluindo as polêmicas que pululam nas redes sociais, talvez o presidente busque outro Posto Ipiranga, repetindo o gesto de Dilma na campanha ao descartar Guido Mantega em seu segundo mandato.

Qualquer que seja o desfecho, é improvável que consiga repetir a fórmula de 2018, com um futuro ministro amealhando o apoio de investidores e empresários. Seu descompromisso com reformas afasta bons nomes.

A bronca no exterior com Bolsonaro tampouco ajuda. Constrangimentos e retaliações ao governo poderão crescer. Não haverá sua foto ao lado de líderes de países com interesses no Brasil.

São muitos pratos a equilibrar. Na falta de malabaristas competentes, cresce o risco fiscal, com terrível legado para o próximo governo. Fica a dúvida: quanto o Centrão vai topar a aventura para apoiar um candidato mais fraco do que supunha, em meio ao escrutínio de investidores?

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/economia/havera-apoio-para-aventuras-25003196


Bernardo Mello Franco: Aposta na morte

No primeiro depoimento à CPI, Luiz Henrique Mandetta resumiu a atitude de Jair Bolsonaro na pandemia. Em vez de se guiar pela ciência, o presidente escolheu o caminho do negacionismo. Sabotou as medidas de distanciamento, receitou remédios milagrosos e tapou os ouvidos para as más notícias.

Mandetta evitou o embate direto, mas reforçou a principal suspeita da oposição. No lugar de combater o vírus, o capitão apostou na tese da imunidade de rebanho. Distribuiu cloroquina e mandou a população voltar às ruas antes da chegada da vacina. Foi uma aposta na morte, que ajuda a explicar as mais de 410 mil vidas perdidas até aqui.

O ex-ministro contou que o chefe tinha um “assessoramento paralelo”. Um dos conselheiros era o vereador Carlos Bolsonaro, suspeito de comandar a máquina de fake news do governo. Ontem o Zero Dois tuitou que o depoente deveria sair preso do Congresso. Se a CPI avançar sobre as milícias digitais, a maldição ainda pode se voltar contra ele.

Mandetta economizou nos adjetivos para Bolsonaro, mas soltou a língua ao criticar Paulo Guedes. Definiu o ex-colega como um personagem “desonesto intelectualmente” e “pequeno para estar onde está”. O ataque amplia o desgaste do ministro da Economia, que vem perdendo sustentação política e agora deverá ser convocado à CPI.

A sessão de ontem também serviu para mostrar o despreparo da tropa governista. Na véspera do depoimento, o ministro Fábio Faria enviou a Mandetta, por engano, uma das perguntas que seriam feitas pelo senador Ciro Nogueira. Ao revelar a gafe, o ex-ministro expôs mais uma trapalhada do Planalto.

Não foi a única do dia. O general Eduardo Pazuello virou piada após apresentar uma desculpa mambembe aos senadores. Ele pediu para adiar seu depoimento porque teve contato com pessoas infectadas pela Covid-19. Há poucos dias, foi flagrado sem máscara num shopping. Desprezou a ameaça do vírus, mas está morrendo de medo da CPI.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/aposta-na-morte.html

 


Vera Magalhães: CPI não pode ser placebo

Não foi à toa que senadores até respiraram aliviados com o atestado que Eduardo Pazuello apresentou para fugir da raia e não depor hoje. A CPI da Covid, se ouvisse o ministro da Saúde responsável pelo maior número de mortes que tivemos até aqui sem nenhum preparo, como se viu nesta terça-feira, ajudaria a narrativa do governo de que não há crime, omissão nem sequer erro na condução dos protocolos de saúde.

Para que não seja um placebo de açúcar, esta CPI precisa urgentemente entender que, sem um corpo técnico consistente, não irá a lugar algum.

Na CPI dos Correios, a última de fato robusta que tivemos no Congresso, e lá já se vão 11 longos anos, a “batcaverna”, como chamávamos a assessoria técnica que carregava o piano, era a área mais frequentada por jornalistas que publicavam as informações exclusivas resultantes de quebras de sigilos, cruzamentos de saques no famoso Banco Rural etc.

Numa investigação sobre pandemia, os técnicos necessários para que os senadores não paguem mico com perguntas sem pé nem cabeça não são os mesmos de CPIs anteriores. Mais que auditores da Receita ou delegados da Polícia Federal, é preciso que presidente, vice e relator requisitem infectologistas, sanitaristas e especialistas em saúde pública e no funcionamento do SUS para auxiliá-los.

Há também que fazer uma lição de casa mínima. O Tribunal de Contas da União já produziu cinco relatórios de acompanhamento das ações do Ministério da Saúde ao longo da pandemia. O último, que detalhei no meu blog no GLOBO, tem 96 páginas e se detém sobre questões como a ausência de uma campanha de comunicação eficiente da pandemia, a falta de protocolo necessário para o tratamento da Covid-19, a ausência de testagem, a falta de rastreamento de contatos e de previsão orçamentária para fazer frente a gastos importantes no enfrentamento da emergência sanitária.

Os relatórios dizem respeito às gestões dos três ministros da Saúde anteriores a Marcelo Queiroga. Sugerem punições a eles e a subordinados. Portanto, já constataram falhas, omissões e a desobediência em implementar recomendações.

Esses textos deveriam estar na mesa de cada um dos senadores, anotados com canetas marca-texto por seus auxiliares, transformados em requerimentos de informação para a solicitação de documentos (que, aliás, estão enumerados ali) e para a cobrança de providências concretas. Nada disso foi feito até aqui.

Diante da falta absoluta de compreensão dos meandros administrativos de uma pasta complexa e capilarizada como a Saúde, e das atribuições de cada um dos entes federativos, os senadores só conseguem reproduzir a cantilena tosca segundo a qual ou a culpa é toda de Bolsonaro ou toda dos governadores e prefeitos. Assim não se avançará um milímetro, e até o despreparado e incapaz Pazuello, um general que se pela de medo de se sentar num banco de CPI, tem chance de se sair bem.

Mesmo para a oitiva de executivos da Pfizer será necessário que os integrantes da CPI estudem bem mais. É preciso estabelecer a cronologia e a cadeia de comando que levou o governo Bolsonaro a abrir mão de comprar uma vacina que já era promissora quando lhe foi oferecida, pois isso, sim, foi um ato deliberado que levou a mortes e ao atraso na imunização da população brasileira, ambos fatos mensuráveis.

Esse é o caminho para que a CPI não fique só no gogó e produza um relatório capaz de embasar uma denúncia do Ministério Público Federal e uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). Não por outra razão, os senadores precisam atuar em consonância com o STF, onde há um inquérito em andamento sobre o tema. Uma visita do comando da CPI ao ministro-relator desse inquérito, Ricardo Lewandowski, pode estabelecer um intercâmbio de informações entre as duas instâncias que apuram o assunto.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/cpi-nao-pode-ser-placebo.html


BBC Brasil: Prejuízo de Bolsonaro à imagem do Brasil é, em parte, irreversível, diz Ricupero

Thais Carrança, BBC News Brasil

“O mundo se acostumou, durante décadas, desde o fim do governo militar, a ver que os governos que se sucediam no Brasil podiam ter prioridades distintas, mas todos tinham valores compatíveis. Todos tinham uma fidelidade aos princípios da Constituição, um engajamento em favor do meio ambiente, dos povos indígenas e dos direitos humanos”, explica Ricupero.

“Essa confiabilidade foi perdida, porque, com a experiência Bolsonaro, ainda que ela termine no ano que vem, vai ficar sempre aquela dúvida sobre o futuro do Brasil. Até que ponto o Brasil não vai ter uma recaída nesse tipo de comportamento?”.

Para Ricupero, que comandou a pasta do Meio Ambiente e da Amazônia Legal entre setembro de 1993 e abril de 1994, e esteve à frente do Ministério da Fazenda de março a setembro de 1994, sob o governo Itamar Franco (PMDB), o ultraliberalismo prometido pelo ministro Paulo Guedes nunca chegou a ser colocado em prática.

“Guedes nunca foi capaz de dar um rumo coerente à política econômica. Tanto é assim que, da equipe original dele, restam muito poucos”, diz Ricupero.

“Estamos agora com uma economia que não cresce, e em que a única coisa que cresce são os preços dos alimentos, da gasolina, do diesel, a carestia da vida. Estamos, de novo, com a pior situação econômica que se possa imaginar, que é a combinação de estagnação com inflação”, sentencia o ex-ministro.

Ricupero avalia que a notícia-crime aberta contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no caso da defesa de madeireiros ilegais da Amazônia não deve ser suficiente para derrubá-lo.

“Os madeireiros ilegais, os mineradores ilegais e os grileiros criminosos constituem uma das bases de apoio do governo Bolsonaro. Então, ao proteger esses criminosos, Salles está, na verdade, solidificando essa base”, afirma.

Ricupero ministra nesta terça-feira (04/05), às 19h, a aula inaugural do curso “História da Diplomacia Brasileira”, que será oferecido pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). O curso terá desconto de 50% para mulheres, com o objetivo de incentivar a presença feminina no meio diplomático.

“Agora que nos livramos do [ex-ministro das Relações Exteriores] Ernesto Araújo, temos que recuperar nosso patrimônio, que durante dois anos e pouco foi espezinhado e esquecido por essa fase de pesadelo pela qual passou o Itamaraty”, diz Ricupero, quanto à relevância do curso neste momento.

“Como acontece na pandemia, é só quando nos falta o ar que respiramos, que nós valorizamos a capacidade de respirar. A mesma coisa acontece na diplomacia. Agora, estamos valorizando uma coisa que nós perdemos durante pouco mais de dois anos.”

Confira os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil – O senhor disse no passado que há uma contradição inerente entre uma política econômica ultraliberal e uma política externa antiglobalista. Passados mais de dois anos de governo Bolsonaro, é possível dizer que, nesse embate, o liberalismo foi o derrotado?

Rubens Ricupero – A promessa do liberalismo nunca foi aplicada nesse governo. Como nas demais áreas, é um governo sem rumos. Que tem uma inspiração vagamente liberal, mas com desvios muito frequentes.

Vê-se, por exemplo, que houve muito pouca privatização, apesar das promessas repetidas. As reformas que tinham sido anunciadas não saíram do papel. A situação fiscal, contrariamente aos postulados liberais, tem se agravado cada vez mais.

Não se pode dizer que seja uma política econômica efetivamente liberal. É uma política econômica confusa, com sinais contraditórios, e que foi atropelada pela pandemia. No começo da crise, até respondeu razoavelmente, com o auxílio emergencial. Mas depois se perdeu totalmente.

Estamos hoje com uma condição econômica que é a pior de todas, porque o país não cresce – é uma exceção no mundo, onde todas as economias estão se recuperando com um ritmo bastante vigoroso. E, ao mesmo tempo que não cresce, estamos assistindo ao agravamento da inflação. Quer dizer, voltamos à situação de estagflação que tivemos há alguns anos. É esse o resumo que se pode dar da política econômica do governo.

BBC News Brasil – O senhor tem expectativa de alguma mudança de rumo na política externa com a saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores?

Ricupero – Houve uma mudança que é bem-vinda, que merece até aplauso. Porque o caso do Ernesto é que ele agravava uma situação que já era difícil. Pelos próprios postulados da política que ele adotou. Uma visão distorcida da realidade do mundo, teorias conspiratórias. Mas, além disso, ele agregava um fator pessoal: era um militante dessa seita mais lunática que nós temos, que são os seguidores do Olavo de Carvalho. Isso tudo, felizmente, acabou. Há uma sensação de alívio.

O Itamaraty, hoje em dia, tem uma atmosfera muito mais positiva do que tinha antes. E o próprio estilo dos documentos, dos pronunciamentos, melhorou bastante.

O que não mudou é a substância dessa política. Porque uma política externa não pode nunca ser dissociada da política interna. A política externa tem maior ou menor êxito, se a política interna estiver indo bem. Os grandes momentos da política externa do Brasil no passado coincidiram com momentos em que o país estava muito bem na economia, na política, no social, no cultural.

Atualmente, mesmo que a política externa tenha mudado um pouco no estilo de discurso, a política geral é muito ruim. Nós continuamos com essa crise. Com o presidente atuando como ele sempre atuou. E, sobretudo, há um aspecto que não se pode esquecer nunca: boa parte da imagem péssima que o Brasil tem no exterior vem das questões ambientais e das questões próximas a essa, como o tratamento aos povos indígenas. Ora, isso não mudou em nada.

Nós continuamos com a mesma política, ou falta de política. A devastação da Amazônia cresce, como vimos no mês de março, que foi o pior mês para o desmatamento nos últimos dez anos, apesar de ser ainda a estação das chuvas na Amazônia.

Então, devido a esses sinais que vêm do meio ambiente, da política indigenista, dos direitos humanos, da deterioração da situação social, é muito difícil que a política externa, deixada a si mesma, possa fazer alguma coisa. Pode pelo menos evitar de agravar o quadro, que era o que acontecia com o Ernesto. Mas, mais do que isso, não vejo possibilidade de acontecer.

BBC News Brasil – É possível reverter o efeito da gestão Bolsonaro sobre a imagem do Brasil no exterior? E há como recuperar nosso soft power?

Ricupero – Neste governo, não. Eu não acredito que isso possa acontecer, porque também não creio que o presidente vá mudar de personalidade, de caráter, de opinião, de grupos apoiadores.

Nada disso vai acontecer. Então, até a eleição, não vejo nenhuma possibilidade de que essa situação melhore. Depois das eleições, isso pode suceder, desde que haja a eleição de um governo mais “normal”, digamos, entre aspas. De um governo que volte a colocar o Brasil nos trilhos. E que seja capaz de adotar políticas diferentes, em meio ambiente, em povos indígenas, em direitos humanos, em igualdade de gênero, e assim por diante.

A partir de uma mudança interna, pode-se fazer um esforço para melhorar a nossa imagem externa. Isso é perfeitamente factível. Mas vai demorar muito. Vai ser um trabalho gigantesco e, eu diria que uma parte do prejuízo é irrecuperável, é irreversível. Essa parte que se devia à continuidade e à confiabilidade do Brasil e da sua política externa.

O mundo se acostumou, durante décadas, desde o fim do governo militar, a ver que os governos que se sucediam no Brasil podiam ter prioridades distintas, mas todos tinham valores compatíveis. Todos tinham uma fidelidade aos princípios da Constituição, um engajamento em favor do meio ambiente, dos povos indígenas e dos direitos humanos.

Essa confiabilidade foi perdida, porque, com a experiência Bolsonaro, ainda que ela termine no ano que vem, vai ficar sempre aquela dúvida sobre o futuro do Brasil. Até que ponto o Brasil não vai ter uma recaída nesse tipo de comportamento que nós assistimos nos últimos anos.

BBC News Brasil – O senhor chegou a prever nos anos anteriores que o Brasil poderia sofrer boicotes e represálias em suas exportações agrícolas, pela forma como Bolsonaro tem gerido a questão ambiental. Isso não só não se concretizou, como o Brasil tem exportado mais commodities agrícolas do que nunca, com a ajuda da desvalorização cambial. A necessidade global de alimentos se sobrepõe à agenda verde que as grandes potências dizem agora ser prioridade?

Ricupero – Em parte sim. O que você diz é verdade, sobretudo em relação à China e aos asiáticos. Porque, de fato, o aumento das exportações brasileiras de soja, de milho, de minério de ferro, se deveu sobretudo à China, não a outros países. Para outros destinos as exportações têm caído.

No caso da China, de fato, é um país que olha mais a sua própria demanda. Mas, mesmo aí, existe uma incerteza em relação ao futuro, porque as grandes empresas importadoras chinesas, as tradings, já anunciaram que vão começar a ter uma política de traçar a origem dos produtos que elas importam. Então, à medida que a China possa diversificar suas fontes de suprimento, haverá alternativas aos fornecedores brasileiros.

Mas as represálias que o Brasil já está sofrendo não são apenas medidas comerciais. As medidas comerciais são o último limite. É aquilo que acontece quando realmente a situação chega a um ponto muito, muito grave.

Mas a verdade é que, devido a essas políticas que o governo Bolsonaro tem seguido, o Brasil hoje já se converteu numa espécie de “pária” do mundo. Isso se vê agora na pandemia.

Há poucos dias, o jornal Washington Post publicou um artigo muito interessante comparando a solidariedade do mundo com a Índia na pandemia, com a falta de resposta em relação ao Brasil. O jornal dizia que é chocante de ver.

Os Estados Unidos estão se mobilizando, aprovaram mais de US$ 100 milhões em ajuda e medicamentos para a Índia. Alemanha, França, Inglaterra estão mandando aviões especiais, recheados de produtos de ajuda. Enquanto isso, em relação ao Brasil, não há nenhum movimento comparável, apesar de o número de mortes no Brasil ser maior do que o da Índia.

Por quê? Porque o Brasil se tornou um país rejeitado pelo mundo. Então, é óbvio que, na hora que o Brasil precisa, não existe da parte do mundo exterior, uma reação de solidariedade. E é por isso que eu diria que o castigo pelo que nós fazemos já é evidente. Não é alguma coisa que virá depois. É algo que já está acontecendo.

BBC News Brasil – O que muda para a política externa e ambiental brasileira com a chegada de Joe Biden ao poder nos Estados Unidos?

Ricupero – Muda o discurso. Vê-se isso já na carta que o presidente Bolsonaro enviou alguns dias antes da Cúpula do Clima, no dia 22 de abril.

Na carta, ele disse coisas que são o contrário do que ele vinha dizendo até então. Fala no compromisso em combater o aquecimento global. Reafirma o compromisso do Brasil do Acordo de Paris, de pôr fim ao desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Esse compromisso tinha sido retirado das promessas brasileiras pelo Ricardo Salles, em dezembro de 2020. O que mudou entre dezembro de 2020 e abril de 2021? A posse do Biden.

Então mudou o discurso e a promessa. Mas não mudaram as políticas, as verbas para combater o desmatamento, o desprestígio do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], as atitudes de impedir que os fiscais do Ibama cumpram o seu dever. Então, são promessas retóricas. Superficiais. Como se dizia antigamente, “para inglês ver”. Só que hoje é “para americano ver”.

BBC News Brasil – E que balanço o senhor faz da Cúpula do Clima?

Ricupero – A cúpula foi muito importante, porque mudou a agenda mundial por completo. Nós perdemos quatro anos no combate ao aquecimento global devido ao governo Trump. Então era preciso um gesto dramático para fazer com que a questão voltasse a ocupar o centro da agenda mundial. Isso foi feito pela Cúpula do Clima.

Ela não tinha o objetivo de produzir resultados negociados. Porque esses resultados terão que ser produzidos no final do ano, no mês de novembro, na reunião de Glasgow, na Escócia, quando haverá a COP-26. O passo seguinte ao Acordo de Paris.

Na reunião de Glasgow é que vamos ter que ir além, porque os compromissos de Paris somados não vão permitir atingir a meta que está no preâmbulo do acordo, que é limitar o aumento da temperatura global a apenas 1,5 grau. Atualmente, pelos compromissos de Paris, vamos ter um aumento de 4 graus. Portanto, é preciso ir muito, muito além.

BBC News Brasil – O senhor acredita que o ministro Ricardo Salles deve novamente sobreviver à crise gerada pela notícia-crime aberta contra ele no caso da defesa de madeireiros ilegais?

Ricupero – Aparentemente sim, porque os madeireiros ilegais, os mineradores ilegais e os grileiros criminosos constituem uma das bases de apoio do governo Bolsonaro. Então, ao proteger esses criminosos, ele está, na verdade, solidificando essa base.

Não vi até agora nenhum sinal de que algo mude. E, ainda que mude, só a mudança do ministro não resolve nada. Se for para trocar o Ricardo Salles por um outro general Pazuello [Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde] ou alguma pessoa parecida, não resolveria.

É preciso mudar o ministro para alguém melhor, mas mudar também a política. Ter o compromisso de querer, de fato, acabar com o desmatamento, com a mineração ilegal, com a grilagem. Voltar a prestigiar os fiscais do Ibama e do Instituto Chico Mendes. Voltar a aprovar um plano como o que a [ex-ministra do Meio Ambiente] Marina Silva aplicou e que permitiu baixar a destruição de mais de 12 mil, pra menos de 4 mil quilômetros quadrados. Esse plano existia, mas foi abandonado. Ele tem que voltar.

Então, é isso que precisaria. E não vejo sinais de que vá acontecer, infelizmente. Não há nada além de promessas vagas, imprecisas, sem nenhum compromisso objetivo.

BBC News Brasil – E como o senhor avalia a gestão de Paulo Guedes à frente da Economia?

Ricupero – É um grande desapontamento. Desde a campanha, ele sempre criou expectativas exageradas, até por causa do estilo pessoal que ele tem.

Ele, por exemplo, dizia, antes de tomar posse, que iria zerar o déficit público brasileiro em um ano. E como é que ele pretendia fazer isso? Ele pretendia privatizar e vender os imóveis do governo federal. Em cada caso, segundo ele, produziria mais de R$ 1 trilhão. Ora, tudo isso eram fantasias. Fantasias de quem nunca tinha passado pelo Ministério da Fazenda.

Quem já passou pelo ministério, como eu, sabe a dificuldade que existe para privatizar uma só companhia. Quanto mais todas. Então, tudo isso se desfez ao contato da realidade.

Ele nunca foi capaz de dar um rumo coerente à política econômica. Tanto assim que, da equipe original dele, restam muito poucos. A maioria daqueles que o acompanharam foram gradualmente deixando o governo. E muitos admitiram que faziam isso porque viram que nada daquela intenção original ia ser transformada em algo de concreto.

O balanço melhor não é o balanço que se faz com palavras, é o balanço dos fatos. E o fato é que nós agora estamos com uma economia que não cresce. Em que a única coisa que cresce são os preços dos alimentos, da gasolina, do diesel, a carestia da vida.

Nós estamos, de novo, com a pior situação econômica que se possa imaginar, que é a combinação de estagnação econômica com inflação.

BBC News Brasil – A pandemia deve resultar num retrocesso histórico na desigualdade e nos avanços conquistados por mulheres e pela população negra nas últimas décadas. O que precisará ser feito para se reverter esses retrocessos nos próximos anos?

Ricupero – Será necessário um esforço gigantesco. Porque o retrocesso não é só nessas áreas que você mencionou e que são de fato uma realidade. Há um retrocesso em algo mais surpreendente: na expectativa de vida. É a primeira vez em mais de 100 anos que a expectativa de vida no Brasil vai recuar dois anos praticamente.

A mortalidade tem sido gigantesca e, em alguns casos, a perda é irrecuperável. Por exemplo, nas tribos indígenas, boa parte da cultura tradicional, das tradições, e até do conhecimento da língua, está concentrado nos mais idosos, que são os que estão desaparecendo muito rapidamente.

É claro que uma parte dessas mortes teria sido inevitável, mas uma quantidade gigantesca de pessoas que adoeceram e morreram poderiam ter sido poupadas, se desde o início tivéssemos seguido os caminhos corretos de combate à pandemia.

Se tivesse existido uma coordenação de políticas do governo central, com Estados e municípios. Tivesse se adotado confinamento no momento certo e com o nível de rigor necessário. Se tivesse aumentado o número de testes e, uma vez comprovadas as pessoas infectadas, se tivesse feito o acompanhamento para evitar que essas pessoas infectassem outras. Se tivéssemos adotado no momento certo a decisão de comprar vacinas, quando a Pfizer, por exemplo, nos ofertou 70 milhões de doses.

Se tudo isso tivesse sido feito, o número de mortes seria muito menor. Infelizmente, perdeu-se essas oportunidades. E agora, no futuro, um novo governo terá que redobrar os esforços durante anos, para que possamos recuperar o nível em que estávamos e que perdemos. Eu não sei quantos anos vai demorar. Mas, seguramente, não serão poucos.

BBC News Brasil – Muitos economistas liberais têm defendido a necessidade de o liberalismo contemplar a questão social e ter a desigualdade como foco, para que a agenda liberal possa ganhar maior adesão na sociedade. Alguns, como Armínio Fraga, têm inclusive defendido políticas como uma renda básica para pelo menos metade da população brasileira. Como o senhor vê esse redesenho do liberalismo nacional?

Ricupero – É bem-vindo. Mostra que o liberalismo, se bem entendido, não é de forma nenhuma excludente de uma consciência social aguda.

E acho que esses economistas têm razão de que é necessário sintetizar os inúmeros programas que nós temos. Porque, para poder ter um programa como o Armínio aconselha, de renda básica, é preciso examinar bem os diferentes programas sociais que o Brasil tem – e são muitos – e avaliar quais os mais exitosos, que atingem mais a população alvo, como é o caso do Bolsa Família.

Outros programas que não são tão eficazes devem ser descontinuados, para poder concentrar os recursos e ter um programa que seja de fato coerente e bem desenhado. Que procure cobrir toda a população carente, de maneira satisfatória, mas acabando com os desperdícios, acabando com os paralelismos de vários programas que às vezes desperdiçam recurso.

Portanto, precisa de muita racionalidade. Não se vê hoje no governo capacidade de fazer isso.

E não é difícil. Olhando para o Biden, nos Estados Unidos, por exemplo, temos um bom modelo. Os americanos estão focando muito claramente nas crianças pobres, porque um dos aspectos mais graves dos problemas sociais, que tende a perpetuar a miséria, é a miséria da infância.

Então, há muitos modelos que poderiam ser adotados no Brasil. Mas é preciso convocar pessoas capazes de desenhar esses programas, para concentrar os recursos naquilo que realmente vai ter frutos imediatos.

Que é mirar nas crianças pobres, nas famílias com crianças, nas famílias que passam fome. Em todos aqueles que constituem essa gigantesca parte da população carente, que não têm um emprego regular e que sobrevivem, sabe lá Deus como, através de bicos, da economia informal, sem carteira assinada, sem direitos, sem garantia de aposentadoria, sem nada.

É isso que nós temos que fazer. Uma racionalização da política social.

BBC News Brasil – Por fim, o senhor participou no ano passado de um movimento de ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central pressionando por uma retomada verde da economia no pós-pandemia. Vimos movimentos semelhantes de ex-ministros da Saúde, do Meio Ambiente e da Educação de governos diversos, unidos contra as políticas da atual gestão. O senhor acredita que esses movimentos serão suficientes para criar um projeto alternativo ao bolsonarismo em 2022?

Ricupero – Suficientes, creio que não. Mas são necessários. São passos em direção a esse objetivo.

Isso começou, na verdade, com os ex-ministros de Meio Ambiente. O nosso grupo foi criado ainda na época da discussão do Código Florestal, no governo Dilma Rousseff [PT]. Os outros movimentos se inspiraram no nosso, inclusive esse a que eu também pertenço, de ex-ministros da Fazenda.

O que isso indica? Indica que a totalidade das pessoas que passaram pelo setor público no Brasil reprova a linha atual.

E reprova por quê? Porque esse governo é o primeiro que rompe com toda a continuidade que nós tínhamos, desde que começou a Nova República, com o final da ditadura militar, em 1985.

Desde então, todos os governos que se sucederam – uns com mais êxito, outros com menos – tinham a mesma visão, o mesmo projeto de Brasil, que é o da Constituição. Não precisa outro. A Constituição tem o projeto de Brasil que nós queremos. É preciso dar cumprimento a ela.

Esse governo se divorciou desta linha de continuidade. E inaugurou uma linha que é contrária ao espírito e, às vezes, à própria letra da Constituição.

Então nós temos que restabelecer aquele rumo claro constitucional, através de eleições que produzam um governo capaz de dar ao Brasil uma visão coerente, articulada, racional do seu futuro. E que consiga promover uma melhoria da vida das pessoas, para que elas se engajem nesse projeto. Mas isso vai depender das eleições. Enquanto elas não chegarem, nós infelizmente vamos ter que continuar a multiplicar essas tomadas de posição.

Fonte: