covid-19
Míriam Leitão: Bolsonaro e ministros usam sucesso do leilão da Cedae para melhorar semana desastrosa
Antes de melhorar a água e ampliar a oferta de saneamento no Rio, a privatização da Cedae foi usada pelo presidente Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes, o ministro Eduardo Ramos, o senador Flávio Bolsonaro para tentar pular nas águas de uma notícia boa. Foi uma semana desastrosa para todos eles. A CPI começando, as derrotas no Senado, as declarações catastróficas de Guedes e do general Ramos, o fiasco de Flávio. A semana foi uma sucessão de fotos ruins para todos eles. Mas voaram todos para São Paulo, para sair na foto do leilão bem-sucedido.
O governador Claudio Castro tinha dito, num telefonema para o blog, que era um erro politizar um assunto que é técnico. “Não se pode resumir tudo a uma disputa entre Bolsonaro x Lula”. Mas sua afirmação de que não seria politizada não prevaleceu. O próprio governador aproveitou para, num dia emblemático do impeachment do ex-governador Wilson Witzel, tentar se alavancar. O presidente do BNDES, Gustavo Montezano, acentuou o ar politizado do evento. “Fluminenses avante”, disse e repetiu, chamou o governador de “herói” e outras grandiloquências. Depois dele, veio Paulo Guedes falando em “remover da miséria milhões de brasileiros”. O mesmo Guedes que se aborrece com o curso universitário do filho do porteiro.
Após Guedes, adivinha quem veio para martelar? O ministro Rogério Marinho, que se tornou o arqui-inimigo de Paulo Guedes. Para chamar também todos de “heróis”. E deixou claro que estava ali para fazer propaganda de Bolsonaro. Aproveitou para creditar ao presidente a transposição do Rio São Francisco. Bolsonaro, antes de também bater o martelo, aproveitou para mais uma vez tentar usar a figura divina em discurso político.
– Devo a Deus a minha segunda vida, devo a Deus o meu mandato.
Foi um show de demagogia. De fato, o leilão foi um sucesso, apesar de ter ficado um bloco sem comprador. A venda da Cedae teve até direito à emoção da disputa de viva voz pelo bloco 4, que teve 20 lances. No fim, o governo do Rio vai embolsar R$ 22 bilhões. O governador tinha falado que seria de 50% a 150% de ágio, e ficou em 114%. O consórcio Aegea arrematou dois blocos, e o consórcio, Iguá, outro. A dúvida é como ficarão os seis municípios do bloco 3, que permanecerão sob o serviço da estatal.
A venda da Cedae é um marco sim, mas é preciso martelar muito a realidade para dizer que tudo se deve aos que apareceram na foto. O projeto do marco regulatório do saneamento foi enviado pelo ex-presidente Michel Temer, foi salvo no Congresso pelo senador Tasso Jereissati, a modelagem da venda vem sendo feita há quatro anos pelos servidores do BNDES, como admitiu Montezano.
As privatizações às vezes parecem bem-sucedidas e depois dão errado, quando o comprador não faz o investimento, o governo usa mal o dinheiro arrecadado e o regulador não fiscaliza. O Rio sonha há muito tempo com um bom serviço de água e a universalização do saneamento. Que agora o governo do Rio fale sério e saia do palanque. Será preciso fortalecer a agência reguladora, será preciso fazer o investimento na Cedae que continuará sendo a produtora da água. Portanto, a nascente desse serviço. Se ela não melhorar a qualidade dos seus serviços, teremos apenas a geosmina.
Fonte:
O Globo
Hélio Schwartsman: O futuro é sombrio
Cabify, Ford, Sony, LG, Lafarge Holcim. Nas últimas semanas, várias multinacionais anunciaram que deixarão de produzir no Brasil. Dificuldades setoriais específicas decerto contribuíram para as decisões dessas empresas, mas sua confluência temporal torna inevitável perguntar se não está havendo uma perda de confiança no futuro do país. E eu receio que a resposta seja afirmativa.
O ambiente de negócios brasileiro nunca foi fácil. Anos e anos de hiperinflação, complexidade tributária, instabilidade regulatória e morosidade da Justiça destacam-se entre os fatores que já fizeram com que muitas firmas globais desistissem do Brasil.
Entre meados dos anos 90 e a primeira década do novo milênio, porém, pareceu que o país estava encontrando seu caminho. Principalmente sob as gestões de FHC e Lula, logrou-se controlar a inflação, melhorar o sistema de contas públicas e a regulação em geral, universalizar o ensino básico, expandir o acesso ao terceiro grau e ampliar a renda de vários grupos sociais. Não durou muito.
Os avanços não se fizeram acompanhar de outras medidas que teriam sido necessárias para manter o círculo virtuoso em operação. Tentativas de prestidigitação econômica sob Dilma escancararam e acentuaram nossa precariedade fiscal e depois vieram Bolsonaro e a pandemia, ambos aniquiladores.
Não há dúvida de que, no momento, é preciso gastar para que sobrevivamos à epidemia, mas isso apenas reforça a necessidade de nos prepararmos para o pós-crise. Não se percebe, nem no governo nem no Parlamento, nenhum sentido de urgência para lidar com essas questões.
O buraco fiscal em que estamos metidos ficou bem mais fundo, a economia está muito mais desorganizada, com falências e desemprego em alta, teremos problemas sérios e duradouros na educação e as velhas dificuldades não foram embora.
Se eu fosse uma multinacional também estaria pensando seriamente em cair fora.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/04/o-futuro-e-sombrio.shtml
Pablo Ortellado: Anvisa mostra independência
A não aprovação da importação da vacina russa Sputnik V mostrou que a agência brasileira mantém sua integridade e autonomia institucional, a despeito das pressões políticas que vêm de todos os lados: da opinião pública, que exige mais vacinas; dos governadores —muitos deles de esquerda —, que compraram milhões de doses; de setores do bolsonarismo que querem fazer da Sputnik “a vacina do Bolsonaro”, para se contrapor à “vacina do Doria”; além da própria Rússia.
Em seu parecer, a Anvisa apontou deficiências técnicas nos estudos clínicos, entraves para inspecionar a fabricação da vacina e, o mais grave, a presença de vírus replicante nas vacinas, o que poderia colocar em risco a saúde de quem as toma.
A decisão da Anvisa foi amplamente respaldada pela comunidade científica brasileira. O perfil da Sputnik no Twitter alegou, porém, que a vacina já foi aprovada em 61 países. O diretor da Anvisa Alex Campos respondeu que se trata de “países sem tradição de maturidade e robustez regulatória”. A Anvisa repassou seu parecer com observações sobre os vírus replicantes à OMS, que também está analisando a aprovação da vacina.
O atropelo no desenvolvimento da Sputnik tem sido alvo de críticas da comunidade científica desde o ano passado. A vacina foi registrada na Rússia antes da conclusão dos estudos clínicos da fase 1 e 2, e sua aprovação em outros países —como a Argentina — foi feita antes da conclusão da fase 3. Um estudo publicado na prestigiosa revista “The Lancet”, posterior ao registro, mostrou, no entanto, a eficácia da vacina.
A adoção da vacina na América Latina foi objeto de uma reportagem do jornal espanhol “El País”, que mostrou como a Argentina, depois de uma aprovação atropelada, promoveu a vacina junto a países ideologicamente alinhados, como México e Bolívia. O jornal “The New York Times” também fez uma reportagem sobre como a Rússia tem usado a vacina como instrumento de diplomacia, priorizando parceiros estratégicos à custa de sua própria população. Documentário recente de Álvaro Pereira Jr. mostrou a maneira agressiva como o governo russo restringe o acesso a informações sobre a Sputnik V.
Críticos da decisão da Anvisa têm alegado que a não aprovação da importação da Sputnik é resultado de pressão dos Estados Unidos. Em documento oficial da era Trump, o Departamento de Saúde americano relata que mandou um enviado ao Brasil para persuadir as autoridades brasileiras a rejeitar a vacina russa. A decisão recente da Anvisa, segundo esses críticos, seria fruto dessa pressão.
A suspeita, no entanto, não é apoiada por outros fatos. Em primeiro lugar, os argumentos da Anvisa para rejeitar a importação foram fortemente respaldados por especialistas. Além disso, se houvesse viés político nas decisões da Anvisa, ela jamais teria aprovado a CoronaVac, desenvolvida na China em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao Estado de São Paulo, governado por João Doria. Ambos, China e Doria, são adversários declarados do presidente Bolsonaro.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/anvisa-mostra-independencia.html
Inscrições abertas: curso Gestão Cidadã reúne time de professores de alto nível
Realizada pela FAP, capacitação a distância terá primeira aula no dia 3 de maio; vagas são limitadas
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Professores considerados de alto nível formam a equipe do recém-lançado curso Gestão Cidadã, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e destinado à formação a distância de novos líderes, prefeitos, vereadores e demais gestores filiados ao Cidadania. As inscrições estão abertas, e a primeira aula está marcada para o dia 3 de maio. Vagas limitadas.
Com aulas telepresenciais, o curso de capacitação em gestão pública tem o objetivo de elevar o padrão das administrações municipais. Inscrições poderão ser feitas na plataforma de educação a distância Somos Cidadania, totalmente interativa, moderna, com acesso gratuito e design responsivo (veja mais detalhes ao final da reportagem).
Veja, abaixo, a lista de professores do curso Gestão Cidadã
Coordenado pelo ex-prefeito de Vitória (ES) por dois mandatos (2013 a 2020), Luciano Rezende, o curso tem, entre os seus professores, nomes como o do ex-secretário da Receita Federal (1995 a 2002) Everardo Maciel. Ele é consultor tributário e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, além de ser conhecido por sua ampla atuação na gestão pública.
Everardo foi, ainda, secretário executivo dos Ministérios da Educação, da Casa Civil, do Interior (hoje Integração Nacional) e da Fazenda, além de ter ocupado em caráter interino os cargos de ministro da Educação, Interior e Fazenda, entre outros. Também lecionou em instituições privadas e participou de missões das Organizações das Nações Unidas (ONU).
Confira o podcast com Luciano Rezede
Aula do senador
Ex-governador de Minas Gerais, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que preparou aula de altíssimo nível sobre liderança no setor público, vai mostrar aos alunos como dominar expertises nessa área.
“Atualmente no Senado, tenho trabalho muito em prol de políticas públicas brasileiras. Quero convidar todos vocês a participarem do curso, estarei levando questões e compartilhando experiências”, afirma Anastasia.
Entre diversos temas estratégicos para gestão pública que serão abordados no curso, economia, desenvolvimento e sustentabilidade serão discutidos pelo ex-diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Sérgio Besserman Vianna.
Excelência
“O curso está de excelência”, destaca Viana, economista, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) há 40 anos. Ele também se autodefine como ativista social e político.
Um dos constitucionalistas mais citados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado, doutor em Direito e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Marco Aurélio Marrafon destaca que o curso terá muito conhecimento acerca da gestão pública, como inovação, novas perspectivas e governo digital.
“Na minha disciplina, vamos tratar da matéria da organização política e administrativa do Estado brasileiro, tripartição dos poderes, temas muito atuais”, ressalta Marrafon. Ele também coordenou cursos de formação política a distância, como Jornada da Vitória e Jornada da Cidadania, ministrados pela FAP no ano passado.
Comunicação assertiva
Referência em comunicação em prol do desenvolvimento humano e organizações do trabalho, a jornalista Vânia Bueno destaca a relevância do curso no momento de profunda crise política no país, agravada pela pandemia.
“É uma formação muito especial, neste momento, com o mundo com tantas transformações. Vou falar sobre comunicação, convivência produtiva e gestão de conflitos”, antecipa a comunicadora.
Cada vez mais fundamental no mundo interconectado, o tema construção de imagem será abordado no curso pelo jornalista Luiz Carlos Azedo, colunista político dos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense.
“A imagem de uma pessoa, de político, de liderança, é resultado dos serviços que presta à sociedade e também de sua personalidade. O sucesso na política depende, fundamentalmente, da boa reputação, e isso precisa ser construído e preservado”, ressalta o especialista.
SAIBA COMO FAZER SUA INSCRIÇÃO!
Plataforma Somos Cidadania
Com design responsivo, que se adapta a diferentes dispositivos de acesso (celular, computador e tablet), a plataforma Somos Cidadania é um projeto ousado e robusto de integração partidária e de divulgação de ações do partido e da FAP.
Ao acessar a plataforma, o internauta vai visualizar uma mensagem com o seguinte aviso: “Este é um espaço democrático e amplo que conecta filiados e simpatizantes para promover o debate em torno dos principais temas de relevância nacional”.
Em seguida, para ter melhor experiência de utilização da plataforma, o internauta terá de responder se é filiado ao Cidadania ou simpatizante do partido. Se for filiado, terá de informar número do título de eleitor e do CPF, para confirmação da resposta.
Além de ser o canal de realização do curso, a plataforma servirá também um canal de comunicação e funcionará, ainda, como ponte entre os seus integrantes e todas as lideranças políticas do Cidadania em todo o país.
Nela, os internautas terão a opção de participar de diversos grupos temáticos. Abaixo, veja lista de alguns exemplos, por ordem alfabética.
Além dos grupos temáticos, há uma parte destinada ao perfil de cada uma das pessoas cadastradas na plataforma, assim como espaço para fóruns de discussão e informação sobre eventos do partido e da fundação.
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Eliane Cantanhêde: 400 mil CPFs cancelados
Nosso Brasil, tão brasileiro, atingiu a marca de 400 mil mortos por covid-19 com um rastro de dor e tristeza e um horizonte de dúvidas e disputas políticas. “São só 400 mil CPFs cancelados, e daí?”, diria o presidente Jair Bolsonaro. Mas, por trás de cada um desses CPFs há uma vida perdida, uma família despedaçada e tantos amores desesperados.
Dos 5.570 municípios brasileiros, só 65 têm mais de 400 mil habitantes (IBGE, 2020). Logo, é como se a população inteira tivesse desaparecido em 5.505 cidades do País. Como se aquela cidade, porventura a sua, tivesse sumido do mapa, virado fantasma, em um ano de pandemia.
Diante dessa calamidade histórica, que marcará nossas vidas e a história do País para sempre, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso e o Ministério Público querem investigar, saber e informar por que, e por responsabilidade de quem, caímos nesse precipício. Para isso existem, por exemplo, as CPIs.
Há quem ataque as instituições e seus representantes, mas a história e a Nação têm o direito de saber a verdade. Goste-se ou não do senador Renan Calheiros, ou dos integrantes da CPI, do Senado ou do Congresso inteiro, eles foram eleitos e têm tanta legitimidade quanto o presidente. Bolsonaro
tinha a obrigação de combater a pandemia, mas não combateu. Eles têm o dever de investigar fatos e erros e estão investigando. O foco é a pandemia, “quem não deve não teme”.
O ex-presidente Lula foi condenado e preso pela Justiça por corrupção, mas Dilma Rousseff sofreu impeachment no Congresso, não por corrupção, mas por pedaladas fiscais e incompetência, porque a economia não resistiria a mais dois anos com ela. A corrupção é criminosa e imoral, mas há outros crimes graves de responsabilidade, que até matam brasileiros.
Como Dilma, Bolsonaro é um desastre inclusive na articulação política. Não queria a CPI, ela está aí. Não queria Renan Calheiros relator, ele é. Achou que manipularia o presidente da comissão, Omar Aziz, e ele cumpre seu papel. Tentou conquistar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e ele tem sido um magistrado. Os fatos fazem o resto. Deixam o Planalto sem defesa, em pânico, enquanto a seita bolsonarista produz dossiês apócrifos contra testemunhas e faz ameaças anônimas contra senadores.
A semana que vem será quente. O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta contando como alertou o presidente para a carnificina, se o Brasil não ouvisse a OMS e a ciência. Seu sucessor Nelson Teich relatando pressões pela cloroquina. E o vexame – e as mentiras – do general Eduardo Pazuello…
O atual ministro, Marcelo Queiroga, vai admitir que o governo confiscou e depois sonegou o kit intubação, orientou torrar as vacinas com a primeira dose, sem garantia da segunda? E o respeitado almirante Barra Torres, da Anvisa, vai repetir na CPI que foi contra o uso da cloroquina contra a covid, como disse ao Estadão? (“É um risco enorme”, 20/3/2020).
O governo continua dando farta munição à CPI. No mundo inteiro, os líderes tomam orgulhosamente a vacina, mas, aqui, o chefe da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, confessa: “Tomei escondido, né, porque a orientação era para não criar caso”. O governo é contra a vacina!
O ministro Paulo Guedes diz que a China “inventou o vírus” e lamenta que a população viva tanto. Pazuello, ex-ministro da Saúde, vai ao shopping sem máscara. Em Manaus! Onde pessoas morreram sem oxigênio, sem piedade e sem governo.
E a CPI pode fazer ao presidente da República a pergunta de milhões de idiotas: por que ele estava morrendo de rir com a placa do “CPF cancelado”? Essa é a gíria dos grupos de extermínio para cada morte, logo, são 400 mil CPFs cancelados. Isso, sinceramente, não tem graça nenhuma.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,400-mil-cpfs-cancelados,70003698866
Bernardo Mello Franco: Os valores de Guedes
Paulo Guedes perdeu a aura de superministro, mas continua a ser o homem certo para o cargo que ocupa. Nenhum outro economista espelharia tão bem os valores e princípios do bolsonarismo. Ou a ausência deles.
Em dois anos e quatro meses no poder, Guedes já ofendeu mulheres, servidores públicos e pobres em geral. A lista de insultos voltou a crescer na terça-feira, em reunião do Conselho de Saúde Complementar.
Sem saber que estava sendo gravado, o ministro disse que “o chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana”. A frase criou um novo atrito diplomático com o maior parceiro comercial do Brasil.
Guedes também reclamou do envelhecimento da população, um fato que deveria ser comemorado. “Todo mundo quer viver cem anos”, resmungou, acrescentando que não haveria como atender a todos no setor público.
A queixa revela desprezo pelos idosos mais pobres e insensibilidade com o morticínio no país. Um estudo de Harvard mostrou que a pandemia reduziu a expectativa de vida dos brasileiros em quase dois anos.
O ministro não pode culpar a câmera indiscreta pelo seu festival de preconceitos. Em eventos públicos, ele já fez coisas como chamar servidores de “parasitas” e dizer que a primeira-dama da França “é feia mesmo”.
Em outra palestra, apontou o que via como efeito indesejado do dólar baixo: “Empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada”. Ele sugeriu que as trabalhadoras deveriam se contentar com passeios mais modestos: “Vai para Cachoeiro do Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu”.
Na reunião de terça, Guedes reclamou que o Fies bancou a faculdade de “filho de porteiro” que tirou zero no vestibular. A história é inverossímil porque o programa exige nota mínima para conceder bolsas. Mas a mentira não é o pior da fala ministerial.
Em novembro, o jornal “El País” entrevistou Gabriella Juvenal Figueiredo, mestranda em história da arte na Espanha. Filha de um porteiro e uma doméstica, ela relatou uma vida de discriminação por estudar entre jovens da elite. “Infelizmente, tive de aprender a sobreviver ao lado dessas pessoas que te olham por cima do ombro”, disse.
Ao contar o que enfrentou, Gabriella resumiu os valores de Guedes.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/os-valores-de-guedes.html
Ricardo Noblat: Quatrocentos mil cadáveres revelam parte do que somos
Doze meses e 401 mil mortos depois do início da pandemia no Brasil, passou da hora de refletir por que nos comportamos de maneira tão conformada e indiferente diante do maior cataclismo que se abateu sobre o país em pouco mais de um século. Porque é disso que se trata e que, aparentemente, nos recusamos a ver.
Um em cada cinco óbitos notificados desde março de 2020 se deve à doença. Foram 76 dias para ir de 200 mil a 300 mil mortos, e apenas 36 dias para chegar aos 400 mil. O Brasil é o segundo país do mundo com maior número de mortos. Em uma lista de 52, é o 22º em doses de vacinas aplicadas a cada 100 habitantes.
O governo do presidente Jair Bolsonaro, e dos militares paraquedistas que ocupam cargos estratégicos, tem a maior parcela de culpa por tantas mortes, só abaixo da do vírus letal. Deu passe livre à Covid-19 para que ela circulasse sem barreiras, matando os que estivessem marcados para morrer (e daí?).
Bolsonaro estava cansado de saber que não seria uma gripezinha. Sabia, porque lhe disseram, que se nada fosse feito, em dezembro último o número de mortos bateria a casa dos 200 mil (mas ele não é coveiro, não é mesmo?). E que sem isolamento social e vacinas, a mortandade só faria aumentar, e seguirá aumentando.
Não foi por engano, incúria ou ignorância, pois, que ele jogou suas fichas na arriscada aposta de que a pandemia seria contida por ela mesmo quando 70% da população fossem infectadas. Entre salvar os mais vulneráveis ou salvar o seu governo ameaçado pela recessão econômica, preferiu a última e falsa opção.
Pense se Bolsonaro tivesse feito o contrário. Se aos primeiros sinais da tragédia, ocupasse uma cadeia nacional de rádio e de televisão para dizer algo parecido com: a partir deste momento, só vidas importam. Diferenças políticas e ideológicas ficam suspensas. Convoco todos os brasileiros a lutar contra a morte.
E, no comando de um gabinete de crise formado pelos maiores especialistas do país no assunto, se pusesse à frente de todas as ações contra a doença sem poupar recursos, viajando pelo país a conferir o resultado das medidas adotadas, e tendo uma palavra de conforto a oferecer. Quem o venceria no ano que vem?
Mas, convenhamos, Bolsonaro não seria o que de fato é, um homem rude, mau, oportunista, interessado unicamente no próprio destino e no destino de sua prole, se tivesse agido de maneira diferente. Muito menos teria sido eleito se não fosse um espelho da parcela expressiva dos brasileiros que votaram nele.
Bolsonaro passará, e quanto mais rápido melhor para todos. Parte do que somos… Infelizmente não.
Oposição torce para que Bolsonaro siga desafiando a morte
Assim é se lhe parece
Ministro que toma vacina escondido. Ministro que acusa o principal parceiro comercial do país de exportar vírus. Presidente que se recusa a usar máscara, promove aglomerações, acusa governadores de roubar o dinheiro da saúde, e não se vacina…
Tudo isso será esquecido ao confirmarem-se as previsões dos sábios que raramente acertam de que a economia, no ano que vem, dará sinais de recuperação e de que a Covid-19 estará sob controle, incorporada de vez ao calendário das doenças infecciosas?
Bolsonaro e seus dependentes desejam que sim, essa seria a única maneira de permanecerem mais quatro anos no poder. Presidente da República, aqui, sempre se reelege. Os que querem vê-los pelas costas admitem em voz baixa que isso pode acontecer.
Contam para que não aconteça com os inevitáveis erros que Bolsonaro cometerá até lá. É da natureza dele arriscar-se em saltos mortais de grandes alturas sem rede, não dar ouvidos a auxiliares que dizem o contrário do que ele pensa, e só confiar nos filhos.
Por mais que procure mostrar-se simpático, próximo dos seus devotos e apareça sempre sorrindo, é um homem triste, angustiado, que enfrenta a solidão do poder com crescentes dificuldades. Uma pessoa assim está sujeita a muitos erros.
Esta semana, outra vez, ministros preocupados com a situação de Bolsonaro voltaram a pressioná-lo para que mude de comportamento, seja mais prudente, se exponha menos e dê prioridade à compra de vacinas. Ele respondeu que sabe o que faz.
Fonte:
Veja
https://veja.abril.com.br/blog/noblat/quatrocentos-mil-cadaveres-revelam-parte-do-que-somos/
Malu Gaspar: Namorada de Wassef é a autora de requerimentos feitos no Planalto para a CPI da Covid
A assessora do Palácio do Planalto que redigiu os requerimentos apresentados por aliados de Bolsonaro na CPI da Covid, Thais Amaral Moura, é namorada de Fred Wassef, advogado da família Bolsonaro. Thais e Wassef têm sido vistos juntos em público desde fevereiro, em jantares e eventos do governo, e não escondem o relacionamento.
Ela é assessora especial da Secretaria de Assuntos Parlamentares da Presidência da República desde janeiro deste ano, quando foi transferida do Ministério do Turismo para a secretaria de Governo.
Segundo o portal da Transparência, Thais detém um DAS.5, segundo mais alto nível para os cargos comissionados, atrás apenas do DAS 6, remuneração normalmente reservada a secretários e ministros. Sua última remuneração líquida foi de R$ 16.240,60.
O GLOBO revelou na quarta-feira que foi Thais quem redigiu sete dos requerimentos apresentados à CPI pelos senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Jorginho Melo (PL-SC). A identificação de autoria aparece nos metadados dos documentos, registro que indica data e hora em que o arquivo foi criado, quem o criou e quantas modificações foram feitas.
Leia também: CPI da Covid recebe arsenal contra Mandetta
Os requerimentos escritos por Thais pediam a convocação de médicos defensores do uso de cloroquina no tratamento da Covid-19 para depor na CPI, além do prefeito de Chapecó, João Rodrigues, entusiasta do tratamento precoce. Com os depoimentos, o governo pretendia mostrar que o discurso de Bolsonaro a favor da coloroquina e da ivermectina se baseia na opinião de especialistas. Esses requerimentos específicos ainda não foram avaliados pela CPI.
Procurada ontem, por telefone, Thais disse que não comentaria nem os requerimentos e nem o relacionamento com Wassef. Afirmou apenas que, como servidora, não pode falar sobre assuntos internos do governo. Além de já ter defendido Jair Bolsonaro, Wassef advoga para dois dos cinco filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro e Jair Renan.
Depois de um período de ostracismo forçado, quando se descobriu que Fabrício Queiroz se escondia em seu sítio em Atibaia, Wassef voltou a ser visto com frequência em Brasília mais recentemente.
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Ele é visita frequente no Palácio do Alvorada e gosta de se mostrar influente junto ao clã Bolsonaro. “Nada mudou na minha relação com a família. Toda a imprensa sabe que sou advogado do Flávio e família e me tratam como tal”, declarou à revista Época em março passado.
Já Thais, formada em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, chegou a Brasília no início do governo Bolsonaro para trabalhar como chefe de parcerias e projetos na Embratur. Depois, foi diretora substituta no Departamento de Políticas e Ações Integradas e assessora especial do Ministro do Turismo.
Ela já estava na assessora na secretaria de governo quando a nova ministra, Flávia Arruda, assumiu o comando da pasta. No Palácio do Planalto, sua indicação para o cargo é atribuída ao senador Flávio Bolsonaro.
Com Mariana Carneiro
Leia mais: O circo da CPI começou, mas o impeachment ainda está longe
Fonte:
O Globo
Murillo de Aragão: Descartes e a reforma tributária
A reforma tributária deverá ganhar novo impulso no Congresso, já que está prevista para os próximos dias a apresentação de um relatório sobre o tema. O que devemos esperar desse movimento? Podemos ter sérias expectativas sobre a aprovação da proposta?
Em primeiro lugar, o consenso em torno da questão está longe de ser alcançado. Existem muitos atores relevantes com posições divergentes. Por exemplo, o setor de serviços não concorda com a taxação proposta. O governo federal não quer perder a receita obtida por contribuições não partilhadas com estados e municípios.
Estados que ganham com o atual ICMS não querem perder com o novo imposto sobre valor agregado (IVA). Governadores querem compensar as perdas decorrentes das eventuais mudanças, mas a União não quer bancar essas perdas.
Burocratas não querem uma radical simplificação do sistema, o que acabaria esvaziando o papel de fiscais, auditores etc. Como disse um anônimo: a burocracia aumenta para atender aos interesses do aumento da burocracia.
O setor empresarial está dividido. Alguns temem perder isenções e renúncias; outros querem reduzir a burocracia infernal. A equipe econômica quer implementar uma reforma por fases, começando pelo IVA e chegando ao IPI e ao imposto de renda de pessoas jurídicas. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também defende que a reforma seja feita por partes.
“Falta consciência social sobre a necessidade de acabar com benefícios e injustiças do nosso sistema”
Como resolver o imbróglio? Vamos pensar em Descartes. O primeiro ponto é que tudo deve ser questionado e não deve existir nenhuma vaca sagrada no meio do caminho. O segundo ponto é dividir o problema em tantas parcelas quanto for possível, para facilitar a sua resolução.
Prosseguindo com Descartes, deve-se começar tratando dos itens mais fáceis e pouco a pouco ir avançando sobre o que é mais complexo. Importante também examinar os pontos de consenso, caso da excessiva burocracia do sistema. Simplificá-la é um excepcional começo. Por fim, é preciso fazer enumerações completas e revisões gerais, buscando a certeza de não ter omitido nenhum aspecto do problema.
Voltando às perguntas iniciais, vou tentar respondê-las. Quanto às expectativas em torno do sucesso de uma reforma tributária, elas devem ser moderadas. Até mesmo por não sabermos o que será proposto, nem como será, nem em que tempo. Nem por isso devemos deixar de tentar estimulá-la.
Com relação a sua aprovação, devemos considerar que o tema continuará a ser debatido por algum tempo. Ainda falta conscientização social sobre a importância da reforma, ou seja, da necessidade de acabar com benefícios e injustiças existentes em nosso sistema tributário. Nesse sentido, caberia ao governo começar a reforma tributária dentro do próprio sistema — a reforma da porta para dentro —, a fim de dar o bom exemplo.
Publicado em VEJA de 5 de maio de 2021, edição nº 2736
Fonte:
Veja
https://veja.abril.com.br/blog/murillo-de-aragao/descartes-e-a-reforma-tributaria/
Fernando Gabeira: O general pulou a cerca
Tive um avô que comia doce escondido, fugindo das prescrições médicas. Lembrei-me dele quando o general Luiz Eduardo Ramos confessou que tomou vacina escondido, para respeitar a medicina e a ciência:
— Tomei e vou ser sincero. Como qualquer ser humano, quero viver, pô.
As coisas mudaram no Brasil de hoje. Um general do Exército toma vacina escondido porque sabe que, para o governo a que está ligado, isso é uma heresia.
O que o general esconde é para ele o impulso de qualquer ser humano. Se for um pouco mais longe, perceberá que está presente em todos os seres vivos.
O belo documentário sobre os ensinamentos de um polvo mostra suas estratégias de sobrevivência, ora caçando um camarão, ora escapando de um tubarão, ou mesmo colocando seus ovos em lugar seguro. Além de sobreviver, os seres vivos tendem a perpetuar sua espécie, general.
Na mesma gravação em que confessa sua escapada para a vida, o general Luiz Eduardo Ramos afirma que está na luta para convencer Bolsonaro a se vacinar também:
— Não podemos perder o presidente para um vírus desses.
Mas, de certa forma, o general e alguns eleitores de Bolsonaro já o perderam para o vírus desde o momento em que o presidente decidiu negá-lo. Bolsonaro não poderia combater o que não existe, o que não é mais do que uma gripezinha.
Um general sensato deveria parar para pensar um pouco na história. Num passado recente, os adversários eram postos na clandestinidade. Mas hoje é o próprio impulso vital que se torna clandestino no interior do governo.
Indo um pouco para trás, encontraremos presidente que se suicidou no auge de uma crise, mas nunca houve presidente que escolhesse o suicídio como um estilo de vida.
Depois de comandar o Ministério da Saúde, o general Pazuello, investigado por negligência nas mortes de Manaus, foi a um shopping center sem máscara.
Ele manteve um nível de obediência total a Bolsonaro, mostrando-se o aliado fiel, aquele que marcha com seu líder ainda que seja para a sepultura.
A travessura do general Ramos é apenas uma das pequenas brechas em que a vida consegue penetrar o fúnebre edifício do governo Bolsonaro. Mas sua própria confissão indica como está enterrado nesse pântano cadavérico.
Ele não tem vergonha de querer viver como os outros seres humanos. Mas também não se orgulha disso nem celebra o ato vital de se vacinar. É apenas uma contingência, pô.
Aliás a expressão “pô” é uma forma simplificada porque achamos na imprensa que, depois de tudo por que passaram os brasileiros, ainda não podem ler certas palavras cruas.
De modo geral, não me interessam generais que se enterram ou mesmo os que põem rapidamente a cabeça de fora.
Eles são apenas a guarnição militar de um projeto de morte que, desvelado para a maioria do país, certamente não sobrevive depois de 22.
O problema é que esse projeto domina hoje o país onde vivo e se espalha além dos mais de 400 mil túmulos que cavou com a pandemia. Ele nos retira o Censo para que não saibamos exatamente quantos somos e que problemas concretos temos de enfrentar. Ele nos impõe e aprova um Orçamento com verdadeiros cheques em branco para políticos.
Enfim, não basta conduzir um projeto de morte, mas é necessário também romper com os elementos de orientacão e planejamento coletivos.
É como se tivéssemos que marchar de olhos fechados para o nosso próprio cadafalso. É um plano meticuloso que se estende à escuridão, ao imposto sobre os livros, para que se feche também essa janela para o mundo.
Houve um pastor que levou seus fiéis ao abismo nas Guianas. Chamava-se Jim Jones. Mesmo para alguém como eu, que não acredita em reencarnacão, as coincidências são assustadoras.
Durante muito tempo se pensou em suicídio coletivo, mas o que prevaleceu foi a tese do assassinato em massa.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/o-general-pulou-cerca.html
Maílson da Nóbrega: 2021, o pior Orçamento da história
O Orçamento da União para 2021, uma mixórdia, é o pior da era republicana. É inconcebível que isso tenha acontecido com a peça legislativa mais importante depois da Constituição. A Lei Orçamentária Anual é, ademais, a principal da área econômica, pois define as prioridades do País e a destinação dos recursos públicos.
O Orçamento esteve na origem da Carta Magna inglesa (1215), a primeira das grandes mudanças institucionais que legaram a democracia ocidental. A Revolução Gloriosa inglesa (1688) atribuiu ao Parlamento a supremacia do poder e a aprovação anual do orçamento. Questões orçamentárias compuseram as fontes e as transformações das Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789).
No Brasil somos herdeiros de outras tradições, as do mundo ibérico colonial, em que as finanças do rei se confundiam com as do Estado. Talvez por isso o Orçamento não seja levado a sério. Até 1937 o Congresso o usava para dar nome a ruas e promover funcionários. Daí o dispositivo acaciano introduzido pela Constituição de 1937 e mantido desde então: o Orçamento só cuida da receita e da despesa.
Nos últimos 20 anos, segundo levantamento da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), várias vezes o Orçamento foi aprovado meses depois do início do exercício fiscal. Quase virou regra. De fato, durante esses 20 anos, em apenas dois a lei foi publicada antes do término do ano anterior.
Durante a Constituição de 1946, o Orçamento era desfigurado por excesso de emendas. No outro extremo, o regime militar proibiu-as. A Constituição de 1988 restabeleceu essa necessária atribuição do Congresso, mas condicionada ao cancelamento de dotações de mesmo valor ou por “erros e omissões”.
Erros e omissões seriam, óbvio, erros materiais, mas no primeiro Orçamento da democracia, o de 1989, o relator interpretou que abrangiam engano na estimativa da receita. Ao projetar artificialmente uma arrecadação maior, ele abriu espaço para emendas. A maroteira, inconstitucional, foi consagrada mediante sua inscrição como norma do Congresso.
O teto de gastos tornou a manobra inviável, pois a despesa passou a ter um limite. Mesmo que se reestime a receita, as emendas não podem aumentar. Depois de dois exercícios o Congresso achou a saída: criar o espaço para emendas pela redução de gastos obrigatórios como as aposentadorias. Flexibilizou-se o que é fixo por natureza.
Uma justificativa para a barbaridade teria sido estudo do Ministério da Economia sugerindo que o auxílio-doença fosse pago pelas empresas, que descontariam o seu valor no pagamento de tributos. Seria violado um princípio básico do processo orçamentário, pelo qual o Orçamento deve conter todas as despesas e receitas do governo. Prejudicaria a transparência e propiciaria fraudes.
O Congresso fez uma festa com as emendas: somaram inacreditáveis R$ 49 bilhões. Tudo com o aval do Ministério da Economia, segundo o relator, senador Márcio Bittar. Depois dos vetos, esse valor foi reduzido para R$ 35,6 bilhões, correspondente a 47% dos gastos discricionários, ou seja, os não obrigatórios. Para comparar, em 2008 atingiram 19,6%. Veremos mais ginásios de esportes, ambulâncias, tratores e postos de saúde Brasil afora, em detrimento da melhoria da infraestrutura nacional, da ciência e tecnologia, do apoio ao agronegócio e, pasmem, do censo demográfico.
O governo teria participado da negociação de uma pedalada fiscal. A meta do resultado primário de 2021 vai excluir as despesas com saúde, o programa de preservação de empregos (BEm) e o crédito para pequenas e médias empresas (Pronampe). O certo teria sido rever a meta, e não renovar essa estratégia petista. Tais despesas serão financiadas com créditos extraordinários, o que as exclui do teto de gastos. Para tornar viável a manobra, alterou-se a Lei de Diretrizes Fiscais aprovada em 2019, permitindo que essas despesas não precisem ser compensadas com cortes equivalentes em outras áreas.
Ainda mais esquisito foi incluir na Constituição os R$ 44 bilhões de recursos para financiar o auxílio emergencial. Uma dotação orçamentária virou mandamento constitucional, o que deve ser caso único no mundo. Se a pandemia não for controlada, será necessário estender o auxílio, provavelmente por crédito extraordinário. No mesmo exercício, um programa oficial será baseado em emenda constitucional e em decreto presidencial.
O valor das despesas discricionárias, R$ 74 bilhões, tende a ser insuficiente para manter o funcionamento das atividades administrativas do governo. Haverá o risco de shutdown, pois dificilmente o governo concordaria com a ruptura do teto, ainda que para ampliar dotações e desse modo evitar a paralisia da administração. Nas atuais circunstâncias, seria uma catástrofe, o que tornaria inviável a reeleição de Bolsonaro.
Depois de tudo isso, pelo menos se pode esperar a preservação do teto de gastos, que constitui a âncora fiscal do País. Parece que estamos livres do pior.
ECONOMISTA, SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,2021-o-pior-orcamento-da-historia,70003698541
Juan Arias: As palavras macabras de Paulo Guedes sobre o SUS
Escrevo esta coluna no momento dramático em que o Brasil contabiliza 400.000 mortos vítimas da covid-19. É uma triste efeméride que poderia ter sido evitada em boa parte sem a atitude de desprezo pela vida demonstrada pelo presidente Jair Bolsonaro e sua postura de bloquear a vacina. A isso se soma agora a macabra afirmação feita dias atrás por seu ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o sistema público de saúde (SUS) está quebrado porque as pessoas querem viver muito, “até os 100 anos”.
No mesmo dia em que se inaugurou a CPI do Senado para investigar possíveis crimes na tragédia da covid-19, Guedes fez graves declarações sobre o sistema público de saúde, considerado, apesar de suas falhas, um dos mais avançados do mundo. É uma glória do Brasil que nem sequer os ricos Estados Unidos conseguiram implantar, apesar das tentativas do ex-presidente Obama.
Guedes, em seu discurso do último dia 27, afirmou, sem saber que estava sendo gravado, que o atual SUS e o Estado estão quebrados. Com essa afirmação, enviou ao mesmo tempo uma mensagem subliminar aos empresários da saúde de que o futuro do setor no Brasil terá que passar às mãos dos particulares, favorecendo assim a indústria dos planos de saúde. E os milhões de pobres que jamais poderão pagar um plano ou se tratar num hospital privado? Aí chega a parte mais desumana. Segundo o ministro, a culpa do descalabro do sistema publico de saúde não seria do Estado, e sim das pessoas que pretendem viver demais. É uma afirmação que atribui a culpa do descalabro sanitário ao desejo das pessoas de viverem o máximo que puderem.
Talvez não tenha sido casual que o ministro tenha criticado as pessoas por quererem viver muito quando a CPI do Senado investiga a conduta do presidente durante a pandemia, a qual lhe valeu a crítica de estar provocando um genocídio nacional com seu negacionismo e sua rejeição à vacina.
Não podemos nos esquecer de que uma das primeiras declarações do capitão sobre a pandemia foi que “todos nós vamos morrer”, e que afinal os que mais se contaminam e morrem são os idosos e os doentes crônicos, já que os atletas como ele e os fortes resistem melhor.
Foi então quando ele revelou que o que mais lhe preocupava na pandemia era o problema econômico. Por isso, que morressem idosos e doentes importava menos, já que eles não são parte da força de trabalho. Seriam uns parasitas que consomem sem produzir.
Essa desumanidade de Bolsonaro, que parece elogiar a morte dos inúteis e improdutivos, casa perfeitamente com a fria e cruel afirmação de seu ministro da economia, que estigmatiza o desejo das pessoas de continuarem vivendo, o que poderia pôr em perigo o deus do liberalismo, para o qual as pessoas servem apenas enquanto são capazes de produzir. Do contrário, melhor que reprimam seus instintos de quererem continuar vivendo, já que representam um peso para a economia. Um bom tema para a CPI da covid-19 investigar é a responsabilidade de quem deixou a epidemia correr solta, vista como uma espécie de limpeza étnica para eliminar as vidas que o capitalismo cruel considera inúteis e até perigosas para o sistema.
Pena que as 400.000 vitimas mortais da pandemia não possam ressuscitar de suas tumbas para deporem nas investigações da CPI. Certamente os resultados do inquérito seriam muito diferentes do que será pelos rasteiros jogos políticos que essas CPIs costumam abrigar.
As palavras macabras de Guedes de que o sistema de saúde não funciona bem porque as pessoas se empenham em viver “até cem anos” leva a crer que o melhor seria criar uma eutanásia geral para os que já viveram bastante e não podem produzir, para não quebrar a economia.
Comprova-se uma vez mais que a filosofia do bolsonarismo está estreitamente ligada até metaforicamente à morte, e não à vida. Algo que se revela cada vez mais claramente na linguagem, na gestualidade imitando as armas, nos símbolos nazistas, no amor pela guerra e a violência, em seu desprezo pelos fracos que não mereceriam viver e por seus sentimentos de vingança, junto com uma escondida covardia e medo da vida.
Freud nos ensinou, inspirando-se na mitologia grega, que as duas colunas que sustentam o mundo são Eros e Tânatos, ou seja, o amor pela vida e a reprodução, e os sentimentos de morte. E que, no final, sempre prevaleceu no mundo o amor pela vida sobre a morte, já que do contrário o mundo não existiria. O esforço por continuar vivendo apesar de todas as dificuldades que a vida acarreta acaba sendo maior que o instinto de morte e de destruição. Por isso a humanidade continuou viva, apesar das grandes catástrofes, das guerras mundiais e das epidemias. O instinto de querer continuar vivendo acaba sempre por vencer. O bolsonarismo, pelo contrário, parece apostar no Tânatos freudiano, na morte, na negatividade, na violência e na destruição.
É lamentável, no momento em que o Brasil aparece tristemente como o epicentro da pandemia no mundo, que o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Casa Civil, revele que se vacinou “escondido”, certamente por medo da reação do seu chefe, o capitão Bolsonaro. O general, ao revelar que se vacinou escondido, acabou confessando: “Sim, me vacinei, não tenho vergonha, porque como todo ser humano eu quero viver”.
O jornalista João Batista Natali, da Folha do S. Paulo, depois de ter passado 21 dias em coma induzido por causa da covid-19, contou em seu jornal a dor causada por ter estado morto durante todo esse tempo. E termina seu relato com um grito: “Que linda é a vida!”. Tomara que seu grito de homenagem à vida tenha chegado aos ouvidos do ministro que critica quem deseja viver demais.
Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.
Fonte:
El País