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Eliane Cantanhêde: Tratoraço, ou orçamento secreto, serve para o quê? Comprar votos, como o mensalão

Já compararam o “tratoraço” do governo Jair Bolsonaro aos “anões do Orçamento”, aos “atos secretos” do Senado e ao “mensalão” da era Luiz Inácio Lula da Silva, mas todos eles foram punidos, com maior ou menor rigor, e o que se espera é que não se jogue a poeira para debaixo do tapete e também o tratoraço seja ao menos investigado. Passar em branco é que não dá. A planilha e as evidências obtidas pelo Estadão não deixam alternativa.

No caso do tratoraço, o resumo da ópera é o mesmo dos escândalos anteriores: jeitinhos, emendas disfarçadas, orçamentos sigilosos que são engendrados no submundo político com um objetivo muito claro: comprar votos. Em geral, com participação direta, no mínimo aval do Palácio do Planalto. Por isso, não é surpresa o surgimento do nome do então articulador político do governo, atual chefe da Casa Civil, na operação.

O que realmente surpreende é que ele, Luiz Eduardo Ramos, é um general de quatro estrelas que há pouco passou para a reserva. Como, aliás, o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que não perde uma aglomeração política, seja para a campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro, seja para a campanha de bolsonaristas contra o Supremo e o regime civil.

Como nos velhos casos, tudo é estranho no tratoraço, a começar do valor secreto – R$3 bilhões –, e das explicações dos agraciados ouvidos pelo Estadão. Segurança nacional? Segurança pessoal e familiar? É reação de quem foi pego com a mão na botija e não tem o que dizer. O que só confirma que algo não estava dentro dos conformes, daí porque precisava ser secreto, escondido de quem paga impostos.

Suas Excelências íntimas do Planalto ou úteis ao governo, têm direito a emendas parlamentares tradicionais, como todos, e mais as secretas, como poucos. A partir dessa “curiosidade”, começam a surgir outras. Exemplo: emendas são para as bases eleitorais, mas os privilegiados podem destiná-las para outros Estados a muitos quilômetros de distância. Quem conhece o jogo desconfia: ou é para favorecer empresas amigas ou efeito bumerangue sem dar na vista: vai para a cidade tal e volta para o autor da emenda extra na forma de um porcentual camarada.

E por que o governador do DF, Ibaneis Rocha, está numa planilha de senadores e destinou verbas para o Piauí, onde tem fazendas de gado? Foi depois disso que ele mudou sua relação com Bolsonaro? Até relaxou subitamente as restrições para conter a pandemia, do jeito que o presidente gosta.

Os “anões do Orçamento” eram uma quadrilha no Congresso para desviar dinheiro público via empreiteiras ou entidades fantasmas e geraram a primeira CPI para investigar os próprios parlamentares, nos anos 1990. Dez políticos foram cassados ou renunciaram para fugir da cassação. Entre eles, o baiano João Alves, que alegou ter ficado milionário ganhando na loteria: 56 vezes num ano.

Os “atos secretos” do Senado, no fim dos anos 2000, eram um festival de cargos e privilégios concedidos às escondidas pela mesa diretora para parentes e apadrinhados de 37 senadores e 25 ex-parlamentares. Após uma sindicância, 663 atos foram cancelados. José Sarney, que presidia a Casa, balançou, mas não caiu.

Já o “mensalão” consistia em pagamentos à base aliada do então presidente Lula, e o Supremo foi implacável, apesar de recheado de ministros indicados pelo PT. Foram 25 condenações, incluindo presidentes e tesoureiros do PT. Os bolsonaristas que hoje atacam o STF esqueceram disso?

A PGR e o TCU estão estudando o tratoraço, mas o pedido de nova CPI não andou. Por que será? Nós, os “idiotas” que defendemos a vida, distanciamento social, máscaras e vacinas, temos o direito de saber.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tratoraco-ou-orcamento-secreto-serve-para-o-que-comprar-votos-como-o-mensalao,70003718278


Andrea Jubé: No tabuleiro da baiana tem o centro

A Bahia pode servir de laboratório ao cenário eleitoral mais cobiçado pelo bloco de centro, em que o presidente Jair Bolsonaro seria eliminado no primeiro turno. Na rodada final, o representante da terceira via, que rompesse a polarização, enfrentaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e derrotaria o petista, contando com a alta rejeição ao candidato.

Nos bastidores, nove em dez caciques do centro consideram esse cenário, cantado em entrevistas ao Valor pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, e pelo presidenciável do PDT, Ciro Gomes.

A Bahia tem o quarto maior eleitorado do país. A sucessão estadual é estratégica para o DEM do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, para o PT de Lula e para o desempenho de Bolsonaro no Nordeste.

O Estado projeta esse cenário idílico para o centro porque, a um ano e meio da disputa presidencial, a pré-campanha baiana tem o DEM largando na frente, o PT fortemente competitivo e Bolsonaro sem palanque.

Com o DEM perdendo seus principais quadros para outras legendas em Estados-chaves, como São Paulo e Rio de Janeiro, recuperar a hegemonia do carlismo na Bahia tornou-se questão de honra para ACM Neto.

Nas últimas semanas, o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, aposta de Neto no Estado mais rico do país, filiou-se ao PSDB pelas mãos de João Doria, e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, migrou para o PSD. Diante do revés, Neto convocou a imprensa baiana para divulgar os próximos passos da pré-campanha, e avisou que não teme Lula, que é considerado imbatível no Estado.

Neto largou na frente, está percorrendo o interior do Estado desde o começo do ano, e aparece nas primeiras pesquisas sobre a sucessão local até 20 pontos à frente do senador Jaques Wagner, que o PT recém lançou como pré-candidato.

Aliados de Neto apostam que após 16 anos de gestão petista, o partido amargará a chamada “fadiga de material”, e o eleitor cobrará mudança.

“Não é um candidato a presidente da República que vai definir a eleição na Bahia. Os baianos já passaram dessa fase”, disse Neto à imprensa local.

Como o PT deve ceder a cabeça de chapa aos aliados nos maiores colégios eleitorais – Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo -, manter o poder na Bahia é fundamental.

Wagner governou o Estado duas vezes, de 2007 a 2014, elegeu o sucessor, Rui Costa, reeleito com folga em 2018, e é lembrado como o político que derrotou o carlismo em 2006 com Lula no palanque.

O PT sonha em reeditar a chapa vencedora em 2010, com o senador Otto Alencar (PSD) como candidato a vice de Wagner.

Os números do PT na Bahia impressionam. Em 2018, Fernando Haddad, obteve 72,6% dos votos. Bolsonaro venceu em apenas quatro dos 417 municípios baianos.

Em contrapartida, Neto elegeu o sucessor no primeiro turno: o prefeito de Salvador, Bruno Reis, venceu com 64,2% dos votos, e foi, proporcionalmente, o mais votado no país.

Na polarização baiana PT x DEM, Bolsonaro esboça um palanque ao governo para o ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos), como o “pai” do novo Bolsa Família turbinado, que o governo pretende lançar em agosto.

Novato na política, deputado federal de primeiro mandato, seria uma jogada de risco. Roma é afilhado político de ACM Neto, e não se sabe se, mesmo rompidos, aceitaria enfrentar o ex-aliado.

Não se descarta nos bastidores do governo, entretanto, um cenário de aliança com ACM Neto oferecendo o palanque para Bolsonaro, e João Roma na chapa concorrendo ao Senado.

Nenhum dos postulantes, entretanto, pode desprezar aliança com PSD ou PP, que têm o maior número de prefeitos, cabos eleitorais por excelência nas disputas estaduais.

O maior cacife eleitoral é o do senador Otto Alencar: o PSD elegeu 108 prefeitos na Bahia, à frente do PP, que fez 92 gestores. DEM vem muito atrás, com 37 prefeitos, e o PT, na lanterna, com 32.

Otto Alencar diz que é cedo para definir seu futuro porque uma candidatura precoce “está fadada ao desacerto”. A cúpula do PSD o prefere como candidato ao Senado na chapa do PT, porque Gilberto Kassab tem projeto de fazer a maior bancada para tirar do DEM a presidência da Casa em 2023.

Confronto à vista

Pivô da demissão do chanceler Ernesto Araújo, a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (PP-TO), volta a confrontar o diplomata hoje na CPI da Covid quase dois meses após o episódio.

Ela representará a bancada feminina no rodízio acertado entre as senadoras, e acordado com o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que assegurou às senadoras o direito de inquirir os depoentes.

A concessão revoltou senadores. Roberto Rocha (PSDB-MA) reclamou que se haveria cota feminina, pleitearia a extensão da prerrogativa por ser “portador de comorbidade”.

A China foi pano de fundo do atrito com Araújo, e continua na ordem do dia. Kátia disse à coluna que a inquirição ao ex-chanceler acabou em segundo plano, porque sua prioridade nesse momento é articular a visita oficial a Pequim para comprar a vacina da Sinopharm, e viabilizar a produção do imunizante nas fábricas brasileiras de vacinas contra a aftosa. “A minha ideia é o Brasil se tornar um grande ‘hub’ de produção de vacinas”, defendeu.

No fim de março, Araújo publicou nas redes sociais que Kátia teria lhe pedido um “gesto” em relação ao 5G pela China. Horas depois, ela reagiu com nota em que chamou o diplomata de “marginal”, por viver “à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições”.

O ataque de Araújo à senadora foi considerado uma ofensa ao Senado, e no dia seguinte, ele foi afastado por pressão do Centrão. O Planalto está preocupado com o depoimento de Araújo, porque ele deu sinais de ressentimento ao publicar nas redes que o governo transformou-se em uma “administração tecnocrática sem alma nem ideal“.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/no-tabuleiro-da-baiana-tem-o-centro.ghtml

 


Hélio Schwartsman: A Câmara deve ter cota de gênero?

Devemos adotar uma cota de gênero para a Câmara dos Deputados? Eu adoraria ver um Congresso Nacional mais feminino —assim como gostaria de vê-lo mais negro e mais homossexual— mas não creio que a reserva de assentos seja o melhor caminho.

Se nosso sistema eleitoral fosse baseado em listas fechadas, não veria muito problema em aprovar uma regra que exigisse que os partidos alternassem homens e mulheres em seu rol de candidatos, o que levaria a um Parlamento com maior equilíbrio de gênero.

O Brasil, porém, adota as listas abertas, sistema no qual cabe ao eleitor definir a ordem das candidaturas de cada legenda. Fica complicado interferir nisso sem passar por cima de elementos básicos da democracia, como o de que a quantidade de votos importa. Para a cota funcionar, mulheres seriam eleitas mesmo tendo menos sufrágios do que seus colegas de partido.

A lista aberta não é o único mecanismo difícil de conciliar com a reserva de vagas. No sistema distrital o desafio seria ainda maior, já que ali a disputa pelo assento parlamentar é travada como um pleito majoritário. E seria estranhíssimo definir de antemão que a população precisa eleger necessariamente uma mulher. Eu diria até que fazê-lo seria antidemocrático.

Acredito que haja uma certa confusão em torno do conceito de democracia representativa. Para muitos, ela só se materializa quando as instituições refletem a demografia do país como um espelho. Idealmente, se o Brasil tem 54% de negros, então a Câmara precisaria ser 54% negra.

Prefiro pensar o “representativo” como a licença para que o eleitor escolha livremente quem irá representá-lo. E, quando vai às urnas, em geral o cidadão não vai com o objetivo de eleger alguém que seja parecido consigo, mas sim um candidato que, a seu ver, defenderá seus interesses e os do país. Como ele faz essa escolha é um dos grandes enigmas da ciência política e da psicologia.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/a-camara-deve-ter-cota-de-genero.shtml


Vera Magalhães: Tudo errado para Bolsonaro, tudo certo para Lula, e o centro tá como? Pondo fogo no parquinho

Na última quarta-feira entrevistei o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Às vésperas de completar 90 anos, ele não demonstra muita fé na possibilidade de seu partido, o PSDB, ou mesmo de outras forças de centro se contraporem à disputa entre Jair Bolsonaro e Lula em 2022. E, sem tergiversar, declara voto no petista em caso de segundo turno com o presidente (em 2018, diz ter anulado o voto na disputa entre Bolsonaro e Fernando Haddad).

entrevista foi publicada no GLOBO desta sexta, e a declaração de voto em Lula foi o que mais repercutiu. FH só lembrou do PSDB quando foi questionado, e tratou logo de ir dizendo que, no seu entender, o candidato alternativo a Lula e Bolsonaro não precisa ser tucano.

A sinceridade reflete o momento avacalhado pelo qual passa o PSDB. Aliás, não é um momento: a fase avacalhada vem, pelo menos, desde 2017, quando foi revelado o diálogo de Aécio Neves, então o principal líder tucano, com Joesley Batista. Desde então tem sido ladeira abaixo, com os partidos que sempre foram satélites do PSDB mais ou menos a reboque.

Tucanos, democratas e adjacências colheram alguns bons resultados estaduais em 18 e municipais em 20, mas até aqui não conseguem vocalizar um projeto alternativo para o país que, como diz FC, dialogue com o povo, tenha um “sentido da História”, entenda o que está em jogo no Brasil depois da nuvem de gafanhotos do bolsonarismo.

Pelo contrário: as lideranças do PSDB, do DEM e de outros partidos hoje apenas médios parecem ter resolvido praticar autofagia.

João Doria Jr. tenta colocar em pé seu projeto presidencial, com enormes dificuldades partidárias e eleitorais. O lance mais recente dessa estratégia se deu nesta sexta-feira, com a filiação do vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, ao PSDB.

Por quê? Porque Doria não confia que terá o DEM em seu palanque, e precisa honrar o compromisso de fazer de Garcia o candidato à sua sucessão. O risco é que ele tampouco tem a garantia de que conseguirá ser candidato a presidente pelo PSDB, abrindo espaço para Garcia disputar o Palácio dos Bandeirantes.

Aécio Neves é hoje o verdadeiro dono do PSDB. É combinado com o deputado que age o presidente da sigla, Bruno Araújo, que Doria um dia achou que seria seu aliado. Aécio prefere que o PSDB não lance candidato à Presidência. Quer se tornar um Gilberto Kassab tucano, fazendo do PSDB um partido de deputados, e, portanto, de lauto fundo partidário. Mais: não quer que o partido gaste com candidato a presidente o fundo que tem hoje, para que sobre mais para os candidatos ao Legislativo.

Coisa de partido provinciano, não de uma sigla que já levou a Presidência duas vezes em primeiro turno. Coisa de político que se contentou em ser eminência parda depois de queimar o filme da própria trajetória política.

Doria não conseguiu convencer as demais seções tucanas da viabilidade de sua candidatura. Prova disso é o surgimento de nomes como o do governador Eduardo Leite e o do senador Tasso Jereissati para prévias que hoje são apenas conversa mole para boi dormir e para enrolar o próprio Doria.

No plano paulista, a chegada de Garcia pode levar à saída da legenda de Geraldo Alckmin, que mesmo depois da derrota acachapante em 2018 quer voltar ao jogo político, disputando de novo o governo paulista. Se não conseguir que haja prévias, ele pode migrar para outro partido — na lista de opções estão o PSD de seu ex-inimigo Gilberto Kassab e o Podemos.

E o DEM? Depois de uma campanha brilhante em 2020, ACM Neto achou por bem agir como um coronel e empenhar o futuro do partido no altar do bolsonarismo, traindo Rodrigo Maia e o empurrando porta afora do partido. Agora, vendo que a debandada será maior e que não só Bolsonaro derrete nas pesquisas como a volta de Lula leva vatapá para o acarajé do PT na sua Bahia, se desespera e fica bravinho com a saída de Rodrigo Garcia. Foi ele quem plantou essa lambança.

É vexaminoso ver uma geleia geral de siglas que não têm nada de relevante para dizer a uma população vitimada pelo vírus, pela fome, pela economia em frangalhos, pelo esgarçamento dos valores e das instituições, pela barbárie na segurança pública, pelas ameaças autoritárias diárias do presidente, pela falta de perspectiva.

Lideranças políticas que passam os dias com brigas patéticas em que se xingam de baixinho ou de gordo ou de feio, bobo e chato enquanto deixam se consolidar a polarização entre Bolsonaro e Lula.

De nada adianta lançar mão de clichês sem substância como a procura do “Biden brasileiro” quando o que se tem são nomes que não conseguem sequer reunir uma tropa mínima e dizer a que vieram, quanto mais operar uma estratégia como a do Partido Democrata para unir suas alas e vencer o trumpismo.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/tudo-errado-para-bolsonaro-tudo-certo-para-lula-e-o-centro-ta-como-pondo-fogo-no-parquinho.html

 


Marcus Pestana: O labirinto da reforma tributária

No confuso quadro gerado pelo turbilhão da pandemia é preciso ficar com um olho na saúde pública e outro na economia. Só é possível redistribuir renda se houver geração de riqueza. O Brasil, que já ocupou a sexta posição no ranking dos PIBs dos diversos países, caiu recentemente para o décimo segundo lugar.

Há muito nos debatemos com a armadilha do baixo crescimento. Do pós-guerra até 1980, o Brasil foi o país que teve o mais acelerado desenvolvimento. Já de 2011 a 2020, assistimos a mais uma década perdida. O PIB per capita médio por ano caiu 0,6% no período, desempenho inferior a 156 países no mundo. O pior desempenho em 120 anos. Enquanto isto, a China teve crescimento de 6,3%, a Índia, 3,6%, a Colômbia, 1,2%, os EUA, 1,0%, Rússia, Peru e Chile, 0,8%, Alemanha e Japão, 0,5%. Alguma coisa deu muito errado. E não é repetindo os erros que chegaremos ao acerto. E preciso mudar o rumo.

Muitos fatores contribuem para nos roubar o horizonte de geração de riqueza: Custo Brasil elevado; ambiente de negócios hostil; falta de soluções para uma educação de qualidade e para induzir inovação e avanços tecnológicos; baixa produtividade; instabilidade legal e regulatória; juros altos; quebra de contratos e regras do jogo, alto fechamento da economia brasileira.

A questão fiscal aparece também como um dos gargalos. Pelo lado da despesa, temos um orçamento federal engessado com 82% dos gastos concentrados em transferências a pessoas (aposentadorias, salários, auxílios sociais, seguro desemprego). Resta muito pouco para investir em infraestrutura, ciência e tecnologia, saúde, educação, segurança. Por outro lado, temos renúncias fiscais, carga tributária e endividamento altos para um país em desenvolvimento. Também estados e municípios têm baixo nível de investimento. Isto, evidentemente, inibe o crescimento, a geração de empregos e renda.

Do lado das receitas, temos um sistema tributário injusto, ineficiente, burocrático, pesado, confuso e quase ininteligível. Segundo relatório do Banco Mundial, um dos dez piores do mundo. É urgente a reforma tributária.

Não é tarefa fácil. Uma reforma profunda é complexa e mexe com muitos interesses. O assunto está em discussão no Congresso Nacional. A Comissão Mista Especial produziu um bom relatório, que poderá servir de ponto de partida para as discussões e a deliberação.

Agora se colocou a polêmica reforma fatiada ou reforma ampla. O Ministro Paulo Guedes tem defendido a apreciação fragmentada, iniciando pelo projeto que unifica apenas o PIS e a COFINS.  É claramente insuficiente e produzirá efeitos limitados. O Brasil chegou aqui no campo tributário exatamente pelas múltiplas intervenções parciais e isoladas.

Necessitamos de uma reforma ampla que simplifique a tributação; inverta a atual regressividade, onde os pobres pagam proporcionalmente mais que os ricos; inicie a migração da tributação do consumo para a renda e o patrimônio; desonere os investimentos e a criação de empregos; elimine progressivamente o excesso de incentivos e renúncias; ponha fim à irracional guerra fiscal; diminua o Custo Brasil.

Esperamos que, apesar de toda a instabilidade política atual e da pandemia, o Congresso Nacional abrace de corpo e alma o desafio de produzir a reforma tributária tão necessária para a retomada do desenvolvimento brasileiro.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)

Fonte:

O Tempo

https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739?aId=1.2485296

 


João Gabriel de Lima: O rio turvo dos crimes de lesa-democracia

Existem pelo menos duas coisas em comum entre a propina paga por empresas de ônibus no caso Celso Daniel, o acerto de R$ 2 milhões entre Joesley Batista e Aécio Neves e as verbas que Jair Bolsonaro usou para comprar parlamentares do Centrão, no caso revelado em furo de reportagem do Estadão.

A primeira é que nos três episódios – que diferem no tipo de enquadramento em categorias jurídicas – representantes escolhidos pelo povo agiram às escondidas. A democracia, por definição, é o império da transparência. Ela se alimenta da confiança entre eleitores e eleitos. Sem isso, se deteriora. Um político que age por baixo do pano comete um crime de lesa-democracia.

Para repassar verbas aos parlamentares dispostos a vender apoio, o governo federal usou a “emenda do relator”. Trata-se de uma figura jurídica que havia sido abolida em 1993, por estar na raiz do escândalo dos “anões do Orçamento”, e que foi recriada no ano passado. Em entrevista ao Estadão, o economista Gil Castello Branco, especialista em contas públicas, explicou por que tal dispositivo é nocivo à democracia. Ele possibilita, segundo Castello Branco, que emendas parlamentares sejam colocadas numa espécie de caixa-preta, dificultando seu acompanhamento e rastreamento.

Democracia não é só cumprir regimentos. Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, ela vai muito além. Implica, como se disse acima, transparência obsessiva. É preciso também que as verbas governamentais sejam destinadas a obras que cumpram função pública. Janine foi ministro da Educação, é professor de Ética e autor do livro A Boa Política, lançado pela Companhia das Letras. Ele fala sobre democracia no minipodcast da semana.

A segunda coisa em comum entre os malfeitos petista, tucano e bolsonarista é que, mesmo agindo no escurinho da má política, seus protagonistas deixaram rastros – e foram apanhados.

Parte da propina paga à prefeitura de Santo André foi depositada no extinto Banespa, num caso curioso de corrupção com extrato bancário. Joesley gravou sua conversa com Aécio, e entregou depois o áudio às autoridades. Já os “anões” do “bolsolão”, nome com o qual o episódio se popularizou nas redes sociais, solicitaram o dinheiro por ofício.

Nos textos, pouco se fala sobre a natureza das obras, sua função pública ou justificativas técnicas. Em vez disso, leem-se expressões que revelam a combinação por baixo do pano: “minha cota”, “fui contemplado”, “recursos a mim destinados”.

A série de reportagens, de autoria de Breno Pires, mostrou que alguns parlamentares se negaram a apresentar os ofícios solicitados pela Lei da Transparência. Houve quem alegasse “razões de segurança de Estado”. Como se pretendessem defender o Brasil de uma suposta invasão externa usando um exército Brancaleone de tratores superfaturados.

As reportagens mostraram também que um dos maiores beneficiários das verbas destinadas via Codevasf, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, foi o Amapá do senador Davi Alcolumbre. O Amapá é famoso pelo rio Oiapoque, um dos marcos do norte geográfico brasileiro. O rio São Francisco, no entanto, não passa por lá.

Exaltado por Cartola e Carlos Cachaça num samba-enredo antológico, o São Francisco cumpre funções essenciais de transporte e fornecimento de energia. Já o rio dos crimes de lesa-democracia, como um esgoto, é sempre subterrâneo. A missão do jornalismo é trazer luz às suas águas turvas.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-rio-turvo-dos-crimes-de-lesa-democracia,70003715728

 


Ricardo Noblat: Lewandowski ajuda a montar a arapuca para pegar Pazuello na CPI

Está cada vez mais difícil para o gabinete do ódio comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro criar narrativas a favor de qualquer coisa que beneficie seu pai, o governo dele e aliados.

É o caso, por exemplo, do pedido de habeas corpus da Advocacia Geral da União para que o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, permanecesse calado ao depor na CPI da Covid-19.

O depoimento está marcado para a próxima quarta-feira. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, atendeu ao pedido de habeas corpus, mas só parcialmente.

Pazuello ganhou o direito de não responder perguntas que possam incriminá-lo, mas será obrigado a dizer a verdade em questões sobre fatos e condutas de outras pessoas.

André Mendonça, chefe da Advocacia-Geral da União, achou que não lhe cabia entrar com o pedido no Supremo. Pazuello então contratou um advogado particular para fazê-lo.

A parada foi decidida pelo presidente Jair Bolsonaro que mandou Mendonça seguir em frente com medo de que Pazuello se sentisse abandonado e à vontade para contar o que deveria esconder.

Como, sem dizer a verdade, Carlos e seus comparsas do gabinete do ódio poderão convencer os devotos do seu pai de que ele fez o melhor ao patrocinar a causa de um general em fuga?

Em 2014, durante a CPI da Petrobras na Câmara, Onyx Lorenzoni, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência e à época deputado, escreveu em uma rede social:

– Toda vez que bandido veio à CPI quis ficar calado.

No ano seguinte, durante outra sessão da CPI, Onyx criticou o silêncio do ex-diretor internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, envolvido no escândalo do Petrolão. Disse:

– Nunca vi gente decente, com a verdade do seu lado, se valer desse direito [ao silêncio]. Sempre que se usa esse direito, na verdade, é porque tem algo a esconder.

Meses depois, voltou a usar uma rede social para criticar Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, que estava preso quando prestou depoimento à CPI:

– Questionei Duque sobre o fato de ele preferir se calar. Todos os bandidos que usaram o direito ao silêncio na CPI já foram ou estão presos.

Em 2016, o deputado Eduardo Bolsonaro, também criticou um depoente que ficou calado durante a CPI da Funai e Incra:

– Eu sei que tem o habeas corpus preventivo para não poder falar. Perde esta excelente oportunidade. É uma pessoa covarde, que não tem um pingo de vergonha na cara.

A depender do que disser, Pazuello acabará abandonado pelo governo ao qual serviu com tanto desvelo e obediência.

Covas travou com bravura e perdeu a última batalha de sua vida

Prefeito de São Paulo eleito em outubro último, Bruno Covas deixa exemplo de coragem e de transparência no tratamento de sua doença

O fim da vida para o prefeito de São Paulo Bruno Covas (PSDB), 41 anos, poderia ter sido de menos sofrimento e maior satisfação para ele, família e amigos se não tivesse sido candidato à reeleição.

Seu estado de saúde, à época, inspirava cuidados e ele sabia disso. Os médicos jamais o enganaram a respeito. A medicina é cada vez mais capaz de antecipar o que virá, e mais ou menos quando.

Foi ele que decidiu mesmo assim arriscar-se em uma eleição que costuma cobrar muito dos candidatos mais competitivos e com maiores chances de vencer. Política é uma droga viciante.

De resto, quem teria coragem de tentar convencê-lo do contrário sob a alegação de que poderia ter pouca vida pela frente? Era o que os diagnósticos médicos indicavam com razoável clareza.

Covas foi em frente, viu, venceu e agora… Seguia internado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, até o início desta manhã. Seu quadro clínico era considerado irreversível.

Travou e perdeu uma dura e sangrenta batalha contra um tumor na cárdia, região de transição entre o esôfago e o estômago, detectado em 2019. O câncer espalhou-se por todo o seu corpo.

A doença e a disposição de desafiá-la com bravura e total transparência fez Covas crescer aos olhos dos paulistanos, e isso foi decisivo para que derrotasse Guilherme Boulos (PSOL).

Seu vice, Ricardo Nunes (MDB), é pau mandado de Milton Leite (DEM), presidente da Câmara Municipal pela sexta vez, um político controverso que aprecia extrair vantagens em tudo.

Nunes tem 53 anos, é advogado e empresário. Foi vereador em São Paulo por duas vezes. Durante a campanha de Covas, acusações de violência doméstica o atingiram em cheio.

Antes disso, Nunes ganhara notoriedade na mídia por ser ativamente contra a inclusão de temas de sexualidade e gênero no Plano de Educação da capital paulista.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/lewandowski-ajuda-a-montar-a-arapuca-para-pegar-pazuello-na-cpi


Fernando Gabeira: Anatomia da política de negação

Pode ser que a CPI da pandemia descubra fatos novos, que revolucionem nossa visão do problema. Caso isso não aconteça, e é provável que não aconteça, já é possível, pelo menos, escrever o argumento desse filme, abstraindo os lances e peripécias de um roteiro.

Na base de tudo está a negação da pandemia por Bolsonaro. Esse conceito de negação foi lançado por Freud em 1923. E numa carta de 1937, escrita para um colega, ele cita o rei Boabdil, que ao receber a notícia de que a capital de seu reino, Alhambra, estava sitiada mandou queimar a carta e decapitar o mensageiro.

Bolsonaro não poderia aceitar a pandemia com os problemas econômicos que trazia e, sobretudo, a ameaça de sua reeleição. De certa forma, ele queimou a carta enviada pelos cientistas e decapitou os ministros que insistiam no tema.

Sua tese era de que a economia precisava seguir seu curso. Para fundamentá-la era preciso buscar algo aparentemente científico. A tese da imunização de rebanho foi a tábua de salvação. Todos se contaminariam de um modo ou de outro, pensava Bolsonaro, então que se contaminassem logo para voltarmos à normalidade.

Ele abstraiu o número de mortes implícito nessa escolha. Na verdade, era preciso trazer também a esperança de cura, uma espécie de bala de prata contra a covid-19: a hidroxicloroquina. O remédio era uma resposta simples para um problema complexo. Todos se contaminam, todos se salvam pela hidroxicloroquina

Essa negação, que teve o momento máximo quando classificou a covid como apenas uma “gripezinha”, precisava ir adiante na negação. Se a covid-19 não tinha importância, por que gastar fortunas com vacinas? Numa de suas declarações mais claras sobre o tema, Bolsonaro disse preferir gastar dinheiro com remédio a comprar vacinas.

Mais tarde voltou ao tema, criticando a “vacina chinesa de Doria”, a Coronavac, e terminando por lançar suspeitas também sobre as vacinas que usam a técnica de mensageiro RNA, no caso da Pfizer: se quiser virar jacaré, ou ver mulher de barba ou homem falando fino, tome a vacina.

Ao longo desse tempo, o número de mortos aumentava e Bolsonaro mantinha sua frieza: não sou coveiro. Era algo previsível em sua tática.

Daí o desencontro entre seu comportamento e o que esperava a imprensa. Por que evitar aglomerações, se todos vão mesmo se contaminar? Por que usar essas opressivas máscaras? Se vamos chegar a uma situação de normalidade, é melhor todos se contaminarem rapidamente.

Olhando em torno, no universo particular de seu Palácio do Planalto, a teoria da contaminação de rebanho ia muito bem: 460 funcionários se contaminaram até abril.

A história pode ser contada assim, até mesmo no embate entre Bolsonaro e governadores. Ele quer a volta de todos ao trabalho e está disposto a fazer tudo para conquistar “essa liberdade”.

São duas concepções em jogo. Uma quer que as pessoas se vacinem, não se aglomerem, usem máscaras e lavem as mãos. A de Bolsonaro é a volta ao trabalho, o fluxo pleno da economia.

Quando for concluído o relatório da CPI, é possível fazer como se fez nos Estados Unidos: convidar um grupo de sanitaristas para examinar uma por uma essas decisões, ou mesmo hesitações. Aqui, como lá, também seria possível os especialistas calcularem o número de mortes que poderiam ter sido evitadas com as escolhas corretas.

Portanto, um minucioso trabalho de coleta de dados da CPI e um relatório que articule esses dados ainda serão insuficientes. Será necessário quantificar as suas consequências.

Nesse momento, Bolsonaro pelo menos terá uma defesa. Não têm razão aqueles que o acusam por todas as mortes pela covid-19 no Brasil. Ele teria de responder apenas por uma parte delas.

Quando a CPI encerrar seu trabalho, o número total de mortos no Brasil, segundo uma previsão da Universidade de Washington, será de 600 mil pessoas. Quantas podem ser atribuídas a uma escolha política de rasgar a carta e decapitar o mensageiro?

Ainda faltam detalhes à história. Até que ponto a vacinação no Brasil seguirá em ritmo lento? Até que ponto os atrasos na remessa de IFAs não são uma represália chinesa às declarações de Bolsonaro?

A Coronavac está no braço de 80% dos vacinados no Brasil. Bem ou mal, dependemos dela para uma vacinação em massa, até o momento. Da Índia dificilmente virá alguma coisa, pois a crise lá é profunda e o próprio Instituto Serum está sob forte pressão. A Pfizer fechou um negócio de 1,5 bilhão de doses com a Europa. Vai estar sobrecarregada.

Nesse contexto, provocar um rompimento com a China é apenas o lance final da estratégia de imunização de rebanho, que, na verdade, poderia ser chamada de extermínio de rebanho.

Isso coloca a CPI diante de outra tarefa, mais imediata do que compilar os dados e determinar responsabilidades. É preciso um núcleo de emergência, a busca de algumas medidas que possam salvar vidas enquanto o trabalho transcorre. E isso se vai dar no campo das vacinas, vencida, como parece ter sido, a batalha da hidroxicloroquina.

JORNALISTA

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,anatomia-da-politica-de-negacao,70003714359


Alon Feuerwerker: Brasil, Indonésia

O Instituto Butantan completou a entrega das 46 milhões de doses da CoronaVac ao Ministério da Saúde (leia), correspondentes ao primeiro contrato.

O desafio agora é produzir e distribuir as 56 milhões de doses relativas ao segundo contrato, para completar as 100 milhões de doses previstas para essa vacina.

Aparentemente há atraso no embarque de insumos da China para o Brasil, e o governo de São Paulo diz que o problema é político.

Já na Indonésia, um levantamento feito com profissionais de saúde imunizados com as duas doses de CoronaVac indicou que a vacina, igual à do Butantan, apresenta-se 98% eficaz para evitar mortes pela Covid-19. E 96% na prevenção de hospitalização.

Esses números têm variado bastante de estudo para estudo no caso da CoronaVac, como tb em outras vacinas. De todo modo, o índice indonésio agora divulgado é uma ótima notícia.

E está em linha com estudo publicado há um mês na Lancet (leia).

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

Fonte:

Análise Política

http://www.alon.jor.br/2021/05/brasil-indonesia.html


Nota da FAP manifesta apoio à senadora Eliziane Gama na CPI da Covid-19

Parlamentar é conhecida por sua participação atuante na comissão e de enfrentamento a direito de fala das mulheres

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Após assumir o protagonismo nas principais discussões da CPI da Covid-19 e defender o direito de fala para se expressar como mulher na comissão, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) recebeu, nesta terça-feira (11/5), manifestação de apoio em nota púbica do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao partido. Ela diz que “o governo pode ter grande parcela de culpa” com relação às mais de 420 mil mortes na pandemia no país.

Formalmente, a parlamentar não integra a CPI, mas esteve presente em debates quentes no início dos trabalhos da comissão. Nesta terça, na sexta reunião da comissão, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)Antônio Barra Torres, confirmou à CPI que houve uma reunião no Palácio do Planalto, em 2020, para discutir a mudança na bula da cloroquina.

Eliziane é cada vez mais conhecida pela sua postura crítica relacionada ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e defesa intransigente da democracia. Na avaliação da senadora, os depoimentos colhidos pela CPI até o momento mostram que Bolsonaro colocou “as questões ideológicas e políticas acima das científicas e técnicas” no enfrentamento à pandemia, o que, segunda ela, é o mais grave. “Isso significa vidas perdidas”, disse a parlamentar.

A nota da FAP lembra que, no dia 5 de maio, durante uma reunião da CPI, “algumas senadoras fizeram história”. “Eliziane Gama enfrentou a velha e reacionária oligarquia dos partidos políticos. lutou por um princípio básico na democracia: o direito da fala, o direito de se expressar como mulher e senadora. Não deixou se intimidar, não deixou se sobrepor por gritos e discursos agressivos”, diz o texto.

Reação contra machismo

Naquele dia, Eliziane rebateu o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que interrompeu a fala dela para criticar a participação da bancada feminina na comissão, apesar de nenhuma parlamentar ter sido indicada pelos seus partidos. “Só não entendo o porquê de tanto medo das vozes femininas”, disse ela.

Eliziane também ganhou ainda mais destaque depois de reagir à declaração do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) classificada por ela como “machista”. O filho do presidente disse que “as mulheres já foram mais respeitadas e mais indignadas. Estão fora da CPI, não fazem questão de estar nela e se conformam em acompanhar o trabalho a distância”.

Logo em seguida, a parlamentar reagiu. “Além de participar das demais ações, vamos participar também dessa CPI. Quero dizer que eu, Eliziane Gama, e essas senadoras não vamos admitir ironia machista em relação às mulheres. Estamos aqui, vamos participar ativamente e teremos nosso protagonismo”, afirmou a senadora.

De acordo com a nota, a postura da senadora “é motivo de orgulho para as mulheres e homens da Nação”. “Enquanto houver lideranças como Eliziane poderemos sonhar e lutar pela democracia”, destaca um trecho.

A seguir, confira a manifestação de representantes da FAP, na íntegra.

Na manhã de 5 de maio, durante a CPI sobre a Covid 19, no Senado da República, algumas Senadoras fizeram história.

A Senadora Eliziane Gama, do Partido Cidadania, do Estado do Maranhão, enfrentou a velha e reacionária oligarquia dos partidos políticos.

Eliziane Gama lutou por um princípio básico na democracia: o direito da fala, o direito de se expressar como mulher e Senadora.

Não deixou se intimidar, não deixou se sobrepor por gritos e discursos agressivos.

A postura assumida hoje por uma mulher brasileira como a Senadora Eliziane Gama é motivo de orgulho para as mulheres e homens da Nação.

Enquanto houver lideranças como Eliziane poderemos sonhar e lutar pela democracia.

O Conselho de Curadores da FAP presta uma homenagem e júbilo à atuação corajosa da Senadora Eliziane Gama, por sua liderança e digna atitude na defesa da democracia.

CAETANO ERNESTO PEREIRA DE ARAÚJO
Diretor Geral
Fundação Astrojildo Pereira

LUCIANO SANTOS REZENDE
Presidente do Conselho Curador
Fundação Astrojildo Pereira

Fonte:


Murillo de Aragão: Modo crise como estratégia

No Brasil, vemos um fenômeno curioso em curso: a segunda onda personalista da Nova República. A primeira foi com Lula. Agora, é a vez de Bolsonaro. Fora os dois, nenhum outro presidente, desde a redemocratização, conseguiu criar um culto personalístico com potencial de se transformar em movimento político. Quais são os limites do fenômeno?

Lula foi longe ao gerar o lulismo, que, mais do que um conjunto de valores, é uma forma de fazer política. Por isso depende muito mais de seu próprio criador para sobreviver do que de suas ideias. Vide o fracasso de Lula com Dilma Rousseff, que nem seguiu sua metodologia nem sua visão de mundo. O lulismo provavelmente morrerá com Lula, assim como o varguismo morreu com Getúlio Vargas.

Bolsonaro, desde que se posicionou como candidato, estimula a criação do bolsonarismo como um movimento que se ampara em narrativas que misturam elementos do tenentismo, do conservadorismo e do reformismo institucional com elevadas doses de ambiguidade. A estratégia é clara e pouco se fala sobre ela. Vamos tentar reduzir as incertezas e estabelecer alguns limites.

O bolsonarismo é reformista? Sim, na medida em que questiona o Legislativo e, em especial, o Judiciário, buscando reduzir a influência desses poderes no jogo político. Tal busca pode ser “disruptiva”, no sentido de ter capacidade de romper o equilíbrio institucional? Não. Ainda que, se pudessem, certos setores do bolsonarismo fechavam o Supremo Tribunal Federal ou aprovavam o impeachment de alguns ministros da Corte.

“As escolhas fazem sentido na medida em que existe descrédito nas instituições políticas”

O bolsonarismo guarda semelhança com outros movimentos? Sim. De Gaulle se tornou um exemplo clássico quando utilizou a crise na Argélia para derrubar, com apoio político e a anuência da cidadania, a Quarta República e reformar suas instituições. Mussolini, ao acenar com a possibilidade de milhões de camisas pretas invadirem Roma em 1922, também dobrou o sistema. Tanto De Gaulle quanto Mussolini tiveram, além de amplo apoio popular, a aprovação das Forças Armadas.

O bolsonarismo teria o assentimento das Forças Armadas e da população para promover uma ruptura institucional? Previsões em política são temerárias, mas a pergunta não pode ficar sem resposta. Não, não teria esse apoio. Nem o propósito central do bolsonarismo seria o de derrubar a República ou mesmo refundá-la.

A estratégia posta é manter uma situação de tensão institucional que sirva a múltiplos propósitos. Um deles é o de preservar a sua base de apoio popular em regime de pré-campanha eleitoral. O outro é o de tentar conter a crescente perda de poder do Executivo para os demais poderes, Legislativo e Judiciário.

As escolhas fazem sentido na medida em que existe descrédito nas instituições políticas por parte expressiva da população. Ao manter o “modo crise” reforça-se a narrativa de que tudo está errado e de que o presidente se encontra aprisionado pelo institucionalismo que não atenderia aos interesses do seu eleitorado. A aposta deu certo em 2018, quando Jair Bolsonaro era candidato. A dúvida é se funcionará com ele no poder e como parte da moldura institucional existente.

Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737

Fonte:

Veja
https://veja.abril.com.br/blog/murillo-de-aragao/modo-crise-como-estrategia/


Juan Arias: Fracasso da CPI da Pandemia seria o triunfo de Bolsonaro para a reeleição

O presidente Jair Bolsonaro parece hoje mais nervoso e agressivo do que nunca. Voltou a ameaçar com um golpe e até pôs a ABIN em ação para investigar governadores e prefeitos. Alguns senadores, certamente afeiçoados a ele, já começaram a vazar que a CPI da Pandemia não vai dar em nada, como tantas vezes aconteceu. Se isso for verdade, será um triunfo para Bolsonaro e uma vergonha para o Brasil e o mundo. Seria seu passaporte para a reeleição no próximo ano.

E ele e suas tropas de choque entenderam que desta vez não se trata de uma CPI qualquer que investiga algum caso de corrupção política. É muito mais. Desta vez se trata de investigar e julgar um presidente que transformou o país em um cemitério com sua política de negar a epidemia, zombar da vacina e fazer pouco caso das recomendações da ciência e da medicina que teriam evitado milhares de mortes.

Nunca, de fato, uma catástrofe natural deixou pelo caminho tantos órfãos e tantas famílias desfeitas para sempre. Não. Desta vez não se trata de mais uma CPI daquelas que costumam acabar em pizza, mas de indagar com seriedade sobre os milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas sem a política negacionista do presidente.

E não se trata de vítimas de uma guerra. É muito pior. É uma matança produzida não só por um vírus invisível, mas pela cegueira de um presidente que insistiu em negar a gravidade da epidemia em favor de seus interesses pessoais. Não sei se os brasileiros estão cientes de que a epidemia não é fruto de uma fatalidade do destino, mas também da frieza e do gosto pela morte perpetrados pelo chefe do Estado e que acabaram manchando a imagem do Brasil no exterior.

Por tudo isso, se desta vez os políticos que têm nas mãos milhares de provas do desprezo do chefe de Estado pelas vítimas da pandemia não deixam de lado seus habituais compromissos partidários e a sua minúscula política que costuma dominá-los, passarão à posteridade como cúmplices de um massacre.

Tudo tem um limite, até mesmo na política, quando se trata de salvar a vida das pessoas. Zombar da morte nesta ocasião é tornar-se cúmplice de um genocídio e rir da dor de uma nação inteira.

Salvar o presidente investigado como responsável por um massacre representaria o maior descrédito político da história moderna do país, pois, por mais desacreditada que a política esteja, que tenda a olhar mais para o seu umbigo do que para o bem-estar das pessoas e a defesa da vida, há momentos históricos que exigem receitas amargas e coragem para castigar a iniquidade.

A CPI já começou mal depois da vergonhosa ausência das senadoras na comissão, já que as mulheres vêm sendo não só as maiores vítimas, mas as que sobreviverem arcarão com o maior fardo da tragédia.

Se os políticos do Senado, a quem não faltarão provas da conduta assassina daqueles que deveriam zelar pela vida das pessoas, terminarem dando vitória ao responsável por tantas mortes e permitirem que seja reeleito, eles vão acabar com seus nomes gravados em pedra para vergonha das gerações futuras.

Será que os senadores não veem que o presidente não sentiu em um só momento, não teve um impulso do coração de ir visitar um hospital onde morrem pessoas asfixiadas por falta de oxigênio, nem sequer é capaz de aceitar a responsabilidade de se mostrar solidário com a população que lhe deu o voto para que zelasse por seu destino e não para que a transformasse em um rebanho que o segue cegamente em seus instintos de morte?

Se os senadores da CPI não tomarem consciência de sua responsabilidade pelo presidente que já é aceita pela maioria da nação, terão humilhado e traído um país inteiro.

As sombras desses milhares de mortos e daqueles que ainda se poderia evitar, afastando do poder quem desafia os que continuam apostando na vida, vão acabar perturbando para sempre os sonhos dos senadores da CPI.

O Brasil não precisa de um presidente que dê armas às pessoas e destrua seu rico patrimônio ambiental, mas, sim, que tenha como prioridade a defesa da vida. Precisa de um presidente sensível à dor dos mais expostos ao perigo e que seja capaz de vencer a guerra do ódio e da mentira, hoje tão perigosos quanto um novo vírus letal.

O Brasil necessita urgentemente de um presidente que saiba abrir novos horizontes de esperança para um povo que já carrega sobre os ombros tanta morte e tanta pobreza e injustiça por causa da degradação dos políticos que trabalham mais em proveito próprio e de suas famílias do que para criar possibilidades de uma vida melhor. E isso para um povo ao qual sobram riquezas para que todos pudessem desfrutar uma vida digna. Necessita de um líder que impeça que ainda existam milhões de famílias que passam fome enquanto são testemunhas do desperdício dos políticos que tantas vezes parecem cegos e mudos diante do martírio a que um país está sendo submetido.

Os políticos, deixando o presidente livre, se encontrariam mais do que nunca em um terrível dilema que poderia levar a uma tragédia ainda maior do que a que o país já está vivendo. A CPI do Senado, que acaba de começar a investigar os possíveis crimes perpetrados durante a guerra contra a pandemia, nem sequer precisaria de meses de trabalho, pois desta vez há um consenso nacional de que o presidente é realmente o responsável pela tragédia e deu motivos mais do que suficientes para que seja exonerado de seu cargo. As provas estão à luz do sol e todos as conhecem.

Se a CPI acabar, como alguns senadores já prognosticam, salvando um presidente que aos olhos do mundo se tornou indigno e perigoso para dirigir o país, estaríamos diante de uma das pantomimas mais trágicas, e o mundo da política e da justiça acabará ainda mais humilhado e desacreditado do que já está.

O Brasil que hoje sofre, por ora, em silêncio, uma tragédia que em boa parte teria sido possível evitar, amanhã poderá se rebelar contra políticos incapazes de estar à altura de seu destino.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

Fonte:

El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-05-07/fracasso-da-cpi-da-pandemia-seria-o-triunfo-de-bolsonaro-e-seu-passaporte-para-a-reeleicao.html