covid-19

Cristina Serra: Ge-no-ci-da!

Peço que você repita a palavra comigo, escandindo as sílabas

Em meados do ano passado, o Brasil já ia pela casa dos 50 mil mortos pela pandemia. E o que fez o genocida? Incentivou seus cães ferozes a invadir hospitais. Na época, o cartunista Renato Aroeira traduziu numa charge a indignação de muitos brasileiros. No desenho, a cruz vermelha dos hospitais é convertida na suástica nazista pelo genocida. Uma imagem forte e poderosa. O Ministério da Justiça decidiu perseguir Aroeira, mas deu um tiro no pé. Em solidariedade, mais de 70 artistas republicaram a charge e amplificaram a crítica.

Movimento semelhante ocorreu nesta semana, quando o Brasil já está perto de alcançar cinco vezes mais mortes do que em junho. Cinco manifestantes foram presos em Brasília por expor um cartaz que reproduz o trabalho de Aroeira e acrescenta a palavra que está no centro do debate nacional: genocida. A mesma palavra motivou uma intimação policial ao youtuber Felipe Neto, que a usara para criticar o presidente"¦ genocida.

Rapidamente, uma frente de advogados criou a plataforma "Cala boca já morreu", que oferece defesa gratuita para quem for processado ou preso por críticas ao genocida. Felipe Neto não se deixou intimidar e revidou à altura no ecossistema que conhece como poucos e por meio do qual alcança milhões de pessoas. Ele postou o vídeo "Bolso família", programa de transferência de renda para uma única família, no caso, a do genocida.

Bem que a oposição poderia tomar aulas de comunicação com o youtuber. Graças ao seu alcance, o epíteto pegou e estará colado para sempre na testa de Bolsonaro: genocida! Seus atos estimulam a reprodução do vírus que está matando milhares. Por isso, Bolsonaro não é um assassino comum. É um genocida.

O país derrete no colapso hospitalar e sanitário. Todos os dias são de despedidas. Para não adoecer de Brasil, temos que expressar nossa indignação. Neste texto, usei 11 vezes o termo genocida. E peço que você repita comigo, escandindo as sílabas: GE-NO-CI-DA!


Hélio Schwartsman: No mundo de Bolsonaro

É possível conciliar o seu mundo ao mundo dos fatos?

No mundo dos fatos, Jair Bolsonaro negou a gravidade da epidemia de Covid-19, sabotou medidas de distanciamento social, promoveu tratamentos "mágicos" que não funcionam e foi omisso na compra de vacinas. Ainda provocou aglomerações com suas aparições públicas e espalhou "fake news" sobre as máscaras. Objetivamente, ele responde por parte das quase 300 mil mortes que o Brasil registra.

No mundo de Jair Bolsonaro, a história é bem diferente. No início deste mês, o presidente fez uma avaliação de sua performance ao longo de um ano de pandemia: "Desculpe aí, pessoal, não vou falar de mim, mas eu não errei nenhuma desde março do ano passado".

É possível conciliar esses mundos, isto é, há uma explicação lógica para pelo menos compreender a discrepância? Sim, e ela é de ordem psicológica. O cérebro humano é um trapaceiro. Ele não hesita em torcer a linguagem e os fatos para poupar-se das dores de dissonâncias cognitivas e construir para si próprio uma autoimagem aceitável.

Meu exemplo favorito da magnitude dessa capacidade é a declaração de um "serial killer" capturado nos EUA em 1994: "Além das duas pessoas que matamos, das que ferimos, da mulher em que demos coronhadas e das pessoas que fizemos comer vidro, não machucamos ninguém".

E Bolsonaro acredita mesmo que foi impecável em relação à Covid-19? A pergunta é traiçoeira. Gostamos de pensar nossos cérebros como um comando centralizado, mas a realidade é bem mais multifacetada. Uma imagem interessante é a proposta pelo neurocientista David Eagleman, segundo o qual o cérebro é uma democracia representativa, na qual diversos módulos e sistemas podem ter opiniões divergentes sobre o mesmo tema. Vence quem, num dado momento, grita mais alto.

O trágico dessa história é que quanto mais cobramos responsabilidade de Bolsonaro, mais seu cérebro busca refúgio no mundo paralelo no qual o ele "não errou nenhuma".


Demétrio Magnoli: O paradoxo do centro

Siglas têm nas mãos fracassos gravados na memória coletiva, mas não têm narrativa

Lula versus Bolsonaro. As sondagens indicam um segundo turno moldado pela mesma polarização política de 2018. Mas isso, como sabe qualquer especialista em pesquisas, é o som do passado —e eleições são sobre o futuro.

Tanto o ex como o atual presidente comandam minorias consolidadas, potencialmente capazes de impulsioná-los ao turno derradeiro, mas não de garantir-lhes o triunfo diante de uma terceira opção. A paisagem é mais ampla que o cenário numérico: objetivamente, o chamado "centro" tem uma oportunidade singular de bater um e outro em 2022. Em tese, a missão exige apenas uma campanha eficaz de esclarecimento político.

Não se trata de apontar, no plano ideológico, as simetrias verdadeiras e falsas (pois existem as duas) entre as candidaturas polares. Eleições só são sobre ideologia para a minoria que se imagina politizada. Trata-se de identificar e descrever dois fracassos históricos inapeláveis.

O fim do longo ciclo global de expansão das economias emergentes iluminou os contornos completos do lulismo. Lula/Dilma produziram uma devastadora recessão econômica junto com o assalto corrupto às empresas estatais.

A plataforma lulista, um varguismo atualizado, é essencialmente conservadora: perpetuar as engrenagens de um Estado perverso que premia o estrato superior do funcionalismo e os empresários dependentes de contratos públicos suspeitos ou gordos subsídios estatais. Seu resultado é condenar-nos à ineficiência econômica, gerar sucessivas crises fiscais e impedir a qualificação dos serviços públicos universais.

O governo Bolsonaro revelou-se, desde o início, uma regressão autoritária e, no campo econômico, um estelionato eleitoral. Paulo Guedes, o superministro que prometeu as chaves do paraíso, não entregou privatizações, concessões, abertura comercial ou reformas estruturais. No lugar disso, caminhamos a passos largos para uma combinação tóxica de inflação e estagnação.

Mas a perversão bolsonarista evidenciou-se inteiramente durante a pandemia. O negacionismo chucro, a sabotagem perene das medidas de contenção sanitária, a irresponsabilidade na aquisição de vacinas, a inação diante da tragédia em Manaus formam uma coleção de crimes contra a saúde pública. Bolsonaro é um vírus letal.

O centro político tem tudo nas mãos: a experiência recente, gravada na memória coletiva, de dois fracassos consecutivos. Mas não tem narrativa, discurso, programa ou rosto. E isso porque, desde o segundo turno de 2018, rendeu-se ao bolsonarismo. Os principais partidos centristas —o PSDB, o MDB e o DEM— associaram-se, em graus variados, ao governo da extrema direita. A adesão, aberta ou oculta, pesa como chumbo. Não há sabão capaz de limpar as mãos que tocaram uma poça tão pútrida.

A explicação sugerida pela esquerda para o gesto vergonhoso está errada. A coalizão bolsonarista não representa a elite econômica nacional, melhor servida nos governos FHC e Lula. Pelo contrário, é uma liga frágil que reúne fanáticos extremistas, militares ressentidos da reserva, facções da polícia e milícias criminosas, máfias regionais de desmatadores, bispos de negócios e uma franja periférica do empresariado. Bolsonaro capitaneia a nau de um governo lúmpen.

As raízes da estranha adesão podem ser procuradas no antipetismo visceral difundido durante a louca aventura econômica dilmista ou, talvez, numa camada bem mais profunda da nossa história, que remete à truncada, precária absorção dos valores democráticos. Qualquer que seja a explicação, o advento do bolsonarismo provou uma tese angustiante: no Brasil, o centro político desconhece a fronteira de princípios que deveria separá-lo da direita reacionária.

2022 não está escrito nas estrelas. Mas a eleição que tinha tudo para encerrar duas experiências falimentares parece caminhar rumo à reencenação da farsa vulgar de 2018.


João Gabriel de Lima: Dois presidentes na guerra contra o vírus

O Chile pode ser a inspiração para a reviravolta que o Brasil precisa dar

Em março de 2018, Sebastián Piñera tomou posse como presidente do Chile. Sete meses depois, do outro lado da cordilheira, Jair Bolsonaro venceu o segundo turno no Brasil. Ambos derrotaram as esquerdas em seus países. Piñera triunfou num ambiente um pouco menos polarizado – como brinca o economista Samuel Pessoa, o debate político chileno, na comparação com o brasileiro, lembra uma mesa acadêmica opondo a Universidade de Chicago ao MIT.

No meio do mandato, Piñera enfrentou insatisfação e protestos. Sua popularidade caiu a 6% em janeiro de 2020. Veio a pandemia, e Piñera mostrou senso de urgência. Em maio de 2020, determinou que seu subsecretário de Relações Internacionais, Rodrigo Yañez, se dedicasse exclusivamente à compra de vacinas. O Chile usou a seu favor o fato de ser uma das economias mais abertas do mundo, participante de mais de 30 tratados internacionais. Piñera supervisionou pessoalmente as negociações.

Enquanto o Chile brigava por vacinas, o Brasil as esnobava. De acordo com o presidente do Instituto ButantanDimas Covas, o governo federal recusou, ao longo de 2020, quatro ofertas de lotes da Coronavac. Em dezembro, Bolsonaro desdenhou do imunizante da Pfizer que, segundo ele, poderia transformar seres humanos em jacarés. No mesmo mês, o Chile recebeu o primeiro lote de vacinas, destinadas aos profissionais de saúde. Da Pfizer.

Hoje o Chile é exemplo na América Latina. Na quarta-feira 17 de março, 36,7% da população estava vacinada, ante 5,6% no Brasil. O Chile deve atingir um índice confortável de imunização até o fim de junho. Ao longo desta semana, o Brasil cruzou, na média móvel, o umbral das 2 mil mortes diárias – sem nesga de luz ao fim do túnel. 

Ao negociar com vários laboratórios, o Chile driblou a escassez de imunizantes no mercado – problema que assombra o Brasil. “Só em maio deveremos ter maior disponibilidade de vacinas”, diz a epidemiologista Silvia Martins, da Universidade Columbia, personagem do minipodcast da semana.

Com a boa gestão da pandemia, Piñera recuperou parte da popularidade – está em 24% e em ascensão. Nesta semana, a rejeição a Bolsonaro chegou a 54%, a maior até agora. 43% dos brasileiros culpam o presidente pela proliferação da covid-19. Como observou o Estadão em editorial, os eleitores decidiram responsabilizar Bolsonaro, e não os governadores, pela tragédia humanitária.

Os impactos econômicos já se fazem sentir. A instabilidade do Brasil assusta os investidores, e o Banco Central acaba de elevar os juros para evitar a disparada da inflação. No Chile, houve o tombo regulamentar de 2020. O mercado, no entanto, revisou para cima as projeções para 2021 diante do sucesso da vacinação, como mostrou o colunista Fábio Alves no Estadão – mesmo com o número ainda alto de casos no país, que estuda um novo lockdown.

Em conversa com apoiadores na quinta-feira, 18, o presidente Bolsonaro perguntou: “Qual país do mundo está tratando bem a questão da covid? Aponte um”. Fica a dica. O Chile pode ser a inspiração para a reviravolta que o Brasil precisa dar. Segundo o jornal El País, Peru, Colômbia, Uruguai, Paraguai e México destacaram especialistas para estudar o caso chileno.

De acordo com o STF, todos os entes federativos têm responsabilidades no combate à pandemia. A comparação com o Chile mostra que o presidente tem um papel fundamental. Lá, atuação proativa e senso de urgência fizeram toda a diferença.


Ascânio Seleme: O que Bolsonaro faria

Do Império à República: alguns capítulos da história sob a ótica do atual presidente

Num exercício livre de reflexão, comecei a imaginar como seriam contados alguns capítulos da História do Brasil se Jair Bolsonaro estivesse nos sapatos de outros líderes brasileiros desde o fim do Império. Acho que seria mais ou menos assim:

Pedro II - Se fosse Bolsonaro e não Dom Pedro II o último imperador do Brasil, a República poderia demorar um pouco mais a acontecer. Bozo I iria puxar tanto o saco dos militares que talvez conseguisse demover o marechal Deodoro da Fonseca de fazer a proclamação em 1889. Poderia, de outro lado, provocar uma guerra civil se ouvisse a princesa Isabel e o conde D’Eu, que pediam uma reação armada. Antes disso, vetaria a Lei Áurea.

Deodoro da Fonseca - Daria o golpe, claro. Derrubaria o Império e fundaria uma república militar, onde civil ficasse sempre do lado de fora.

Delfim Moreira - Ao contrário do velho presidente, Bolsonaro não levaria a sério a gripe espanhola. Demitiria Carlos Chagas do Serviço de Saúde Pública e nomearia um general para o seu lugar. Os 35 mil mortos feitos pela epidemia em 1918, subiriam para mais de 300 mil no ano seguinte.

Getulio Vargas - Seria um ditador muito mais violento que o velho caudilho. Da mesma forma que Getulio, teria seus guarda-costas e deixaria seus filhos e parentes à vontade perto dos cofres públicos. Na Segunda Guerra, apoiaria Hitler e acabaria sendo derrubado pelas Forças Armadas aliadas. Morreria na prisão, não sendo portanto, eleito anos depois para um mandato democraticamente adquirido, o que não era mesmo o seu forte.

Jânio Quadros - Seria igual ao maluco da vassoura. Mas não renunciaria, nem de mentirinha, em razão do perigo de seu blefe ser aceito e ele vir a ser substituído por um vice “comunista”. Como Jânio, nenhuma dúvida que o nosso parvo trocaria os pés pelas mãos.

Castelo Branco - Golpe é com ele mesmo. Diferentemente de Castelo, seria difícil retirar o capitão do cargo para iniciar o rodízio de generais.

Costa e Silva - Baixaria o AI-5 sem qualquer dúvida. Rindo. E nem se incomodaria em ter o aval do Ministério. Seria uma decisão que tomaria apenas com seus generais. Imaginem a farra que faria se tivesse tanto poder. Cassaria, prenderia e mandaria matar uns 30 mil. Despacharia de farda.

Emílio Médici - Se fosse Médici, Bolsonaro não apenas apoiaria a linha dura, seria membro efetivo do porão. Se pudesse, subiria até a “Casa da Morte”, em Petrópolis, para dar umas porradas naqueles comunistas safados, arrancar um par de unhas. Iria em carro aberto na companhia do coronel Brilhante Ustra, que seria o chefe da “sua” Polícia Federal.

Ernesto Geisel - No lugar de Geisel, jamais iniciaria a abertura, nem lenta, nem gradual, nem coisa nenhuma. Faria do general Sílvio Frota o seu sucessor para endurecer ainda mais o regime.

Tancredo Neves - Impossível fotografá-lo nos sapatos de Tancredo. Bolsonaro jamais conseguiria se adaptar ao papel democrático e tolerante do presidente que nunca assumiu o mandato. Mas, se estivesse no lugar do mineiro, manteria o colégio eleitoral para sempre.

Fernando Collor - Se tivesse um Paulo César Farias ao lado, cumpriria o mesmo roteiro de Collor. De caráter frágil e sem a transparência dos dias de hoje, Bolsonaro deixaria o PC roubar.

Fernando Henrique - Como o tucano, trabalharia por um segundo turno. E depois por um terceiro e quarto. Mas não seria no Congresso. Ao contrário do verdadeiro FH, jamais escreveria ou leria um livro.

Lula - Como Tancredo, é quase impossível pintar Bolsonaro nas cores do Lula. Talvez ele seguisse a política de cotas do PT, mas apenas pelo aspecto político-eleitoral. Ao contrário de Lula, sua preocupação com pobre e com quem tem fome é só da boca para fora.

A conclusão eu deixo para vocês. A mim coube apenas desenhar as hipotéticas situações acima elencadas. Se não foi útil, espero que pelo menos tenha sido curioso.

Como é?

Na sua primeira fala depois de indicado para o Ministério da Saúde, Marcelo Queiroga disse que a política da Saúde quem faz é o presidente, não o ministro. Que política, Queiroga? Falta quase tudo no governo de Bolsonaro, inclusive inteligência, discernimento, tolerância e capacidade de negociação. Mas, antes de qualquer coisa, falta-lhe política para a saúde pública em meio a uma epidemia que já fez 290 mil mortes. Por isso, aliás, o presidente negacionista agora é também chamado de genocida, e não só por Felipe Neto. Virou uma febre nas redes sociais. Ao assumir o ministério e entregar suas diretrizes ao chefe, Queiroga associa-se ao genocídio brasileiro.

De boas

A nomeação de Queiroga desagradou a quase todo mundo. Parlamentares, governadores, prefeitos e profissionais de Saúde reclamaram da indicação. Principalmente depois de ouvirem do próprio indicado que iria “dar continuidade” ao trabalho do incompetente general que deixou o cargo e que seguiria a política (?) de Bolsonaro. Até o Centrão fez cara feia. Somente o sogro do senador das rachadinhas, amigão do novo ministro, ficou feliz. Ponto para o zerinho, porque nunca é demais ficar de boas com o sogrão. E o Brasil? Bom, o Brasil a gente vê depois.

Reserva

Os generais do Alto Comando do Exército querem que Pazuello vá para a reserva, mesmo que não assuma nenhum cargo no governo. Não são bobos, esses generais.

Terra plana

Bem lembrado por Ancelmo Gois. Quinta-feira fez um ano que o deputado Osmar Terra disse que a Covid-19 mataria menos do que o H1N1. Um homem que abandonou a medicina nos anos 1980 para fazer política sindical e depois partidária, posou de entendido no início da pandemia. Queria ser ministro. Se deu mal o ex-médico. Bolsonaro encontrou outro mais “terraplanista” do que ele.

Morrem mais

Negacionistas morrem mais porque se expõem mais. Nenhuma novidade. Por que, então, o espanto com a morte por Covid-19 de John Magufuli, presidente da Tanzânia? O Bolsonaro tanzaniano cumpriu a jornada que lhe cabia.

Clube dos zerinhos

Por ora, apenas onde o capitão fraquejou não apareceram malfeitos, inquéritos, investigações policiais e indiciamentos. A turminha boa aprecia uma farra com dinheiro público ou desviado de terceiros, além, é claro, de adorar um traficozinho de influência. Os zeros bravateiros também gostam muito de agredir instituições, sobretudo as democráticas. Bem-vindo ao clube, Jairzinho.

Fome

As reportagens sobre a fome no Brasil publicadas nos diversos jornais da TV Globo e da GloboNews mostraram que são inúmeros os brasileiros solidários, que se esforçam além do limite para reduzir a dor alheia. Enquanto isso, governo e Congresso levaram três meses para retomar o auxílio emergencial para quem precisava dele com urgência. Em abril, aqueles que pararam de comer em janeiro, poderão voltar à mesa.

Pergunte a Jesus

Os cristãos de bom coração deveriam se perguntar como Jesus reagiria se soubesse que os senhores do templo podem embolsar integralmente o dinheiro dos fiéis, sem precisar devolver sequer parte dos valores arrecadados na forma de imposto. E o que ele diria se todas as multas por falcatruas aplicadas contra igrejas fossem extintas. Deveriam também se lembrar das imagens de Edir Macedo ensinando “bispos” novatos a extorquir os seus crentes e depois contando dinheiro de doações esparramado pelo chão. Ou daqueles sacos de dinheiro sendo embarcados num helicóptero para fora do templo.

Gravíssima

As tentativas de intimidação a Felipe Neto e aos manifestantes de Brasília que chamaram Bolsonaro de genocida valem tanto quanto um caroço de pequi roído. Nunca prosperarão. Grave, gravíssima, é a instrumentalização da Polícia Civil, que correu para atender o zerinho municipal contra o youtuber, em flagrante ilegalidade, e da PM, que despencou para obedecer comando do Planalto e enquadrar os que protestavam. Com a Polícia Federal já dominada, restam juízes, tribunais e a defensoria pública (obrigado) para conter autonomias indevidas e perigosas. Tirania nunca mais.


O Globo: Com pandemia no ápice, conflitos entre Bolsonaro, governadores e prefeitos emperram medidas de combate

Governador da Bahia, Rui Costa (PT), que também enfrenta críticas de prefeitos bolsonaristas, disse que vai acionar a Procuradoria-Geral do Estado para atuar contra o presidente

Bernardo Mello, Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo, O Globo

RIO E SÃO PAULO - No momento mais crítico da pandemia, com o Brasil prestes a atingir a marca de 300 mil mortos, o confronto entre o presidente Jair Bolsonaro, governadores e prefeitos vem dificultando a adoção de medidas no combate ao coronavírus. Além de terem decretos questionados por Bolsonaro, que ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) ontem contestando o toque de recolher adotado por Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, governadores de pelo menos oito estados enfrentam embates com prefeitos, alinhados ou não ao presidente, que rejeitam restrições em seus municípios.

Leia: Em ação no STF, Bolsonaro compara restrições impostas por governadores a estado de sítio

Ontem, governadores que foram alvos do pedido no STF — que deve ser negado pela Corte — reagiram ao presidente. O governador da Bahia, Rui Costa (PT), que também enfrenta críticas de prefeitos bolsonaristas, disse que vai acionar a Procuradoria-Geral do Estado para atuar contra o presidente, a quem chamou de “aliado do vírus”.

Governadores e prefeitos entraram em choque Foto: Editoria de Arte
Editoria de Arte/O Globo

O Consórcio Nordeste, formado por todos os estados da região, classificou o pedido de Bolsonaro como “inusitado”, enquanto Ibaneis Rocha (MDB) prorrogou o toque de recolher no Distrito Federal. O gaúcho Eduardo Leite (PSDB) ironizou a ação e disse que Bolsonaro “mais uma vez chega atrasado” ao debate. Leite também lembrou que o STF autorizou estados e municípios a determinarem suas próprias restrições, prevalecendo a regra mais rígida.

Interferência da Justiça

Bolsonaro criticou ainda o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), por determinar o fechamento das praias no fim de semana. O presidente disse que ir à praia era uma forma de obter vitamina D, o que reduziria a chance de um quadro grave em caso de contaminação com o vírus. Paes afirmou que pediria ao governador Cláudio Castro (PSC), aliado do presidente, para estender restrições à Região Metropolitana e respondeu Bolsonaro em uma rede social.

“Temos clareza das vitaminas que todos precisamos para ter saúde. Uma delas é a vitamina da solidariedade e contra o negacionismo aos fatos e o que vem acontecendo em todo o país”, escreveu Paes.

Gestão da pandemia criou atritos Foto: Editoria de Arte
Editoria de Arte/O Globo

Em algumas capitais, como Porto Alegre, Natal e Teresina, prefeitos alinhados ao bolsonarismo só cumpriram medidas restritivas de decretos estaduais após serem pressionados no Judiciário. Na capital do Piauí, o prefeito Dr. Pessoa (MDB), simpático a Bolsonaro, fez uma ofensiva no fim de janeiro, após se reunir com o presidente, pedindo a flexibilização de protocolos. Na última quinta, Pessoa baixou um decreto que descumpria as restrições do estado. O governador Wellington Dias (PT) recorreu à Justiça, que obrigou o município a seguir as regras estaduais.

— O sistema de saúde de Teresina está colapsado. Tivemos notícia de paciente que morreu sem atendimento. Ele (o prefeito) é um médico e espero que, com essa decisão, a gente possa manter a integração — afirmou Dias. — A posição do presidente cria uma dificuldade no cumprimento dos protocolos e decretos que são implementados. Sai da orientação científica para a campo da política.

Senado: Pacheco diz não haver razão para estado de sítio e cobra ações efetivas contra Covid-19

Em Natal, o prefeito Alvaro Dias (PSDB) aceitou um decreto conjunto com o governo do Rio Grande do Norte, na quarta-feira, após mediação do Ministério Público e pressionado por uma decisão judicial que reafirmava a prevalência das medidas mais restritivas. Na semana anterior, Dias havia contrariado decreto da governadora Fátima Bezerra (PT) e flexibilizado o toque de recolher para bares e restaurantes.

Em audiência de conciliação na última semana, Dias — que tem defendido o uso de remédios ineficazes contra a Covid-19, como a cloroquina — chegou a dizer que a capital potiguar tinha “vencido a pandemia”. Após ceder ao decreto estadual, ele justificou a mudança de posição citando a “agressividade” de novas cepas do vírus, argumento semelhante ao sugerido por aliados de Bolsonaro para que o presidente passasse a defender a vacinação:

— Ninguém gosta de adotar medidas tão duras. Isso afeta dos empresários aos trabalhadores mais pobres, informais. Por outro lado vejo que a doença está se espalhando e com características diferentes da primeira onda.

Na capital gaúcha, onde mais de 300 pessoas aguardam por leitos de UTI, o prefeito Sebastião Melo (MDB) ameaçou romper a chamada “cogestão”, em que prefeitos e governador tomam medidas conjuntas contra a Covid-19. Crítico ao fechamento de serviços, Melo chegou a apelar à população para que “contribuísse com a vida para salvar a economia”, e disse que “sempre cabe mais um” em hospitais.

Atrito entre aliados

O GLOBO também identificou conflitos entre governadores e prefeitos no Espírito Santo, Paraíba, Bahia, Minas Gerais e São Paulo.

Embora a maioria dos conflitos seja marcada por rivalidades locais, também há divergências entre aliados. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e seu correligionário Bruno Covas trocaram críticas ontem sobre a decisão da capital de antecipar feriados na tentativa de aumentar o isolamento social.

O temor do estado é que o feriado prolongado de dez dias motive viagens e aglomerações no litoral. Doria disse que faltou bom senso. Covas rebateu e disse que o que falta é “senso de urgência”.

Além das capitais, cidades médias apresentam embates envolvendo prefeitos que se declaram apoiadores de Bolsonaro e contrariam medidas restritivas.

Aglomeração

Em Bauru, o governo do estado alega que a gestão de Suéllen Rosim (Patriota) tentou descumprir a fase vermelha e não tem investido na fiscalização das medidas sanitárias. No mês passado, ela cantou em um culto em uma igreja para diversas pessoas.

— Bauru é o pior exemplo do estado em termos de consequências negativas para a saúde da população — afirma Paulo Meneses, epidemiologista e coordenador do Centro de Contingência do governo estadual.

Veja também: Ciro Gomes é alvo de inquérito da PF por ter criticado Bolsonaro em entrevista

Em Campina Grande, o prefeito Bruno Cunha Lima (PSD) afirmou que vai recorrer de decisão judicial que o obrigou a seguir o toque de recolher do governador João Azevedo (Cidadania).

Em Ipatinga (MG), o prefeito Gustavo Nunes (PSL), eleito com apoio do presidente em suas lives, chegou a retirar a cidade do programa “Minas Consciente”, da gestão estadual de Romeu Zema (Novo), que estabelece protocolos sanitários para abertura de serviços. Mesmo em colapso na rede pública, Nunes se recusou a fechar atividades até quarta-feira, quando Zema impôs toque de recolher estadual, inclusive para quem estava fora do Minas Consciente.

Na Bahia, cidades no Sul do estado resistiram ao decreto estadual de lockdown. Em Teixeira de Freitas, o prefeito Marcelo Belitardo (DEM), que teve apoio do bolsonarismo local na última campanha, baixou um decreto que afirma que as medidas do governador da Bahia “não serão acolhidas”.


Evandro Milet: Podemos trocar o ministro por um algoritmo

Quem não faltou à aula de interpretação de textos na escola conseguiu ler o óbvio na decisão do STF e entendeu que a Corte não proibiu o governo federal de agir no enfrentamento da pandemia da Covid-19. Apenas, no seu entendimento, a possibilidade do chefe do Executivo Federal definir por decreto a essencialidade dos serviços públicos, sem observância da autonomia dos entes locais, afrontaria o princípio da separação dos poderes.

É óbvio que uma série de ações de coordenação e articulação com estados e municípios deveria ter sido feita e não foi. O STF não proibiu o executivo de coordenar a compra de respiradores que poderia ter evitado a bateção de cabeça com governadores negociando com fabricantes preços disparatados e dando margem à tenebrosas transações. Caberia até uma articulação diplomática com países fornecedores. Também não impede de coordenar a compra de oxigênio. Se não podia coordenar essas compras porque poderia comprar caminhões de cloroquina e distribuir?

Se o papel do governo federal é só distribuir o dinheiro para os estados, o ministro da saúde poderia ser substituído por um algoritmo com as regras de divisão. Aliás, a computação afetiva já começa a ser realidade e os algoritmos de inteligência artificial conseguem perceber até emoções. Não faria mal um pouco de empatia, mesmo digital, com os pacientes e famílias. Um robô teria mais sensibilidade para visitar hospitais.

O STF também não proibiu o executivo de fazer uma ampla campanha pela utilização de máscaras e pela necessidade de distanciamento social. Mas como fazer isso se o próprio Presidente fazia o contrário do que o mundo todo preconizava? Até campanha pelas vacinas fica difícil depois das seguidas manifestações contra a vacina chinesa por um ciúme político doentio e as transmutações em jacarés. Com isso se atrasou toda a negociação com fabricantes de vacinas.

A única recomendação presidencial foi pelo tal tratamento precoce que não consta em nenhum protocolo para covid em países desenvolvidos e ainda derrubou dois ministros que não compactuaram com as recomendações. Muita gente tende a seguir as recomendações médicas do capitão e passa a se achar imune, relaxando nos cuidados devidos. As teorias delirantes de conspiração nas redes supõem que todos os cientistas e líderes mundiais foram subornados pelos laboratórios farmacêuticos, que não queriam que os remédios baratos de lúpus, piolho e lombriga competissem com seus remédios caros.

Nas redes sociais proliferam, sem controle, as opiniões mais estapafúrdias também incentivadas. Umas acusam a imprensa de alarmismo quando, na verdade, as campanhas deveriam seguir as dos maços de cigarros ou da exposição crua dos acidentes de trânsito. Outras querem exigir que se divulgue principalmente o número de pessoas curadas. Seria como ao invés de repercutir os seis milhões de mortos no holocausto, dar destaque aos milhões que sobreviveram. Outros procuram relativizar o número de mortos comparando com outras doenças como câncer, dengue ou problemas cardíacos. Ora, para essas doenças há informação para quem quiser sobre como se prevenir, enquanto a covid é uma loteria com poucas informações sobre quem está sujeito a morrer, afastando famílias, colocando empresas em home office, fazendo se arriscar quem tem de trabalhar presencialmente e acabando com a vida social.

As atitudes tomadas pelos países de maior sucesso com muitos testes e rastreamento não foram seguidas obviamente pela falta de comando e pelo negacionismo permanente da gravidade e do possível número de mortos. Gripezinha, maricas, mimimi, frescura são expressões deprimentes e ridículas para tratar algo tão sério e perigoso.
Os países que levaram o problema a sério e introduziram desde cedo os procedimentos devidos, estão recuperando mais rapidamente a economia. Os que negaram o problema e não souberam conduzir o processo sofrerão as consequências por muito mais tempo.


Juan Arias: Alguém acha que se Bolsonaro perder as eleições contra Lula irá passar a faixa pacificamente?

A única coisa que preocupa o capitão desde que foi eleito é assegurar sua reeleição no ano que vem. Contra isso, é capaz de atropelar liberdades e voltar a acariciar seu sonho de uma nova ditadura militar

A possível foto do capitão Bolsonaro passando pacificamente a faixa presidencial ao ex-presidente Lula percorreria o mundo. E é isso que o presidente tentará evitar. Já recém-eleito em 2018 começou imediatamente a colocar em dúvida a legitimidade das urnas e exigiu o voto impresso. Chegou a dizer que se os votos não fossem manipulados ele teria vencido no primeiro turno e que tinha provas disso, mas nunca as apresentou. E desde então deixou claro que se perder o próximo pleito e ainda mais agora com a possibilidade de que Lula seja o vitorioso, não aceitará pacificamente os resultados.

Não por acaso, desde que surgiu de surpresa a possibilidade de que Lula possa disputar as eleições, Bolsonaro tem afirmado que só ele pode impor o estado de sítio no país. Falou novamente da possibilidade de um golpe, de que ele conta com “seu Exército”.

Bolsonaro nunca apareceu tão nervoso e agressivo ao mesmo tempo em que se apresentou de repente como o defensor da vacina, enquanto abre uma guerra contra os governadores aos que acusa de ser os responsáveis pela tragédia da pandemia por permitirem medidas restritivas para tentar conter o drama da covid-19 cada vez mais perigosa e agressiva.

A única coisa que preocupa o capitão desde que foi eleito é assegurar sua reeleição no ano que vem. Contra isso, o presidente é capaz de atropelar todas as liberdades e de voltar a acariciar seu sonho de implantar uma nova ditadura militar. Não é por acaso que a cada dia seu Governo aparece mais militarizado e que no boletim do Clube Militar do Rio de Janeiro tenha se defendido que a maioria dos brasileiros “tem saudade da ditadura”. Algo que todas as pesquisas nacionais desmentem mostrando que 70% dos brasileiros são favoráveis à democracia.

Bolsonaro voltou esses dias à cínica filosofia de que “a liberdade é mais importante do que a vida”. Só que ele falar de liberdade soa a sarcasmo. Pelo contrário, para ele o conceito de liberdade não existe. A primeira vez que ele falou de liberdade significou liberdade para infringir as leis restritivas contra o avanço da pandemia. Bolsonaro não entende de filosofia e não sabe o que é um silogismo e um sofismo. Seu forte não é o raciocínio e a reflexão e sim a impulsividade das armas e a exaltação da violência em todas as suas vertentes.

Quando o presidente defende que a liberdade vale mais do que a vida não está fazendo uma reflexão filosófica. Está só pensando na liberdade que suas hostes negacionistas pedem para desobedecer às normas impostas pela ciência e a medicina em meio à maior tragédia sanitária da história do Brasil.

Bolsonaro tem pavor de perder votos de suas hostes se apoiar as medidas necessárias não só para prevenir o contágio pessoal, como também para impedir o dos outros. Chega a defender que é melhor morrer e expor os outros à morte do que impedir as pessoas de burlar essas normas ao bel-prazer. Sua única obsessão é a de poder perder as eleições e por isso despreza a vida dos outros para salvar seu poder.

Bolsonaro falar da liberdade mesmo à custa de colocar em perigo a própria vida é risível e soa mais à fraude. Se há hoje no Brasil um político que despreza a liberdade é o presidente cujo vocabulário está repleto de palavras como golpe, ditadura, guerra contra a liberdade de expressão e perseguição dos direitos humanos. De guerra contra a liberdade das pessoas de escolher suas preferências sexuais e de negar que os diferentes tenham direito à sua liberdade de sê-lo.

A palavra liberdade na boca do negacionista e genocida já nasce podre e corrompida.

A única forma de liberdade para ele é justamente a de perseguir as liberdades que forjam uma sociedade verdadeiramente democrática onde não existe valor maior do que a vida.

presidente alardeia o uso de Deus para seus planos de poder e para ganhar os votos da grande massa dos evangélicos. Ele, que gostaria de trocar a Constituição pela Bíblia, deveria se lembrar que nos textos sagrados Jesus define a si mesmo como “o caminho, a verdade e a vida” (João, 14,16).

Bolsonaro despreza exatamente esses três conceitos. Em vez de ser o caminho, ou seja, o guia de uma sociedade justa e livre, é o motor da confusão e do desgoverno. Em vez de ser o representante no país da verdade é o semeador da mentira, cultor da nova moda das fake news. E em vez de ser o defensor da vida chama de covardes os que se protegem do vírus e fazem sacrifícios para continuar vivos.

Não existe no presidente que está conduzindo o país a uma catástrofe um só instinto de vida. Seu abecedário é o da morte e da destruição como revela sua paixão pelas armas, expressão da morte e da violência. Que Bolsonaro coloque um falso conceito de liberdade como mais importante do que a vida é a melhor constatação do que já havia confessado: “Eu não nasci para ser presidente. Minha profissão é matar”.

Bolsonaro poderá um dia ser levado aos tribunais internacionais acusado de não ter impedido com sua negação da pandemia e seu desprezo pela vacina encher os cemitérios de mortos. A única verdadeira liberdade que ele pratica é a de abandonar o país a sua própria sorte para não perder o poder.

O certo e cada vez mais indiscutível é que o Brasil, desde o fim da ditadura e volta à democracia, nunca esteve tão perto de uma nova tragédia política. A espada de Dâmocles de um novo golpe militar não é algo hipotético e sim algo bem próximo. E ainda mais com a chegada inesperada de Lula e a deterioração cada dia maior das instituições que deveriam velar pelos valores democráticos como o Congresso e o Supremo onde está ocorrendo uma verdadeira guerra campal entre os magistrados que deveriam colocar todos os seus esforços na defesa da democracia ameaçada.

Por sua vez, os militares que se comprometeram abertamente com o Governo Bolsonaro e suas loucuras antidemocráticas dificilmente aceitarão aparecer como derrotados. E certamente não permitirão perder essa guerra.

As grandes tragédias dos países começam por ser consideradas como catastrofistas e acabam sempre se realizando quando já não há mais tempo de detê-las.

Cuidado Brasil!

Quem mandou matar Marielle?

No último dia 14 de março, completaram-se três anos do atroz assassinato da jovem ativista negra vinda da favela, Marielle Franco, e sobre sua tumba continua ameaçador o silêncio sobre quem foram os mandantes de sua morte. Escrevi em outra coluna que Marielle morta poderia acabar sendo mais perigosa do que viva. Talvez seja necessário uma mudança no Governo de morte de Bolsonaro para que por fim saibamos com certeza quem matou a jovem e por quê. E então o Brasil poderá, por fim, fazer justiça da bárbara execução.

Para isso será preciso que chegue um presidente não comprometido com o submundo das milícias do Rio e que chegue um Governo realmente democrático que descubra o mistério de sua morte e, por fim, faça justiça levando aos tribunais os culpados hoje escondidos nos porões sombrios do poder.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.


Juan Arias: Brasil mergulhado na barbárie

Deixar um país inteiro à deriva, não por falta de recursos, mas de liderança, é um crime que também recai sobre as autoridades incapazes de intervir

O Brasil começa a ser um campo onde parece ter se instalado um regime bárbaro com atos de terrorismo perpetrados contra aqueles que defendem as medidas de lockdown contra a pandemia que ameaça afundar o país na maior crise de saúde de sua história. Dois atos de terror e violência levados a cabo nos últimos dias contra dois jornalistas por fanáticos de Jair Bolsonaro levantaram o alarme de que os seguidores do presidente, que os qualifica de “meu exército”, estão dispostos a incendiar o país para impedir as medidas restritivas exigidas pela ciência e pela medicina como única arma junto com a vacina para tentar deter o rastro de mortes cada dia maior que horroriza o país. Nesta quinta-feira, o presidente deu mais um incentivo a eles: em nova transmissão ao vivo, disse ter acionado o Supremo Tribunal Federal contra as medidas para conter a circulação.

O último ato de terror aconteceu na cidade de Olímpia, no interior de São Paulo, contra José Antonio Arantes, editor do jornal local que quase morreu junto com a mulher e a neta de sete anos enquanto dormiam. Atearam fogo na casa durante a madrugada e se não fossem os dois cachorros que os despertaram com o quarto já cheio de fumaça e fogo, toda a família teria morrido. “Mais quinze minutos e teríamos todos morrido sufocados pelo fogo”, disse o jornalista, que acrescentou: “Estou há 40 anos na profissão, comecei minha carreira já no final da ditadura. Não vou abrir mão de lutar pelo meu povo e contra qualquer tipo de terrorismo e pensamento político que visem tirar a liberdade e suprimir os direitos de minha população”.

Outro jornalista, do O Estado de Minas há 20 anos, foi agredido durante uma manifestação de bolsonaristas com pontapés e pancadas na cabeça dadas com um capacete de motociclista aos gritos de “Comunista! Não vamos deixar!”. O jornalista comentou: “A ferida está na alma. Saber que temos um líder no país que incentiva a violência”. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) escreveu que “o extremismo e a intolerância contra jornalistas atingem toda a sociedade”.

É sabido que os grandes incêndios que devastam florestas inteiras às vezes começam com uma ponta de cigarro acesa. O mesmo acontece na política. Muitas das grandes tragédias da humanidade às vezes começaram com um único tiro de pistola e acabaram manchando de sangue países inteiros.

O Brasil está numa situação grave e perigosa que, se não for contida a tempo, pode arrastar o país para as cenas dantescas vistas no final do Governo Trump. As instituições do Estado responsáveis pela defesa dos direitos sancionados na sociedade não podem fechar os olhos nem pensar que Bolsonaro ainda pode mudar, defender os valores da liberdade e acalmar suas hostes violentas. Em mais de dois anos de Governo já deu provas suficientes de que sua personalidade negacionista, destrutiva e violenta não vai mudar.

MAIS INFORMAÇÕES

Como vários psiquiatras já indicaram, sua personalidade pertence a pessoas com traços de patologia impossíveis de curar. Em sua coluna de ontem no jornal Folha de S. Paulo, intitulada Jair Messias e o ‘pai dos psicopatas’, Guido Palomba cita o psiquiatra alemão Kurt Schneider, que em seu último livro tenta decifrar os transtornos de personalidade em tempos de tensão.


El País: Covid-19 se espalha por órgãos públicos em Brasília

Câmara já registrou 21 mortes. Senado e 19 dos 23 ministérios se recusaram a responder a levantamento do EL PAÍS sobre vítimas. Pressionado, Arthur Lira suspende trabalho presencial de servidores

Afonso Benites, El País

Em um período de três horas desta quinta-feira, o Departamento Médico da Câmara dos Deputados recebeu 20 atestados de funcionários que pediam licença para se tratarem de covid-19. No dia anterior, foram quase 60, segundo observado pelo vice-presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo, Paulo Cezar Alves. Até a última semana, a Câmara havia registrado ao menos 21 óbitos de funcionários e 482 contágios desde março de 2020. Os números dão ideia de que a onda que varre o Brasil e nesta quinta-feira vitimou o senador Sérgio Olímpio Gomes (PSL-SP), o Major Olímpio, tem atingido com toda a intensidade órgãos públicos de Brasília que, em grande parte, decidiram retomar o trabalho presencial ou semipresencial.

No decorrer do dia, os senadores demonstraram indignação com o que consideram inépcia do Governo Jair Bolsonaro na atuação contra a pandemia. Após a morte de Olímpio, passaram a se articular para definir ações a serem tomadas. Começaram com a divulgação de um vídeo nas suas redes sociais em que o próprio Olímpio pedia para ser vacinado. Há um clima de indignação e consternação entre boa parte dos parlamentares. Parecem ter notado o descalabro apenas agora, quando morre o terceiro senador ―o outros foram José Maranhão e Arolde Oliveira― e o país caminha para chegar aos 300.000 óbitos, enquanto o presidente segue seu roteiro de sempre: duvidou do colapso da saúde nos Estados, com a superlotação de UTIs, e disse que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra os lockdowns.

Os casos dos servidores, no entanto, se acumulam e não há o mesmo destaque midiático do que o que acomete seus chefes. Pior, vários se veem obrigados a voltar ao dia a dia, pois, no caso dos terceirizados, temem perder benefícios, como o auxílio alimentação ou, pior, o próprio emprego. Acabam se tornando números na pandemia. Muitas vezes, nem isso, já que 19 dos 23 ministérios do Governo Jair Bolsonaro, além do Senado Federal, se recusaram a responder à reportagem sobre o número de funcionários contagiados e óbitos registrados em decorrência de coronavírus nos últimos 12 meses. Na prática, entram para a contabilidade da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, mas quase ninguém sabe quem são eles. Na capital do Brasil, 5.274 morreram dessa doença e 324.576 se contaminaram

Das quatros pastas que responderam, total ou parcialmente, aos questionamentos feitos pelo EL PAÍS, somados aos dados enviados pela Câmara, é possível afirmar que ao menos 91 servidores públicos perderam suas vidas para essa doença. E ainda houve 4.206 infectados.

No cálculo não estão os três senadores que morreram do vírus ―Olímpio, José Maranhão e Arolde Oliveira― nem o sargento do Exército Silvio Kammers, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro que teve seu nome omitido pelo Palácio do Planalto até a última quarta-feira, quando a imprensa brasileira noticiou o caso.

Entre os quatro ministérios que responderam às perguntas, o que registrou mais mortes foi o Ministério da Economia, 49, seguido pela Agricultura, 19, e Justiça, 2. A pasta da Saúde, informou apenas o número de contagiados 333, mas não o de mortos. Entre os outros 19 ministérios, nenhuma informação sobre essa contabilidade foi dada. Nem mesmo a Controladoria Geral da União, que preza pela transparência do Governo Federal, se manifestou. No caso do Gabinete de Segurança Institucional, a resposta foi a de que a reportagem deveria acionar a Lei de Acesso à Informação para obter os dados.

Trabalho presencial e reação no Congresso

Na Câmara, uma das vítimas foi a chefa da secretaria de controle interno, Creuzi Rodrigues da Silva, de 60 anos. Ela, o marido e o filho se contaminaram com a doença. Seu caso foi o mais grave na sua família. Seus colegas e parentes ficaram três dias em busca de um leito em UTI, conseguiram no último dia 8, mas ela não resistiu aos sintomas e morreu no dia seguinte. Trabalhava no Legislativo havia 29 anos. Estava em teletrabalho até janeiro, mas foi obrigada a frequentar o Congresso Nacional em fevereiro, quando Arthur Lira (PP-AL) assumiu a presidência da Casa e determinou o retorno do trabalho presencial.

Nesta quinta-feira, Lira voltou atrás na medida e decidiu restringir a circulação de parlamentares e funcionários pelas próximas duas semanas. Os jornalistas da TV e a da Rádio Câmara foram orientados a não fazerem mais a transmissão ao vivo presencialmente depois que um dos funcionários do setor foi diagnosticado com coronavírus. O deputado sentiu-se pressionado pela maior parte dos parlamentares, assim como, indiretamente, por Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o presidente do Senado que conclamou um “pacto nacional” de combate ao coronavírus. “Precisamos mais do que nunca de uma união nacional, um pacto nacional contra essa doença. Nossa tristeza que estamos sofrendo, com pessoas próximas, é uma tristeza que milhares de pessoas estão sofrendo no Brasil, e é preciso que nós da classe política façamos alguma coisa”, disse Pacheco em entrevista ao programa Brasil Urgente, da Band. Pacheco tem nas mãos um pedido de CPI para investigar a gestão Jair Bolsonaro. Até o momento, no entanto, prefere usá-lo apenas como instrumento de pressão política.


Foto: Beto Barata\PR

Murillo de Aragão: Um novo presidencialismo

O Judiciário ganha força e, com a pandemia, o federalismo também

O governo Bolsonaro, por suas características, reforçou uma tendência iniciada no segundo mandato de Dilma Rousseff: a transformação do chamado “presidencialismo de coalizão”. Esse processo continua, embora ainda não seja claramente percebido.

Até 2015 todas as emendas orçamentárias parlamentares possuíam caráter discricionário, ou seja, dependiam de autorização do governo federal para liberação. Tal sistemática estimulava as negociações com o Executivo em troca de apoio.

Em 2019, já no governo Bolsonaro, o Legislativo estabeleceu, com a Emenda Constitucional nº 100/19, que as emendas de bancadas estaduais também deveriam ser obrigatoriamente pagas. No mesmo ano, a Emenda Constitucional nº 105/19 autorizou repasses diretos a estados, municípios e ao Distrito Federal de recursos de emendas individuais impositivas, sem a necessidade de convênios com o governo federal.

Por fim, a partir da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, a obrigatoriedade de execução passou a abranger tanto as emendas do relator-­geral da Lei Orçamentária Anual quanto as das comissões permanentes da Câmara e do Senado. As emendas do relator-geral do Orçamento têm até mesmo prioridade de empenho, com prazo máximo de três meses.

“O governo deve ser mais proativo na atração de apoios, pois o poder é compartilhado como nunca no país”

Tais mudanças alteraram o desequilíbrio de forças entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional. E por que digo desequilíbrio? Pelo fato de que o Executivo sempre teve uma soma maior de poderes do que as esferas legislativa e judiciária, situação que só tem sido modificada ao longo das últimas décadas.

A questão orçamentária tirou do Executivo o poder de barganhar a execução de emendas em troca de apoio. Agora, governo, independentes e oposição têm as suas emendas executadas por força constitucional.

Qual a consequência disso? Parlamentares podem votar contra o governo sem temer que seus recursos orçamentários sejam bloqueados. Assim, o governo deve ser mais proativo na atração de apoio político, visto que o poder está sendo compartilhado como nunca antes no Brasil.

Ainda em 2019, Jair Bolsonaro se tornou o presidente com o maior número de derrotas porcentuais em vetos no Congresso. O modelo político adotado pelo governo não lhe permitia apoio consistente no Congresso.

Já no ano seguinte, Bolsonaro tratou de construir uma base política. Essa base ainda se encontra em formação, mesmo assim a autonomia dos parlamentares já é muito maior. Sem uma base sólida no Congresso, o governo poderá ser contrariado.

Fato é que estamos caminhando para um regime semipresidencialista numa época em que o Judiciário ganha força e o federalismo também. A pandemia de Covid-19 mostrou uma federação em funcionamento.

O presidente da República está deixando de ser a “Sua Majestade” descrita por Ernest Hambloch. Embora ainda não estejam claras e não sejam percebidas pela opinião pública, as transformações já produzem efeitos significativos na política nacional.

Publicado em VEJA de 24 de março de 2021, edição nº 2730


Ruth de Aquino: A cartilha de um genocida

Chamar Bolsonaro de genocida parece provocação. Genocídio é o extermínio deliberado de uma coletividade indefesa, por diferenças étnicas, nacionais, religiosas ou sociopolíticas. O massacre de milhões de judeus por Hitler cunhou a expressão. Esse crime contra a Humanidade é julgado em tribunais internacionais, com pena de até 30 anos de prisão. Não prescreve. Raramente os crimes de gestão pública chegam a Haia, na Holanda.

Por que então esse aprendiz de ditador que bajula as Forças Armadas, ameaça outros poderes, despreza minorias e persegue a imprensa é acusado de genocida? Em julho de 2020, quando os mortos por Covid eram 85 mil no Brasil, já havia em Haia três denúncias contra Bolsonaro por incitar mortes, asfixiar indígenas e propagar o vírus. No Supremo Tribunal Federal, há na pauta uma notícia-crime de genocídio. Um líder pode construir ou destruir consciência cívica. No início da pandemia, a população era mais comedida. Depois, imitou os negacionistas.

Como Bolsonaro boicotou as vacinas e nos aproximamos de 300 mil mortos, sua rejeição aumentou. Não importa quem é o ministro da Saúde (aliás, não importa quem é ministro de pasta nenhuma). É Bolsonaro quem manda. As pesquisas mostram. É Bolsonaro o culpado. É Bolsonaro o incapaz de governar. É Bolsonaro o autor do colapso do Brasil. 

Fiz uma cartilha com sete fatos. Um bê-a-bá de como se tornar ou reconhecer um potencial genocida. Não listei características pessoais. A frieza, por exemplo. Só um genocida não se emociona com a morte de milhares de pessoas – especialmente idosos, vulneráveis, ou não produtivos. Que tomem tubaína. O deboche diante do luto nacional pode ser traço de um genocida. As ações são ainda mais gritantes e perniciosas. Aí vão elas:

1 – Negar a pandemia. É uma gripezinha. Nada vai acontecer se você tiver histórico de atleta. Todos vamos morrer um dia. Não podemos ser maricas e ficar em casa. Isolamento social não adianta nada. 

2 – Não usar máscara e promover aglomerações em bares, ruas, praias, contrariando os especialistas. Propagar o vírus. Apertar a mão, abraçar, beijar, tirar selfie, repreender ministros com máscara, vetar máscaras em presídios.

3 – Demitir um médico, Mandetta, como ministro da Saúde, por suas entrevistas diárias, explicando à luz da Ciência como reduzir contágio e mortes. Emparedar outro ministro da Saúde, também médico, por condenar a cloroquina. Gastar R$ 90 milhões em remédios ineficazes e fazer propaganda, tentar impor aos médicos. Efetivar na Saúde um general boneco de ventríloquo e incompetente. 

4 – Sabotar divulgação de mortos e contaminados, optando por revelar apenas quem se curou. A censura foi contornada com o consórcio inédito de jornais e TV Globo. 

5 – Criar conflitos com o Supremo e a Câmara, incitando extremistas de direita a atacar essas instituições, nas redes sociais e fisicamente. Ameaçar ruptura institucional. Só mudar de atitude depois que a família começou a ser investigada por corrupção, rachadinhas e ligação com milícias. Trocar cargos e verbas por apoio no Congresso.

6 – Rachar com governadores e prefeitos, relegando a eles a condução da pandemia. Inventar que o Supremo Tribunal Federal tirou sua autonomia como presidente. Estrangular estados com a falta de liderança federal e de cilindros de oxigênio. Chantagear quem impõe lockdown ou restrições de circulação. 

7 – Boicotar as vacinas. Rejeitar a Coronavac, por ser chinesa e “do Doria”. Recusar vacinação obrigatória. Desencorajar. Não se vacinar. Não comprar milhões de doses da Pfizer que estariam aqui em dezembro. Proibir negociações com os laboratórios. Barganhar o preço até obrigar estados a suspender a vacinação. Solapar o SUS, a Fiocruz, o Butantan e todos os que poderiam já estar produzindo e imunizando em massa. Talvez estejam no seu colo 100 mil cadáveres. 

Como você chamaria quem age assim?