covid-19
Hélio Schwartsman: Na redução de acidentes, Bolsonaro e Doria vão na contramão da lógica
Autoridades têm enormes dificuldades para fazer o óbvio
Sempre brinco que o jeito mais fácil de salvar vidas é baixar um decreto reduzindo a velocidade máxima permitida para veículos. Reportagem da Folha corroborou meu chiste, mostrando que após uma década de reduções, os óbitos em acidentes caíram 44% na cidade de São Paulo. É claro que a diminuição da velocidade não foi a única medida adotada, mas é uma das variáveis-chaves, a julgar pela literatura internacional.
Outras fórmulas eficazes para evitar mortes no atacado, como o saneamento básico, demoram a apresentar resultados e envolvem custos altos, mas, no caso da velocidade, o efeito é imediato e não gera despesa. Considerando as multas, pode até ser lucrativa para o poder público.
Assim, num mundo racional, todo novo prefeito deveria baixar mais a velocidade máxima na cidade, de modo a poder dizer, na campanha para a reeleição, que salvou x vidas no trânsito. Nossa preocupação deveria ser com o risco cumulativo, que nos levaria ao imobilismo.
O que vemos no mundo real, porém, é que autoridades têm enormes dificuldades para fazer o óbvio. Em São Paulo, João Doria, que hoje proclama seguir a ciência, fez campanha à prefeitura (2016) prometendo aumentar a velocidade nas marginais.
Mais recentemente, o presidente Jair Bolsonaro mandou tirar os radares de rodovias federais e bancou um pacote de leis que promove a irresponsabilidade dos motoristas. O que está acontecendo?
Minha hipótese é que, da mesma forma que o público não resiste ao imediatismo econômico, não consegue contrapor-se ao populismo viário. O motivo é matemático. Na esmagadora maioria dos deslocamentos que as pessoas fazem acima da velocidade permitida, nada de grave acontece. É só numa pequena fração deles que ocorre um óbito ou acidente grave. Com isso, o perigo da velocidade passa ao largo de nossas consciências. O conceito de vida estatística poupada tem baixíssimo apelo emocional.
Folha de S. Paulo: Apoio evangélico em 2022 indica Bolsonaro na ponta e entraves a Doria, Huck e PT
Pastores que marcharam junto com governador de SP agora dizem que o tucano perdeu moral com as igrejas
Anna Virginia Balloussier, Folha de S. Paulo
Num grupo de WhatsApp, um pastor brinca que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atingiu imunidade de rebanho no eleitorado evangélico. Estaria protegido, assim, contra o "vírus de esquerda" por contar com a ampla maioria de uma fatia que representa cerca de 30% dos brasileiros.
Mas não é só o campo progressista que precisa se preocupar com a fidelização ao bolsonarismo dos principais líderes evangélicos do país —estima-se que 70% do segmento tenha aderido a ele em 2018.
Muitos pastores que marcharam junto com o governador João Doria (PSDB) agora dizem que ele perdeu moral com as igrejas. E isso, apostam, sairá caro na eleição de 2022, caso ele consiga pôr de pé uma candidatura presidencial.
No dia 19 de novembro de 2020, o pastor Silas Malafaia postou uma foto: ele, o apóstolo César Augusto, da Igreja Apostólica Fonte da Vida, e Bolsonaro, "num bate-papo sobre o Brasil agora à tarde". Duas pontes entre o presidente e essa parcela religiosa, eles dizem que o tucano não é sequer cogitado no pastorado.
"Nunca vi tanto o Doria quanto o [Luciano] Huck se posicionarem a favor dos valores que defendemos. Como disse, evangélicos apoiam os valores conservadores. Bolsonaro até então é o único que os tem", afirma Augusto à Folha.
Sobre o "mocinho engomado", como Malafaia chama o governador, tem a dizer: "A ideia que a liderança tem é a de que ele é traíra. O cara que você não pode confiar, o verdadeiro escorpião. Traiu Alckmin, depois Bolsonaro".
Em 2018, Doria escanteou seu padrinho político no PSDB, o ex-governador Geraldo Alckmin, e se elegeu pregando o voto BolsoDoria. Agora, faz oposição feroz ao titular do Palácio do Planalto. Se muito, conseguirá "arrumar algum pastor aí pra enfeite" em 2022, diz Malafaia.
Augusto e ele já tiveram um lugar no coração para o governador. Em 2017, o pastor carioca disse à Folha que, embora preferisse Bolsonaro, o tucano —então prefeito paulistano— faria "um bem danado ao Brasil" e daria um "ótimo presidente", isso "se não descambar".
Já Augusto começou aquela campanha endossando Alckmin, que acabaria em quarto lugar no primeiro turno, contrariando o favoritismo inicialmente previsto.
Um ano antes do pleito, o apóstolo foi recebido pelo tucano, que à época controlava o Palácio dos Bandeirantes. Ali o instigou: Deus o convocaria a concorrer à Presidência de novo (já havia perdido em 2006, para Lula). O pastor mudou de lado perto da reta final, quando a vitória de Bolsonaro se avizinhava.
A simpatia por Doria, então aposta de Alckmin, veio por extensão. Augusto diz que nutria a esperança de que "ele abraçaria os valores que apoiamos", e que o tucano ganhou pontos por se acoplar ao bolsonarismo antes da eleição.
Fato é que, ao se mudar para o Bandeirantes, Doria diminuiu o contato com pastores. "O distanciamento, além da pandemia, também se configura pelo próprio cargo: políticas públicas são mais fáceis de serem implementadas no âmbito municipal do que estadual", diz Carolini Gonçalves, presidente do Núcleo Cristão do PSDB em São Paulo.
Coordenador de Assuntos Religiosos do grupo tucano, o pastor Luciano Luna lembra que Doria foi muito próximo, enquanto prefeito, dos evangélicos. "Ele e Bruno [Covas, seu sucessor] conseguiram muitas conquistas pras igrejas, em relação a alvarás e licenciamentos."
Os humores eleitorais sempre foram fluídos na liderança evangélica. Malafaia é um bom estudo de caso.
Em 1989, apoiou Leonel Brizola e, no segundo turno, Lula, por então vê-lo como "um cara que vem da classe baixa, do sofrimento do pobre". Depois, ladeou com FHC (PSDB), voltou a exaltar o lulismo, então defendeu os tucanos José Serra e Aécio Neves.
Debates progressistas aceleraram o divórcio entre o PT e os pastores evangélicos de maior alcance nacional —como Edir Macedo e José Wellington Bezerra da Costa.
O desgaste gerado por um projeto que combatia o bullying homofóbico nas escolas, apelidado por conservadores de kit gay, é um ponto de inflexão. Formulado por ONGs a pedido da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o material foi acompanhado pelo Ministério da Educação sob guarda de Fernando Haddad. Acabou suspenso após ser bombardeado por vozes religiosas.
Em 2018, um católico com fortes laços no pentecostalismo brasileiro conseguiu a proeza de reunir em torno dele um segmento tão pulverizado quanto o evangélico.
Jair Bolsonaro, casado com uma evangélica e batizado ele próprio, de forma simbólica, nas águas do rio Jordão pelo hoje presidiário Pastor Everaldo, permanece como predileto no que podemos chamar de nata do pastorado nacional.
Se já era de se esperar o azedume com que se referem a políticos da esquerda, outro nome malquisto é o de Luciano Huck. O apresentador, figura mais ao centro e com entrada na direita, nunca oficializou sua intenção de se candidatar, mas essa hipótese circula livremente em Brasília.
Com sogros evangélicos, Huck nunca teve uma relação azeda com o segmento. Já recebeu estrelas da música gospel em seu programa de TV e tem bom trânsito em estratos mais carentes do país, onde a participação evangélica é forte.
Com a polarização dos últimos anos, contudo, sua ligação com a Globo virou vidraça —muitos pastores reproduzem o discurso de "Globo Lixo" que Bolsonaro dissemina.
Seu posicionamento em temas morais, mais progressista, também joga contra ele. Há ainda quem resgate imagens dele com Tiazinha e Feiticeira, personagens sensuais do programa que apresentava na Band nos anos 1990.
A possibilidade de a esquerda voltar a abocanhar votos evangélicos em massa é vista com descrença, o que se estende a outros atores do campo, como Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL). Mas o fogo maior é contra o petismo.
"Com todo o respeito, em 2018 o PT pegou uma meia dúzia de gente sem nenhuma expressão no mundo evangélico", diz Malafaia. "Dá até vergonha os caras que apoiaram, não tem expressão."
Refere-se aos pastores que se alinharam a Haddad em 2018 —que pode repetir a candidatura ano que vem, caso condenações judiciais impeçam mais uma vez que Lula entre no páreo.
Coordenador no núcleo evangélico do PT, Luis Sabanay afirma que o partido perdeu votos sobretudo na população pobre, "onde a presença evangélica é significativa". A "divinização da imagem de Bolsonaro" somada a artifícios "para destruir a imagem do PT" agravaram o quadro.
Pastor presbiteriano, ele questiona se líderes como Macedo e Malafaia estão a fim de papo. "Não digo que foram aliados dos governos petistas, mas eles tinham canais de diálogos abertos. Romperam porque tinham outro projeto."
Sabanay prefere focar em fronts socioeconômicos para reconquistar esse eleitor. Defende "um maior diálogo com as classes empobrecidas nas periferias urbanas e rurais, onde os impactos do desmonte das políticas sociais e da crise sanitária [a pandemia] são devastadores".
O PT explorou bem esse ângulo em 2002, quando lançou a Carta aos Evangélicos. Nela, Lula enfatizou "projetos de promoção social" e de "resgate dos marginalizados", para depois agradecer "o amor cristão que vocês têm demonstrado por nós".
O amor acabou? Talvez não na base, pondera Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião.
"Importante lembrar que no primeiro turno de 2018, quando o Lula ainda era o candidato, liderava as intenções de voto no segmento evangélico, sempre seguido de perto por Bolsonaro. Não por acaso as lideranças evangélicas também demoraram para declarar seu apoio [a Bolsonaro]."
Dados da última eleição revelam que esse eleitorado elegeu representantes "a partir de pautas que se relacionavam com a forma pela qual as crises econômicas e de segurança pública afetavam suas vidas, não apenas por orientação religiosa", afirma.
"Ao mesmo tempo, também é uma base que vem se movendo por valores cada vez mais conservadores, não apenas morais, mas na educação e na segurança pública."
Os pastores "estarão onde estiver o poder e a chance de vitória, não importando em qual espectro", diz Evangelista. "A história mostra isso."
O Estado de S. Paulo: André Brandão coloca cargo à disposição e abre corrida política por sua vaga
Saída do presidente do Banco do Brasil, ainda não confirmada oficialmente, movimenta alguns dos principais grupos políticos em Brasília; Bolsonaro já havia ameaçado demitir o executivo após anúncio de plano de reestruturação
Adriana Fernandes, Marcelo de Moraes e Murilo Rodrigues Alves, O Estado de S.Paulo
O presidente do Banco do Brasil, André Brandão, avisou o presidente Jair Bolsonaro que colocou o cargo à disposição, o que deflagrou uma corrida política pela sua vaga. Brandão deu "carta branca" para a escolha do seu substituto, já que não houve entendimento entre ele e Bolsonaro desde quando o presidente criticou o plano de enxugamento de agências e corte de pessoal do banco. Nos bastidores, a "fritura" de Brandão continuou mesmo após Bolsonaro ter sido convencido pela equipe econômica em mantê-lo.
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Oficialmente, o banco afirmou a investidores que não houve pedido de renúncia de Brandão. Embora a saída não seja confirmada e não tenha ainda data para ocorrer, a disputa pelo posto movimenta alguns dos principais grupos políticos da Esplanada.
Integrantes da ala militar gostariam de ver no cargo o atual secretário-executivo do Ministério da Cidadania, Antônio Barreto Junior, que pode deixar o posto com a posse do novo ministro João Roma. Ele é funcionário de carreira do Banco do Brasil e também foi secretário-executivo da Casa Civil.
Na equipe econômica, a movimentação é em torno de deslocar o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, para o BB. Além de ter passado pela presidência do BNDES substituindo Joaquim Levi ainda no primeiro ano do governo, Montezano também é amigo do ministro Paulo Guedes e dos filhos do presidente Jair Bolsonaro.
Dentro do banco, o nome do vice-presidente de agronegócio e governo, João Rabelo Júnior, também é bem visto internamente e tem simpatia de integrantes da bancada do agronegócio. Outro nome que está no radar é o do presidente do Banco de Brasília, Paulo Henrique Costa, que tem apoio do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e de integrantes do Centrão.
Desde a semana passada, quando o presidente Jair Bolsonaro demitiu o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, e ameaçou com novas mudanças do tipo “tubarão e não bagrinho", os olhos se voltaram para André Brandão. O presidente do BB já tinha sido demitido extraoficialmente por Bolsonaro, que depois recuou da decisão. No rastro da Petrobrás, os aliados políticos do presidente aumentaram a pressão.
Segundo apurou o Estadão, uma nova movimentação em torno da saída de Brandão começou nessa sexta-feira, logo no início da manhã, depois que começaram a circular informações de que ele tinha sinalizou intenção de deixar o cargo ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O presidente do BC é amigo de Brandão e padrinho da indicação do seu nome para a presidência do BB.
Assessores de André Brandão no BB contam que a gestão dele banco ficou fragilizada desde o episódio com o presidente Bolsonaro por conta da política de fechamento das agências, que recebeu críticas de políticos bolsonaristas.
Fontes ouvidas pelo Estadão informaram que Brandão quer evitar um desgaste público como o ocorrido com o presidente da Petrobrás. Antes da gestão de Rubens Novaes, que antecedeu Brandão, o BB tinha duas vice-presidências das nove ocupadas por políticos. Novaes cortou esses cargos e alimentou a pressão contra o BB da ala política.
Além de Castello Branco, Bolsonaro já mandou demitir dois auxiliares de Guedes que bateram de frente com ele. No primerio ano de mandato, o presidente decidiu demitir o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, porque considerou que a discussão sobre a criação de um imposto nos moldes da CPMF se tornou "pública demais". Embora tivesse apoio da equipe econômica, o assunto gerou polêmica e não agradou os seus apoiadores.
Bolsonaro também influenciou na mudança de comando de outro banco público ainda em 2019. Ele disse que o então presidente do BNDES, Joaquim Levy, estava com "a cabeça a prêmio" durante conversa com jornalistas. No dia seguinte, Levy pediu demissão do cargo.
Fora da economia, os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich deixaram o cargo em razão de divergências com o presidente na estratégia para enfrentar a pandemia.
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O Globo: Ex-ministros da Saúde recomendam lockdown para evitar colapso do país
Serra, Temporão, Padilha e Mandetta reivindicam agilidade na campanha transparente de conscientização e agilidade na aplicação de vacinas
Ana Beatriz Moda*, Constança Tatsch, Raphaela Ramos e Renato Andrade, O Globo
RIO — José Serra (1998-2002), José Gomes Temporão (2007-2011), Alexandre Padilha (2011-2014) e Luiz Henrique Mandetta (2019-2020) comandaram o Ministério da Saúde e, à frente do cargo, conheceram os principais desafios do SUS e os esforços para criar campanhas de alcance nacional, como a vacinação. Agora, porém, veem o país caminhar a passos largos para um colapso diante da disseminação do coronavírus, que já provocou mais de 250 mil mortes desde sua chegada ao Brasil, em março do ano passado.
Serra, Temporão, Padilha e Mandetta, ministros de quatro governos distintos, defendem medidas em comum, como a necessidade de divulgar medidas de distanciamento social e fechar estabelecimentos comerciais, ao menos nas próximas semanas, para evitar um aumento descontrolado no número de internações e óbitos. Da mesma forma, condenam o presidente Jair Bolsonaro, que ainda menospreza os efeitos da pandemia e parece mais preocupado em alardear factoides, e o atual ocupante do ministério, Eduardo Pazuello, por não contestar os desmandos do Palácio do Planalto e falhar na logística da campanha da vacinação.
O agravamento da pandemia está levando os sistemas hospitalares de diversos estados ao colapso, assim como o SUS. O que é preciso fazer para evitar a paralisação da saúde no país?
José Serra: O Ministério da Saúde deveria estar muito mais ativo, com campanhas de conscientização, alertando a população 24 horas por dia a respeito do momento crítico e de altíssimo risco para todos. Os brasileiros sempre responderam ao chamado do Estado com responsabilidade, como na época do apagão ou da crise hídrica. Mas o Ministério parece distante e perdido. Por isso mesmo não vejo outro caminho diferente de um lockdown total de 14 dias, ao menos, para que se avalie, a partir daí, os resultados.
José Gomes Temporão: As pessoas não estão se protegendo, o distanciamento caiu drasticamente, novas cepas surgiram, as pessoas não usam máscara e se aglomeram, autoridades se omitem. A capacidade de atendimento é limitada, e se o profissional não é experiente a taxa de letalidade aumenta. Então tem que ir na raiz do problema, a circulação do vírus. Como resolve? Fechando tudo, por três semanas. Restringir horários não adianta. Todas as medidas têm que ser cumpridas: lockdown, máscara, higiene das mãos e vacinação, ampliar drasticamente o ritmo.
Alexandre Padilha: O mais importante é acelerar a vacinação, não faz sentido o Brasil estar com esse número de mortes e o sistema de saúde privado e público colapsado e o governo federal não estar acelerando as vacinas. Em segundo lugar, o ministério precisa coordenar as restrições, adaptando às realidades regionais. Não dá para adotar uma decisão única de fechamento num país heterogêneo assim. Mas, em algumas regiões, ou se faz lockdown ou será insustentável o colapso do sistema de saúde em duas semanas. E as decisões têm que ser regionais. PUBLICIDADE
Luiz Henrique Mandetta: Primeiro é preciso colocar o SUS no centro da solução, ter liderança em saúde, senão vai continuar essa terra de ninguém. O segundo passo é estabelecer a velocidade de contaminação da nova cepa e simular para ver se as capitais aguentam. Se não aguentar, tem que criar mais leito, mais equipe, mais oxigênio. E vai ter que ter mais afastamento. Em alguns lugares vai ter que botar lockdown absoluto mesmo.
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O ministro Pazuello (Saúde) reconheceu a piora da situação. Não caberia ao ministério organizar uma campanha nacional de conscientização, para que os cidadãos evitem circular e, com isso, reduzir as chances de contraírem a Covid?
Serra: Se ele fosse um ministro com autonomia e tivesse liberdade para tomar as decisões necessárias e urgentes, sim. Até o momento, infelizmente, ele tem seguido o roteiro do presidente, que, já sabemos, não é o aceitável para o combate à pandemia.
Temporão: Tudo teria que vir acompanhado de uma campanha de comunicação, porque as pessoas estão perdidas. A conduta do presidente é permanente, ele tem um projeto, não se trata de omissão, ele está executando um enfrentamento da doença que levou a 250 mil mortes, e o ministro participa por omissão. As próximas semanas serão terríveis. Vai ter que vacinar todo mundo, chegar a 80% da população brasileira. São necessárias 352 milhões de doses de vacina. O cenário é o pior possível, não vamos dispor disso em prazo curto.
Padilha: Tem que constituir um gabinete de crise com técnicos para estabelecer um conjunto de ações, como destravar o problema da testagem e fazer uma campanha de comunicação. É preciso envolver as equipes de saúde da família, que têm sido desprezadas pelo governo.
Mandetta: Tinha que fazer uma campanha transparente: temos uma ameaça nova, não aglomere, use máscara, o sistema de saúde não aguenta. Tinha que ter uma fala do presidente, do ministro. Propaganda nacional, com mea culpa.
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Especialistas defendem que os governos estaduais criem uma comissão para encontrar soluções para o problema. É um caminho viável?
Serra: É viável e ajudaria. Mas de nada adiantará se continuarmos tentando equilibrar saúde e economia. É prioridade absoluta para a saúde.
Padilha: Defendo um comitê nacional de crise, que pode ser convocado pelo Congresso, com secretarias municipais, estaduais, o governo federal. É preciso ter uniformidade nas decisões, mas reconhecidas as diferenças regionais. É necessária participação do Judiciário, porque vão chegar ações contra o lockdown. Tem que haver mobilização nacional pela vida.
Temporão: Politicamente é pouco provável que a ideia prospere. O que realmente funcionaria seria o afastamento do presidente e a instituição de um governo de salvação nacional.
Mandetta: Para se defender da morte pode surgir um comando informal paralelo, mas que não vai ter os instrumentos que o governo legítimo tem. É perigoso ter um duplo comando nacional, e seria extremamente complexo. No final de tudo isso tem o povo, que se pergunta: escuto quem? Teremos 60, 90 dias extremamente duros, uma megaepidemia de Norte a Sul.
Existe alternativa de curto prazo para acelerar a vacinação?
Serra: Sim. Precisaríamos de mudança radical na posição do governo federal, que deve buscar comprar vacinas sem criar entraves burocráticos! Só a vacina nos tirará desse caos. Já são mais de 250 mil brasileiros mortos. O governo não pode continuar indiferente.
Padilha: Há três alternativas: aquisição imediata de vacinas da Pfizer e Janssen; autorização emergencial para incorporação da Sputnik 5; e fazer uma solicitação emergencial para ampliar sua cota de vacinas da Covax junto à OMS, passando de 10% a 30% da população.
Temporão: A Anvisa tem que ser respeitada, mas a decisão do Supremo de que governos e municípios possam adquirir vacinas, se for feita de forma articulada, poderia funcionar.
Mandetta: Estamos vacinando aos soluços porque a estratégia foi errada. Só em agosto vamos ter boa quantidade de vacina. Até lá, é liderar, explicar, dar segurança. Temos 340 mil agentes de saúde, tem que trazer esse povo pro seu lado. Tem que verificar geladeira, capacitar pessoal, trazer quem tem visibilidade nacional, abrir igrejas para vacinar, todo mundo tem que participar. O vírus está de Ferrari, e nós de carroça. Em junho teremos um Fusca.
*Estagiária, sob supervisão de Eduardo Graça
Sérgio C. Buarque: A milícia do presidente
O presidente Jair Bolsonaro parece inspirar-se no seu grande desafeto ideológico, o populista autoritário presidente Nicolás Maduro (que sucedeu o falecido coronel Hugo Chavez) na missão muito bem sucedida de destruição da Venezuela. Os dois decretos assinados por Bolsonaro, facilitando a posse de armas de fogo pela população, é um instrumento a mais de formação de grupos armados, que pode levar à escalada de violência e intimidação na política brasileira.
A simplificação do acesso a volumes mais amplos de armas, fora do controle das Forças Armadas, facilita o armamentismo dos grupos criminosos que atuam e controlam amplas áreas das cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro (narcotraficantes e milicianos), e permite a formação das milícias bolsonaristas com os fanáticos seguidores do presidente. Esta é a intenção de Bolsonaro. “Eu quero todo mundo armado!”, disse ele mais de uma vez. Quando diz isso, Bolsonaro sabe quem vai comprar armas e organizar pequenos arsenais: os caçadores e atiradores (autorizados a comprar até 60 armas sem necessidade de autorização do Exército), numa fachada para todo tipo de criminoso e fanatismo político.
O governo autoritário da Venezuela, segundo declaração recente de Maduro, já conta com “3,3 milhões de milicianos organizados, treinados, armados e dispostos a defender a união da Venezuela”. O dado é exagerado, segundo especialistas, mas esta Milicia Nacional Bolivariana supera em muito os 123 mil homens do contingente das Forças Armadas. Este é o povo armado dos sonhos de Bolsonaro, milicianos bolsonaristas, para copiar, no Brasil, o modelo bolivariano de intimidação e violência política contra os adversários, que mantém o governo no poder, apesar da devastadora crise econômica, social e política.
Mas o presidente brasileiro diz que pretende armar o povo brasileiro porque não quer uma ditadura. Logo ele, que não cansa de defender e louvar a ditadura militar brasileira, e que afirmou, lá atrás (1999), que o Brasil só iria mudar “quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil!”
Raul Jungmann tem razão quando adverte, em carta aberta aos ministros do STF-Supremo Tribunal Federal, que os decretos de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas estimulam uma guerra civil no país. “Ao longo da história, diz ele, o armamento da população serviu a interesses de ditaduras, golpes de Estado, massacre e eliminação de raças e etnias, separatismos, genocídios e de ovo da serpente do fascismo italiano e do nazismo alemão”.
O povo armado nunca serviu à democracia. Muito pelo contrário, empurra a política para o terreno pantanoso da violência, substitui os argumentos e a negociação política pela disputa armada, quebra o monopólio da força pelo Estado, e permite a formação de milícias e exércitos partidarizados. Tem sido assim na Venezuela de Chavez e Maduro. Pode vir a ser assim também no Brasil, se Bolsonaro continuar com seu projeto de armar o “seu” povo para o enfrentamento político que se avizinha com as eleições de 2022, lembrando que, seguindo o exemplo de Donald Trump, ele já antecipou que podem vir a ser fraudadas, se ele não for reeleito.
O mais absurdo e chocante desta iniciativa armamentista de Bolsonaro é o seu lançamento num momento em que morrem cerca de mil brasileiros por dia por Covid-19, em grande parte por conta de sua irresponsabilidade na condução (ou ausência de condução) da política sanitária do Brasil. Já são mais de 250 mil mortos, que se somam às 60 mil vítimas anuais de homicídios, quase sempre por arma de fogo. O presidente Jair Bolsonaro é o senhor das armas, e parece ter um desprezo especial pela vida dos brasileiros.
*Economista com mestrado em sociologia, professor da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local, sócio da Multivisão-Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários e da Factta-Consultoria, Estratégia e Competitividade. É sócio fundador da Factta Consultoria. Fundador e membro do Conselho Editorial da Revista Será? É membro do Movimento Ética e Democracia.
Marco Aurélio Nogueira: A hora mais amarga
É quando despontam as grandes lideranças, os estadistas, os talentos emergentes
Não há por que esconder que o ano de 2021 seguirá em marcha de desastre e tragédia.
Já seria complicado se tivéssemos um bom governo e um estoque generoso de vacinas. Seria um alívio, uma injeção de ânimo. Mas o Programa Nacional de Imunizações e o SUS estão soterrados por falhas e incúria, funcionam a duras penas, sem coordenação do Ministério da Saúde e tendo muitas vezes de se contrapor a ele. O “apagão” de vacinas é parte disso.
Não temos vacinas porque os responsáveis pela aquisição simplesmente viraram as costas para a pandemia, trataram-na como coisa sem importância e não se preocuparam em agir quando os imunizantes se tornaram disponíveis. Por essa desfaçatez criminosa e pelos exemplos e atitudes que adotou desde março de 2020, o governo impulsionou a disseminação do vírus e a contaminação serial. Convidou parte da população a não seguir protocolos sanitários básicos. Continua a fazer isso, em que pesem os discursos oficiais que, agora, no auge do desespero, soam em tom apaziguador. Chegamos a 250 mil mortos e tudo indica que o número continuará crescendo.
Há um cortejo de sócios dessa tragédia. Não perdemos o controle da pandemia só porque o governo não soube e não quis agir. Houve a colaboração de médicos que endossaram (ou não condenaram) a prescrição de tratamentos ineficazes. Os militares coonestaram tudo, desonrando a farda que envergam. A ignorância geral, a desvalorização da ciência e de seus instrumentos de pesquisa, a má consciência cívica de parcela da população, a falta de condições sociais para o distanciamento formaram um circuito que foi sufocando o País.
O governo federal barbarizou, mostrou-se mais interessado em “defender a economia” e fazer campanha do que em preservar vidas. Manipulou o auxílio emergencial. Hospitais lotaram e entraram em colapso sem que a irresponsabilidade retrocedesse. As deficiências do sistema de saúde ficaram expostas. O respeito à ciência foi substituído pela agitação ideológica. Não se compreendeu que o vírus veio para ficar, que teremos de reforçar nossas defesas daqui para a frente, mudar atitudes, prioridades e valores.
Hoje, na hora mais amarga, é como se o País tivesse entregado os pontos. O governo anda de costas, seguindo a mesma rota cínica, fomentando confusão, jogando uns contra os outros. Anseia-se pela volta da “vida normal” sem que se tenha monitorado o vírus. O caos se instalou, não há liderança, não há uma política. Nenhum tema é mais importante do que este: como fazer para que a desgraça não se apodere do País, o medo, a angústia e a insegurança não corroam a sensatez e a esperança?
Há indícios de que se está a esboçar um novo “pacto” entre os Poderes: em nome da representação democrática, da legalidade e do “enquadramento” da Lava Jato, Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) se disporiam a conter a Presidência e a fazer o que ela não faz, abrindo caminho para a adoção de medidas sanitárias emergenciais e que iniciem a reativação da economia, por exemplo. O presidente manteria suas bizarrices e seu teatro nas redes. Continuaria com a caneta na mão, nomeando e demitindo segundo critérios obscuros. Protegeria a família e ficaria livre para se entregar à reeleição. Permaneceria burilando sua mente paranoica, afrontando a Constituição e atiçando sua turma.
Mas nada está dado. Com a “PEC da impunidade” a Câmara quer blindar os parlamentares, o que atrita o STF. Este, por sua vez, está em pleno realinhamento de suas vertentes. E o presidente, bem, o presidente é Bolsonaro...
Os ataques do deputado Daniel Silveira ao STF repuseram em cena a sombra do autoritarismo regressista. A Câmara agiu com rapidez, receosa de sua própria desmoralização. Mostrou que o governo pode muito, mas não pode tudo. Como observou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Casa, o bolsonarismo extremo precisa ser contido porque atrapalha o funcionamento regular dos Poderes constituídos e impede que haja governo no País. Se a Câmara seguirá essa pauta é uma incógnita.
Numa democracia, não há cooperação sem conflito e competição. É de crer que os principais partidos democráticos desejem colaborar para resguardar a democracia e forçar o governo a governar. Mas não é por isso que deixarão de brigar pelas próprias causas e ideias. Ganham quando cooperam entre si e também ganham quando demarcam suas diferenças. Para eles, há mais coisas em jogo do que a formação de uma “frente” contra o governo.
Pontes que facilitem a adoção de uma “competitividade cooperativa” passam pela formulação de programas com consensos mínimos consistentes, que dialoguem com o desastre em que estamos. Passam, também, por uma “fulanização” bem compreendida: em torno de quem, afinal, o programa acordado poderá ganhar materialização?
É na hora mais amarga que despontam as grandes lideranças, os estadistas, os talentos emergentes. É nela que as zonas de conforto são substituídas pela entrega à comunidade política, com suas causas e suas exigências.
Que assim seja.
*Professor titular de teoria política da Unesp
Pedro Doria: O trabalho de hoje, a política de ontem
Na última sexta-feira, a Suprema Corte do Reino Unido decidiu que o Uber deve tratar seus motoristas como funcionários. Ou seja: direitos trabalhistas. A decisão abrange Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte. E é final, não cabe recurso. A Suprema Corte francesa já havia tomado decisão semelhante, assim como a da Espanha. Um processo do tipo está em curso no Canadá e em diversos estados americanos. Evidentemente que nova legislação pode reverter esse curso — mas esta é uma das mais relevantes discussões em curso no mundo atualmente. Uma discussão ausente no Brasil.
Este é um dos grandes custos que o bolsonarismo impõe ao Brasil. O país se perde em discussões irrelevantes a cada crise vazia — e crise nova há, muitas vezes parece, dia sim, dia não. O Brasil se perde, também, em debates que nem sequer deveriam existir — como o da defesa do meio ambiente, o do armamentismo desenfreado ou, pasme, até o da manutenção da democracia. Enquanto isso, lá fora, o século 21 corre solto impondo suas transformações.
A questão no centro da decisão da Justiça britânica não tem a ver com o Uber. Tem a ver com a reinvenção do trabalho. Não é um debate simples.
O Uber argumenta aquilo que a maioria dos aplicativos do tipo dizem. Ele oferece uma tecnologia que permite a pequenos empreendedores que encontrem com mais facilidade seus clientes. Une duas pontas. Isso é verdade. Assim como é verdade que, diferentemente de uma relação normal de trabalho, os motoristas trabalham quando querem.
Os motoristas que foram à Justiça, porém, chamam atenção para outros pontos. É o Uber que dita o preço da corrida, é ele que coleta o dinheiro, pune motoristas que recusam chamadas e impõe um sistema de notas, que pode custar a quem dirige a expulsão da plataforma. Um empreendedor, por meio de seu engenho, tem oportunidades de crescer. O motorista ganhará sempre o mesmo que os outros, e seu maior esforço tem, na vida real, uma única premiação. Poder continuar trabalhando. E não é pouco: em geral, esses apps escravizam quem precisa manter uma renda digna.
A Justiça britânica então decidiu que o Uber terá de garantir um salário mínimo por hora trabalhada — e a hora trabalhada vale quando o motorista liga o app. Dá direito também a não trabalhar quando se está doente, a férias e plano de previdência. O Uber responde que, em momentos de ociosidade, quando há mais motoristas do que passageiros, se verá obrigado a impedir muitos de acessar a plataforma. Se não, o negócio se tornará inviável.
A discussão é de uma complexidade imensa por muitos motivos. O principal é o seguinte: os carros autônomos já existem. Ainda antes de 2030, não haverá mais motoristas. O mesmo vale para os apps de entrega e tantos outros. O processo de automação de muitos desses serviços apenas começou e está para ser acelerado.
A lógica dos direitos trabalhistas que temos hoje depende de uma sociedade industrial em que grandes empresas contratam massas de pessoas para produzir. Na economia digital, grandes empresas contratam uma fração de pessoas. A força dos grandes sindicatos só vai diminuir, pois cada vez mais o trabalho será mais fragmentado e distribuído. Aquele Estado de bem-estar social não é mais sustentável. Tem de ser pensado outro.
O laissez-faire não é a solução. O que aconteceu nas décadas de 1920 e 30 no mundo, com a ascensão de governos autoritários e totalitários foi justamente fruto de uma crise de emprego que levou gente em desespero a virar as costas para a democracia liberal. Não é à toa que estamos vivendo uma versão daquilo.
O Estado tem de ser reinventado, assim como empresas e sociedade. No Brasil, claro, estamos ainda discutindo o papel social de uma petroleira estatal.
Bruno Boghossian: Pazuello culpa mutações do coronavírus para tratar pandemia como surpresa
Ministro fala em 'nova etapa' e tenta reduzir responsabilidade por tragédia continuada
Eduardo Pazuello descobriu o tamanho da "gripezinha". Depois de uma reunião nesta quinta (25), o ministro da Saúde culpou as mutações do coronavírus pela situação crítica registrada em várias cidades do país. "Estamos enfrentando uma nova etapa dessa pandemia. O vírus mutado nos dá três vezes mais contaminação", declarou.
Apesar de ocupar o cargo há nove meses, o general falou como se tivesse acabado de chegar ao gabinete. O discurso da "nova etapa" parece um esforço para pintar a tragédia continuada como uma crise imprevista. O objetivo é buscar uma rota de fuga e apagar o comportamento desastroso do governo no último ano.
Pazuello apontou as mutações como vilãs inesperadas, mas a microbiologista Natalia Pasternak explica que o surgimento delas era previsível. "Variantes aparecem em locais onde o vírus corre solto. Não fomos pegos de surpresa", diz. "Elas são preocupantes, mas isso não quer dizer que a situação estava sob controle. As variantes agravam o problema."
O ministro disse ter monitorado o surgimento dessas cepas em outros países e citou o Reino Unido, onde o governo impôs medidas de restrição assim que descobriu detalhes de uma nova mutação. Pazuello quase demonstrou espanto com a variante brasileira P1 e com o colapso de hospitais pelo país. Ele só não quis dizer que essa linhagem já é conhecida por aqui há pelo menos 40 dias.
Em busca de imunidade, o general afirmou que havia uma "situação de estabilidade" em novembro e que esperava manter a situação com a chegada da vacina. Três meses se passaram, e o governo não consegue enviar para o lugar certo as doses que tem. Para piorar, continua brigando com laboratórios que poderiam ampliar a oferta de imunizantes.
O general acordou atrasado. O Brasil tem uma média diária superior a 1.000 mortes há mais de 35 dias, mas Pazuello só quis reconhecer o problema agora. Segundo Pasternak, há tempo para contornar a crise: "O que não se pode fazer é jogar a culpa na variante e cruzar os braços".
Eliane Cantanhêde: Petistas e bolsonaristas, tudo a ver no 'nacionalismo' e na 'visão social'
Bolsonarismo e PT, tudo a ver na Lava-Jato, Moro, MP, mídia, Petrobrás, reformas e mercados
Em nome de um “nacionalismo” anacrônico e de uma “visão social” puramente populista, vale tudo, até o PT apoiar a clara intervenção que derrubou as ações da Petrobrás e a credibilidade do Brasil mundo afora. O resultado é uma curiosa situação: o presidente Jair Bolsonaro corre para jurar que é o que não é, liberal, privatizante e respeitador das estatais, enquanto petistas defendem o que Bolsonaro realmente é, corporativista, estatizante e intervencionista. Coisas do Brasil. Coisas da polarização.
O “novo” Congresso aproveita o ensejo. Primeiro, a Câmara pagou pedágio, confirmando a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) determinada pelo Supremo. Depois, escancarou as porteiras, não para as boiadas do ministro Ricardo Salles, mas para as suas próprias boiadas. Com o enterro da Lava Jato, sem choro da esquerda nem vela da direita, o ambiente é bem favorável. A hora é agora!
A tal PEC da imunidade parlamentar, carimbada como PEC da impunidade, surgiu do nada, sem aviso prévio e sem passar por comissões e ritos antes de desabar direto no plenário. Seu efeito mais estridente é que deputados e senadores dificilmente poderão ser presos. Num resumo caricato, se Sua Excelência for pego, fotografado e filmado com a mão na botija, roubando dinheiro público, vai ter tempo para articular e se livrar.
Um ministro do Supremo, digamos, Alexandre de Moraes, não vai poder mais mandar prender em flagrante um deputado, digamos, o bolsonarista Silveira, quando ele atacar a democracia e as instituições e, de quebra, cometer um crime comum: ameaçar dar uma surra num ministro da alta Corte. Qualquer decisão terá de esperar o plenário do STF e depois a Câmara.
A intenção, como admite o novo presidente da Câmara, Arthur Lira, é evitar que a coisa chegue até onde chegou com Daniel Silveira – que está na cadeia – e estabelecer que só o próprio Congresso possa autorizar cassação ou punição a parlamentares. Deixa para o Conselho de Ética da Câmara, aquele que devidamente cassou o mandato da deputada Flordelis, ré pelo assassinato do próprio marido. E para o Conselho do Senado, que diligentemente puniu o “senador da cueca”. O quê? Não foi bem assim?!
Na admissibilidade da PEC da impunidade, como na defesa da intervenção na Petrobrás, lá estavam juntos bolsonaristas e todos os outros “istas”: emedebistas, peessedebistas, pepistas, trabalhistas e... a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Todos abraçados ao Centrão para se autoblindarem e se tornarem mais cidadãos do que o “resto” dos cidadãos. No dia em que o Brasil chorava a marca de 250 mil mortos na pandemia, o Congresso fazia a festa da impunidade e o Planalto, a da aglomeração sem máscara para duas posses desimportantes.
A polarização de 2018 parece sólida como uma rocha para 2022, mas os dois extremos já não parecem tão opostos como pareciam em questões centrais: Lava Jato, Sérgio Moro, Ministério Público, mídia, independência da Petrobrás, estatização, reforma da Previdência, reforma administrativa, populismo e até os arranjos “de bastidores” no Congresso. Ou alguém esqueceu que o PT estava com o pé na campanha do candidato de Bolsonaro para a presidência da Câmara? E que apoiou o candidato dele no Senado?
A rejeição ao mercado está neste contexto. Da boca para fora, bolsonaristas e petistas atacam; entre quatro paredes, a história é outra. Tanto nos dois governos Lula quanto no governo Bolsonaro as relações com o grande capital, os maiores grupos empresariais e as eternas “elites dominantes” são bem confortáveis. Até os ataques e estranhamentos estão devidamente “precificados”, para usar um termo do próprio mercado.
Bom 2022!
Vera Magalhães: Sem luto nem luta
O Brasil atingiu a inimaginável marca dos 250 mil mortos por Covid-19 sem que seu presidente tenha tido a decência mínima de decretar luto oficial, de determinar medidas enérgicas para conter uma curva que só empina ou de se empenhar para garantir vacina e auxílio emergencial a um país entregue à pandemia sem perspectiva de saída.
Assim como outras marcas tenebrosas em um ano de circulação do novo coronavírus em terras brasileiras, essa também passou em branco pelo Palácio do Planalto e pela Esplanada dos Ministérios. Vamos enterrando pessoas aos milhares todos os dias, sem que o governo federal reconheça a gravidade da crise sem precedentes que atravessamos.
Diante de uma tragédia que nenhum de nós, crianças ou velhos, viveu antes, Jair Bolsonaro está fazendo planos de mandar buscar em Israel não vacinas, mas spray nasal experimental.
Eduardo Pazuello está enviando doses escassas de imunizantes não para o Amazonas, epicentro das mortes, da falta de oxigênio e da nova cepa do vírus, mas para o vizinho Amapá, de população e urgência infinitamente menores.
O presidente não está se ocupando de exigir providências do general que enfiou na Saúde, mas do presidente da Petrobras. Não está empenhado em trocar o responsável pelo fracassado Plano Nacional de Imunização, mas sim o encarregado da publicidade oficial.
A pressa não é para conceder auxílio emergencial a quem precisa, depois que essa ajuda foi suprimida sem nada para ser colocado no lugar em dezembro, mas para subsidiar combustível para caminhoneiros que têm o presidente da República como refém.
No Congresso, o auxílio emergencial e o acordo para a compra de vacinas de outras empresas com que Bolsonaro achou por bem não negociar podem esperar. O que é para ontem é a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição ampliando ainda mais os limites da já praticamente plena imunidade parlamentar. A imunidade ao vírus que espere. As pessoas que se virem.
Nesse cenário de absoluta anomia — estatal, social, cívica —, vivemos de improvisos que têm por objetivo mitigar o colapso no enfrentamento da pandemia.
O mais recente deles veio de novo do Supremo Tribunal Federal, que virou uma Corte de emergências de toda sorte. De acordo com a decisão tomada na quarta-feira, estados e municípios poderão adquirir vacinas por conta própria.
Trata-se de algo a ser celebrado, pois parece ser uma possibilidade ao menos de que saiamos da letargia em que o Plano Nacional de Imunização se encontra, justamente porque foi sabotado pelo presidente da República, por seus acólitos e seu general.
A chancela do STF é antes de tudo um atestado de fracasso, um carimbo da inépcia do Brasil para lidar com a crise. Outros virão: a decisão abre espaço também para que, no futuro, empresas privadas possam adquirir vacinas, o que contraria a lógica do Sistema Único de Saúde.
Mas, se não for isso, quando teremos a maioria da população imunizada, de forma a que se possa pensar em começar a reconstruir a economia, a educação e a vida das pessoas, que estão em decomposição há um ano?
Vivemos sob um regime que banaliza e precifica mortes, não importa as cifras que elas atinjam. É como se o presidente visse o taxímetro da pandemia correr e continuasse rodando despreocupadamente, fazendo barbeiragens em todos os demais assuntos nos quais esbarra pelo caminho.
Somos o vice-líder mundial em mortes por Covid-19, só abaixo dos Estados Unidos. E, no entanto, temos apenas a sexta maior população do mundo. Com o segundo maior número de mortes, só vacinamos menos de 4% da população. E assistimos a essa sucessão de indicadores do nosso fracasso como quem acompanha uma entediante partida de tênis, virando o pescoço indiferentes para um lado e para o outro.
Um ano depois, a constatação é que fomos derrotados. E não há nem choro nem indignação, só letargia.
O Estado de S. Paulo: Falta de valorização da ciência prejudicou combate à pandemia, diz presidente do Einstein
Um ano após registro do primeiro caso de covid no País, detectado no hospital, Sidney Klajner critica a postura de médicos, do CFM e de governantes que negaram evidências científicas no combate à doença
Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO - Há pouco menos de um ano, em 25 de fevereiro de 2020, o Brasil registrava seu primeiro caso de covid-19. O paciente, vindo da Itália, teve o diagnóstico confirmado no Hospital Israelita Albert Einstein, que viu o número de internados explodir nos dois meses seguintes, chegando a 135 em abril. Passado quase um ano do início da pandemia no País, o hospital registrou, em janeiro, um pico ainda maior de hospitalizações pela doença (155) e sua ocupação alcançou os 102%. O País, por sua vez, já acumula mais de 10 milhões de casos e 246 mil mortos, e vive uma segunda onda, com a propagação de novas cepas e um ritmo de vacinação aquém do desejado.
Presidente do hospital, o cirurgião Sidney Klajner conta que não esperava que o País perderia totalmente o controle da pandemia e se tornaria um dos campeões em casos e óbitos pela doença. Em entrevista exclusiva ao Estadão, ele diz que a falta de valorização da ciência e de atitudes pautadas em evidências científicas foram os principais fatores que levaram o País à situação atual. Ele criticou também a postura do Conselho Federal de Medicina (CFM) em autorizar a prescrição de tratamentos ineficazes, como a hidroxicloroquina, e disse acreditar que ainda viveremos as restrições impostas pela pandemia por um longo período.
"A gente vai ter uma presença endêmica do coronavírus por um tempo extremamente longo. A gente pode até controlar essas infecções endêmicas em determinados países ou regiões onde a gente tem um poder maior de imunização, mas sempre vai ter o risco de ela ser trazida por alguém que vem de fora dessas comunidades. Eu não vejo muito próximo o retorno a uma vida normal", opinou.
Em um ano de pandemia, 3.045 pessoas foram internadas com covid no Einstein, das quais 149 morreram. Considerando só a mortalidade entre os pacientes que passaram pela UTI, o índice foi de 16,6%, muito inferior a índices de mais de 50% registradas em redes hospitalares do Brasil e do exterior.
Para Klajner, a fórmula para reduzir a mortalidade passa por investir em UTIs com boa estrutura, equipamentos adequados e profissionais capacitados. As condições prévias de saúde da população e a facilidade de acesso à assistência também têm impacto, diz ele.
O principal aprendizado destes 12 meses de pandemia , diz o presidente do Einstein, é a necessidade de pautar as estratégias de enfrentamento à doença no conhecimento científico, e não em ideologias. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Em fevereiro do ano passado, quando o Einstein diagnosticou o primeiro caso, qual era a sua expectativa para duração e evolução da pandemia?
A minha expectativa naquele momento era a de que a gente teria um controle das pessoas que viessem a adquirir o vírus, um controle do isolamento desses pacientes e, por conta disso, a gente atingiria só uma pequena parcela da população. E que tomando os devidos cuidados, como higienizar as mãos, não espirrando nas mãos, evitando locais fechados, a gente teria um controle total da pandemia. Eu costumo ter uma visão mais otimista do que pessimista, então eu lembro que. naquele momento, a gente falava do clima tropical, da diferença do perfil epidemiológico do idoso da Itália, que é diferente do nosso País. Então, a minha visão de otimismo era que a gente teria uma coisa mais controlada.
Na sua opinião, quando as coisas desandaram no País para uma falta de controle completa? Quanto disso pode ser atribuído à falta de conhecimento que tínhamos sobre o vírus no início da pandemia e quanto é responsabilidade da falta de comando dos gestores e autoridades políticas?
Primeiro, a gente está diante de uma infecção por um vírus que ainda carece de muita informação sobre seu comportamento, então a primeira coisa é que a gente aprendeu muito com a doença no ano passado. Aprendeu maneiras de lidar com ela, da necessidade da abordagem multidisciplinar, ainda não aprendemos totalmente quem vai ficar ruim e quem não vai e o porquê. A gente aprendeu que os grupos de risco não são necessariamente só aqueles de faixa etária mais avançada, mas algo que não entendemos é um possível respaldo genético que faz com que algumas pessoas mais jovens também evoluam para insuficiências mais graves. Toda essa falta de conhecimento no início contribuiu, de fato, para a gente ter opiniões divergentes e uma das grandes causas que levaram à falta de um comando pautado por ciência foi a presença de opiniões de pessoas que não detêm conhecimento e passaram a colocar suas posições muito focadas em ideologias. Isso, em um mundo que a gente vive de disseminação muito fácil por mídias sociais, acabou virando verdade e atraindo uma legião de seguidores. A gente via médicos falando que isso não ia passar de uma gripe e que o calor daqui não ia deixar que fosse igual à Europa. A gente viu governantes preocupados com aspectos econômicos, estimulando o não-lockdown. Aqui no Einstein, lá no final de março, a gente já tinha uma projeção de que, caso não fosse feito algo como foi feito na quarentena, a gente teria o estouro da capacidade de leitos na cidade de São Paulo no dia 15 de abril. Então não dá para atribuir um só culpado, mas a falta do conhecimento, talvez a falta da valorização da ciência como o ponto norteador das atitudes e da adoção dessas medidas. E aí, obviamente, entram as nossas lideranças que preferiram acreditar neste ou naquele ponto, fizeram com que o comportamento da população brasileira em como enfrentar a pandemia e os investimentos e planejamento fossem bastante prejudicados desde o início. Toda essa situação colocou o holofote e uma lente maior nas deficiências do sistema de saúde em relação à gestão, ao seu investimento na saúde e na ciência, que é carente no País.
Mas, além dos problemas históricos de gestão e investimentos, teve a postura do governo federal de às vezes ir contra a ciência…
Então, além disso, você deixar de ver o que aconteceu no resto do mundo e colocar soluções salvadoras, se apoiar numa medicação porque aqui é o Brasil, é óbvio que não seria assim. Esse tipo de dúvida, de você atuar na economia independente do resultado da saúde, isso aconteceu no mundo inteiro. A Inglaterra é um país que, no começo, adotou a postura de imunidade de rebanho e, depois de milhares de pessoas indo para as UTIs, eles abandonaram essa estratégia e voltaram para o modelo de controle através de quarentena e lockdown. Então, a gente teria que, primeiro, ter uma liderança. E não necessariamente ia ser o presidente, poderia ser o secretário, o ministro da saúde. No momento que surgiram divergências, o ministro foi trocado. Tivemos duas trocas onde sequer o plano do primeiro ministro foi colocado adiante. Isso abriu espaço para os governos assumirem a autonomia de organizarem o enfrentamento em seus Estados. Então vira uma colcha de retalhos.
O Einstein foi um dos hospitais que lideraram estudos que mostraram que remédios como a hidroxicloroquina são ineficazes contra a covid. Na sua opinião, por que, mesmo com todas as evidências, médicos continuam prescrevendo?
Tudo isso é fruto da importância de como você coloca a ciência como pano de fundo para tudo que a gente faz em saúde. Na medida que esse mundo científico sofre intervenção de ideologias políticas, as mídias sociais se tornaram um palco onde as pessoas podem falar o que querem. Sem falar na própria consequência da última eleição, que praticamente dividiu o País, de pessoas que são partidárias de um tipo de postura, e não é só esquerda ou direita, mas também seguidores fiéis do nosso presidente ou de governantes de Estados, que acabaram, em vez de usar a ciência para se manifestarem, usando esses palcos para autopromoção, para promoção de ideologias. Não existe ciência com ideologia. Mesmo porque isso é um reflexo das brechas que a gente tem da própria formação científica que os médicos têm e de outros profissionais da área de ciências biológicas. Nesse sentido, esse palco deu espaço para as pessoas se manifestarem da forma que elas acham que é, o que mostra que falta essa formação médica para entender que a ciência não é feita com um trabalho com 20 pessoas no hospital na França. A ciência exige que você tenha evidências suficientes para dizer se um medicamento funciona ou não. Ciência e crença não combinam. Só que no nosso código de ética médica, ele coloca que o tratamento fútil é previsto como uma cláusula de má atividade médica. Quando você usa um medicamento que não vai trazer bem ao paciente, pelo contrário, pode causar evento adverso, a responsabilidade é de ambos (médico e paciente), mas o médico influencia muito. Concordo que a autonomia do médico faz parte da relação médico-paciente, da relação de confiança, mas existem também os guidelines, diretrizes e evidências que mostram como deve ser feito.
A gente viu essa questão da autonomia do médico ser usada como justificativa para aqueles que seguem prescrevendo hidroxicloroquina e pelo Conselho Federal de Medicina para manter a resolução que autoriza a prescrição. Mas o conselho já teve posturas contrárias a outras questões que poderiam estar relacionadas com a autonomia, como a telemedicina. Não dá a impressão que são dois pesos e duas medidas?
É isso mesmo que eu acho. Dois pesos e duas medidas, não tenho dúvida. Enquanto o nosso conselho coloca essa questão da autonomia do médico, o conselho da França faz um processo afastando o médico (Didier Raoult) por ter feito os estudos (com hidroxicloroquina) de forma inadequada. Realmente, é passível de crítica, inclusive porque a formação do médico vai seguir os preceitos que o conselho federal coloca, e não é o modo como eu vejo. Aí começam a aparecer casos de hepatite fulminante por ivermectina ou falta de evidências da melhoria dos pacientes.
A gente viu médicos de renome, como Nise Yamaguchi e Anthony Wong, defendendo terapias sem evidências científicas. O que você acha que leva a esse tipo de comportamento?
Aqueles colegas que insistiram no uso de tratamentos que não são pautados por uma boa evidência científica talvez tenham sido influenciados por outros fatores que não o seu paciente como o centro do cuidado pautados pela evidência científica. Ou eles não têm a compreensão, por falta de formação, do que é um artigo científico e quais são as críticas que a gente deve fazer. Te dou um exemplo: recentemente, faz um mês, houve a publicação de um artigo colocando a ivermectina como opção de tratamento precoce e esse artigo foi repercutido pelo próprio ministério, por uma série de médicos, mostrando que agora já teríamos evidências de uma revista renomada. A revista, por ter um nome bacana, foi colocada como se fosse de altíssimo impacto. Essa revista está na posição 984 no impacto dos jornais de medicina dos Estados Unidos. O artigo coloca uma revisão daquilo que já existe. Quem lê aquilo e não está preparado corretamente para interpretar um artigo científico vai ser enganado. O trabalho era praticamente uma impressão pessoal do autor, não havia ciência nesse trabalho. O artigo era uma porcaria, mas, com uma revista com nome bacana e com figurinha de algoritmo, acabou sendo uma chancela. Por que se faz isso? Porque há pessoas que querem ocupar uma posição de destaque que nunca tiveram e aí está a oportunidade. Ou pessoas que não têm a formação para poder compreender o que é um artigo sério. Outra questão é a falta de humildade de voltar atrás. Quando a pandemia começou, ninguém falava em usar máscara. A Organização Mundial da Saúde (OMS) falava que deveria usar máscara quem estivesse tratando de gente com covid. Depois, a gente teve que fazer um mea culpa por não termos usado a máscara antes. Foi um equívoco que o mundo teve que voltar atrás. Esse tipo de postura de soluções salvadoras aconteceu a pandemia inteira. Soluções salvadoras de alguém que tem um único interesse que é o interesse financeiro. Isso é oportunismo. E no meio médico acontece oportunismo da mesma forma.
Vocês tiveram um primeiro pico de internações em abril, com 135 pacientes. E agora, em janeiro, tiveram um novo pico, com 155 hospitalizados. Vocês esperavam que viveriam um pico pior do que o primeiro um ano depois do surgimento do vírus?
Esperar eu não esperava. Na verdade, eu tinha medo por causa do que vimos na Europa. O verão levou todo mundo para as ruas, para a praia, para as festas e eles passaram a experimentar uma segunda onda. Na verdade, eu esperava que não acontecesse, mas existia uma chance considerando o comportamento das pessoas aqui no Brasil como se a gente já tivesse vencido a pandemia. Tivemos aqui no Einstein uma estabilidade de quatro ou cinco meses de 50 pacientes internados no máximo. Depois do feriado de Finados, a gente começou a ver um incremento. A gente já vislumbrava as comemorações de fim de ano, Natal. Eu vi com muita preocupação quando a procura por passagem aérea estava só 15% abaixo da de 2019. Não é possível que as pessoas estejam viajando dessa forma. Ao mesmo tempo, a gente via festas, raves. A contaminação foi brutal e a gente teve que se mexer em meses que geralmente o movimento no hospital cai, que é dezembro e janeiro. A gente chegou a ter no mês de janeiro 102% de ocupação. Por que isso acontece? Teve essa hipótese das novas cepas. Hoje a situação aqui do hospital é de estabilidade. Houve uma diminuição no número de leitos dedicados à covid para 126. A preocupação é manter esses cuidados ainda, evitar aglomeração, até a gente ter uma quantidade de pessoas vacinadas para dizermos que a pandemia está controlada. Vai demorar um tempo grande até a gente ter uma quantidade da população já vacinada e isso que vai fazer ter controle. Se eu fico imunizado e deixo de respeitar essas medidas de precaução, talvez eu não adquira nenhuma forma grave, mas eu posso adquirir uma forma leve e continuar sendo transmissor. Enquanto o controle não é feito e eu estou comemorando a minha imunização, o vírus pode estar mutando até o ponto que a vacina deixa de ser eficaz.
Vimos a tragédia de Manaus, mas países ricos e hospitais melhor estruturados em outros locais do mundo também viveram colapso. Você acha possível que redes mais estruturadas colapsem diante da ameaça das novas variantes? O quanto isso te assusta?
Assusta menos do que assustou no começo da pandemia por conta da expertise em transformar alas não covid em covid e vice-versa. Ele assusta mais no sentido de termos que interromper tratamentos de doenças não covid.
Os dados do Einstein mostram que vocês tiveram uma mortalidade por covid-19 de 16,6% entre os pacientes que foram para a UTI. Outros hospitais têm índices muito maiores, que ultrapassam 50%. Como foi possível ter um baixo índice? Tem a ver com os recursos, mas está associado também ao estado que o paciente chega?
O que importa no tratamento dessa doença é o suporte à vida, o tratamento multidisciplinar e não um tratamento específico. Isso tem a ver com a qualidade de UTI, da disponibilidade dos recursos. Por exemplo, 40% dos pacientes precisaram de diálise. A maior causa de mortalidade em Nova York foi a falta de diálise. Houve UTIs em Nova York com mortalidade de 88% no momento do pico. E obviamente influencia nessa mortalidade as condições da população. A população carente de cuidados médicos terá uma taxa de mortalidade muito maior. Talvez um hospital como o nosso a gente tem uma população que tem um controle melhor das suas doenças. Isso é mais uma demonstração de que não existe tratamento específico. Tem até um estudo americano que mostra que a mortalidade nas UTIs americanas passou a diminuir à medida que deixaram de ficar testando tratamento e passaram a dar importância naquilo que é expertise de uma UTI: tratamento correto da insuficiência respiratória, prevenção de infecção secundária, uso da diálise.
Quando você acha que voltaremos a uma situação próxima da normalidade?
Eu estava lendo um artigo da Nature publicado recentemente e o título é “The coronavirus is here to stay” (O coronavírus está aqui para ficar). Eles entrevistaram uma centena de cientistas do mundo inteiro. E a opinião da maioria é de que a gente vai ter uma presença endêmica do coronavírus por um tempo extremamente longo. A gente pode até controlar essas infecções endêmicas em determinados países ou regiões onde temos um poder maior de imunização, mas sempre vai ter o risco de ela ser trazida por alguém que vem de fora dessas comunidades. Eu não vejo muito próximo o retorno a uma vida normal. Vamos ter que ter precauções quando frequentarmos lugares aglomerados. A gente vai ter que ter preocupação com fronteiras. Eu deposito a esperança do controle na vacinação. Fazendo um comparativo: H1N1 não foi embora. Na época do frio, a gente tem que proteger nossos velhinhos porque senão eles morrem. Então acho que não vai ser nada diferente.
Qual é o maior aprendizado que fica desse um ano de pandemia?
São vários aprendizados, mas talvez o principal é que quando a gente fala de saúde, isso é uma parte do conhecimento que diz respeito à ciência científica. Nada numa questão de saúde pode ser dirigida, liderada ou idealizada sem a participação de conhecimento científico. Nesse raciocínio, eu imagino que a gestão da saúde obriga que a gente tenha lideranças com conhecimento científico suficiente que vão dirigir o enfrentamento de qualquer situação de saúde. A liderança não pode ser feita por políticos. Ela pode ter políticos, mas ela tem que respeitar o conhecimento científico. Esse é um grande aprendizado que falta para o nosso País. Se você olhar para o resto do mundo, os países que melhor souberam lidar com isso foi quem tinha à frente um time de pessoas com conhecimento científico suficiente para opinar e dirigir as ações, e não uma liderança que tenha como norteador ideologias políticas.
Carlos Pereira: A improvável frente de oposição
Busca por protagonismo faz parte do DNA de partidos, e importa na escolha da trajetória política
Na ausência de blocos e troças carnavalescas nas ruas nesse carnaval da pandemia, o que predominou foi a melancolia de seus foliões. Por outro lado, para diminuir o vazio no coração dos seus brincantes, o que não tem faltado são partidos querendo cacifar seus candidatos a presidente para as eleições de 2022.
Insatisfeitos com o governo de Jair Bolsonaro têm defendido a necessidade de formação de uma frente suprapartidária de oposição ao presidente. O objetivo seria viabilizar uma candidatura única capaz de derrotá-lo. Acredita-se que se os partidos de oposição se apresentarem pulverizados, cada um com seu “bloco” (ops! candidato) à presidência, Bolsonaro teria maiores chances de se reeleger. Mas a viabilidade de uma frente única de oposição é improvável.
Partidos políticos em ambiente institucional que combina presidencialismo e multipartidarismo vivem um dilema de difícil resolução: seguir uma trajetória protagonista/majoritária, ao apresentar um candidato à Presidência; ou jogar o jogo de partido coadjuvante, tentando exercer o papel de pivô ou de mediano do Legislativo.
Se o partido for vencedor na trajetória majoritária certamente terá acesso aos maiores retornos políticos. Mas se perder, terá que estar preparado para comer “o pão que o diabo amassou” e amargar a condição de majoritário perdedor com os piores retornos pelos próximos quatro anos, nutrindo a expectativa de se tornar majoritário vencedor nas próximas eleições. Por outro lado, se o partido decidir seguir a trajetória de legislador mediano e ocupar a posição de âncora no Legislativo, pode auferir retornos intermediários entre os obtidos pelos majoritários vencedor e perdedor.
A escolha de uma determinada trajetória não é uma camisa de força. Partidos podem mudar de trajetória, mas estas mudanças geram custos não triviais.
Por exemplo, um partido pivô no Legislativo que decide mudar de trajetória para jogar o jogo majoritário corre o risco de perder a próxima eleição presidencial e assim obter uma recompensa menor do que obteria se tivesse continuado a jogar o jogo coadjuvante. Da mesma forma, se um partido trilha a trajetória majoritária e fracassa, pode mudar de trajetória e começar a jogar o jogo do partido coadjuvante. Mas, dependendo de quão amarga e competitiva foi a campanha presidencial, pode levar mais tempo para que o perdedor majoritário envergonhado construa pontes de confiança e de cooperação com o vencedor majoritário.
O racha ocorrido com o DEM na eleição do Presidente da Câmara expressa muito bem esse dilema. Rodrigo Maia tentou alçar o DEM a um voo rumo ao protagonismo, talvez com a candidatura de Luciano Huck à presidência. Mas a bagagem pesada — sua trajetória mediana — obrigou o partido a uma aterrissagem de emergência num descampado no interior da Bahia... A maioria do DEM, sob a liderança de ACM Neto, simplesmente preferiu continuar na sua trajetória coadjuvante. Os riscos e custos de mudança de trajetória seriam altos demais. O mesmo comportamento se espera do MDB, PSD, PTB, PSB, PC do B e aos partidos que compõem o Centrão.
Por outro lado, partidos como o PT e PSDB, que têm trilhado de forma consistente a trajetória majoritária desde o seu nascimento, seja na condição de perdedor ou de vencedor, fatalmente terão candidatos à presidência em 2022. Raciocínio semelhante a aplica a partidos como PDT, PSOL, Novo e Rede.
Partidos têm muita dificuldade de abrir mão de suas ambições individuais, ainda que legítimas, e se engajar em um projeto coletivo que, supostamente, beneficiaria a todos. A busca pelo protagonismo faz parte do DNA desses partidos, daí ser improvável a mudança de trajetória.
*Cientista Político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)