covid-19
Ricardo Noblat: Em um único dia, Bolsonaro é derrotado duas vezes no STF
Vem aí a CPI da Covid para acuar o governo
O fracasso do governo do presidente Jair Bolsonaro no combate à Covid-19 subiu à cabeça de Marcelo Queiroga, o quarto ministro da Saúde em menos de um ano.
Anthony Fauci, o mais respeitado imunologista americano e conselheiro do presidente Joe Biden, disse que o Brasil virou uma “ameaça mundial” porque a pandemia aqui só faz crescer.
Em visita a Porto Alegre, perguntado a respeito, Queiroz estufou o peito, imitou a arrogância do seu chefe, e respondeu assim:
– Ele [Fauci] deve cuidar dos Estados Unidos. Do Brasil, cuido eu.
Bolsonaro amou a resposta de Queiroga logo no dia em que o vírus matou no país mais 4.190 pessoas. Foi o segundo dia com mais mortes desde o começo da pandemia.
A quarta-feira havia sido um dia ameno para Bolsonaro. Ele fez o que mais gosta: viajar, falar o que lhe vem à cabeça sem ser contestado, e arrancar aplausos dos seus devotos.
Esteve em Chapecó, em Santa Catarina, em Iguaçu, no Paraná, e em São Paulo onde jantou com empresários amigos escolhidos a dedo e que acabaram por ovacioná-lo.
A quinta-feira foi um dia pesado para Bolsonaro. Não pela morte de tanta gente, mas porque ele colheu duas derrotas importantes no Supremo Tribunal Federal.
A primeira: por 9 votos contra 2, o Supremo decidiu que governadores e prefeitos podem fechar templos e igrejas enquanto durar a pandemia. Bolsonaro queria o contrário.
A segunda derrota: o ministro Luís Roberto Barroso mandou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), instale de imediato a CPI da Covid.
Cumpridas as exigências da Constituição (número mínimo de apoiadores, definição do fato a ser investigado e prazo de funcionamento), a CPI é direito da minoria parlamentar.
Todos os requisitos foram cumpridos desde janeiro último, mas Pacheco, eleito presidente do Senado com o apoio de Bolsonaro, recusou-se a instalar a CPI para não criar embaraços ao governo.
Ontem mesmo, antes de Barroso anunciar sua decisão, Pacheco afirmou:
– Considero que a CPI da pandemia neste momento vai ser um ponto fora da curva. Além disso, pode ser o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia.
No seu despacho, Barroso ensinou a respeito de CPIs:
– Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado Democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática.
Simples assim. O que levou Pacheco a retrucar que, a seu juízo, e por razões de conveniência, a CPI não deveria sair da gaveta, mas que decisão da justiça é para ser cumprida, e ele a cumprirá.
Ora, era o que faltava. Não cumprir? Agora, resta ao governo escalar a maior e a mais confiável bancada de senadores aliados seus para se defender na CPI e atrapalhar seu funcionamento.
Custará caro. Ninguém trabalha de graça para governo numa CPI. Só o faz em troca de muito dinheiro, de cargos e de outros favores inconfessáveis. Sempre foi assim e sempre será.
Bancada de Bolsonaro no STF aumenta com adesão de Toffoli
A partir de julho serão três ministros
Era certo que a bancada de ministros bolsonaristas no Supremo Tribunal Federal se resumiria a dois ministros até o fim de 2022 – Nunes Marques, que já está por lá ocupando a vaga aberta com a saída de Celso de Mello, e outro a ser indicado pelo presidente a partir de julho próximo e que sucederá a Marco Aurélio Mello.
Mas, não. Descobriu-se, ontem, que Bolsonaro contará com três – um deles, José Antônio Dias Toffoli, que surpreendeu seus colegas ao votar junto com Nunes Marques pela abertura de templos e igrejas durante a pandemia da Covid. Toffoli não justificou seu voto. Limitou-se a dizer que acompanharia Nunes Marques.
Toffoli sabia que seria derrotado. O placar final foi de 9 a 2. Não se incomodou com isso. Está com Bolsonaro para o que der e vier. Encantou-se por ele antes mesmo de Bolsonaro ser candidato a presidente. À época em que foi assessor parlamentar do PT na Câmara, entre 1995 e 2000, os dois conversavam muito.
Foi Lula que fez de Toffoli ministro do Supremo em 2009. Toffoli havia passado no teste de fidelidade ao PT como consultor jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT), advogado de três campanhas presidenciais de Lula, subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil e Advogado-Geral da União.
Sua recente passagem pela presidência do Supremo coincidiu com os dois primeiros anos de Bolsonaro presidente. Renasceu e se fortaleceu a amizade entre os dois. Toffoli virou uma espécie de assessor informal de Bolsonaro dando-lhe conselhos e, sempre que pôde, facilitou a vida dele dentro do tribunal.
Orgulha-se Toffoli de ter evitado em 2020 uma crise institucional que quase deflagrou um golpe militar. Ele ajudou a salvar o Brasil e a evitar a queda de Bolsonaro. A indicação de Nunes Marques para ministro passou por seu crivo. Foi quando Bolsonaro o visitou em casa, sendo recebido com um caloroso abraço.
Murillo de Aragão: O preço das decisões erradas
O governo federal foi lento e confuso nas respostas à pandemia
A essa altura dos acontecimentos, devemos ponderar sobre os erros que nos levaram a mais de 340 000 mortos pela Covid-19. Sem alarde nem radicalismos. A coleção de erros é enorme. Começa com erros estratégicos, por parte de todos os atores públicos e privados, e chega a erros táticos. Nesse rol se inclui a sociedade, que teima em não se conscientizar dos riscos. O ponto inicial reside no fato de que o mundo inteligente já sabia da gravidade do problema em janeiro de 2020. O mundo político brasileiro, porém, só reconheceu a gravidade do tema em março.
O segundo erro estratégico foi cometido pelo governo federal, ao não coordenar uma ação conjunta com governadores, prefeitos, Judiciário e Legislativo. Prevaleceram o conflito, as egotrips e, sobretudo, a descrença de que o problema era muito sério.
O terceiro erro estratégico foi não optar pela compra das várias vacinas que estavam em desenvolvimento. O governo federal apostou apenas na AstraZeneca, cujo processo de produção é insuficiente para nossos desafios. Fica a questão: por que a Fiocruz, berço do partido sanitarista, não propôs uma compra abrangente de vacinas de várias procedências até que o Brasil dominasse a produção?
“A compra maciça de vacinas é a melhor política para a retomada da economia”
Obviamente, terminamos dependendo da rejeitada CoronaVac, do Instituto Butantan, e da escassa, até agora, vacina da AstraZeneca. Se hoje, em pleno abril de 2021, ainda estamos decidindo se compramos ou não a vacina russa, imaginem se o governo de São Paulo não tivesse tomado a decisão de negociar e produzir vacina no ano passado? E as mortes prosseguem.
No campo da narrativa, o governo federal se mostrou confuso. Lento nas respostas e descrente das consequências da “gripezinha”. Não houve palavras de liderança. Os sucessivos comandos do Ministério da Saúde foram, cada um a seu tempo, espetaculosos, erráticos e com um processo deliberativo lento. Deveriam ter imposto uma ação abrangente de pré-compra de vacinas e, em coordenação com a Anvisa, uma liberação expedita das doses. Em janeiro, a Anvisa fez um espetáculo midiático para autorizar o uso emergencial de vacinas. Àquela altura, o Brasil já deveria estar vacinando, e não fazendo midiatismo em torno da obrigação de fazer de forma correta o que estava fazendo errado.
Governadores e prefeitos demoraram a reagir quanto à imposição do distanciamento social. O exemplo trágico do Amazonas resultou no caos da saúde pública no estado. Também desmontaram hospitais de campanha país afora sem um horizonte claro do fim da pandemia e não se preparam para o pior, quando o pior já se apresentava, no fim do ano passado. Politicamente, Bolsonaro cometeu um grave erro ao não assumir a liderança no combate à pandemia. O Brasil deseja um líder que Bolsonaro ainda não quer ser.
Se tivesse comprado milhões de vacinas, o Brasil poderia ter vacinado o dobro ou o triplo do que vacinou até o início deste mês. Gastos com a compra em massa de vacinas seriam uma pequena parcela do que será despendido com o auxílio emergencial. A aquisição maciça de vacinas é a melhor política para a retomada da economia. Estamos chegando tarde e a conta em vidas está aumentando.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733
Luiz Carlos Azedo: Duas derrotas num só dia
Bolsonaro anunciou um novo remédio para o tratamento da covid-19, a proxalutamida, medicamento utilizado para tratamento de câncer de próstata e de mama
O presidente Jair Bolsonaro sofreu duas derrotas ontem, ambas no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma foi a decisão acachapante do plenário da Corte em favor de governadores e prefeitos que determinarem o fechamento temporário de templos religiosos para combater a propagação da pandemia da covid-19, durante os períodos de rígido distanciamento social, cujo resultado foi 9 a 2. A outra, a liminar do ministro do STF Luís Roberto Barroso a favor do mandado de segurança dos senadores Alessandro Vieira (SE) e Jorge Kajuru (GO), do Cidadania, determinando a imediata instalação da CPI da Covid-19 pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que vinha empurrando o assunto com a barriga há 65 dias.
CPIs são uma prerrogativa da oposição, desde que tenham número mínimo de subscrições para instalação, o que é o caso. O que muda com a instalação da CPI é que o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga e, principalmente, seu antecessor, o general Eduardo Pazuello, passarão a ter muitas dores de cabeça em razão de tudo o que ocorreu durante a pandemia até agora. Na lógica da oposição, a CPI é a banda de música dos pedidos de impeachment. O negacionismo de Bolsonaro tem um histórico de atitudes e medidas contra a política de isolamento social, mas também contra a compra e produção de vacinas, o uso de máscaras etc. É um prato cheio para a responsabilização criminal pelo elevado número de mortes que vem ocorrendo.
Rodrigo Pacheco segurou a instalação da CPI enquanto pôde, pressionado por Bolsonaro e pelo Centrão, mas contrariou os seto- res da oposição, inclusive os que o apoiaram. Com seu estilo conciliador e habilidoso, manobrou demais e acabou provocando mais uma intervenção do Supremo no Congresso. Agora, a oposição tem prerrogativas constitucionais e regimentais para fazer uma devassa no Ministério da Saúde. Como a base do governo é majoritária no Senado, o Palácio do Planalto tentará controlar a CPI, voltando-a contra governadores e prefeitos, mas isso fará com que o cacife dos partidos de Centrão aumentem nas negociações com o presidente da República.
Vacinas
Em sua live semanal, ontem, Bolsonaro voltou a criticar o isolamento social e defendeu “outras medidas” para combater a pandemia do novo coronavírus. Aproveitou para anunciar um novo remédio para o tratamento da covid-19, a proxalutamida, medicamento utilizado para tratamento de câncer de próstata e de mama. “É uma possibilidade. Um outro possível remédio que estará à disposição de todo o Brasil. Esperamos que dê certo”, disse. Também defendeu o exercício físico, que segundo ele, aumenta em oito vezes a velocidade de recuperação da doença.
Enquanto Bolsonaro flerta com o curandeirismo, a covid- 19 continua avançando no Brasil. Registrou 4.249 óbitos e 86.652 novos casos nas últimas 24 horas, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Com isso, o número de mortos pela doença chegou a 345.025, e o total de casos aumentou para 13.279.857. Na quarta-feira, foram registrados 3.829 óbitos e 92.625 novos casos. Ou seja, por falta de vacinas e isolamento social adequado, a escalada da pandemia continua.
Para complicar a situação, há 12 dias o Instituto Butantan não produz novas vacinas por falta de insumos. Ontem, reconheceu que a remessa de matéria-prima da CoronaVac está atrasada, mas anunciou que já foi liberada na China e deverá chegar a São Paulo até 20 de abril. O princípio ativo da vacina era para ter chegado ontem. De acordo com o Butantan, o lote de 3 mil litros de insumos é suficiente para a produção de 5 milhões de doses da vacina. Uma segunda remessa, com mais 3 mil litros, está prevista para chegar até o final do mês. O atraso não vai impactar as entregas previstas ao Ministério da Saúde: 46 milhões até o final de abril. O Butantan já disponibilizou 38,2 milhões de doses ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e ainda possui cerca de 3,2 milhões de vacinas no controle de qualidade, que devem ser liberadas até o dia 19 de abril.
Alon Feuerwerker: Não é o que parece
Faça como numa reunião por Zoom: ponha a política no mudo
Apesar de tudo, o universo da política continua achando mais provável Jair Bolsonaro ficar no Planalto pelo menos até 2022. E tem outra. Depois de Luiz Inácio Lula da Silva voltar à elegibilidade, diminuiu naturalmente o número de quem vê o atual presidente na cadeira até 2026. Diminuiu, mas está longe de ter virado fumaça.
O ambiente anda chacoalhado. Esqueça, porém, os discursos: os principais atores só estão de olho mesmo é em 2022. Isso seria apenas o óbvio, não comparecessem dia sim outro também diante do público para dizer que estamos mergulhados numa tragédia (e estamos mesmo) e que isso exige medidas radicais imediatas.
De vez em quando, faça como numa dessas reuniões no Zoom, ou no Teams: ponha a política no mudo. Preste atenção no que os políticos fazem, e não no que dizem. Um exemplo foi o manifesto dos seis pré-presidenciáveis. Na forma, um libelo pela democracia. Na alma, apenas um posicionamento para a eleição. Contra Bolsonaro, Lula e possíveis aliados de cada um dos dois.
Se a prioridade fosse fazer um gesto antibolsonarista, Lula teria sido convidado. Mas suponhamos que as atribulações jurídicas dele constrangeram os autores. Então por que não chamaram o Guilherme Boulos? Ele é pré-candidato. Ou seja, se tirarmos o som, conclui-se que no manifesto a dita fé democrática apenas encobriu mais uma tentativa de alavancagem eleitoral “contra os extremos”.
Teria sido melhor dizer “olha, somos pré-candidatos, mas estamos dispostos a nos juntar em torno de um único nome”. Esta é, aliás, uma vantagem do atual ocupante do Planalto: as falas dele trazem o que pretendem dizer, não encobrem intenções e não exigem do povo grande esforço de interpretação.
“Preste atenção no que fazem, e não no que dizem. Um exemplo foi o manifesto dos seis pré-presidenciáveis”
Querem saber uma razão da estabilidade vivida pelo governo Bolsonaro, mesmo com a tragédia sanitária e suas consequências econômicas? Não há consenso entre os adversários de que qualquer coisa é preferível a ele na Presidência.
E o capitão vai tocando o barco, protegendo e mantendo organizadas suas fileiras, para resistir e preservar uma musculatura político-eleitoral que o coloque pelo menos no segundo turno em 2022.
Não que a vida de Bolsonaro esteja resolvida. Vamos ver o que sai da caixinha de surpresas do Supremo Tribunal Federal no dia 14, mas se Lula continuar candidatável espera-se a intensificação do bombardeio contra Bolsonaro vindo do “centro”, para tentar demoli-lo e oferecer-se ao eleitorado hoje bolsonarista como a única opção contra “a ameaça da volta do PT”.
Sobre isso, espera-se também um esforço monumental do establishment para convergir o “centro” para um único nome.
A política brasileira é cheia de sobressaltos, mas também tediosamente previsível.
Ah, e uma diferença definitiva entre a situação de agora e a das Diretas Já, citada no “manifesto dos seis”. Em 1984/85, os liberais que hoje seriam chamados de centristas aceitaram juntar-se à esquerda. Não consta que alguma vez Ulysses Guimarães, Franco Montoro ou mesmo Tancredo Neves tenham colocado a coisa como uma luta “contra os extremos”.
Era outro tempo. E outro tipo de político.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733
Ricardo Noblat: Brasil pede socorro contra o vírus, a fome e Bolsonaro
Generosidade em fim de linha
E aí? Engane-se quem acredita que o governo do presidente Jair Bolsonaro mudou de posição quanto ao enfrentamento da pandemia. Só por que Marcelo Queiroga, médico, sucedeu ao desastrado general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde e recomenda que as pessoas usem máscara, lavem as mãos com álcool gel e se mantenham distantes umas das outras?
É o mesmo Queiroga que se recusa a admitir o lockdown porque Bolsonaro é contra. É o mesmo que evita condenar o tratamento precoce que Bolsonaro continua recomendando, um logro que já custou muitas vidas. É o mesmo que prometeu em breve vacinar um milhão de brasileiros por dia, meta distante de ser alcançada porque a demanda é maior do que a oferta.
Mudança de posição só por que o embaixador que sucedeu o inepto Ernesto Araújo no Itamaraty revelou que seus compromissos são com a vacina, a economia e o meio ambiente? Moleza suceder Araújo e parecer sensato. É como substituir Felipão no comando da Seleção Brasileira depois dos 7 x 1. Se ganhar o jogo seguinte com gol de mão será exaltado como herói.
Em um mês, o Brasil dobrou o número de mortes pela Covid em um único dia. No dia 6 de março, 1.840 vidas foram perdidas em 24 horas. Quatro dias depois, 2.000. Após duas semanas, 3.000. Ontem, quase 4.200. O total de mortes até agora é de 337.364. No melhor dos cenários, até julho o Brasil pode atingir meio milhão de óbitos, segundo o neurocientista Miguel Nicolelis.
Enquanto isso, o presidente da República espalha notícias falsas, faz comparações incabíveis e idiotas e destila ódio contra seus críticos. Em frente ao Palácio da Alvorada, em conversa com um grupo de devotos, Bolsonaro comentou: “Tem uma pesquisa aí que diz que quem tem uma vida saudável é oito vezes menos propenso a ter problemas com a Covid”. Que pesquisa? Não disse.
E prosseguiu: “Mas quando você prende o cara em casa, o que ele faz em casa? Duvido que ele não tenha aumentado um pouquinho de peso. Até eu cresci um pouquinho a barriga”. Posou de vítima: “Me chamavam de torturador, racista, homofóbico. Agora é o quê? Aquele que mata muita gente? Genocida! Imagina se o Haddad estivesse no meu lugar?!” Os devotos concordaram.
Bolsonaro afirmou que tem como resolver o problema do vírus em poucos minutos: “É só pagar o que os governos pagavam para Globo, Folha, Estado de S.Paulo. Esse dinheiro não é para imprensa, é para outras coisas”. E repetiu: “Cancelei todas as assinaturas de revistas e jornais. Já entramos no segundo ano sem nada. A gente não pode começar o dia envenenado”.
Metade dos brasileiros começa o dia sem saber se haverá comida suficiente em sua mesa. É a primeira vez que isso acontece desde 2004. São 116,8 milhões de pessoas nessa situação, segundo pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. No ano passado, a pandemia deixou 19 milhões com fome, quase o dobro do que havia em 2018.
Na cidade do Rio, a ONG Ação da Cidadania distribuiu 80 mil cestas básicas por dia em 2020. Este ano, apenas 8 mil. Secaram as fontes de doação de alimentos. Na cidade de São Paulo, a G10 Favelas distribuía 10 mil marmitas por dia. O número caiu para 700. A decantada generosidade dos brasileiros que podem muito com os brasileiros que nada podem era pouca e acabou.
Governante autoritário é tudo igual, só variam suas armas
A primeira vítima é sempre a verdade
Governante autoritário é tudo igual, só variam os métodos de cada um. Josef Stalin, que governou a União Soviética de meados da década de 1920 até sua morte em 1953, não se contentou apenas em promover expurgos políticos no Partido Comunista.
Mandou prender, exilar e fuzilar milhares de seus adversários. E tentou reescrever a história de sua época eliminando pessoas de fotografias, falsificando alterações de imagens e destruindo filmes. Nesse aspecto foi um pioneiro.
Comparadas com as modernas técnicas digitais, as dos anos 30 e 40 do século passado eram primitivas, toscas, deixavam marcas e exigiam muita perícia dos seus executores. Os russos eram bons nisso, e aí se não fossem. Stalin não perdoava.
Até as 16h40m de ontem, e desde pelo menos o meio-dia, esteve disponível no Flickr do Palácio do Planalto uma foto da cerimônia de posse da nova ministra da Secretaria de Governo, a deputada Flávia Arruda (PL-DF). Depois disso, a foto sumiu.
Por quê? Porque nela apareciam, além da ministra, o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), o general Luiz Eduardo Tamos, chefe da Casa Civil, e… Valdemar Costa Neto, presidente do PL. E daí?
Daí que Costa Neto, recebido, esta semana, por Bolsonaro em audiência especial, foi condenado e tirou cadeia por envolvimento com o mensalão do PT – o escândalo da compra de votos de deputados para que aprovassem projetos do governo Lula.
Mesmo preso, Costa Neto negociou cargos no governo Dilma. Seu partido faz parte do Centrão que arrombou a porta do governo Bolsonaro e ocupa dezenas de cargos. Bolsonaro virou refém, mas quer esconder a verdade. Stalin foi mais bem sucedido.
Bernardo Mello Franco: No governo Bolsonaro, o revolucionário é ser normal
Ao tomar posse, o chanceler Carlos Alberto França prometeu correr atrás de vacinas, valorizar o multilateralismo e apoiar o combate às mudanças climáticas. Tudo o que o Itamaraty se recusou a fazer na primeira metade do governo Bolsonaro.
O novo ministro afirmou que o diplomata deve agir como um construtor de pontes. Seu antecessor se empenhou na tarefa de dinamitá-las.
Em dois anos e três meses, Ernesto Araújo conseguiu se indispor com a China, a Índia, a Alemanha, as Nações Unidas e os EUA pós-Trump. Ele também hostilizou nosso principal vizinho. Horas depois da eleição na Argentina, tuitou que “forças do mal” celebravam a vitória de Alberto Fernández.
França lembrou que o Brasil sempre foi um ator relevante nos fóruns internacionais. Não precisou dizer que esse patrimônio foi desprezado por Ernesto. Na gestão passada, o Itamaraty renegou suas tradições e fez uma opção pelo isolamento. O país levará tempo para reparar o estrago.
Ontem o novo chanceler se limitou a fazer uma menção protocolar ao antecessor. Sem criticá-lo, indicou uma guinada para uma política externa movida pelo pragmatismo e pela racionalidade. O discurso sinalizou um Itamaraty com mais Rio Branco e menos Olavo de Carvalho.
A questão agora é saber se Bolsonaro e seus filhos darão aval à mudança. Até aqui, os auxiliares que não abraçaram o radicalismo do chefe tiveram vida curta na Esplanada.
Nomeado por um negacionista, França informou que vai procurar governos e laboratórios para mapear as vacinas disponíveis. Uma tarefa essencial, negligenciada durante o reinado de Ernesto.
O ex-chanceler tomou posse com uma performance histriônica, em que prometeu “libertar o Itamaraty” e repetiu chavões de extrema direita. Seu sucessor estreou com um falatório sóbrio e salpicado de platitudes. França só chamou a atenção porque fez um discurso normal. No Brasil de 2021, um ministro normal é quase um revolucionário.
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Ao ultrapassar as 4 mil mortes diárias pela Covid, o país dá novo sentido à frase de Oswald de Andrade: “O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e de gente dizendo adeus”.
Merval Pereira: Homens pequenos
Quem atentar para o número de vezes em que a defesa da liberdade está sendo utilizada para a consumação de atos nocivos à sociedade dará razão ao Marquês de Maricá (Rio, 1773-1848): “Quando em um povo só se escutam vivas à liberdade, a anarquia está à porta e a tirania pouco distante”. A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nunes Marques de liberar os cultos religiosos presenciais no auge da pandemia — certamente para agradar ao presidente Bolsonaro — foi errada em todos os sentidos, mesmo que a liberdade religiosa seja usada para a defesa da tese.
O “novato”, como o qualificou o decano do Supremo, ministro Marco Aurélio Mello, foi contra a deliberação do próprio STF, que já decidira que prefeitos e governadores têm a prerrogativa para decidir sobre as restrições durante a pandemia. No afã de atender aos evangélicos, foi além do pedido da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, que estava preocupada com decretos estaduais e municipais que proibiram a realização de cultos evangélicos até mesmo para transmissão pela internet, o que é um absurdo.
Nunes Marques liberou completamente os cultos presenciais, com algumas restrições, como distanciamento entre os fiéis e uso de máscara. O ministro Gilmar Mendes, que é o relator de duas ações no Supremo sobre o tema, rejeitou ontem o pedido do PSD de São Paulo contra a decisão do governo de São Paulo de proibir os cultos presenciais. Para o ministro, “em cenário tão devastador, é patente reconhecer que as medidas de restrição de cultos coletivos, por mais duras que sejam, são não apenas adequadas, mas necessárias ao objetivo maior de realização de proteção da vida e do sistema de saúde”.
O plenário do Supremo julgará o caso amanhã, e deverá manter a proibição, deixando claro que os atos pela internet podem ser realizados. Para dar um toque patético ao caso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo que tire a relatoria do ministro Gilmar Mendes e a passe ao ministro Nunes Marques, autor da autorização mais realista que o rei. O que uma disputa de vaga do Supremo, que pode ser decidida a favor de um candidato “terrivelmente evangélico”, não faz? Decisões monocráticas estão transformando o STF em 11 Supremos. Cada ministro tem uma ideia na cabeça e exerce seu direito de liminar, fazendo vista grossa para decisões do colegiado.
Outro uso cinicamente ampliado do que seja liberdade individual está na insistência do presidente Bolsonaro na defesa de “tratamento precoce” no combate ao coronavírus da pandemia. Ele ontem voltou a dizer que a “liberdade dos médicos deve ser total” na prescrição de remédios que possam minorar os efeitos da Covid-19. Só que não existe esse remédio, segundo orientação da Organização Mundial da Saúde. Já há decisão formal de que a cloroquina não deve ser usada, pelo alto risco, inclusive de morte. A Anvisa já detectou nove mortes devido ao uso da cloroquina ou hidroxicloroquina.
Também o novo ministro da Defesa, general Braga Netto, excedeu-se no uso da palavra “liberdade” quando disse em discurso: “As Forças são fiéis às suas missões constitucionais, de defender a pátria, garantir os poderes constitucionais e as liberdades democráticas”. Já a Constituição, em seu artigo 142, diz que as Forças Armadas destinam-se “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais, e, por iniciativa de qualquer destes, a lei e a ordem”.
Portanto, nenhuma referência na Constituição ao papel das Forças Armadas na defesa “das liberdades democráticas”. Basta que cumpram suas missões constitucionais que estarão a salvo, sem que o artigo 142 seja distorcido para validar intervenções militares, como querem bolsonaristas de vários calões. Uso mais uma vez o Marquês de Maricá para terminar: “Os grandes empregos desacreditam e ridicularizam os pequenos homens”.
Paulo Hartung: 2021, ano decisivo para um futuro mais verde
O Brasil tem a chance de se tornar um farol a iluminar o horizonte dessa caminhada global
“O futuro não é um lugar para onde estamos indo, mas um lugar que estamos construindo.” Nos dias que se sucedem neste 2021, a máxima de Saint-Exupéry deve ser observada com preciosa atenção: a significativa agenda ambiental que mobiliza o planeta este ano tem o condão de firmar as bases de um novo futuro, para as atuais e as próximas gerações.
Não podemos mais negligenciar discussões e decisões sobre a sustentabilidade do planeta. A covid-19, que, tragicamente, tem sido muito dura e vem ceifando milhares de vidas, é também fruto do descontrole na relação entre humano e natureza. Temos de agir e aproveitar as oportunidades para acelerar uma retomada verde.
Joe Biden convocou a Cúpula do Clima para o próximo dia 22, com o objetivo de ampliar políticas de combate a desmatamento e redução de emissões de dióxido de carbono (CO2). Também haverá duas Conferências da ONU. A COP-15 da Convenção da Diversidade Biológica, que negociará o novo Marco Global de Biodiversidade. Já a COP-26 sobre Mudança Climática será a chance para, enfim, aprovar o artigo 6.º do Acordo de Paris, que estabelece e regula um mercado global de carbono.
Nacionalmente, Belém (PA) será a sede do Fórum Mundial da Bioeconomia, pela primeira vez realizado fora da Finlândia. Voltar os olhos para o Brasil pode nos dar a chance de protagonizar as discussões e estimular a estruturação de uma economia de baixo carbono.
Para ingressar numa nova economia não podemos mais nos basear nos velhos conceitos que nos guiaram até aqui. O meio ambiente sempre foi pensado sob o olhar de comando e controle, mas chegou o momento de enxergar além e criar estímulos, como o pagamento por serviços ambientais (PSA).
Devemos monetizar a floresta em pé. Essa é uma chance inigualável para o Brasil, que possui a maior floresta tropical e a maior biodiversidade do mundo. Preservando a Floresta Amazônica e com um comércio regulado de crédito de carbono, há estimativas de que poderíamos ter ganhos de até US$ 10 bilhões por ano. Montante que poderia ser um alento para os 25 milhões de brasileiros que vivem na região e sofrem com a falta de infraestrutura, como saneamento básico, serviços de saúde e de telecomunicações, entre outros.
Tem de se dar o devido valor ao cuidado com os recursos hídricos, lembrando que concentramos 12% da água doce do planeta. A matriz energética brasileira é uma referência, com cerca de 45% de geração limpa, mas com campo para avançar a partir, também, da energia eólica, solar e da biomassa.
Na seara da bioeconomia, não precisamos inventar a roda. Podemos dar escala a experiências de sucesso País afora. Na Amazônia, entre outros exemplos, o açaí movimenta cerca de US$ 1 bilhão por ano, a castanha e o cacau proporcionam sustento às comunidades, com espaço para avançar.
Outras regiões também produzem casos bem-sucedidos. O Brasil destaca-se como o segundo maior produtor de etanol do mundo, até exportando tecnologia. O setor de árvores cultivadas trabalha há anos com os dois pés na bioeconomia. Enquanto planta, colhe e replanta árvores para fins industriais em 9 milhões de hectares, destina outros 5,9 milhões de hectares à conservação, entre áreas de preservação permanente, de reserva particular do patrimônio natural e reserva legal. Juntas, essas florestas removem e/ou estocam 4,48 bilhões de toneladas de CO2 equivalente.
Nossas potencialidades estão postas à mesa. Precisamos transformá-las em oportunidades reais para ingressar nesta nova era da economia verde, que será marcada pelo mercado de carbono e outros mecanismos igualmente transformadores de nossa relação com a natureza.
Política ambiental é tema de Estado, e não de um governo específico ou de um partido. Trabalhar desde já com planejamento é cuidar da sociedade, proteger o meio ambiente e beneficiar até mesmo nossa competitividade internacional, que tem no comércio exterior um dos motores da economia brasileira. São nossas atitudes que farão o mundo confiar novamente no País e valorizar os produtos “made in Brazil”, em vez de criar barreiras comerciais.
Para isso temos uma lição de casa a fazer. Como prioridade, combater as ilegalidades, especialmente na Amazônia. Desmatamento, queimadas, garimpo e grilagem de terras devem ser coibidos. Em segundo lugar, implementar, de fato, o Código Florestal. Essa lei é moderna, pensada juntamente com a sociedade civil, e dispõe sobre PSA em seu artigo 41. Não é exagero imaginar que seu modelo possa ser exportado, apresentando-se como uma legislação de referência para o mundo.
O Brasil tem em suas mãos a chance de se tornar um dos faróis a iluminar o horizonte da caminhada verde do planeta. Até 2050 o mundo terá 9,7 bilhões de pessoas, que necessitarão de mais alimentos, mais roupas, mais moradias, mais infraestrutura e, sobretudo, uma vida mais sustentável. É preciso que iniciemos de fato a travessia rumo a um outro tempo, “atribuindo um novo sentido à existência de cada um e, também, do planeta”, como preconizou o saudoso geógrafo Milton Santos.
*Presidente Executivo do IBÁ, membro do Conselho do Todos pela Educação, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)
Cristina Serra: Fanatismo jurídico-cristão
Não é a liberdade religiosa que está em jogo, mas a vida dos brasileiros
A decisão do ministro do STF Kassio Nunes Marques a favor dos cultos religiosos presenciais sabota os esforços de prefeitos e governadores para controlar a pandemia, agride a ciência, empurra mais brasileiros para o cemitério e desrespeita o sacrifício dos profissionais de saúde, que estão trabalhando no limite da exaustão física, mental e emocional.O ministro atendeu a um pedido da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure). Não é uma entidade qualquer. Fundada em 2012, a associação já teve a delirante Damares Alves como sua diretora de assuntos legislativos. Tem 700 associados, entre advogados, juízes, procuradores e desembargadores.O advogado-geral da União e pastor, André Mendonça, era assíduo frequentador dos eventos da entidade, antes da pandemia. Aliás, foi Mendonça que, mais que depressa, pediu a intimação do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, quando este anunciou que não cumpriria a decisão de Nunes Marques. Depois da ameaça, Kalil voltou atrás.
Reportagem da revista Piauí (edição 169) revela o intenso lobby da Anajure para emplacar em cargos importantes do poder público defensores da sua agenda cristã ultraconservadora. A associação trabalhou, por exemplo, pelos nomes do procurador-geral da República, Augusto Aras, do defensor público-geral federal, Daniel de Macedo, e do ministro da Educação, Milton Ribeiro, também pastor e apologista da "vara da disciplina" para corrigir os filhos.
A Anajure parece ter obsessão com o tema. Recentemente, saiu em defesa de uma escritora que tivera um livro proibido pela Justiça por preconizar castigos físicos na educação das crianças. Outras fixações são o aborto e a "ideologia de gênero".
Nesta quarta-feira (7), o plenário do STF decidirá sobre cultos e missas presenciais ou virtuais. Espera-se que recoloque a questão em sua real dimensão, afastando da discussão qualquer traço de fanatismo. Não é a liberdade religiosa que está em jogo, mas a vida dos brasileiros.
Hélio Schwartsman: Eles não sabem o que fazem
Kassio e milhões agem como se a epidemia fosse uma fatalidade imposta por Deus
A liminar do ministro Kassio Nunes Marques, do STF, que liberava a presença do público em cerimônias religiosas é um contrassenso, sintomático de quem ainda não entendeu bem o que está acontecendo no país.
O raciocínio marquiano parte de um elemento de verdade. Os decretos anti-Covid-19 de governadores e prefeitos limitam a liberdade religiosa. Mas não só. Também limitam a liberdade de ir e vir, de reunir-se pacificamente etc. E é o que se espera que façam. Os decretos, afinal, estão baseados numa lei de emergência sanitária, que tem o propósito explícito de limitar temporariamente direitos para conter a epidemia.
Rezar é, de todas as atividades humanas, a mais facilmente adaptável para o “home office” —se Deus existe e é onipresente, como quer a tradição, ouve preces de qualquer lugar que sejam feitas. Diante de uma entidade assim tão poderosa, o papel que resta às igrejas é muito menos o de estabelecer a comunicação com o divino do que o de favorecer uma vida comunitária significativa para os fiéis.
Assim, os religiosos só teriam motivo para queixa se os templos estivessem recebendo das autoridades terrenas um tratamento menos favorável que o dispensado a outros negócios que promovem contatos sociais positivos, como clubes e grêmios recreativos. Não sendo esse o caso, a liminar só cria uma exceção injustificável para templos.
Nunes Marques, porém, não está sozinho. Ele e milhões de brasileiros continuam agindo como se a epidemia fosse uma fatalidade imposta por Deus e não a expressão matemática de interações sociais desprotegidas entre portadores do Sars-CoV-2 e suscetíveis. Como ainda permaneceremos meses sem vacinas nas quantidades necessárias, o único jeito de reduzir o contágio é reduzir essas interações.
Enquanto os brasileiros, em especial autoridades como Marques, não entenderem isso, continuaremos colecionando milhares de mortos por dia.
Hamilton Mourão: O que os brasileiros esperam de suas Forças Armadas
Que não se esqueçam de seus compromissos com a Pátria, que juraram defender
É bom que os brasileiros se preocupem com o que fazem, ou podem fazer, as suas Forças Armadas. Afinal, a sua segurança e, em última instância, a garantia da lei e da ordem dependem delas, para não falar no enfrentamento de situações de crise que ultrapassam a capacidade das agências governamentais e requerem o emprego da competência logística e organizacional das Forças singulares: Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Aeronáutica.
Hoje, no entanto, a sociedade brasileira espera algo mais de seus militares.
Desde antes da pandemia de covid-19, o Brasil vem enfrentando uma situação difícil causada pela postergação de reformas imprescindíveis – a tributária, a administrativa e a política – e pelo desvirtuamento da administração pública, atingida em cheio pela corrupção e pelo clientelismo político. Nas eleições de 2018 o País fez uma clara escolha pela condenação do maior caso de corrupção da História, pelas reformas que promovam a retomada do desenvolvimento e pelo combate à violência, compromissos deste governo com a sociedade brasileira.
Os militares que foram chamados a trabalhar no governo que se iniciou em janeiro de 2019 vieram tão somente participar – como cidadãos no pleno exercício de seus direitos e como profissionais de Estado capazes – do esforço de racionalização, efetividade e moralização da administração pública, em prol do soerguimento do País.
Para tarefa de tal monta pode parecer pouco o mero aporte de valores caros à profissão militar, como lealdade e probidade, e de competência técnica, requerida para qualquer função no serviço público. Mas é muito para um país que teve sua máquina administrativa aparelhada pela política partidária e, não raro, pela ideologia.
E é esse pouco, que é muito em termos de contribuição à administração pública, porventura tido por excessivo em termos numéricos, mas que, na verdade, é ínfimo se comparado às bateladas de cargos comissionados ou simplesmente inventados que incharam a máquina administrativa nos últimos governos, que vem prejudicando o entendimento do papel dos militares no Brasil, neste e em outros momentos.
Não é a presença de militares no governo que o define. Sempre houve e continuará a haver militares no governo. Estejam onde eles estiverem, na ativa ou na reserva, nos quartéis ou em repartições, os militares são cumpridores de suas obrigações e seus deveres. Se assim não fosse, o País viveria uma anarquia armada, incompatível com a democracia. E os militares simplesmente não seriam militares. A questão é outra.
As Forças Armadas são instituições de Estado, porque são regulares, permanentes, nacionais e se destinam à defesa da Pátria e à garantia dos Poderes constitucionais, estando sob a autoridade do presidente da República, que é responsável perante os demais Poderes e a Nação pelas ordens que transmite a elas.
No que diz respeito aos militares, em qualquer país do mundo o que distingue as democracias das ditaduras são as ordens que lhes são dadas e, o mais importante, como eles lhes obedecem. Nas democracias, as ordens são legais e emitidas por quem de direito, sendo integralmente cumpridas na forma da lei. Fora disso, transita-se perigosamente entre a desordem e o autoritarismo. Políticos e soldados profissionais das grandes democracias já sabem disso.
Recentemente o mundo assistiu, com alguma perplexidade, à Junta de Chefes de Estado-Maior dos Estados Unidos, os comandantes das Forças Armadas norte-americanas, virem a público garantir a transição presidencial na maior democracia do mundo, em meio a contestações do processo eleitoral e aos tumultos que atingiram a sede do Legislativo em Washington, DC. Nenhuma democracia está livre de crises e os seus militares fazem parte da sua superação.
O presente ordenamento constitucional do Brasil é fruto de uma longa evolução desde a Independência, cujo bicentenário comemoraremos no ano que vem. Deixamos para trás um regime que não mais atendia às aspirações da cidadania, uma República calcada na fraude eleitoral, um federalismo de oligarquias e seguidas revoltas, revoluções, autoritarismos e ditadura que envolveram os militares. Goste-se ou não, foi o regime instalado em 1964 que fortaleceu a representação política pela legislação eleitoral, que deu coerência à União e afastou os militares da política, legando ao atual regime, inaugurado em 1985 e escoimado de instrumentos de exceção, uma República federativa à altura do Brasil.
Uma compreensão mais equilibrada e menos passional do passado do País pode nos ajudar a entender o presente e os caminhos que se abrem à nossa frente. Por tudo o que aconteceu ao longo da História do Brasil, a sociedade brasileira sabe que as Forças Armadas continuarão a cumprir rigorosamente suas missões constitucionais. Mas neste momento de dificuldades por que passa o País ela espera mais. Ela conta que seus militares, da ativa e da reserva, não se esqueçam dos seus compromissos com a Pátria que juraram defender, servindo-lhe com ou sem uniforme, ciosos de sua cidadania, orgulhosos do que fizeram e confiantes no que podem fazer de bom para o bem do País.
É o que os brasileiros esperam de suas Forças Armadas.
VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA
O Estado de S. Paulo: Lula aparece numericamente à frente de Bolsonaro para 2022, diz pesquisa XP
Em uma simulação para o primeiro turno, ex-presidente petista tem 29% ante 28% do atual mandatário, o que configura empate técnico dentro da margem de erro
Matheus de Souza, O Estado de S.Paulo
Nova rodada de pesquisa da XP/Ipespe sobre a disputa presidencial de 2022 mostra que o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) permanecem tecnicamente empatados. No entanto, a simulação demonstra que o petista desponta numericamente à frente de Bolsonaro, com 29% das intenções de voto, ante 28% do atual presidente.
No último levantamento realizado pelo instituto, Lula contava com 25% das intenções de voto, contra 27% de Bolsonaro. Ainda segundo a pesquisa, nomes como Sérgio Moro e Ciro Gomes (PDT) contam cada um com 9% das intenções de voto.
Em um possível segundo turno, Lula também está numericamente à frente de Bolsonaro, com 42% das intenções de voto contra 38% de Bolsonaro.
Pandemia
A pesquisa da XP/Ipespe também perguntou sobre a atuação de Bolsonaro no enfrentamento da pandemia de covid-19. A avaliação de “ótima e boa” oscilou positivamente dentro da margem, indo de 18% para 21%. O cientista político Antônio Lavareda destaca que a troca do ministro da Saúde foi bem recebida pela população. “O avanço da vacinação e o posicionamento do novo titular sintonizado com a ciência, além do maior jogo de cintura, devem contribuir para melhorar essa percepção.”
Popularidade
A pesquisa mostra a continuidade na trajetória de alta da rejeição ao governo de Jair Bolsonaro. Segundo o levantamento, 48% avaliam o governo como "ruim ou péssimo", três pontos percentuais a mais do que a rodada anterior.
Lavareda diz que a ampla reforma ministerial, que culminou na demissão do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas, pareceu o reconhecimento de que o governo ia mal. "Confusão nos quartéis nunca é bem vista", disse ele. "O resultado é que cresceu a avaliação negativa, agora 48%, e a positiva ficou abaixo dos 30 pontos (27%) pela primeira vez desde julho do ano passado."
Foram realizadas mil entrevistas de abrangência nacional nos dias 29, 30 e 31 de março. A margem de erro máxima é de 3,2 pontos porcentuais para o total da amostra.
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