covid-19
Ruy Castro: A arte de fazer perguntas
Nas últimas semanas, recorri à minha já quase secular trajetória pela imprensa para cometer dois artigos (“Perguntas à queima-roupa”, 7/5, e “Pequeno manual para a CPI”, 12/5), em que tentei passar a possíveis interessados —os senadores da CPI da Covid, por exemplo— algumas dicas sobre como fazer perguntas. Afinal, é delas que vivem os jornalistas, e alguns tiveram a sorte de trabalhar em veículos em que a entrevista era uma grande atração.
Um deles, a antiga Playboy, cujas entrevistas passavam tal seriedade que mesmo os mais alérgicos a elas, como Frank Sinatra e Miles Davis, aceitaram concedê-las. A própria edição brasileira, em sua melhor fase, nos anos 80 e 90, entrevistou empresários, candidatos à Presidência e até suas maiores inimigas: as feministas. E por que eram tão boas as entrevistas de Playboy? Porque seus repórteres tinham cláusulas pétreas a seguir na elaboração da pauta e na sua aplicação. Eis algumas.
Preparar-se para a entrevista como se fosse a última que o sujeito daria em vida. Ler sobre ele para aprender tudo que se sabia a seu respeito, para perguntar justamente sobre o que não se sabia. Fazer uma pauta com centenas de perguntas, com perguntas alternativas entre uma e outra, como repique à pergunta anterior.
Nunca fazer duas perguntas ao mesmo tempo —faz-se a primeira e mantém-se a seguinte engatilhada. Ficar atento à resposta para possíveis buracos e ir a eles em seguida. Nunca cortar ou se intrometer numa resposta —afinal, o camarada está ali para falar. Em caso de súbito branco numa resposta, nunca tentar “ajudar” o entrevistado —ele que se obrigue a preenchê-lo e, ao fazer isso, dirá o que não queria.
E, se o entrevistado mentir, nunca chamá-lo de mentiroso na lata, claro, mas fazer com que ele perceba logo que você não se deixou tapear. Afinal, os repórteres, ao contrário da CPI, não têm poder de prisão.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2021/05/a-arte-de-fazer-perguntas.shtml
Fernando Exman: Primeiro tinha a farda e depois veio o fardo
Sempre instigante observar quando aqueles que chegam ao poder maldizendo o “sistema” – e depois dele tentam se servir com o objetivo de permanecerem no topo da cadeia alimentar – são colocados frente a frente com as estruturas tradicionais da política. O desfecho costuma ser o mesmo: a liturgia lhes é imposta, por bem ou por mal, e as instituições se sobressaem. A CPI da Covid já apresenta cenas desse filme, ao qual o eleitor assiste desde 2018.
Apenas parte do roteiro é conhecido, como os trechos em que o presidente Jair Bolsonaro ganha a eleição com um discurso lastreado no sentimento de aversão à política de grande parte da população e depois precisa reestruturar seu posicionamento. Abandonou uma bandeira, mas manteve o barco governista flutuando.
Parlamentares e governadores também enfrentaram a dura realidade vivida fora das redes sociais. Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro, durou pouco tempo no cargo. Foi expelido temporariamente da vida pública pelas instituições que tanto desdenhou. Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés foi mais habilidoso e sobreviveu ao impeachment.
Entre os parlamentares, o caso mais atual é o do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), enquadrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por protagonizar ataques à Corte. Preso em flagrante, ele agora responde a processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética e precisará contar com o corporativismo de uma Casa que não quer ver outros de seus integrantes irem para a cadeia.
A “avant-première” na CPI foi o depoimento de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social da Presidência da República.
Seu cartão de visitas de empresário que deixou a iniciativa privada para promover o bem não colou. Wajngarten achou que poderia dobrar parlamentares experientes, alvos prioritários dos ataques bolsonaristas à chamada política tradicional, e acabou tendo seu comportamento considerado inadequado. Por pouco não recebeu voz de prisão e visitou as dependências da Polícia Legislativa. Sua atuação nas negociações para a aquisição da vacina será investigada.
Já o ex-chanceler Ernesto Araújo levou uma descompostura. Faltou diplomacia em sua fala inicial à CPI, quando afirmou que em governos passados “praticamente todos os atores econômicos dependiam de conexões políticas” e recursos da nação eram alocados seguindo uma lógica político-partidária “que gerou estagnação, atraso e imensas oportunidades para a corrupção”.
Entrou em cena Otto Alencar (PSD-BA), que recordou recente declaração do ex-ministro segundo a qual, se não fosse “combatida a essência do sistema”, reformas e privatizações seriam “gato pardo” – referência à obra do escritor italiano Tomasi di Lampedusa.
“Tem uma frase famosa no romance que diz que é preciso que tudo mude para que tudo continue como está”, explicou Araújo. Mas a legenda veio logo com o senador baiano, que relembrou o mantra de governistas de que a articulação política era uma prática inadequada e só a pressão popular pode mudar o Brasil.
Araújo não deve ser o último da fila. O assessor para Assuntos Internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins, será testado. Sua última presença no Senado foi marcada por acusações de que teria feito gestos racistas ou ofensivos aos parlamentares, o que ele nega. Há requerimentos para convocá-lo.
É distinta, contudo, a situação de Eduardo Pazuello. O ex-ministro da Saúde é general da ativa. Três estrelas.
O que o diferencia dos ex-colegas de governo é que em sua história sempre fez parte do atual ordenamento institucional. Não é à toa que nos últimos dias circularam diversas versões especulando se ele adentrará à sala da comissão fardado ou vestido como o civil que, a despeito da contestação de seus pares, aceitou uma delicada missão do presidente.
Ex-companheiros de governo já estão tentando responsabilizá-lo pela catastrófica gestão da crise sanitária, mas o general não será abandonado pelos colegas de caserna. Entre os militares, a expectativa é que Pazuello seja tratado com respeito. Isso consta, inclusive, do despacho em que o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, concedeu-lhe o habeas corpus.
Mais do que sua experiência em logística, argumenta-se entre oficiais, Pazuello foi nomeado por ter a confiança do núcleo mais próximo a Bolsonaro – inclusive por ser paraquedista, grupo com forte espírito de corpo.
Ao aceitar o convite para assumir a Saúde, estaria, portanto, embarcando numa missão pessoal incapaz de lhe garantir frutos na carreira. Até porque, por ser da Intendência, não poderia receber a quarta estrela. Esta patente é inalcançável para médicos, engenheiros militares e oficiais do Serviço de Intendência.
Comentou-se que a esperança do general era ser recompensado com uma mudança das regras que disciplinam as promoções. No entanto, mesmo que Bolsonaro rompesse a tradição, nada garantiria que Pazuello estivesse entre os escolhidos. As promoções são definidas por voto nas reuniões do Alto Comando.
Isso não quer dizer que o Exército o auxiliará em sua defesa. A Força não o indicou para o cargo, não se envolveu nas discussões internas do Ministério da Saúde nem teve acesso a documentos e contratos assinados. Cabe a Pazuello responder por isso com auxílio da Advocacia-Geral da União (AGU). Ainda assim, um eventual abuso por parte dos senadores será pessimamente recebido nos quartéis. Não há intenção de deixá-lo ferido pelo caminho.
Pazuello pode reduzir o desconforto de seus companheiros de armas evitando se comportar como se num quartel estivesse. Os senadores tampouco estão dispostos a encarar um depoente desaforado. Neste caso, será instigante ver a interação entre general e integrantes da CPI, sobretudo quando ele for perguntado sobre a que se referia quando disse, em sua despedida, que não atendeu a demandas de lideranças políticas e havia pedidos de “pixulé” no fim do ano passado.
Fonte:
Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/primeiro-tinha-a-farda-e-depois-veio-o-fardo.ghtml
Rosângela Bittar: O mal já está feito
As consequências vêm sempre depois, costumava avisar o prudente e discreto Marco Maciel para conter ousadias de efeito imprevisível. Hoje, quando se iniciar a sessão plenária da CPI da Covid, a máxima, óbvia, será contrariada. As consequências já aconteceram. São conhecidos, em extensão e profundidade, os desastres produzidos pelo depoente, ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. Os riscos que representava já se materializaram.
O papel de executor de ordens exercido pelo general foi constatado em registro público. O mandante tem notória identidade. Os resultados da performance do executor e do mandante são expostos em números indiscutíveis: 436 mil mortos, 15 milhões de infectados, uma exposição iminente do País à terceira onda da pandemia. A que se deve acrescentar o falho plano de vacinação, em vigor, e as projeções pouco críveis para o futuro. Além da reincidência agressiva do presidente da República, que insiste no negacionismo irracional.
A consequência menos letal, porém politicamente delicada, também já emergiu: o desgaste à imagem do Exército.
Da mesma maneira que o presidente Jair Bolsonaro se esconde por trás das atuações pirotécnicas dos filhos, dos seguidores fanáticos e dos ministros, Pazuello sempre manteve o Exército como um biombo, recusando-se a passar à reserva exatamente para não perder tal vantagem.
Não faz sentido a questão, explorada entre membros da CPI, sobre o tratamento a ser dispensado a Pazuello. Deve ser chamado de general ou ministro? Melhor evitar provocações adicionais.
Só o fato de ter sido levantada a discussão já demonstra que Pazuello é, de fato, um tremendo general da ativa, e sua fuga das responsabilidades atinge, sim, o Exército. Ou, visto por outro ângulo, Pazuello está resguardado, de um lado, pelo mandante, de outro, pela patente. Superprotegido.
Agora, que deu tudo errado, deixou de ser general?
Mesmo com mandado judicial a determinar seu comportamento e suas informações, Pazuello não vai passar pela CPI da Covid, porém, com uma simples espanada nos ombros da farda.
O Supremo Tribunal Federal concedeu-lhe habeas corpus para não responder a perguntas que possam incriminá-lo. Uma cobertura de rara ironia, pois, ao mesmo tempo que pressupõe a prática de crime, o STF reconhece que Pazuello tem e deve ao Congresso informações sobre terceiros.
Não há mais dúvidas sobre o perfil do inacreditável terceiro ministro da Saúde deste governo. Pazuello está carimbado como inconsequente e incompetente. E medroso, pois tentou escapar da CPI. Justamente quando se delineia o uso e abuso do seu habeas corpus como forma de todos os implicados escaparem da investigação. Alegarão, como começou a fazer ontem o ex-chanceler Ernesto Araújo, que tudo se fez para atender ao Ministério da Saúde. Como o ex-ministro Pazuello tem autorização para ficar calado, está resolvido o problema do governo.
Por sua importância na estratégia das defesas, Pazuello continua totalmente assistido e amparado. A decisão de órgão técnico da Saúde contra o receituário do doutor Bolsonaro para o tratamento da covid, por exemplo, só anteontem foi tomada. Pazuello pode justificar-se, dizendo que, no seu tempo, não havia orientação oficial ainda. Outras virão.
Há quem desqualifique os generais que restaram no governo como distraídos, simplórios. Mas ficaram porque refletem a imagem e semelhança do presidente. Bolsonaro não costuma realçar qualidades como critério de escolha. Trabalha com uma só exigência: subserviência, quesito em que Pazuello recebeu grau dez.
O Exército está tentando manter distância, mas não está fácil. Bolsonaro o envolveu não só através do general da ativa no cargo mais polêmico do seu governo, mas também da participação direta dos seus laboratórios na frenética produção da cloroquina. Um dos principais malfeitos sob investigação no inquérito parlamentar.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-mal-ja-esta-feito,70003719351
Andreza Matais: ‘Um manda, outro obedece’ de Pazuello coloca Bolsonaro no banco da CPI da Covid
Se adotar a estratégia do silêncio ou das meias-palavras na CPI da Covid, o general Eduardo Pazuello passará a bola, inevitavelmente, para o presidente Jair Bolsonaro. O gesto do ex-ministro da Saúde de não colaborar com a comissão e não falar pode ser interpretado, sob certo ângulo, também como postura de alguém que rejeita defender o presidente. Nesse caso, o oficial da ativa se comportará em benefício de sua própria sobrevivência e não em prol de um governo.
É uma mensagem que o próprio general e toda a equipe de estrategistas do Planalto não conseguem controlar. Toda vez que deixar uma pergunta sem resposta e selecionar o que pretende rebater, Pazuello demonstrará que não tem nada a falar, pois, como deixou claro, algumas vezes apenas cumpriu ordens. Logo, quem tem de prestar contas aos senadores e ao País é seu ex-chefe no governo e atual chefe militar, o presidente da República.
O governo atuou oficialmente para garantir o silêncio de Pazuello. A pedido da Advocacia-Geral da União, o Supremo concedeu habeas corpus para o general não responder a perguntas que possam levantar provas contra ele. Em suma, Pazuello não sairá preso do Senado.
Se optar mesmo por não falar, o general forçará a lembrança de uma frase decisiva que disse em outubro. Numa “live” ao lado de Bolsonaro, ele foi direto ao ponto: “É simples assim: um manda e o outro obedece”. Era uma reação à atitude do presidente de desautorizá-lo ao mandar cancelar a compra de doses da Coronavac. A frase, que entrou para o anedotário, é o que pode agora salvar o general. Ele tem um álibi: o presidente.
A estratégia do silêncio pode trazer consequências históricas também para a caserna. Por ser um general da ativa, Pazuello pregará nas Forças Armadas a imagem de uma instituição que não tinha resposta, no calor da hora, à denúncia grave de ter colaborado para uma política desastrosa de governo no combate à doença. Até a noite de ontem, o vírus tinha matado 439.379 brasileiros.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
Alon Feuerwerker: O chanceler
O depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo à Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 foi, como se esperava, um exercício permanente dos senadores oposicionistas para aproximar-se do alvo definido desde o início: o presidente da República. Até o momento, nenhum dos assessores do chefe do governo cedeu.
A administração governamental do tema vacinas aqui no Brasil está se mostrando uma peneira. Alguém terá de responder por isso ao final. Essa é a disputa.
É óbvio que as ações do governo brasileiro na pandemia obedeceram a um comando central, mas para CPIs não basta dizer “eu acho”. Tem de achar a digital. Claro que a aritmética pode tudo. Se houver seis dos onze senadores dispostos a chancelar uma tese ela estará no relatório final. Mas sem a “bala de prata” ficará mais fácil ao governo atrair pelo menos dois dos seis na hora h.
Para inverter a hoje maioria.
Aliás, é preciso tomar um certo cuidado com diagnósticos a partir da combatividade demonstrada pelos senadores. É possível que em alguns casos essa combatividade com os peixes pequenos venha a servir de atenuante para a hora em que se tiver de tomar posição sobre os grandes.
Amanhã é esperado o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Ele deverá ser inquirido sobre os dois pontos nodais da CPI até agora: vacinas e cloroquina. Como tem a prerrogativa de não responder questões cuja resposta possa incriminá-lo, será pressionado mas terá como neutralizar.
A expectativa maior é sobre o que Pazuello dirá a respeito de Jair Bolsonaro. Se essa couraça não for furada no depoimento do general, restará à CPI o caminho sempre mais trabalhoso de vasculhar documentos.
E nesse meio tempo o governismo prosseguirá lutando para arrastar os governadores ao cadafalso.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte:
Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/05/o-chanceler.html
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Não foi nada boa para o general Eduardo Pazuello a sequência de depoimentos que antecedeu sua participação na CPI da Covid.
Quando ele deu o primeiro sinal de que estava tremendo na base, pedindo para adiar sua inquirição, escrevi por aqui que a esperteza poderia engolir o esperto: quando finalmente se sentasse diante dos senadores, já haveria um arcabouço maior de indícios de que sua gestão à frente do Ministério da Saúde contribuíra decisivamente para agravar o número de casos e mortes no Brasil em razão da Covid-19.
Não deu outra. Vendo o cerco se fechar, o general — é sempre importante salientar a patente, porque ela foi uma razão para sua nomeação por Jair Bolsonaro e agora se mostra incompatível com a hesitação do detentor — voltou a pedir arrego, desta vez ao Supremo Tribunal Federal.
Foi deferido o habeas corpus para que permaneça em silêncio, mas com uma ressalva colocada estrategicamente por Ricardo Lewandowski: ele tem o direito de não se incriminar, mas não pode usar a liminar para se recusar a responder sobre a responsabilidade de outrem.
O alvo da observação do ministro do Supremo não é outro senão Bolsonaro. Afinal, é do próprio Pazuello a frase “é simples assim, um manda e o outro obedece”, proferida diante do presidente quando este o desautorizou em relação à compra da CoronaVac.
Acontece que lançar mão do HC, diante de tudo o que a CPI coletou até aqui, pode configurar uma admissão completa de responsabilidade por parte do ex-ministro da Saúde.
Até aqui, ex-integrantes do governo concentraram nele as imputações por algumas das decisões mais graves tomadas pela desastrosa gestão federal da pandemia.
Fabio Wajngarten entregou a carta da Pfizer mostrando que o governo ignorou a oferta da farmacêutica para o fornecimento de vacinas a partir já de dezembro de 2020. Em entrevista, atribuiu a Pazuello a incompetência que levou à demora.
Ontem o ex-chanceler Ernesto Araújo foi mais longe: culpou o Ministério da Saúde, sob Pazuello, por determinar ao Itamaraty a compra de cloroquina e por recusar a oferta maior de vacinas pelo consórcio da OMS, optando por menos doses. Também sobrou para a pasta o caos em Manaus, e até Bolsonaro foi alvejado pelo antes fã, que disse que só em fevereiro o presidente se decidiu pela compra da vacina da Pfizer.
Os senadores não pretendem amaciar para Pazuello. Cientes da instabilidade emocional do depoente, outra característica bastante peculiar para um alto oficial das Forças Armadas, investirão em afirmações de culpa a partir dos depoimentos colhidos até aqui, para tentar fazer com que ele reaja e aponte eventuais culpados que não ele.
Também procurarão deixar claro a Pazuello que sua postura pode acabar por jogar a pá de cal sobre sua reputação, arrastando a do Exército de cambulhada.
É uma linha muito tênue, de difícil distinção, a que separa o que o ex-ministro pode dizer do que configure autoincriminação. Mas também é pouco provável que ele compareça diante de uma comissão que virou um catalisador da atenção do país, pela TV e pelas redes sociais, e passe horas e horas dizendo que usará seu direito de permanecer em silêncio.
Se acredita que isso fará os senadores desistirem e dizerem que ele pode ir para a casa, de fato não aprendeu nada de política no mais de um ano em que impingiu ao país sua presença à frente da Saúde.
Os senadores têm um arsenal de declarações, portarias, reuniões, entrevistas e documentos capaz de mantê-lo na berlinda por horas a fio, suando e gaguejando, como tem sido a tônica da vexatória participação dos ex-integrantes da gestão Bolsonaro perante a CPI.
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/o-dilema-de-pazuello-diante-da-cpi.html
O Globo: Com vacinação lenta e isolamento baixo, cientistas preveem terceira onda de Covid-19 no país
Suzana Correa, O Globo
SÃO PAULO — O Brasil registrou queda de 19% na média móvel de mortes por Covid-19 nas duas últimas semanas. Em 18 das 27 unidades de federação, o índice está caindo, mostrou o boletim do consórcio da imprensa nesta segunda-feira. Apenas um estado está em viés de elevação na última quinzena, enquanto oito permaneceram em tendência estável (variação menor de 15% para mais ou para menos). Os números trazem esperança no combate à pandemia, mas projeções feitas por cientistas nos EUA e Brasil, no entanto, acenderam o alerta de especialistas sobre a possibilidade de uma terceira onda no país, com nova alta de óbitos.
Preocupação: Fiocruz alerta que terceira onda pode representar crise sanitária ‘ainda mais grave’
— Evitá-la vai depender muito da vacinação, que já se mostra efetiva na redução de mortes e internações. Temos que vacinar 1,5 milhão de pessoas ao dia, idealmente 2 milhões. E ter cautela na flexibilização das medidas de isolamento — explica Ethel Maciel, professora da UFES e doutora pela Univesidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
Sem o avanço na vacinação, o Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação da Universidade de Washington, nos EUA, que tem se destacado por suas projeções certeiras desde o início da pandemia, indica que o país poderá chegar à trágica marca de 751 mil mortes por Covid-19 até 27 de agosto. E isso em cenário que inclui o uso de máscaras por 95% da população no país.
No pior cenário projetado pelos analistas americanos, em que a variante P.1, que emergiu em Manaus e já se espalhou por 16 países latino-americanos, continue se espalhando e vacinados abandonem o uso de máscara, o país pode voltar ao patamar de 3.300 mortes diárias em torno de 21 de julho e alcançaria 941 mil mortes em 21 setembro.
Os dados do Instituto de Métricas são usados em avaliações da pandemia pela Casa Branca e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço latino-americano da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Até agora, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, o Brasil já perdeu 436.862 vidas para a Covid-19. E o aumento de mortes, frisam os especialistas da universidade americana, é esperado mesmo com a redução nas internações em UTIs e na média diária de óbitos, em comparação com abril, devido à previsão de aumento nas infecções e redução no uso de máscaras e distanciamento social.
Para evitar uma terceira onda devastadora, a aceleração na vacinação é uma das medidas centrais apontadas pelos especialistas. Segundo painel da Universidade de Oxford, o Brasil atingiu média diária de aplicação de 1,1 milhão de doses em 13 de abril, mas a quantidade foi caindo ao longo do mês e chegou a 429 mil doses no último dia 12 de maio. O país tem hoje cerca de 70 mil novos casos diários da doença, patamar considerado alto pelos especialistas, e apenas 9% de brasileiros vacinados com a segunda dose.
Números: Sob alerta de uma 3ª onda, Brasil registra 2.340 óbitos e vê nova redução da média móvel de mortes
Cláudio Struchiner, médico e professor de Matemática Aplicada da FGV, pondera que instituições brasileiras evitam realizar projeções de longo prazo como as realizadas pela Universidade de Washington devido à alta incerteza que permeia o cenário da pandemia no Brasil.
— Há muitas variáveis incertas: [ritmo de] vacinação, relação Brasil e China [fornecedora de insumos para as vacinas aplicadas aqui], novas cepas, incidentes com a vacina que interferem na sua aceitação, duração da imunidade, subnotificação, sazonalidade. Dito isso, o Instituto de Métricas é sério e experiente, e as projeções para o Brasil são, sim, plausíveis — afirma.
Outra projeção, da Rede Análise Covid-19, que conta com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores pelo Brasil, alerta que o país apresenta tendência a picos de casos da doença — como os observados em julho de 2020 e início de 2021. Ao pico segue-se uma queda, estabilização e, em seguida, novo aumento. Os dados atuais, de acordo com a Rede Análise Covid-19, mostram justamente que o país está no momento às vésperas de um novo aumento de casos.
No exterior: Terceira onda da pandemia pode ser a pior de todas, alerta ministro da Saúde alemão
Já a plataforma de dados da USP e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) projeta que o total de casos no país deve passar de cerca de 15,4 milhões em 14 de maio para 16,1 no dia 23 de maio, também cravando curva ascendente.
O GLOBO questionou o Ministério da Saúde e perguntou quais projeções embasam as medidas da pasta, o que tem sido feito para evitar ou lidar com uma terceira onda no país, qual a posição sobre as projeções e se há previsão de reforço nos estoques de oxigênio e remédios para intubação durante essa possível terceira onda. O Ministério respondeu apenas que “não comenta sobre projeções”.
Gulnar Azevedo, pesquisadora do Instituto de Medicina Social da UERJ, diz que, apesar das quedas, “a média de mortes em cerca de 2 mil ainda é alta”.
— O vírus continua circulando, e entraremos no inverno, quando o tempo mais frio favorecerá o aumento de casos do vírus — diz Azevedo.
Novo pico
Boletim do Observatório da Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz alertou, na última quinta-feira, justamente para a intensa circulação do vírus no país, apesar da “ligeira redução” nas taxas de mortalidade e na ocupação de leitos de UTI no país. “Uma terceira onda, agora, com taxas ainda tão elevadas, pode representar uma crise sanitária ainda mais grave”, informa o boletim.
Leonardo Bastos, estatístico da Fiocruz, avalia que o país reúne as condições necessárias para uma nova onda da doença, devido a combinação perigosa: alto patamar de infecções e hospitalizações, número alto de cidadãos que não contraíram a doença (e, portanto, não produziram anticorpos contra a infecção), ritmo lento da vacina, redução no uso de máscaras e abertura acelerada nos estados que haviam intensificado medidas de distanciamento. Ele alerta também para a chegada de novas variantes, como a indiana, e o surgimento de cepas que possam reinfectar vacinados.
Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), vem cobrando o governo federal para tomar medidas de âmbito nacional a fim de conter a disseminação do vírus, a entrada de novas variantes e a continuidade da regulação do mercado de medicamentos nacionais:
— É indispensável entendermos o que aconteceu na segunda onda, com problemas no kit intubação, dificuldade de se prover oxigênio, medicação necessária e testagem insuficiente. É preciso solucionar esses entraves, intensificar as compras e já ter o estoque de precaução — diz.
*Estagiária, sob supervisão de Mauricio Xavier
Fonte:
O Globo
Juan Arias: General da ativa com medo de declarar na CPI humilha o Exército
Nada mais humilhante para um militar da ativa ―e ainda mais para um general três estrelas como Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde― do que revelar medo e covardia. E o pior é que essa imagem de medo pode acabar afetando a imagem positiva que a instituição militar vinha tendo até agora. Ver um general como Pazuello incapaz de enfrentar uma CPI de peito aberto tem que humilhar até os simples soldados, que devem se sentir desconcertados.
Já pouco importa o que o general ex-ministro diga ou silencie. Seu comportamento de medo que o levou a se refugiar em um habeas corpus preventivo no Supremo para permanecer mudo ante as perguntas dos senadores já é uma demonstração de confissão de culpa.
Se, como já havia confessado Pazuello, ele se limitou a cumprir ordens do presidente Bolsonaro, considerado naquele momento seu superior hierárquico, bastava, como fizeram os ministros anteriores, pedir demissão e voltar ao Exército. Atribuir a atitude do general à sua personalidade difícil parece estranho para quem deveria dar exemplo, não apenas de uma pessoa que não teme a verdade, mas que também tem orgulho de aceitar que errou.
Ainda não sabemos como acabará a novela do general que pediu que permanecesse calado no Senado. Nem mesmo se ela acabará sendo escrita em sua testa por sua atitude de medo, a maior desonra para um militar ―ainda mais da sua categoria.
O general, hoje preso em sua narrativa nebulosa de comportamento, teria apenas uma forma de resgatar sua dignidade humilhada. Seria, ao chegar ao Senado, aceitar todas as perguntas que pudessem ser feitas, respondendo com lealdade militar, embora para isto precisasse revelar verdades durante seu período à frente do Ministério da Saúde, correspondente ao maior número de mortos por covid-19, mesmo que elas pudessem comprometer gravemente a imagem do presidente. Uma imagem já mais do que desgastada de um chefe de Estado que acaba de ser visto, internacionalmente, como um dos que pior geriram a pandemia entre os 14 líderes políticos mais importantes do mundo.
Bolsonaro e sua procissão de seguidores fanáticos com instintos de morte passarão, e o Brasil recuperará sua normalidade democrática depois do hiato tenebroso ao qual foi arrastado por um capitão frustrado do Exército. Ele sairá de cena, como indicam as últimas pesquisas, enquanto a instituição das Forças Armadas continuará sendo vital na defesa dos valores democráticos e da Constituição, como foi nos últimos 20 anos com Governos de diferentes tendências políticas.PUBLICIDADE
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O Brasil só pode desejar que a hierarquia do Exército ajude seu general, hoje questionado, a demonstrar que o medo não existe no dicionário militar. A responsabilidade de um desastre ou de uma conduta ditada pelo medo do general na CPI poderia acabar prejudicando gravemente a credibilidade do Exército. O resultado da conduta do ex-ministro em sua convocação à CPI poderá ter consequências inesperadas para o futuro deste país, hoje visto como um fracasso mundial de governo. Não por acaso, faltando 18 meses para as eleições presidenciais, a imprensa mundial continua atenta e preocupada com seu possível resultado e temendo que o bolsonarismo destruidor possa continuar no poder, o que traria problemas não só no cenário já turbulento da América Latina, mas no mundo. De fato, o Brasil é visto como um elemento-chave não apenas na economia, como potência mundial que é, mas também no cenário de descrédito da democracia, com o crescimento dos movimentos negacionistas e nazifascistas nos cinco continentes.
O Brasil ―mais especificamente, a CPI da Pandemia― poderia levar à saída de Bolsonaro do Governo, que revolucionaria as eleições do próximo ano. O país vive momentos difíceis, que poderiam ter repercussões negativas para várias gerações. Sabemos como as guerras tradicionais começam, mas não como terminam. O mesmo acontece com as crises políticas. E não é nenhum segredo que no Brasil, governado hoje por um presidente considerado o pior e mais imprevisível de sua história, a responsabilidade do Exército seja crucial, pois do seu apoio ou não ao capitão com vocação de ditador poderá depender o futuro deste país.
Nem vale a desculpa para os militares do medo do comunismo, já que hoje qualquer cidadão minimamente informado sabe que nem o PT nem Lula representaram, nem representam hoje, o comunismo. Basta lembrar as boas relações de Lula em seus Governos com o mundo empresarial e os bancos, que nunca ganharam tanto quanto com ele. Sem contar suas relações estreitas com os partidos conservadores e de direita, que chegaram a preocupar o grupo mais progressista e sindicalista do partido.
O temor da volta de Lula, hoje mais conservador que ontem, não deveria justificar a defesa e o apoio ao capitão agora rechaçado pela maioria da população, que apoia um impeachment do presidente. O Exército pode hoje apoiar candidatos conservadores de direita, que podem governar tranquilos, sem o perigo de uma involução do Brasil para uma aventura como a venezuelana pela ânsia patológica de Bolsonaro, que já deu provas irrefutáveis de incapacidade profissional e psíquica para governar o quinto maior país do mundo.
O Exército brasileiro está em uma encruzilhada histórica, da qual depende sua credibilidade. Seu comportamento diante da tão esperada conduta do general Pazuello na CPI da Pandemia poderá arrastar as Forças Armadas para uma grave crise no já obscuro panorama político e econômico deste país.
Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.
Fonte:
El País
Ernesto Araújo nega ter atacado a China e é confrontado pelo presidente da CPI
Julia Chaib e Renato Machado, Folha de S. Paulo
Em depoimento à CPI da Covid, o ex-chanceler Ernesto Araújo afirmou que nunca deu declarações que podem ser consideradas como “anti-chinesas”.
Em seguida, no entanto, foi confrontado pelo presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), que relembrou algumas frases do ex-chanceler e apontou que ele estava “faltando com a verdade”.
“Não vejo nenhuma declaração que eu tenha feito como ‘anti-chinesa’. Em notas oficiais, nos queixamos do comportamento da embaixada da China mas não houve nenhuma declaração que se possa classificar como anti-chinesa. Logo, não há nenhum impacto de algo que não existiu”, respondeu, em referência ao possível impacto negativo de suas declarações na aquisição de insumos.
Aziz então relembrou que Ernesto escreveu um artigo, no qual fez menção ao “Comunavírus”.
“Na minha análise pessoal, vossa excelência está faltando com a verdade. Não faça isso”, respondeu o presidente da comissão.
“Se vossa excelência acha que isso não é se indispor com um país, eu não entendo mais como se faz relações internacionais. Desmerecer o que já indicou e dizer que o senhor nunca se indispôs com a China, o senhor está faltando com a verdade”.
Ernesto tentou se justificar afirmando que seu artigo não era sobre a China. O ex-chanceler disse que termo “comunavírus” foi cunhado por autor de livro sobre o qual ele se referia no texto e por isso usou “esse termo jocoso”.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Carlos Andreazza: Uma aposta fatal
Não se podia esperar que o representante da Pfizer — um comerciante — dissesse à CPI ser desnecessária a lei que, segundo a versão do cliente, permitiu a assinatura do contrato por meio do qual o governo brasileiro adquiriria milhões de doses do imunizante daquela farmacêutica.
A lei não era necessária. Mas isso é problema nosso. Não de Carlos Murillo. O interesse do executivo era vender. Ontem. Hoje. Ou amanhã. Tinha um bom produto; e o objetivo, legítimo, de comerciá-lo com o mercado do Brasil. E teria comerciado, em agosto de 2020, com a legislação disponível, se assim quisesse Bolsonaro. (E teria, imediatamente, entrado com a demanda por registro emergencial junto à Anvisa; para que tivéssemos — era possível — como vacinar os nossos ainda no ano passado.) O governo não quis. E desapareceria por dois meses, ignorando carta — de setembro de 2020 — do CEO da Pfizer.
O tempo passava. E então falaram a Murillo que a tal lei resolveria o impasse forjado pelo comprador; e o homem queria vender. Vendeu. Por que contrariaria — exporia — um cliente, tanto mais numa CPI? Já havia fechado o negócio. A lei lhe servira. Esvaziara o governo de desculpas. Ele falou a verdade à comissão.
Quem deveria querer vacina em 2020 era o Brasil. Não quis. De sua parte, o laboratório continuaria a nos ofertar seu produto; com a diferença — decisiva para nós —de que, mês a mês, perdíamos lugar na fila. Poderíamos ter doses do imunizante da Pfizer —reforce-se — em dezembro de 2020. Tivemos em abril de 2021.
Repito: a lei não era necessária. Conforme escrevi em 4 de maio: “Uma aquisição pública emergencial de vacinas, em meio a uma pandemia e sob a natureza calamitosa do período, ajusta-se às especificidades do que é, afinal, um mercado internacional, ademais tocado em circunstâncias excepcionais; de modo que caberia ao governo justificar a admissão da cláusula considerada excessiva como condição para transitar competitivamente, em nome do interesse do cidadão, no comércio mundial de imunizantes. Seria a Constituição Federal a se sobrepor. O próprio direito à saúde. Um direito fundamental cuja imposição — acima da existência de qualquer lei —deriva diretamente do texto constitucional”.
Admitamos, porém, o preciosismo. E consideremos que houvesse ali, no palácio, alguém preocupado mesmo com segurança jurídica. Poderia ter preparado um projeto em regime de urgência. Poderia ter recorrido a uma medida provisória. Foi por meio de uma que se abriu o crédito de R$ 20 bilhões para a compra de imunizantes.
Aliás, lembrou o senador Randolfe Rodrigues que o governo concebera, em dezembro de 2020, uma medida provisória, a de número 1.026, em cuja minuta constava dispositivo autorizando a União a tomar os riscos relativos à responsabilidade civil sobre eventuais efeitos adversos decorrentes da aplicação de vacinas. Minuta avalizada por AGU e CGU, mas cuja versão final remetida ao Congresso excluía aquela parte. O senador, então, propôs emenda para recompor o texto original — emenda que seria rejeitada por recomendação do Planalto.
À CPI, Murillo informou que alguém do governo só lhe falaria sobre a necessidade de ajustes legislativos — para que o contrato fosse celebrado — em novembro de 2020. Conversa; mas sem providências. De agosto a novembro, período em que as propostas do laboratório não tiveram respostas, as desculpas foram outras. Lembremos o que relatou Fabio Wajngarten — passagem confirmada pelo executivo. Que, ao receber o telefonema de Murillo, dirigiu-se ao gabinete de Bolsonaro, com o interlocutor na linha, para lhe comunicar da tratativa — e que o presidente lhe teria passado um papelucho com a condicionante para que se avançasse: Anvisa. Nenhuma palavra sobre entrave jurídico.
(Aqui, outra mentira bolsonarista — aplicada seletivamente — já desmontada: que o governo não poderia assinar contrato com o laboratório antes da aprovação do imunizante pela agência reguladora.)
Na última sexta, O GLOBO publicou matéria que considero iluminar o intervalo — último trimestre de 2020 — em que o governo negligenciou a importância, a urgência, de fechar contratos para aquisição de vacinas. O texto dá conta da justificativa do Ministério da Economia para não haver previsto recursos ao enfrentamento da pandemia no Orçamento de 2021.
Fica documentado, como confissão de incompetência (mas não somente), o que já estava claro havia meses: que Bolsonaro, Paulo Guedes e turma — delirantemente, para ser generoso — acreditaram, contra todos os alertas, que o vírus perdia força e entraria cadente em 2021; daí por que não apenas não priorizaram robustecer a carteira de fornecedores de vacinas, como deixaram morrer o auxílio emergencial em dezembro. Uma aposta fatal.
Guedes em outubro de 2020: “A doença está descendo. A economia está voltando. Está voltando em V. A criação de empregos está se dando em ritmo bastante impressionante”. E em novembro: “A doença desceu. É um fato. Alguns dizem agora: ‘Não, mas está voltando, segunda onda’. Espera aí. Nós tínhamos 1.300 mortes por dia, 1.200, 1.000, 900, 700, 500, 300… E agora parece que está havendo um repique. Mas vamos observar. São ciclos”.
Essa é a cabeça do governo; que — óbvio está — não precisaria de aconselhamento paralelo para fazer suas escolhas criminosas. E esse “vamos observar” — combinado àquele “espera aí” — parece-me a senha para nossa tragédia.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/carlos-andreazza/post/uma-aposta-fatal.html
Ricardo Noblat: Governo sonega informação pedida pela CPI da Covid-19
Quantas vezes, e com quem, Bolsonaro passeou por Brasília durante a pandemia provocando aglomerações e desrespeitando normas de isolamento?
É possível que as atividades do presidente da República não sejam acompanhadas de perto e devidamente registradas por setores do governo que lhe dão suporte e zelam por sua segurança?
O senador Eduardo Girão, membro da CPI da Covid-19, pediu ao governo uma planilha com os registros de datas, locais e autoridades envolvidas nos passeios de Bolsonaro em Brasília.
Resposta do Palácio do Planalto: não há registros oficiais das saídas do presidente do seu gabinete. Ora, bastaria pesquisar nas redes sociais para descobrir que, ali, está tudo registrado.
O pedido de Girão mirou os deslocamentos de Bolsonaro desde o início da pandemia que provocaram aglomerações, contrariando recomendações médicas de isolamento.
No último dia 5, durante discurso no Palácio do Planalto, Bolsonaro antecipou a resposta que daria ao pedido de Girão aprovado pelo plenário da CPI:
– Eu sempre estive no meio do povo, estarei sempre no meio do povo. Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI. Estive no meio do povo, tenho que dar exemplo.
Fonte:
Metrópoles
Cristina Serra: O dia D e a hora H de Pazuello
Quando o general Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde como interino, em maio de 2020, o Brasil estava prestes a alcançar a marca de 30 mil mortos pela pandemia. Dez meses depois, ele deixou o cargo com esse número multiplicado por dez. Ao lado das medalhas que leva no peito (se leva alguma), merece carregar o epíteto de ministro do genocídio.
Convenhamos, ele se esforçou para tal. Alinhou-se em obediência cega ao genocida-mor e deixou de comprar vacinas. Endossou a vigarice do tratamento precoce e empurrou cloroquina quando Manaus precisava de oxigênio.
Agastado com a demissão, tentou passar a imagem de que resistira à corrupção. Disse, sem dar nomes aos bois, que houve pressão dentro do ministério para que um certo medicamento fosse enquadrado em “critérios técnicos”. Mencionou “oito atores” agindo com “ações orquestradas” contra sua equipe e disse ter rejeitado lobby de empresas e de políticos que queriam “pixulé”.
Pazuello poderia esclarecer tudo isso à CPI, não tivesse recorrido ao STF para ficar calado. No período em que esteve no ministério, pouco se soube a respeito dele, além de uma suposta especialização em logística. Dois sites, contudo, revelaram conexões empresariais do general no Amazonas, justamente onde ele teria assumido um dos comandos militares mais importantes do país se não tivesse ido para o ministério.
O site Sportlight revelou que Pazuello se tornou sócio de uma empresa de navegação quando já era secretário-executivo da Saúde. A empresa pertence à sua família e tem relações contratuais com órgãos públicos. O site De Olho nos Ruralistas mostrou a sociedade em mais duas empresas com o irmão, Alberto Pazuello, figura barra pesada da crônica policial de Manaus. Em 1996, foi preso por estupro e tortura de adolescentes e acusado de participar de um grupo de extermínio. Conhecer o contexto do personagem em questão talvez ajude a CPI a entender melhor seu papel no morticínio brasileiro.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/05/o-dia-d-e-a-hora-h-de-pazuello.shtml