Correio Braziliense

Luiz Carlos Azedo: Boff e a ideia

A narrativa glauberiana do ex-franciscano não é gratuita, mira a punição imposta pela Justiça. Lula é tratado como um messias, que surge para anunciar a boa nova

O teólogo Leonardo Boff, após visitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, comparou o petista a dois ícones mundiais, o indiano Mahatma Gandhi, que liderou a independência da Índia com sua “resistência pacífica”, e Nelson Mandela, que comandou da prisão a luta contra o apartheid na África do Sul, que teve um braço armado. Boff disse que Lula é candidatíssimo e se coloca “acima das brigas jurídicas”.

Boff havia tentado visitar o ex-presidente em 19 de abril, mas o pedido foi negado. Entretanto, Lula foi autorizado a receber “assistência espiritual” às segundas-feiras, além de visitas de dois “amigos” às quintas. Aproveita essas oportunidades para fazer campanha. “Se ganhar, vou não só repetir aquelas políticas sociais que fiz, mas fazer com que sejam políticas de Estado, que entrem no Orçamento, que sejam o centro do poder econômico e político orientado para aqueles que sempre foram excluídos”, disse Lula ao teólogo.

Ao sair do encontro, Boff afirmou que o petista está “muito bem” e “tem uma indignação justa, de quem sofre por causa de falsificações, distorções e mentiras com o objetivo de liquidar a candidatura dele e enfraquecer o mais possível o PT”. A narrativa é puro messianismo, do tipo “dragão da maldade” contra o “santo guerreiro”, corroborada por um teólogo da libertação. Como se sabe, na década de 1960, Boff exerceu grande influência na Igreja Católica, não somente no Brasil, mas em toda a América Latina.

A Teologia da Libertação se baseou em três correntes teológicas: o Evangelho Social, a Teologia da Esperança e a Teologia Antropo-política, que inspiraram o teólogo Harvey Cox, em 1965, a contestar a obra clássica de Santo Agostinho, De Civitate Dei. No lugar da clássica divisão entre a cidade dos homens (o mundo terreno) e a cidade de Deus (o mundo espiritual), a cidade dos operários oprimidos (o mundo proletário), a cidade dos donos do poder (o mundo geopolítico) e a cidade dos capatazes opressores (o mundo burguês).

Na obra Uma teologia da esperança humana (cujo título original era Em direção a uma Teologia da Libertação, sua tese de doutoramento no Princeton Theological Seminary), o então pastor presbiteriano e teólogo brasileiro Rubens de Azevedo Alves, no exílio, estabeleceu o que pode ser chamado de “afinidade eletiva” entre as teses de Cox e o marxismo: a dualidade mundo terreno/mundo espiritual teria sido superada pela dualidade mundo proletário/mundo burguês. O passo seguinte, a criação das chamadas “comunidades eclesiais de base”, teve grande apoio do alto clero católico latino-americano que fazia oposição aos regimes militares.

Na Igreja Católica, os principais teólogos latino-americanos foram o peruano Gustavo Gutiérrez, dominicano, recentemente recebido pelo Papa Francisco, numa espécie de “reabilitação”, e Leonardo Boff, que era franciscano. As críticas de Boff à hierarquia da Igreja, no livro Igreja, Carisma e Poder, acabaram provocando forte reação de Roma. Foi punido pela Congregação para a Doutrina da Fé, então dirigida por Joseph Ratzinger, mais tarde o Papa Bento XVI.

Sem batina

O próprio Cardeal Ratzinger concluiu que as opções de Boff “são de tal natureza que põem em perigo a sã doutrina da fé, que esta mesma Congregação tem o dever de promover e tutelar”. Em 1985, o franciscano foi condenado a um ano de “silêncio obsequioso”, perdendo sua cátedra e suas funções editoriais na Igreja Católica. Em 1986, recuperou algumas funções, mas sempre sob observação de seus superiores. Em 1992, ante novo risco de punição, pediu dispensa do sacerdócio. Uniu-se, então, à educadora e militante dos direitos humanos Márcia Monteiro da Silva Miranda, divorciada e mãe de seis filhos, com quem mantinha uma relação amorosa em segredo desde 1981.

A Igreja Católica dedicou dois documentos à Teologia da Libertação na década de 1980, considerando-a herética e incompatível com a doutrina católica, mas o movimento se manteve vivo, com reuniões a cada dois anos. No Brasil, sob a liderança de outro teólogo, Frei Beto, que é amigo de Lula e de Boff, as “comunidades eclesiais de base” derivaram para a construção do PT, o que garantiu ao partido sua base popular fora do âmbito do movimento sindical, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Sem esse apoio, o PT jamais seria um partido nacional e de massas; e Lula também não seria uma “ideia”, pois o petista nunca defendeu uma doutrina política, sempre se considerou “uma metamorfose ambulante”.

A narrativa glauberiana de Boff não é gratuita, mira a punição imposta pela Justiça. Lula é tratado como um messias, que surge para anunciar a boa nova e trazer a esperança de volta àqueles que não a têm, uma espécie de cristo dos desvalidos, em torno do qual os excluídos e oprimidos devem se reunir. A ideia de que o petista está “acima das brigas jurídicas” é perigosa, pois subordina o Supremo Tribunal Federal (STF) à ambição de poder do PT.

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Luiz Carlos Azedo: Revirando o lixo da História

A condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo agir e pensar politicamente, em regime de plena liberdade

Exumei das redes sociais um velho texto (lá se vão três anos) publicado nessas “Entrelinhas” para analisar o colapso do governo Dilma. O título da coluna era “A lata do lixo da História”, o nome de uma peça dos anos 1970 do sociólogo Roberto Schwartz, então professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP), na qual fazia uma sátira ao regime militar. A expressão “vai para a lata do lixo da História” era muito usada por setores de esquerda na época, servia para menosprezar o papel dos liberais na luta pela democracia; hoje, serve aos liberais que consideram toda a esquerda ultrapassada e não apenas os setores ligados ao PT. É um erro. O Brasil precisa de uma esquerda moderna que dialogue com os liberais para reconstruir o centro democrático.

Essa lembrança veio a propósito do discurso do presidente da China, Xi Jinping, ao comemorar o bicentenário do nascimento de Karl Marx, no Grande Palácio do Povo: “O marxismo, como um amanhecer espetacular, ilumina o caminho da humanidade na sua exploração das leis históricas e na busca da sua própria libertação”. Em resumo, disse que os comunistas chineses precisam voltar às origens. Entretanto, Karl Marx é um dos sujeitos mais mal interpretados de todos os tempos, por esta razão: seus escritos partem do princípio de que a ação política não pode estar descolada do pensamento intelectual.

Após sua morte, em 14 de março de 1883, a teoria de Marx foi simplificada e instrumentalizada para a luta política, inclusive por seu amigo Frederico Engels e seu genro, Paul Lafargue. Social-democratas, socialistas e comunistas usaram sua crítica como estratégia política, mas Marx nunca teve uma fórmula para construir um mundo diferente do capitalismo. Mesmo assim, os conceitos de “valor” e “fetichismo”, suas grandes contribuições à compreensão do capitalismo, perderam espaço e influência para o conceito de “luta de classes”.

Grande exemplo é um livro de Josef Stalin intitulado Problemas econômicos do socialismo na URSS, de 1953, com o qual o líder comunista puxou as orelhas dos economistas da Academia de Ciências: “Por isso, estão absolutamente errados os camaradas que declaram que, uma vez que a sociedade socialista não liquida as formas mercantis de produção, então todas as categorias econômicas próprias do capitalismo deveriam alegadamente ser restabelecidas no nosso país: a força de trabalho como mercadoria, a mais-valia, o capital, o lucro do capital, a taxa média de lucro etc.”

Stálin varreu para debaixo do tapete problemas que mais tarde levaram ao colapso a antiga União Soviética: “Além disso, penso que precisamos igualmente abandonar alguns outros conceitos, retirados de O Capital, no qual Marx procedeu à análise do capitalismo, e que são artificialmente apensos às nossas relações socialistas. Refiro-me, entre outros, a conceitos como trabalho necessário e sobretrabalho, produto necessário e sobreproduto, tempo necessário e suplementar. A conta chegou para Gorbatchov na década de 1990: quando o líder comunista quis retomar a discussão, na Perestroika, o socialismo real já era. Talvez Xi Jinping esteja diante do mesmo debate no seu país, onde os operários são superexplorados e florescem uma nova burguesia e uma robusta classe média.

Parêntesis: na teoria de Marx, valor é aquilo que permite comparar duas mercadorias. A quantidade de trabalho que foi incorporada à mercadoria é que determina o seu valor. Já o fetiche é uma consequência disso: uma cortina que nos impede de ver a mercadoria em si. No caso de um celular, por exemplo, não conseguimos perceber todo o processo produtivo que está por trás da sua fabricação — na China, por exemplo —, mas somente o produto final, como se o aparelho, em si, tivesse vida própria na loja.

Grande jogo

A gênese dos partidos operários é velha tese marxista da centralidade do trabalho na luta política, que parte da ideia de que a contradição entre o trabalho e o capital é o motor da história e o eixo de atuação política do partido, ou seja, a luta de classes. Vem daí o glamour perdido do PT e o fascínio de intelectuais e artistas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A filósofa alemã Hanna Arendt, uma democrata radical, via nessa concepção que absolutiza o trabalho uma das raízes do totalitarismo. Para ela, a condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo “agir e pensar politicamente”, em regime de plena liberdade, o que tanto o fascismo como o stalinismo não permitiram. Essa crítica “racionalista” hoje faz ainda mais sentido, porque o trabalho humano está sendo substituído pelo “não trabalho” dos robôs e sistemas de inteligência artificial.

A China hoje é o nosso principal parceiro comercial, seguida dos Estados Unidos. Ambos disputam o controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. O “grande jogo” da política mundial e a globalização, porém, para muitos setores da esquerda, continuaram sendo vistos na óptica dos velhos paradigmas, ou seja, o inimigo principal é o imperialismo norte-americano; o capitalismo de Estado, após a tomada do poder, é a antessala do socialismo. Não importa que os Estados Unidos sejam uma democracia e a China, uma ditadura. Nunca é demais lembrar que o colapso do governo Dilma se deveu às ideias políticas e econômicas fora de lugar, que apostavam numa aliança com a China, a Rússia, a África do Sul e a Índia como aliados principais, contra os Estados Unidos e a Comunidade Europeia, seguidas por práticas patrimonialistas estimuladas por Lula, que enlamearam toda a esquerda e jogaram as lideranças do PT na cadeia. Todas essas ideias velhas não morreram, estão vivíssimas nestas eleições de 2018. E não na lata do lixo da história.

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Correio Braziliense: 'Quando o Brasil tem problemas, chama o Meirelles'

Henrique Meirelles acredita que vai sair de 1% de preferência para a maior parte dos votos ao Planalto. Diz ter pesquisas que demonstram essa possibilidade. E vai pôr a mão no bolso para bancar a campanha

A semana passada foi um divisor de águas na vida do engenheiro Henrique Meirelles. Ele chegou de uma viagem internacional na terça-feira. Na quarta, mergulhou integralmente na pré-campanha para a Presidência da República. E concedeu ao Correio a primeira entrevista nesta nova fase.

Está despachando com assessores em salas da Fundação Ulysses Guimarães, do MDB, instalada em uma casa na Península dos Ministros, no Lago Sul. Desde 6 de abril fora do Ministério da Fazenda, ele passou as últimas semanas em uma série de compromissos no exterior.

Aos 72 anos, Meirelles já fez muita coisa na vida. Trabalhou no BankBoston, do qual se tornou o principal executivo mundial. Depois, foi presidente do Banco Central no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, voltou ao setor privado, onde atuou para o grupo J&F. E voltou a Brasília há dois anos para comandar a economia.

Ele já fez até campanha eleitoral — foi o deputado mais votado de Goiás em 2002 pelo PSDB, mas teve que renunciar ao cargo quando foi para o BC. Nada se compara, porém, ao próximo desafio, de chegar ao Planalto. Sobretudo quando se leva em conta que apenas 1% dos eleitores ouvidos nas pesquisas dizem que pretendem escolhê-lo.

A candidatura é vista com grande ceticismo no mundo político, inclusive em seu partido, a que se filiou depois de deixar o PSD. Nada que abale Meirelles, aparentemente. Ele sorri muito mais do que na época em que estava na Fazenda. E assevera que é possível vencer. “Testes qualitativos mostram com muita clareza que existe uma possibilidade de, com a devida informação, haver uma mudança muito grande na avaliação dos eleitores. Tenho minha estrutura de pesquisas mais profundas e, no meu caso específico, algumas coisas que são vistas por alguns como negativas são vistas pela população como positivas”. A seguir, ele explica por que acredita ser possível sair do atual patamar e convencer metade dos brasileiros de que é a melhor opção para o Planalto.

Qual é o diferencial da sua candidatura, aquilo que só o senhor pode entregar para a população?
Uma proposta baseada em realizações concretas e objetivas, desde a recuperação da economia, que ocorreu a partir do segundo semestre de 2016 e se consolidou em 2017 e em 2018. Isso envolve controle de inflação, que é fundamental para a economia e também para o padrão de vida das pessoas. Temos a menor inflação desde 1998 e, para as classes mais baixas, a menor da história do país. A velocidade da recuperação é uma discussão muito técnica, porque, na realidade, saímos de uma recessão de -3,5% (de queda do Produto Interno Bruto, PIB) e estamos crescendo a 1,17%. Só que esse número é uma média. Se pegarmos, na margem, o último trimestre de 2017 e compararmos com o último trimestre de 2016, o crescimento foi acima de 2% e entramos, neste ano, crescendo a um ritmo mais acelerado.

Mas e o desemprego? Os dados não são animadores: aumentou e já atinge 13,7 milhões de pessoas.
O emprego tem reagido. Existiu um período pior, no começo de 2017, quando chegamos a ter 89,5 milhões de pessoas trabalhando. No fim de 2017, eram 91,5 milhões, um aumento de dois milhões de postos de trabalho. Em janeiro e em fevereiro, houve a criação líquida. Os economistas ainda estão analisando março e talvez exista um ruído estatístico, com dados do mercado informal, que não são muito precisos. É preciso levar em conta que o desemprego atingiu o maior patamar da história, e não se corrige, em um passe de mágica, algo que levou vários anos para ser destruído. Não há uma recuperação do dia para a noite.

A explicação técnica é impecável. Mas, como candidato, o que o senhor vai falar para essas pessoas que ainda não conseguiram emprego?
É muito simples. O emprego que se destruiu em vários anos não se reconstrói rapidamente. O fato é que essa reconstrução está sim em um ritmo forte. Não existe nada melhor, na minha visão, para qualquer argumentação do que os fatos. Mas estamos vivendo ainda as consequências de uma recessão enorme, que foi a maior do país. Vamos colocar assim: alguém ficou doente, foi para a UTI, teve uma melhora e saiu do hospital, mas não está correndo ainda na mesma velocidade que corria. Está um pouco fraco, é verdade, mas houve um avanço extraordinário.

Se o país saiu do hospital, por que o presidente Temer tem uma rejeição tão alta e não consegue sequer circular pelas ruas?
É difícil avaliar a questão de popularidade. Acho que, no devido tempo, o trabalho dele será reconhecido.

Mas dá tempo de ser reconhecido até a eleição?
Não sei. Vamos ver. O país já está se recuperando e crescendo, as reformas estão produzindo efeito e o país está se modernizando etc. Historicamente, no Brasil, os governos são reconhecidos por controle de inflação, não tenha dúvida, e por crescimento. Demora um pouco de tempo para a pessoa absorver, a não ser que haja algo como o Plano Real, quando teve uma queda brusca da hiperinflação. A percepção foi imediata. Mas isso é raro na história.

Mas tem que perceber isso nos próximos dois meses, senão não dá para recolher os dividendos na campanha, certo?
Até o dia da eleição está bom.

O senhor tem um desafio político que é convencer o MDB a aprovar uma candidatura em uma onvenção. O senador Renan Calheiros (AL) nos deu uma entrevista dizendo que o senhor é a versão piorada do presidente Michel Temer. Diz que o senhor nem é político. O que tem a dizer?
(Olha no celular antes de responder e demora alguns minutos e pede para repetir a pergunta.) Em primeiro lugar, o senador tem todo o direito de ter sua própria opinião. Vivemos em uma democracia e seria surpreendente que, num partido tão grande e tão diversificado, com tantas forças políticas, houvesse opiniões unânimes. Eu discordo. Acho que ele está errado. O MDB tem a oportunidade histórica de ter um presidente da República na medida em que o partido está dirigindo o país em um momento em que ele sai da maior recessão da história, de uma crise maior que a de 1929. A população vai reconhecer isso no devido tempo. Testes qualitativos mostram com muita clareza que existe uma possibilidade de, com a devida informação, haver uma mudança muito grande da avaliação dos eleitores. Tenho minha estrutura de pesquisas mais profundas e, no meu caso específico, algumas coisas que são vistas por alguns como negativas são vistas pela população como positivas.

Por exemplo?
O fato de eu não ter um histórico político e ter um bom histórico de serviço público. O fato de ter sido presidente do Banco Central durante os oito anos do governo Lula, de ter controlado a inflação e o PIB do país ter voltado a crescer. O fato de eu ter saído no governo Dilma e o país ter entrado em recessão e em crise. E, agora, quando eu voltei ao governo com o presidente Temer, estamos fazendo o país voltar a crescer e a inflação cai de novo.

O senhor saiu e o desemprego dá uma subidinha.
É. Deu uma subidinha (risos). No momento em que essas informações são levadas à população, pelos testes que eu estou fazendo, ela tem uma reação boa. Algumas coisas que alguns políticos veem como negativas, na verdade, na avaliação que nós fizemos, têm um efeito muito positivo.

O senhor acha que Lula vai ser candidato?
Olha, não sou jurista. Mas o que leio e vejo de opiniões é que o ex-presidente não terá condições de ser candidato pela Lei da Ficha Limpa, independentemente do julgamento do processo penal.

O senhor já tentou conversar com o PT e ter um contato com o ex-presidente?
Não. Tem algum tempo que não converso, até porque estava no Ministério da Fazenda. Só agora que eu estou retomando as atividades políticas.

O senhor pensa em visitar o ex-presidente Lula?
Não cheguei a pensar nesse assunto. Eu estava 100% do tempo dedicado ao Ministério da Fazenda. E, depois que saí, entrei em uma agenda muito intensa com viagens ao exterior, porque já tinha compromissos. Cheguei ontem (terça-feira). Hoje é o primeiro dia de fato em que estou iniciando a campanha e conversas políticas.

A rejeição aos políticos é muito grande, talvez a maior da história. Como associar seu nome e sua candidatura ao momento político?
Em primeiro lugar, meu histórico. Em segundo, é inegável o fato de que eu trabalhei de uma forma muito eficaz e bem-sucedida com o presidente Temer e os resultados são muito bons. Trabalhei com outra estrutura no governo Lula, em que eu tinha independência no Banco Central, com muito sucesso. Acredito que tenho um histórico a apresentar que, quando eu testo nos programas de pesquisa qualitativa, é muito bem recebido.

Mas o MDB está muito desgastado pela corrupção, que é justamente um tema que vai ser forte na campanha. Como o senhor vai trabalhar o fato de vários integrantes do partido estarem envolvidos em escândalos e investigados durante a campanha?
É muito simples: existem membros de todos os grandes partidos brasileiros sendo acusados. Isso não é uma exclusividade do MDB. Inclusive, o líder do PT está detido. O PSDB tem também acusações extensas.

O senhor também já trabalhou para a JBS. Como vai responder a isso?
Exatamente como tenho respondido. Com serenidade e tranquilidade. Esse assunto já está devidamente esclarecido, já foi investigado suficientemente. Está desaparecendo.

Mas o senhor não teme que isso seja usado contra o senhor?
A maior parte da minha carreira profissional foi no BankBoston, uma instituição internacional, em que eu trabalhei 30 anos. Fui presidente mundial. Essa foi a minha principal carreira. Fui primeiro e último brasileiro numa posição dessas. Fui presidente do Banco Central no governo Lula. Saí e, depois de cumprir quarentena, fui presidente do Conselho do Lazard, um dos maiores bancos internacionais. Além disso, prestei serviço de orientação para a montagem da plataforma digital do Banco Original (da holding J&F), que é, aliás, bem-sucedida. Foi um trabalho essencialmente técnico.

Olhando para campanha, analistas falam que a candidatura do Temer estaria inviabilizada com uma terceira denúncia da Procuradoria-Geral da República, o que aumentaria as chances de o senhor ser o candidato do MDB. Se houver resistências, o senhor aceitaria ser vice de outra chapa?
O MDB fez uma pesquisa interna e a maioria dos membros do partido, mais de 60%, optou por ter uma candidatura própria. Caso, por alguma razão, o presidente decida que não deve concorrer, certamente, nessa hipótese, eu deverei ser o candidato do partido. Não se justifica, portanto, uma aliança com outros partidos na medida em que a grande história de sucesso no Brasil hoje é do MDB. Nada impede o PSDB de aceitar a candidatura de vice-presidente. Por que não? (risos)

O senhor vai financiar a própria campanha? Como está a definição do uso do fundo partidário?
Não há uma definição clara sobre o uso do fundo. A princípio sim, eu tenho condições para isso.

O senhor tem condições de se financiar integralmente?
Eu tenho que analisar os custos da campanha, preliminarmente, e ver qual a definição dos limites de autofinanciamento. Com tudo definido, eu vou olhar isso, mas não é um assunto que me preocupa.

O senhor pretende levar o que fez na economia para outros setores? Nas áreas que mais preocupam os brasileiros, como segurança e educação, qual é o seu projeto?
Vamos começar com segurança. Em primeiro lugar, temos que ter um país crescendo, gerando aumento de arrecadação para os estados, que são os responsáveis primários pela segurança no pacto federativo. A crise do Rio de Janeiro tem origem primária no estado de calamidade financeira decretada pelo governo estadual. A recuperação fiscal é fundamental, assim como um plano de integração de polícias e sistemas de planejamento e informação. Depois, temos que ter também todo um projeto de melhora de proteção de policiamento de fronteiras terrestres e aéreas. Em resumo, acho que é um plano nacional, abrangente, que envolve um país em recuperação econômica. Um país com a União e os estados quebrados não enfrenta os problemas nas áreas de segurança e de educação, nem de saúde.

E o plano para a educação?
A questão da educação brasileira é a seguinte, principalmente, para quem cursa o ensino médio: houve um aumento grande de número de estudantes na escola e no número médio de anos de cada estudante nas escolas, mas a qualidade caiu. E isso foi resultado de uma abordagem ideológica dos governos anteriores, de não priorizar o desempenho, a qualidade. A busca do desempenho é o próximo passo na educação. Para isso, a reforma do ensino médio é fundamental. Tem que mudar a estrutura, remuneração, treinamento e focar o desempenho. Eu já tive a oportunidade de ir para Coreia do Sul para estudar esse assunto. É um exemplo claríssimo para o Brasil. O segredo do crescimento de longo prazo foi educação.

Precisa de mais verba para educação?
Também, mas de olho na qualidade e com foco na meritocracia. Sou a favor da escola sem partido. O estudante tem que ter provas que vão aumentando a exigência ao correr do tempo, com todo um processo voltado para o desempenho. O estudante estará melhor se ele aprender, e não, simplesmente, se passar de ano. Estamos fazendo bem ao jovem no momento em que se qualifica melhor, para ganhar mais, para produzir mais para si, para a família e para o país.

E sobre temas polêmicos como a liberação de aborto e união homoafetiva? Qual o seu posicionamento?
O segundo o que é?

União homoafetiva.
Evidentemente, tenho uma posição liberal, em geral, nos costumes, preservando os valores da família etc. Eu acredito na liberdade individual das pessoas, preservando, no entanto, os valores das diversas religiões. Respeito o direito daquelas religiões que são contra o aborto e o casamento de homossexuais. Por outro lado, sou liberal e acredito na liberação de costumes.

Portanto, o Estado não deve proibir?
Ele não deve intervir. Acredito nisso, sim.

Mas existem possibilidades de retrocesso nessas duas questões, principalmente, em relação ao borto, que é permitido em determinadas situações, mas há grupos políticos que querem retirar isso. Como o senhor vê isso?
Olha, acredito que, em determinadas circunstâncias específicas, ele deve, sim, ser permitido. Por outro lado, eu respeito aqueles que têm uma opinião religiosa absolutamente contra. Eu vim de uma família extremamente religiosa, bastante conservadora. Sempre respeitei isso integralmente.

E a reforma da Previdência? Seus adversários dizem que, se o senhor for presidente, voltaria à proposta inicial, considerada muito dura. Vai refazer o projeto?
Acho que essa fase já foi ultrapassada. Discutimos isso no Congresso extensamente, com todas as bancadas e todos os partidos. Estamos em uma etapa onde existe um substitutivo como projeto de consenso.

No próximo governo, o que alguns críticos dizem é o contrário, que esse projeto consensual é comedido em relação ao que é necessário. Viria algo mais ousado?
Temos que seguir a partir desse acordo que foi feito. Esse projeto que ali está dá um bom horizonte por 10 anos ou mais.

Há quem critique muito o Ministério Público e a Polícia Federal em relação às delações e outras coisas. O senhor acha que houve exagero por parte deles nessa onda de denúncias e nessas investigações da Lava-Jato?
(Outra pausa para olhar o celular e pede para repetir a pergunta) Em primeiro lugar, sou absolutamente favorável à independência do Judiciário e sou contra a politização da Justiça. Em qualquer atividade humana, seja na política, seja na religião, seja na medicina, seja no jornalismo, você está sujeito a exageros, a erros e a problemas que devem ser corrigidos normalmente. Sou sujeito a críticas desde o primeiro dia em que assumi o Banco Central, em janeiro de 2003. E sempre achei muito positivo, porque vou examinando e vendo exatamente o que eu posso aperfeiçoar, principalmente, no serviço público.

Sobre a prisão do ex-presidente Lula, qual é a sua avaliação?
É uma decisão da Justiça. Do ponto de vista pessoal, trabalhei com ele, tinha uma relação boa. É sempre triste. Eu não entro em decisão judicial. Não se deve politizar ou personalizar a Justiça.

O senhor passou oito anos com o ex-presidente Lula. Em algum momento, imaginou que teria ssa confusão toda na Petrobras?
Não.

Como um governante pode se precaver desse tipo de malandragem?
Olha, nas instituições que dirigi, isso não houve. Estava no Banco Central, que teve uma conduta durante todo aquele período, e, até hoje, é irrepreensível. A nova lei das estatais está ajudando muito nesse processo. Essa é uma questão de critério de escolha dos dirigentes e de formação de estrutura de governança dentro das empresas.

Teria sido possível evitar?
A Petrobras hoje está sendo bem administrada. É só observar.

Como voltar a crescer se as contas públicas estão em frangalhos?
Com as privatizações como a da Eletrobras, o país poderá sim crescer a taxas próximas de 4%. Nossos cálculos indicam que o país pode crescer 3% em 2018 e depois aumentar. Temos plenas condições de resolver o desemprego no Brasil, sem dúvida. E isso vai além da questão do desemprego, é a qualidade do emprego, o nível de renda. Para aumentar o nível de renda, precisamos aumentar as taxas de crescimento, e isso será feito com todas as reformas.

Mas e a questão fiscal? A perspectiva do ano que vem é não conseguir cumprir sequer a regra de ouro. Como o senhor vê isso?
Para cumprir a regra do teto nos próximos anos, será muito importante a reforma da Previdência, não há dúvida. A norma mais séria é o teto, porque está na Constituição, com mecanismos autocorretivos muito fortes. Se não for cumprida, serão aplicados, automaticamente, congelamento nominal de salários, de subsídios, tudo. A decisão de manter ou não o teto não é política, mas fiscal. A despesa da Previdência Social, como está, é insustentável. Hoje, todos os benefícios, incluindo os assistenciais, representaram 57% do Orçamento da União. Se não fizer nada, vão para 80%. Daqui um pouco de tempo, se o Brasil não fizer a reforma (da Previdência), não vai ter dinheiro para segurança, para educação, para saúde, nem para emenda parlamentar.

O senhor tem uma trajetória bem-sucedida. Foi testado por vários governos. Por que a Presidência da República agora? É um desejo antigo?
É uma evolução natural e é uma manifestação que comecei a ver em um grande número de pessoas. É normal eu ir nos mais diversos eventos no Brasil e no exterior, e as pessoas me procurarem dizendo: “Precisamos de um homem como o senhor”, exatamente por todas as minhas características e trajetória. Nos testes qualitativos que nós fizemos, uma das perguntas é: “Quais são as características que você acha que deve ter o próximo presidente da República?”. “Competência, seriedade, experiência e honestidade” são as quatro características que as pessoas apontam no país inteiro. Depois de contar minha história, mostrar vídeos e publicações, essas pessoas atribuem essas características a Henrique Meirelles. Acho que isso é o que o país está esperando. Eu hoje, simplesmente, coloquei meu nome à disposição. Não tenho essa posição voluntarista de tentar ser candidato há várias eleições. Aliás, já fui convidado duas vezes para ser vice-presidente e não aceitei porque achei que não era o momento.

E não aceitará de novo se não for agora?
Não é uma decisão do momento.

Dos pré-candidatos que estão aí, qual o senhor considera mais difícil para enfrentar no segundo turno?
Tem vários, cada um com sua característica. Vai polarizar, seja o candidato da direita, que é o Jair Bolsonaro, sejam os três possíveis da esquerda, o Fernando Haddad, o Ciro Gomes ou a Marina Silva, que está se colocando também. O próprio Joaquim Barbosa, que não está claro para mim qual é a posição dele, parece que está se colocando também no campo da esquerda. Vamos aguardar o pronunciamento dele.

O senhor está preparado para golpes baixos?
Faz parte da vida pública, não só de campanha política.

Qual será o seu slogan?
A frase que eu mais tenho ouvido é: “Quando o Brasil tem problemas, chama o Meirelles”. Pode ser esse, mas ainda estamos discutindo.

Relação com Brasília
Apesar de ter passado boa parte da vida no exterior, ter casa e votar em São Paulo, o pré-candidato Henrique Meirelles, nascido em Anápolis (GO), conta que a capital da República é onde mais gosta de viver. “Gosto muito de Brasília. Eu prefiro Brasília. E sinto uma coisa meio atávica com o Planalto”, confessa. Quando adolescente, presenciou a inauguração da capital federal ao lado dos pioneiros. “Assisti à primeira missa. Tenho uma relação bem longa com Brasília, mas morei aqui só a partir de 2003”, afirma. Para ele, a relação com a cidade é anterior à construção dos projetos de Oscar Niemeyer. “A fazenda do meu bisavô era em Brasília, antes da desapropriação. Tenho um antepassado enterrado aqui. A família do meu pai é de Luziânia. Tenho uma história longa com a região”, completa.

Uma tristeza
Ao ser questionado sobre a cadelinha Trica, da raça cavalier king charles spaniel, que apareceu no colo dele em uma foto na sua página pessoal da rede social Instagram, Meirelles se emociona. “Não gosto de falar de coisa triste”, confessa cabisbaixo. A cachorrinha tinha 15 anos e morreu no último dia 30. “Há aproximadamente dois anos, Trica foi diagnosticada com câncer e estava com metástase. Não podíamos interná-la porque tinha insuficiência cardíaca. E o veterinário de São Paulo aconselhou que não a trouxéssemos para Brasília porque ela não iria aguentar a viagem”, explica. “Mas ela veio e aguentou quase dois anos. Carinho, afeto e convívio ajudaram”, emenda o ex-ministro. Agora ficaram quatro: a mãe, dois irmãos e uma irmã. O pai de Trica, o Buca, já falecido, morou até em Nova York e teve certidão na prefeitura com nome e sobrenome registrados: Bucaneiro do Planalto Central Meirelles.


Luiz Carlos Azedo: O sítio e o privilégio

O foro por prerrogativa de função é como coração de mãe: beneficia deputados, senadores, ministros, chefes de missão diplomática, governadores, prefeitos, magistrados, conselheiros de tribunais de contas e procuradores

Nove entre dez advogados de Brasília avaliam que o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, está sendo emparedado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. É uma espécie de cerco e isolamento da Operação Lava-Jato. Seus desdobramentos podem ser progressivamente desmembrados e retirados da alçada da força-tarefa de Curitiba, cuja atuação ficaria restrita aos processos diretamente relacionados ao escândalo de Petrobras. O poder do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, também está sendo esvaziado pela maioria de seus colegas da Segunda Turma, também chamada de Jardim do Éden, onde quase sempre é derrotado pelos “garantistas”.

Ontem, Toffoli foi sorteado relator do pedido para retirar da Justiça Federal do Paraná o processo ao qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva responde por causa de um sítio em Atibaia (SP). O petista é acusado de receber o imóvel e obras de melhoria na propriedade como propina de empreiteiras por contratos na Petrobras. O laudo da perícia feita pela Polícia Federal, porém, reúne provas ainda mais robustas do que as do caso do tríplex de Guarujá, pelo qual o ex-presidente da República está preso na Polícia Federal em Curitiba, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a 12 anos e 1 mês em regime fechado.

Lula nega as acusações. O pedido de seus advogados será apreciado por Toffoli, que já tem um antecedente de revisão de decisões tomadas por Fachin (no caso do ex-prefeito Paulo Maluf, que recebeu um habeas corpus humanitário). Como relator do pedido, Toffoli poderá decidir monocraticamente, a pedido da defesa, ou remeter o caso para a Segunda Turma, que recentemente determinou que as provas relativas à delação premiada da Odebrecht no caso do sítio de Atibaia fossem remetidas por Moro para a Justiça Federal de São Paulo. A tese dos advogados de Lula é de que Moro não seria o juiz natural, e sim, um” juiz de exceção”, porque o caso do sítio de Atibaia não teria relação direta com a Petrobras. A interpretação da força-tarefa da Lava-Jato é contrária, ou seja, de que há ligação com o escândalo da estatal e que a decisão da Segunda Turma não retira o processo da alçada de Moro.

Toffoli foi autor do voto vencedor no julgamento que decidiu, na semana passada, enviar para a Justiça Federal de São Paulo os trechos das delações premiadas de ex-executivos da Odebrecht sobre o sítio e sobre suspeitas de irregularidades na instalação do Instituto Lula. A defesa de Lula requereu uma liminar para suspender o processo do sítio até que o STF decida se a ação penal deve ou não ser remetida para São Paulo, assim como foram enviados os depoimentos da Odebrecht. A condenação de Lula por Moro no caso do sítio é dada como quase inexorável, razão pela qual os advogados querem anular o processo com o argumento de que tanto as provas como o próprio julgamento seriam ilegais.

Prerrogativas

Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir o julgamento sobre a restrição do foro privilegiado de deputados e senadores. Dez dos 11 ministros já votaram a favor, mas com entendimento diferente sobre seu alcance: sete são a favor de retirar do Supremo casos cometidos fora do mandato e também aqueles não ligados ao exercício do mandato parlamentar, tese defendida pelo ministro Luís Roberto Barroso; três ministros votaram na proposta do ministro Alexandre de Moraes, de manter no STF todos os processos de crimes cometidos durante o mandato, independentemente da relação com a atividade parlamentar.

O foro por prerrogativa de função, o chamado “foro privilegiado”, é como coração de mãe para a elite política e a alta burocracia do país: beneficia 513 deputados, 81 senadores, 28 ministros, 139 chefes de missão diplomática, 27 governadores, 5.570 prefeitos, 14.882 juízes, 2.381 desembargadores, 476 conselheiros de tribunais de contas e 13.076 integrantes do Ministério Público.

Somente o ministro Gilmar Mendes ainda não votou. O julgamento começou no ano passado, foi interrompido em maio e em novembro, sendo retomado ontem. A proposta de Barroso estabelece que o processo não mudará mais de instância quando alcançar o final da instrução processual, a última fase antes do julgamento, na qual as partes apresentam as alegações finais. Nesse caso, o político que responder a processo no Supremo por ter cometido o crime no cargo e em razão dele deixará automaticamente o mandato após a instrução e será julgado pela própria Corte, para não atrasar o processo com o envio à primeira instância. Mendes destacou que o assunto não pode ficar restrito aos parlamentares, teria que alcançar também os demais beneficiados. Seu voto será longo.

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Luiz Carlos Azedo: A torre e o palacete

O prédio era uma das joias da coroa do movimento dos sem-teto de São Paulo, que cresceu verticalmente durante a gestão do ex-prefeiro Fernando Haddad e se beneficiou do corpo mole da União

O incêndio do edifício Wilton Paes de Almeida é emblemático da degradação das cidades brasileiras e seus conflitos sociais, tendo como epicentro a ocupação predatória do espaço urbano. Tombado desde 1992, era considerado o pioneiro das novas tendências arquitetônicas da década de 1960. Projeto do arquiteto Róger Zmekhol para a sede da Cia. Comercial Vidros do Brasil (CVB), a torre de 24 andares, com lajes de concreto, estrutura metálica e fachadas de vidro, contracenava com a velha Igreja Luterana em estilo neogótico no Largo do Paissandu, no Centro de São Paulo, também parcialmente destruída pelas chamas. Juntos, o moderno e o tradicional dividiam o mesmo espaço público na maior metrópole do país, cuja Centro entrou em decadência, inclusive aquela região da confluência da Rua Antônio de Godói com a Avenida São João, vizinha à Cracolândia.

Quando ficou pronto, em 1966, era um dos edifícios mais modernos de São Paulo. Para projetá-lo, o arquiteto Róger Zmekhol, nascido em Paris, filho de refugiados cristãos da Síria, formado na primeira turma de arquitetura da FAU-USP, se inspirou no minimalismo do alemão Mies van der Rohe, um dos mestres da escola de design Bauhaus. Com sistema de ar condicionado embutido, pisos de ipê e divisórias móveis nos escritórios, seu hall de mármore e aço inoxidável era grandioso, assim como sua belíssima escada caracol, que utilizava os mesmos materiais. O projeto encantou a geração de arquitetos paulistas dos anos 1960.

Suas características arquitetônicas foram copiadas em centenas de prédios comerciais das grandes cidades brasileiras, inclusive Brasília, com banheiros, circulação vertical, infraestrutura hidráulica e elétrica na parte central, com ampla possibilidade de distribuição dos espaços internos até sua “pele de vidro”. Antes de abrigar o INSS, serviu como sede da Polícia Federal em São Paulo, de 1980 a 2003. Ali, o falecido delegado e senador Romeu Tuma anunciou a prisão do mafioso italiano Tommaso Buscetta e a descoberta da ossada do nazista Josef Mengele. Em 13 de dezembro de 1982, levou para o prédio todo o Comitê Central do antigo PCB, que tentara realizar um congresso no centro de São Paulo na semilegalidade. Vazio há 16 anos, o prédio de 11 mil m², desde setembro de 2002, pertencia à União. Por ironia do destino, o responsável pelo Patrimônio da União em São Paulo é Robson Tuma, seu filho.

No governo Dilma, em 2015, com o Brasil em recessão, o ministro Nelson Barbosa autorizou que a propriedade fosse a leilão, mas ninguém quis pagar R$ 21,5 milhões ao governo, que gostava de arbitrar a taxa de lucro de seus parceiros em operações desse gênero, o que geralmente resultava em fracasso. O Sesc, uma organização francesa e o governo federal ainda tentaram transformá-lo num centro cultural, mas a iniciativa não vingou. Em 2012, a Secretaria de Patrimônio da União cedeu o prédio para a Unifesp, que instalaria ali o Instituto de Ciências Jurídicas. O projeto também não foi à frente.

Joia da coroa
O prédio era uma das joias da coroa do movimento dos sem-teto de São Paulo, que cresceu verticalmente durante a gestão de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo e se beneficiou do corpo mole da União quanto à situação dos edifícios públicos federais abandonados. Dezenas de imóveis públicos e privados no Centro de São Paulo estão invadidos e reproduzem a mesma situação do Wilson Paes de Almeida, com a diferença de que não são uma torre de vidro. Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que cadastrou 248 pessoas de 92 famílias que morariam no prédio incendiado. Após a tragédia, o jogo de empurra entre as autoridades é o de praxe: o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), argumenta que o município não podia obrigar as famílias a sair nem pedir a reintegração de posse porque o prédio é da União.

O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão alegou que o prédio “foi cedido provisoriamente pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU/MP) à prefeitura do município de São Paulo, em 2017, e a previsão é que seria utilizado para acomodar as novas instalações da Secretaria de Educação e Cultura de São Paulo”. O ex-prefeito João Doria, em campanha para o Palácio dos Bandeirantes, disse que o imóvel havia sido controlado por pessoas ligadas a uma facção criminosa, o PCC, com a conivência do movimento de moradores, supostamente ligado do PT.

Os moradores que sobreviveram ao incêndio, cujo número de vítimas é baixo, mas ainda desconhecido, se recusam a ir para albergues da prefeitura e têm um discurso pronto: alegam não que não vivem na rua e reivindicam um lugar para morar. No Centro de São Paulo, onde a força da grana ergue e destrói coisas belas, como diz a canção Sampa, de Caetano Veloso, verdadeiras joias da arquitetura e do urbanismo estão abandonadas, como o centenário palacete em estilo art nouveau que pertenceu ao presidente Rodrigues Alves, em Higienópolis. O imóvel serviu de sede do Dops paulista e pertence ao INSS. Está desocupado desde 2003 e pode ser invadido em qualquer madrugada fria.

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Correio Braziliense: "O legado é o MDB continuar grande", diz Renan

Eleitor de Lula, o senador diz que as candidaturas de Meirelles e Temer são ruins para o partido, que precisa se recuperar nas urnas

Por Alessandra Azevedo e Denise Rothenburg, do Correio Braziliense

Conhecido nos últimos tempos mais pelos embates que protagoniza do que por consensos, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) se prepara para mais uma batalha dentro do partido que representa há praticamente quatro décadas, salvo o curto período em que apostou no PRN, de Fernando Collor, no início da década de 1990. Depois de ter feito, em várias oportunidades, duras críticas à atuação do presidente Michel Temer, ele não poupa palavras para dizer que o MDB não tem nenhum candidato viável para disputar a Presidência da República em 2018.

Os dois nomes discutidos hoje, de Temer e do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, numa campanha, defenderiam “o legado do governo, não do partido”, sustenta, em entrevista ao Correio. “Meirelles é a versão piorada do Michel”, diz. Renan não apenas descarta a possibilidade de apoiar algum deles, como defende que o MDB; em vez de investir recursos em uma candidatura própria, precisa “sobreviver à hecatombe que o governo Michel Temer provocou no partido”.

Enquanto busca um projeto alternativo para apresentar na convenção do MDB, em julho, o senador elogia Joaquim Barbosa (PSB), desacredita o futuro de pré-candidaturas, como a do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), alerta quanto ao potencial de votos de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e comenta sobre alguns dos nomes que fazem parte do quadro fragmentado que espera para a eleição de 2018. Mas reforça que o apoio dele é ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tentará visitar na prisão nos próximos dias “para conversar sobre a conjuntura atual”.

O senador acredita que, embora Lula ainda esteja preso, conseguirá se candidatar em agosto. Mas sem plano B. Outra opção, como o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, seria “trocar o lulismo pelo petismo” — na visão do senador, má ideia. Renan fala também sobre o fim do foro privilegiado e a Operação Lava-Jato, e critica a atuação de alguns investigadores, que classifica como “abuso de autoridade”. Confira os principais trechos da entrevista:

O senhor começou a preparar um projeto alternativo à candidatura do presidente Michel Temer ou do Henrique Meirelles para a convenção de julho. Por quê?
Na verdade, não é uma preparação, é uma compreensão que se generaliza no partido. O MDB é um partido plural, com muitas correntes, e precisa sobreviver à hecatombe que o governo Michel Temer provocou no partido. Acabamos de perder 15 deputados federais e sete senadores. O MDB não tem vantagem com a candidatura do Michel.

O presidente diz que seria uma forma de defender o governo, de tentar resgatar um legado, como ele se refere às melhorias na economia, por exemplo.
Se existe legado do governo Michel Temer, certamente não é do MDB.

Como assim?
O MDB sempre foi o partido das massas, dos trabalhadores, da defesa do interesse nacional, da estabilidade democrática e econômica, dos avanços sociais. O maior legado que precisa sair dessa eleição é o MDB continuar grande. Nós temos excelentes governadores, bons candidatos a deputados. Uma aliança meramente para defesa do legado do Michel significaria a derrota dessas pessoas.

Por que você tem tanta convicção disso?
Porque o Michel faz um governo estreito, com opção pelo mercado. Flexibilizou direitos trabalhistas em plena recessão, ampliou desemprego, não retomou os investimentos públicos nem privados. O país vai ter deficit até 2025.

Mas já seria difícil. Seria pior se tivesse ficado a Dilma?
Na verdade, a crise se agravou. Ainda no mês passado, tivemos um aumento do desemprego, com aumento da informalidade. O que, aliás, aconteceu em todo país que, na crise, flexibilizou direitos, modernizou legislação ou, de uma forma ou de outra, incentivou o custo da produção. O Brasil vive muitas dificuldades porque, além da crise econômica, nós temos uma crise política sem fim, com dificuldades cada vez maiores na separação dos poderes. Isso tudo torna esta eleição de 2018 uma eleição única, com a política desgastada e com um número de candidatos que remonta à eleição de 1989.

O senhor falou que ia defender um projeto alternativo. Qual é esse projeto?
O projeto alternativo significa que é diferente da candidatura do Michel ou do Meirelles, porque elas não acrescentam nada ao MDB. São candidaturas preocupadas em defender uma prática que não está sendo aceita na sociedade.

E não tem nenhum outro nome no MDB?
O sonho do MDB é ter um candidato a presidente competitivo, que agregue nos estados, que some. Essa candidatura é imbatível numa convenção. É o que sempre quisemos, o problema é que não temos. A candidatura do Michel é a defesa do legado do governo, não do partido.

E como será a defesa do legado do partido?
O MDB hoje está vivendo papel contrário ao que desempenhou no passado. Por isso, precisa mudar. Não é a ponte para o futuro, é a ponte para a sobrevivência. Esse sentimento de necessidade de preservar o MDB não se conjuga com a candidatura do Michel e do Meirelles, não é compatível. Daí a necessidade de um cenário alternativo, que precisa ser articulado. Precisamos construir uma convergência em torno da repetição do que aconteceu em 2006, quando o MDB aprovou não ter candidatos, contra a candidatura própria do Anthony Garotinho. Ou pode caminhar para aprovar alianças. Nesse caso, indicando ou não o vice-presidente.

Ou seja, o senhor acha que não é momento de o MDB ter candidatura própria?
No passado, os oráculos da política brasileira vaticinaram o fim do MDB, e não se apagou a luz do partido, porque nós ganhamos aquela convenção, respeitando as prioridades regionais. Ou seja, as prioridades políticas programáticas eleitorais. E isso favoreceu a eleição de grandes bancadas, e o MDB, de novo, foi um dos partidos que mais tiveram votos na eleição. Mesmo não tendo candidatos nos grandes centros aos governos estaduais, teve uma votação muito grande, próxima do primeiro colocado.

O cenário atual é outro?
Hoje, esse cenário é completamente diferente. Não temos mais o número de governadores que tínhamos, pelas circunstâncias eleitorais. Alguns deixaram seus cargos para ser candidatos. Tivemos rebaixamento na Câmara e no Senado. A compreensão da necessidade de casar os interesses regionais do MDB com candidatura nacional e com aliança vai dificultar a homologação dos nomes do Michel ou do Meirelles pela fragilidade eleitoral que eles hoje significam. E, se contarmos com a presença do Michel nos palanques, muita gente vai pagar com a derrota o preço dessa incompreensão. Eu acho até que o Henrique Meirelles melhorou. Não pelos resultados que obteve na economia, mas pela grande jogada de marketing que ele fez ao posar com a cadela. Ouvi isso de muitos publicitários. Sem dúvida que ele ficou mais humano.

O senhor acha que todos os pré-candidatos vão ficar ou vai afunilar?
Acredito que todos ficarão, inclusive o Lula. E esse quadro eleitoral deverá ficar congelado até decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com efeito suspensivo para o STF (Supremo Tribunal Federal).

Só quando o Supremo der um veredito sobre a candidatura do Lula iremos destravar o quadro?
A complexidade tornou mais fácil prender o Lula não votando as ADCs do que impedir a candidatura dele com a legislação eleitoral. A própria Lei da Ficha Limpa garante aos condenados em segunda instância o direito de pedir o registro. E, pedido o registro, tem que ser tratado em igualdade de condições com os outros candidatos.

Ou seja, ele ainda pode recorrer ao Supremo depois. Então, o senhor acha que teremos candidatura de Lula?
Eu acho. Não enxergo no TSE, que é uma Corte respeitável, um procedimento igual ao do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. Que, não há dúvidas, colocou a condenação do Lula no calendário eleitoral para obrigar a sua prisão.

Como o senhor vê o Joaquim Barbosa, que surge como opção dentro do PSB?
Sempre achei Joaquim Barbosa um grande nome. Aliás, não é surpresa seu desempenho nas pesquisas. Todas as pesquisas que incluíram seu nome apontavam esses resultados.

O senhor poderia apoiá-lo?
Se o Joaquim acertar na política, ele pode entrar no jogo com mais facilidade do que o Ciro Gomes, do que a Marina Silva ou do que o próprio Geraldo Alckmin. Mas precisa acertar na política. É um nome respeitável, mas eu voto no Lula. Eu apoiaria o Lula. Eu confio na hipótese, sobretudo pelos avanços da última semana no STF, de a sua candidatura sobreviver até a eleição. Não vejo alternativa para ele senão insistir no direito que tem de ser candidato, apesar da condenação sem provas por um típico juízo de exceção.

E entre os que tentam se firmar no centro, o senhor acredita que Rodrigo Maia ainda pode ser candidato?
Não, não acredito. A candidatura do Rodrigo tem a mesma consistência da candidatura do Michel ou do Meirelles. Mas seria bom para a democracia a participação de candidatos com pensamentos políticos econômicos diferentes. Isso que, sem dúvida, diferenciará um debate. Mas o jogo, entendo que continuará congelado até a última semana de setembro. Porque, pelas pesquisas, uma quantidade enorme de eleitores diz que não vai votar em ninguém, vai anular o voto, não vai comparecer às eleições.

E como o senhor vê o Jair Bolsonaro?
Penso radicalmente diferente dele, mas não subestimo a candidatura.
Aliás, no mundo todo, esse fenômeno de direitização, de discurso contra política, tem crescido. E muitas vezes ganha, porque são subestimados.

Agora tem a questão do financiamento, não é? Como vai ser a questão do dinheiro?
Esse é o problema do MDB e de muitos partidos. Tentamos estabelecer regras para dar isonomia do financiamento para que não houvesse prejuízos para correntes nos partidos. Mas o presidente Michel Temer vetou. O que deixa aos partidos a definição para o financiamento, esse é outro problema que precisa ser conjugado. Porque a candidatura do Meirelles, ou do Temer, significará mais dificuldade de financiamento para o MDB.

Mas o Henrique Meirelles disse que financia a campanha dele…
Sem dúvida é outro fator que humanizará mais a candidatura. Mas o Meirelles é a versão piorada do Michel. O Michel ainda tem política, o Meirelles não tem popularidade nem política.

O ministro Carlos Marun disse,na semana passada, que o senhor faltou à reunião, mas não falta à inauguração. Como o senhor vê a crítica?
Na minha terra, costuma-se dizer que ninguém está livre de coice de burro e de pedrada de doido. Mas só rebato críticas de quem conheço. Marun? Quem é Marun? Não conheço, portanto, nem vou responder.

Se o PT trocar o Lula pelo Haddad, consegue repetir a votação no Nordeste?
Seria trocar o lulismo pelo petismo. Em português claro, não seria uma boa troca. Recomenda-se que o Lula esgote todos os meios para sua candidatura.

Mas até lá dá tempo de fazer a transferência de votos?
Com esse jogo que está aí, qualquer um que se apresentar como substituto do Lula, eles destruirão. Com aquela narrativa que eu falei: alguém, para sair da cadeia, conta um fato que não precisa provar. Hoje, me lembrei do Estado Novo, quando Graciliano Ramos foi preso por ser comunista quando nem comunista era. O que se reproduz agora na democracia com a condenação do Lula por um tríplex onde ele nunca morou e que nunca comprou, por ter reformado uma cobertura que, agora se sabe também, nunca reformou. Inacreditável. Mas é um sintoma dos tempos em que vivemos, que não são únicos no Brasil, tivemos outros.

O senhor acredita que outras pessoas que estão sob investigação vão acabar tendo o mesmo destino que o Lula?
Quando defendemos a lei do abuso de autoridade, o Moro (o juiz Sérgio Moro) veio aqui para defender a aprovação da lei, desde que ressalvasse a hermenêutica. O que significa não obrigar o juiz a julgar de acordo com a lei, com provas, mas de acordo com a convicção. Mas não basta dizer que tem, tem que mostrar para condenar. Se não, acontece o que aconteceu com Lula. Condena, mas as pessoas não se convencem. Nesse cenário, é evidente que qualquer um pode ser tratado na mesma condição que o Lula.

Na quarta-feira, o Supremo vai analisar o foro privilegiado. Como está essa questão no Congresso?
Essa intervenção no Rio de Janeiro, entre outros males, imobiliza o Congresso. Retira do Legislativo o protagonismo que ele deve exercer. Aprovamos em dois turnos no Senado, e eu me dediquei a isso, o fim do foro para os 58 mil, como qualquer democracia civilizada. Não basta acabar com o foro para 600 pessoas e garanti-lo para outros. Eu sempre defendi investigação. Toda vez que me investigam, eu defendo que é uma oportunidade para que eu possa esclarecer fatos, fazer a prova negativa. Mas todos têm que ser investigados. Todos, sem exceção. Por exemplo, por que é que não se investiga o (ex-procurador-geral da República, Rodrigo) Janot depois do que aconteceu na delação da JBS?

O senhor acha que ele tinha que ser investigado?
Tinha que ser investigado. E tem que ser investigado na primeira instância, como qualquer outro.

Quanto tempo mais será que vai ter de Lava-Jato?
A Lava-Jato precisa continuar. Ela vai deixar muitos resultados. Mas ela não pode prender para delatar, ou então prende para continuar prisão provisória com a condenação em primeira instância, que foi o que aconteceu com o (Antonio) Palocci, deixando a delação como a única alternativa. Eu sempre defendi a Lava-Jato, sempre considerei que ela deixaria avanços civilizatórios. Mas isso não significa dizer que, por isso, pode exagerar, abusar da autoridade, passar de seus limites com vazamentos que não foram apurados, muitos deles mentirosos, com delações seletivas dirigidas. Eu nunca me esqueço de uma nota que dizia que, para todos os 77 delatores da Lava-Jato, foi feita a pergunta “nos ajude, o que você sabe sobre o Renan Calheiros?”. Isso não pode acontecer. Juízes de primeira instância, por meio da convocação de suas entidades, invadirem o STF até que ele receba uma denúncia contra o senador Renan Calheiros, que foi o que aconteceu em dezembro do outro ano. Isso não pode acontecer, porque isso desequilibra a democracia. Atemoriza as pessoas.

O senhor ficou atemorizado com aquilo?
Todo ser humano tem medo. Eu também tenho medo. Esse enfrentamento que eu fiz em alguns momentos não é heroísmo, é que ou faz isso, ou vai prevalecer a compreensão que eles querem que prevaleça, que é a generalização da corrupção na política, com a participação de todos. É um jogo bruto que acaba nivelando culpados com inocentes. E criando um cenário de substituição da política. No Paraguai, agora tivemos abstenção de 44%. Eles querem que, nesta eleição, tenhamos cenário igual no Brasil.

E acha que vamos ter esse cenário?
Acho que vamos. Por isso que falei lá atrás, o quadro ficaria congelado porque uma parcela significativa, 30% da população, diz que não vota em ninguém, 35% ou 36% votam no Lula. Aumentou depois da prisão, em Maceió. Para que o Ciro cresça um ponto, ele tem que derrubar um ponto do Alckmin, da Marina, do Álvaro, do Collor...

Como o senhor vê essa questão de a ministra Cármen Lúcia dizer que seria depenar o Supremo rediscutir a prisão em segunda instância?
Tenho o maior respeito pela ministra, consideração, mas acho que houve um equívoco no encaminhamento dessa questão, e o preço está sendo cobrado agora. Quanto mais cedo ela votasse a ADC, mais segurança jurídica se tinha, menos dúvida havia.

O senhor algum dia imaginou que o Supremo fosse ter mais protagonismo que o Legislativo?
Este cenário não é novo, quando alguém tenta afastar presidente de Congresso com uma liminar. Quando isso acontece, já dá para oferecer uma dimensão do papel que cada um exerce.

A população parece que está aprovando o novo Supremo e o juiz Sérgio Moro, o contrário do que ocorre com a classe política. Como vai ser chegar em outubro para pedir voto para o eleitor diante de uma população tão mal-humorada?
Esse fenômeno não é só brasileiro. Aqui temos especificidades, mas é preciso robustecer a ocupação de espaços, na comunicação, o equilíbrio desse debate, para que cresça a percepção de que nada se resolve sem a política. Mesmo a política com essa importância tem que responder por seus erros eventuais, por isso, a necessidade de investigações. Mas não apenas para as políticas, mas para os tribunais, por exemplo. Todos os setores.

O senhor usa muito o Twitter. A campanha vai ser mais em rede social, então?
Cada vez mais vamos ver campanhas com mais participação de redes sociais. Esta daí terá uma participação forte, porque você vai ter uma diminuição do horário eleitoral, o que valerá mais, na prática, serão as iniciações e a rede social terá um papel grande a cumprir, para o bem e para o mal.


Luiz Carlos Azedo: Lula, Dirceu e Palocci

O mito fundador do PT foi a ideia de um partido operário que chegasse ao poder pela via eleitoral e fosse capaz de construir uma alternativa socialista com base na democracia. Reuniu em torno de um líder sindical operário, que aparecera na cena política nacional com a eclosão das greves dos metalúrgicos do ABC, em 1982, correntes de esquerda que haviam participado da luta armada, lideranças estudantis, o clero progressista e intelectuais marxistas que divergiam da linha do velho PCB, que aderiu ao reformismo, e sua antiga dissidência stalinista, o PCdoB. A fundação do PT foi viabilizada na brecha aberta pela reforma partidária de João Figueiredo, em 1979, enquanto a fracassada concorrência comunista somente conquistou a legalidade em 1985, em razão da estratégia bem-sucedida de abertura gradual e segura adotada pelos militares para se retirar do poder, cujo nó górdio foi a anistia ampla, mas recíproca, ou seja, dos torturadores aos ex-guerrilheiros.

O sucesso do PT foi garantido pelo ambiente favorável, tanto no plano internacional — o chamado “socialismo real” dava sinais de esgotamento na União Soviética e seus satélites do Leste europeu desde as greves operárias de Gdansk, na Polônia, e o surgimento do Solidariedade —, como no plano interno, com a crise do modelo de “capitalismo de Estado” adotado pelos militares (baseava-se no tripé investimentos estrangeiros, setor produtivo estatal e concentração de capital nacional) e as sucessivas vitórias eleitorais da oposição. O método de construção do PT foi uma inovação: a convivência pluralista entre suas correntes internas, algumas das quais oriundas de antigas organizações trotskistas ou da luta armada. O conceito que serviu de base para a essência do partido e a inspiração de seu nome, porém, não era novo, mas é o que mantém o partido unido até hoje. Tem inspiração no velho Manifesto Comunista de 1848, de Marx e Engels: a ideia do ser operário como “classe geral”, que, ao se libertar, é capaz de libertar todos os explorados e oprimidos da sociedade.

Quando o PT finalmente chegou ao poder, em 2002, a esquerda mundial estava impactada pelo fim da União Soviética e o colapso do socialismo no Leste Europeu. A ofensiva neoliberal comandada pelo presidente norte-americano Ronald Reagan e pela primeira-ministra inglesa Margareth Tatcher havia sido um sucesso. Mesmo nos países onde a social-democracia europeia era hegemônica, houve reformas do “Estado do bem-estar social”. A nova realidade imposta pela terceira revolução industrial era implacável com as velhas ideias de pleno emprego e redistribuição da riqueza pela via do setor produtivo estatal e da seguridade social. Os primeiros sinais de que uma quarta revolução estava se iniciando também não foram devidamente percebidos pela esquerda. Pelo contrário, a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi comemorada como uma espécie de ascensão de um novo Salvador Allende, capaz de liderar uma nação em desenvolvimento no rumo do socialismo democrático. Teve tanta repercussão que o presidente democrata Barack Obama, ao receber a visita de Lula nos Estados Unidos, saudou com entusiasmo a presença do petista na cena mundial: “Esse é o cara!”.

Implosão
A eleição de Lula resultou de seu enorme carisma popular, mas também de uma estratégia eleitoral concebida e comandada por dois quadros do PT que ocupariam lugar de destaque no seu governo: os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda). O primeiro era ex-guerrilheiro; o segundo, ex-militante trotskista da Libelu. Ambos foram responsáveis pela nova clivagem da campanha de 2002, que derrotou o candidato governista José Serra (PSDB), graças à ampliação das alianças do PT em direção às oligarquias políticas articuladas pelo ex-presidente José Sarney e dos grupos empresariais descontentes com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Nessa operação, uma mão lavava a outra, ou seja, os grupos empresariais que desejavam se beneficiar das benesses do Estado financiavam os políticos ligados às oligarquias, o que não era nenhuma novidade, pois o PSDB e o DEM também recorriam ao mesmo expediente. A diferença foi a entrada do PT como eixo organizador de todo o sistema, o que nunca havia ocorrido antes. O resto é consequência.

Lula, Dirceu e Palocci estão muito enrolados na Operação Lava-Jato, assim como Aécio Neves e Eduardo Azeredo, do PSDB. Mesmo o presidente Michel Temer, que assumiu o poder como o impeachment de Dilma Rousseff, padece na crise ética, como outros caciques do PMDB, PP, DEM etc. Entretanto, Lula é o único cuja liderança ainda não foi parar no fundo do poço. A explicação para isso é a resiliência de seu partido, que preserva o seu velho mito fundador como ideia-força. As injustiças sociais e desigualdades no Brasil também realimentam essa crença na base social do PT, enquanto seus intelectuais e artistas ainda acreditam na existência de uma “classe geral”, mesmo que o “ser operário” como materialização dessa tese esteja em extinção. José Dirceu acredita na energia que isso ainda desperta e na possibilidade de o PT voltar ao poder, por isso, admite mofar na prisão; Palocci, não, ao fazer sua delação premiada, para se livrar da cadeia, se dispôs a implodir o que restou do partido como encarnação desse mito fundador.


Cristovam Buarque: Minha Brasília

Não escolhi sair de Recife, em 1970. As circunstâncias me obrigaram a ficar nove anos fora do Brasil. Em 1979, escolhi Brasília. Ela tinha 18 anos quando aqui cheguei. Já estava inaugurada, mas a Asa Norte, em cuja ponta fui morar, era bem vazia. Quase 40 anos depois, olho ao redor do mesmo apartamento em que moro até hoje e vejo uma cidade senhora, aos 58 anos, ainda incompleta.

Cheguei com a disposição de dedicar minha vida à atividade acadêmica, entre aulas, pesquisas, escritas. Quando escolhi vir morar em Brasília, ela era uma cidade sem direitos políticos. Não elegia deputado distrital ou federal, senador ou governador. Brasília não tinha políticos próprios, apenas hospedava os que viessem de outras partes do país. Ao escolher Brasília, ao voltar dos Estados Unidos para o Brasil, entre outras opções que me foram oferecidas, a última coisa que eu imaginava era disputar eleição, qualquer que ela fosse.

Participei de lutas pela autonomia política do Distrito Federal, pela anistia, pelas eleições diretas para presidente, pela constituinte, mas o destino me surpreendeu quando, menos de dez anos depois de chegar, fui eleito reitor da Universidade de Brasília. Mesmo assim, era um cargo acadêmico. Não esperava que, 10 anos depois, disputaria uma eleição política e, ainda mais surpreendente, que seria eleito governador do DF.

O governo me vinculou de maneira íntima com a cidade que antes eu escolhera apenas para viver: as árvores que antes eu via crescer passaram a ser árvores que eu ajudei a plantar; as escolas que eu via ao passar viraram escolas que eu ajudei a construir; as notícias sobre ideias nascidas em Brasília, como Bolsa Escola, Poupança Escola, Saúde em Casa e muitas outras, tinham algo de mim; as paisagens e os costumes ao redor , como o respeito à faixa de pedestre, surgiram de projetos que eu ajudei a implantar.

O Senado me fez carregar a honra de representar o Distrito Federal no Brasil. Uma tarefa que tento exercer com muita responsabilidade, em cada gesto, em cada dia cuidando de honrar Brasília como seu representante no cenário nacional. Uma tarefa difícil, mas o povo daqui tem me ajudado, e com esforço tenho conseguido atrair respeito para nossa cidade com as 19 leis que levam meu nome, uma delas que cria o piso salarial dos professores do Brasil. Também consegui aprovar leis e recursos que beneficiam diretamente o Distrito Federal. Só nos últimos quatro anos, destinei mais de R$ 16 milhões do Orçamento Geral da União para serem aplicados em educação no DF.

A Brasília que eu aprendi a admirar e gostar passou a ser parte de mim como eu passei a ser parte dela também. Às vezes me pergunto se dei um passo certo quando passei a dividir meu tempo de professor com a agenda de governador e a desenador da República. Mas não tenho dúvida que esta opção me aproximou ainda mais da cidade, como se um namoro apaixonado se transformasse em casamento sólido. Os cargos que ocupei me vincularam de maneira muito mais intensa do que se essa responsabilidade não tivesse ocorrido. As três eleições em que o povo do DF me escolheu aumentaram a minha responsabilidade e o meu amor por Brasília. Como também o cargo de reitor amarrou ainda mais fortemente minha relação com a UnB.

É nesta perspectiva de ex-governador e um dos seus três representantes no Senado, ao lado do Hélio Jose e do José Antônio Reguffe, que foi meu aluno na UnB, que assisto ao 58º aniversário de nossa Brasília: a capital de todos os brasileiros e a cidade onde vivemos, onde nossos filhos e netos nasceram e, desejamos, continuarão vivendo. Nessa perspectiva, com esse olhar, vislumbro os próximos cinco, 10, 50 anos adiante e me preocupo e me entusiasmo. Preocupo-me com as dificuldades que atravessamos, na saúde, na educação, na segurança, na mobilidade, nas finanças, nas relações políticas dominadas por egoísmos, politicagens, corporativismos. E entusiasmo-me pela possibilidade de retomar sonhos, voltarmos a ser exemplo para o país e até para o mundo, corrigirmos erros, construirmos a cidade maior do que apenas a capital de todos os brasileiros, onde viveremos com conforto, segurança, esperança, orgulhosos de como somos.

Cheguei para ser professor, optei por ficar, o destino me faz participar com toda energia que ainda tiver, para ajudar a construir Brasília e representá-la no cenário nacional. No sábado passado, todos disseram parabéns, Brasília. Eu tenho de dizer também obrigado Brasília, pelo passado, e às ordens, Brasília, para o futuro, com ou sem mandato. (Correio Braziliense – 24/04/2018)

 


Luiz Carlos Azedo: A reação garantista

Assim como houve uma blindagem no Congresso, via legislação eleitoral, para salvar os grandes partidos, começa a reação do mundo jurídico para blindar a elite política contra a Lava-Jato

As pesquisas de opinião são inequívocas: a corrupção é a principal preocupação dos brasileiros, maior até do que a saúde, a educação e a segurança, cujas mazelas são associadas pelo eleitor à roubalheira dos cofres públicos. Mesmo se a Lava-Jato estivesse com os dias contados — ainda não é o caso —, esse cenário não mudaria até as eleições. O ambiente econômico de estabilidade da moeda, redução de juros e retomada da geração de emprego modesta diante das necessidades do país, faz com que a questão da ética na política venha a ter o mesmo peso que teve para a sociedade o combate à inflação durante o Plano Real. Houve uma mudança de paradigma quanto a isso, quem quiser que se engane.

Esse diagnóstico, porém, não foi capaz de produzir um novo consenso político nacional, como foi a luta contra a inflação, por exemplo. O motivo é o modus operandi da política nacional e o envolvimento das lideranças dos principais partidos do país nos escândalos investigados pela Lava-Jato e outras operações de combate à corrupção. Nesta semana, por exemplo, as investigações chegaram à cúpula do PP, partido que ampliou sua bancada exponencialmente no recente troca-troca partidário. Saltou de 38 deputados eleitos para 53 parlamentares, atrás apenas do PT, que ainda tem a maior bancada, com 60 deputados, mesmo perdendo 9 parlamentares ao longo da atual legislatura.

O PP é a bola da vez nas investigações da Operação Lava-Jato, com a realização de operações de busca e apreensão nos gabinetes e residências do presidente da legenda, senador Ciro Nogueira (PI), e do líder da bancada na Câmara, deputado Dudu da Fonte (PE). O crescimento do PP contrasta com a perda de deputados do MDB, cuja bancada foi reduzida de 65 para 50 deputados, mesmo com o partido no poder, e também do PSDB, que tinha 54 deputados e agora está com 48. Outro partido que cresceu muito no troca-troca foi o DEM, que elegeu 21 deputados e está com 43 representantes, graças à atuação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ). Uns mais, outros menos, todos têm em comum o envolvimento de ex-presidentes na Operação Lava-Jato.

De certa forma, a cúpula do Congresso conseguiu se blindar na reforma política, que garante vantagem estratégica para os grandes partidos, em termos de tempo de televisão e recursos financeiros, principalmente nas eleições proporcionais; nas eleições majoritárias, as disputas regionais sofrerão grande impacto da Operação Lava-Jato, mas os políticos enrolados nas investigações poderão concorrer à Câmara dos Deputados e, assim, tentar permanecer no Congresso. O catalisador da insatisfação popular com a corrupção, porém, é a disputa para presidente da República. Esse é o rubicão para quem quiser se eleger. Seja porque pode ficar fora da disputa por causa de condenações, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja em razão do ambiente tóxico de seu próprio partido, como está acontecendo com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin.

Blindagem
Assim como houve uma blindagem no Congresso, via legislação eleitoral, para salvar os grandes partidos, começa uma forte reação do mundo jurídico para blindar a elite política do país em relação às condenações da própria Lava-Jato. As grandes bancas de advocacia reagem com astúcia processual e poder de articulação junto aos tribunais, principalmente no Supremo, onde se trava hoje um grande choque de concepções: o velho Direito romano-germânico, que serve de alicerce para as nossas instituições, está sendo confrontado pelo “americanismo” de jovens juízes e promotores, inspirados no Direito anglo-saxão. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) lidera a reação garantista; por isso, é chamada de Jardim do Éden pelos advogados.

Há duas linhas de frente nesse embate. Uma é o caso de Lula, que está preso em Curitiba e impedido de disputar as eleições por causa da Lei da Ficha Limpa. A disputa se dá em torno da questão da execução da pena após condenação em segunda instância, jurisprudência que já foi objeto de três decisões do Supremo, mas que pode ser revista se o assunto for posto novamente em pauta devido à correlação de forças existente na Corte.

A outra frente é a discussão sobre a amplitude da Operação Lava-Jato, da qual o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, em primeira instância, e o ministro-relator Edson Fachin, no Supremo Tribunal Federal (STF), são responsáveis. Ambos estão sendo questionados como “juízes naturais”, o primeiro em relação às investigações que não estão diretamente ligadas ao escândalo da Petrobras; o segundo, quanto aos pedidos de habeas corpus, recursos e embargos dos réus e condenados da Lava-Jato. Esse embate vem se repetindo nas últimas semanas e deve se intensificar depois de setembro, quando Dias Toffoli assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF); em compensação, a ministra Cármen Lúcia, atual presidente da Corte, ocupará seu lugar na Segunda Turma, que passaria a ser uma espécie de “purgatório”.

 

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Luiz Carlos Azedo: Quem vai ganhar?

A conjuntura não é mais pautada pela crise econômica, mas pela ética na política, devido à Operação Lava-Jato, na qual caciques políticos, sobretudo dos grandes partidos, correm risco de ir para a cadeia

O lado bom das incertezas sobre as eleições de 2018 é a alternância de poder, um dos fundamentos de qualquer democracia digna desse nome. Muito da angústia e da insegurança que todos sentimos em relação ao futuro do país decorre de não sabermos quem vai ganhar as eleições, o que é natural, e do risco de que alguém com o qual não concordamos nem um pouco possa vir a ganhar a eleição, o que é compreensível, mas nem por isso deve alimentar pensamentos de viés antidemocrático. Além da alternância de poder, o outro pilar do regime democrático é o direito ao dissenso, ou seja, de ser oposição. Tantos os vencedores quanto os derrotados precisam se conformar com o resultado das urnas e respeitar as regras do jogo, pois a vitória não é um cheque em branco nem a derrota, o fim do mundo.

A primeira garantia de que estamos em pleno processo democrático é o calendário eleitoral. Ninguém fala em adiar as eleições e seria um completo contrassenso fazê-lo a essa altura do campeonato, com um governo de transição que resulta de um processo de impeachment e goza de baixíssima popularidade. O presidente Michel Temer perdeu o protagonismo reformista que lhe permitiu enfrentar a recessão, reduzir a inflação abaixo da meta e baixar a taxa de juros Selic a níveis inéditos. Quaisquer reformas macroeconômicas ou institucionais, doravante, dependerão do resultado das eleições e do programa de governo que sair vitorioso das urnas. O máximo que pode ser feito agora é a adoção de algumas medidas microeconômicas que melhorem o ambiente de negócios.

A conjuntura não é mais pautada pela crise econômica, mas pela ética política, devido à Operação Lava-Jato, na qual caciques políticos, sobretudo dos grandes partidos do país, estão diante do risco de ir parar na cadeia, como aconteceu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e talvez aconteça, ainda nesta semana, como ex-governador mineiro Eduardo Azeredo (PSDB). Não por acaso uma ampla coalizão de forças trabalha para mitigar a legislação que promove o expurgo de políticos corruptos que estão sendo impedidos de disputar as eleições com base na Lei da Ficha Limpa e da jurisprudência que possibilita a execução imediata da pena de condenados em segunda instância, como é o caso dos dois citados.

Agora mesmo, o Congresso acaba de aprovar uma lei de improbidade administrativa eivada de inconstitucionalidades, pois limita a atuação dos órgãos de controle do Estado, entre os quais os Tribunais de Contas (que são ligados ao próprio Poder Legislativo e não ao Executivo ou Judiciário), o Ministério Público, a Polícia Federal e a Receita Federal. De igual maneira, discute-se a limitação do foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal, o que pode ser uma boa iniciativa, desde que não haja mudança de jurisprudência quanto à condenação em segunda instância. Caso isso ocorra, a impunidade dos crimes de colarinho branco voltará a ser uma marca registrada do país.

Patrimonialismo
Esse debate sobre a impunidade é acompanhado com grande interesse pela opinião pública, o que dificulta retrocessos em relação à legislação contra corrupção. Até agora, por isso mesmo, todas as tentativas de acabar com a Lava-Jato fracassaram. Com a proximidade das eleições, essa situação ganhou tamanha importância que passou a ser a principal prioridade dos eleitores. É uma mudança de paradigma comparável ao que aconteceu com a inflação, depois do Plano Real. O problema é que a inflação crônica talvez tenha sido mais fácil de derrotar do que o velho patrimonialismo de nossas elites políticas e oligarquias, que substituiu a escravidão como fonte de acumulação de riqueza e privilégios, perpetuando as desigualdades em nosso país.

A propósito, nossas desigualdades regionais têm muitas causas, vão desde as limitações de natureza geográfica às condicionantes histórias da construção do Estado brasileiro. Talvez a principal seja exatamente o patrimonialismo. Com certeza, por isso mesmo, a aposta na industrialização diferenciou a elite paulista. Entretanto, muita água já rolou. O problema do desenvolvimento regional demanda uma política tributária que altere a relação entre estados produtores e estados consumidores na circulação das mercadorias. Essa é outra variável do processo eleitoral.

A terceira variável a iniquidade social, que está associada ao patrimonialismo e às desigualdades regionais. Também tem a ver com a igualdade de direitos e de oportunidades, no lugar do paternalismo; e com políticas sociais estruturantes, que levem em conta, simultaneamente, a necessidade de investir fortemente na educação e no empreendedorismo; e a prioridade do gasto no combate à miséria e na proteção dos mais vulneráveis.

O lado bom das incertezas sobre as eleições de 2018 é a alternância de poder, um dos fundamentos de qualquer democracia digna desse nome. Muito da angústia e da insegurança que todos sentimos em relação ao futuro do país decorre de não sabermos quem vai ganhar as eleições, o que é natural, e do risco de que alguém com o qual não concordamos nem um pouco possa vir a ganhar a eleição, o que é compreensível, mas nem por isso deve alimentar pensamentos de viés antidemocrático. Além da alternância de poder, o outro pilar do regime democrático é o direito ao dissenso, ou seja, de ser oposição. Tantos os vencedores quanto os derrotados precisam se conformar com o resultado das urnas e respeitar as regras do jogo, pois a vitória não é um cheque em branco nem a derrota, o fim do mundo.

A primeira garantia de que estamos em pleno processo democrático é o calendário eleitoral. Ninguém fala em adiar as eleições e seria um completo contrassenso fazê-lo a essa altura do campeonato, com um governo de transição que resulta de um processo de impeachment e goza de baixíssima popularidade. O presidente Michel Temer perdeu o protagonismo reformista que lhe permitiu enfrentar a recessão, reduzir a inflação abaixo da meta e baixar a taxa de juros Selic a níveis inéditos. Quaisquer reformas macroeconômicas ou institucionais, doravante, dependerão do resultado das eleições e do programa de governo que sair vitorioso das urnas. O máximo que pode ser feito agora é a adoção de algumas medidas microeconômicas que melhorem o ambiente de negócios.

A conjuntura não é mais pautada pela crise econômica, mas pela ética política, devido à Operação Lava-Jato, na qual caciques políticos, sobretudo dos grandes partidos do país, estão diante do risco de ir parar na cadeia, como aconteceu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e talvez aconteça, ainda nesta semana, como ex-governador mineiro Eduardo Azeredo (PSDB). Não por acaso uma ampla coalizão de forças trabalha para mitigar a legislação que promove o expurgo de políticos corruptos que estão sendo impedidos de disputar as eleições com base na Lei da Ficha Limpa e da jurisprudência que possibilita a execução imediata da pena de condenados em segunda instância, como é o caso dos dois citados.

Agora mesmo, o Congresso acaba de aprovar uma lei de improbidade administrativa eivada de inconstitucionalidades, pois limita a atuação dos órgãos de controle do Estado, entre os quais os Tribunais de Contas (que são ligados ao próprio Poder Legislativo e não ao Executivo ou Judiciário), o Ministério Público, a Polícia Federal e a Receita Federal. De igual maneira, discute-se a limitação do foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal, o que pode ser uma boa iniciativa, desde que não haja mudança de jurisprudência quanto à condenação em segunda instância. Caso isso ocorra, a impunidade dos crimes de colarinho branco voltará a ser uma marca registrada do país.

Patrimonialismo
Esse debate sobre a impunidade é acompanhado com grande interesse pela opinião pública, o que dificulta retrocessos em relação à legislação contra corrupção. Até agora, por isso mesmo, todas as tentativas de acabar com a Lava-Jato fracassaram. Com a proximidade das eleições, essa situação ganhou tamanha importância que passou a ser a principal prioridade dos eleitores. É uma mudança de paradigma comparável ao que aconteceu com a inflação, depois do Plano Real. O problema é que a inflação crônica talvez tenha sido mais fácil de derrotar do que o velho patrimonialismo de nossas elites políticas e oligarquias, que substituiu a escravidão como fonte de acumulação de riqueza e privilégios, perpetuando as desigualdades em nosso país.

A propósito, nossas desigualdades regionais têm muitas causas, vão desde as limitações de natureza geográfica às condicionantes histórias da construção do Estado brasileiro. Talvez a principal seja exatamente o patrimonialismo. Com certeza, por isso mesmo, a aposta na industrialização diferenciou a elite paulista. Entretanto, muita água já rolou. O problema do desenvolvimento regional demanda uma política tributária que altere a relação entre estados produtores e estados consumidores na circulação das mercadorias. Essa é outra variável do processo eleitoral.

A terceira variável a iniquidade social, que está associada ao patrimonialismo e às desigualdades regionais. Também tem a ver com a igualdade de direitos e de oportunidades, no lugar do paternalismo; e com políticas sociais estruturantes, que levem em conta, simultaneamente, a necessidade de investir fortemente na educação e no empreendedorismo; e a prioridade do gasto no combate à miséria e na proteção dos mais vulneráveis.

 

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Luiz Carlos Azedo: Lula indica

A pesquisa DataFolha estimula a “candidatura” de Lula, mas fragiliza a legenda na hora de substituí-lo, pois seus votos não migram facilmente para os petistas

A juíza Carolina Moura Lebbos, da 12ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR), autorizou a visita, hoje, dos senadores da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado à Superintendência da Polícia Federal para verificar as condições da prisão de Luiz Inácio Lula da Silva e outros presos. O ex-presidente está preso na sede da PF desde o dia 7 de abril, quando se entregou em meio a manifestações de solidariedade de petistas e aliados de esquerda, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (SP).

Os senadores Regina Sousa (PT-PI), Paulo Paim (PT-RS), Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), Lindbergh Farias (PT-RJ, Gleisi Hoffmann (PT-PR), Roberto Requião (MDB-PR), Paulo Rocha (PT-AM), João Capiberibe (PSB-AP), Fátima Bezerra (PT-RN), Lídice da Mata (PSB-BA), Humberto Costa (PT-PE), José Pimentel (PT-CE), Telmário Mota (PTB-RR) e Ângela Portela (PDT-RR) estão em campanha eleitoral, a maioria pela reeleição ao Senado, e dão ao ex-presidente da República o status de preso político, embora Lula tenha sido condenado por crime comum: corrupção.

A última pesquisa DataFolha, na qual Lula aparece em primeiro lugar nas pesquisas em todos os cenários em que seu nome foi apresentado, só aparentemente corrobora a estratégia petista de politizar o processo judicial, com objetivo de tirar o maior proveito eleitoral possível. Repete-se uma velha tática da esquerda brasileira, adotada pelo falecido líder comunista Luís Carlos Prestes depois que teve seu mandato cassado e a legenda do PCB posta na ilegalidade: “Prestes indica”. Seguia-se a nominata de candidatos, que disputavam o pleito por outras legendas.

O expediente funcionou precariamente até 1964, mas foi particularmente desastroso naquele ano, porque a linha adotada pelos comunistas após o Manifesto de Agosto de 1950, de radical oposição ao governo Dutra e resistência à repressão às suas atividades, resultou na derrota de todos os candidatos indicados, com exceção do sindicalista Roberto Morena, que era um dissidente da política de confronto e radicalização, mas sobreviveu aos expurgos stalinistas em razão de sua trajetória romanesca.

Em 1924, ele ingressou no PCB. Preso em 1932 na Ilha Grande (RJ), em função de sua participação na organização da greve da São Paulo Railway, foi posto em liberdade em 1934, ano em que se exilou no Uruguai — lá foi detido duas vezes. De volta ao Brasil, assumiu em fins de 1935 um posto na direção do PCB. Foi preso novamente em 1936, sendo detido no Rio de Janeiro até a “Macedada” (anistia que serviu de armadilha para o Plano Cohen e o golpe do Estado Novo), em junho de 1937. Seguiu para a Espanha, para integrar as forças republicanas na Guerra Civil Espanhola. Com a vitória dos franquistas, refugiou-se na Argélia. Nesse mesmo ano, transferiu-se para a União Soviética, onde trabalhou em uma fábrica de tratores.

De volta ao Brasil, Morena assumiu, em 1943, o trabalho de reorganização do PCB, sendo novamente preso. Em 1945, tornou-se secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), fundada na ocasião. Com a repressão de Dutra (1946-1951) e o fechamento da CTB, exilou-se em 1947 no México. Retornando ao Brasil em 1950, elegeu-se deputado federal na legenda do Partido Republicano Trabalhista (PRT).

Erro estratégico
A situação do PT é diferente da descrita acima, a legenda não está proscrita nem existe guerra fria; em contrapartida, o PCB não estava envolvido em denúncias de corrupção, ao contrário do PT, que ocupa o vértice do “mecanismo” investigado pela Operação Lava-Jato, a ponto de Lula acabar indiciado em vários processos, entre os quais, o que o levou à condenação e à prisão. A semelhança principal, porém, está no discurso político radical e na tática de enfrentamento com a Justiça, que para o PCB foi um desastre maior que a guerra fria. Por incrível que pareça, há uma linha de continuidade de ideias cujo elo é a glamourização, pelos comunistas, do levante militar de 1935, comandado por Prestes, e da luta armada na resistência ao regime militar, liderada por Carlos Marighela, após o golpe de 1964, pelos petistas.

Mas onde está o erro estratégico? Na tática eleitoral. A “vitimização” de Lula e a tentativa de desmoralizar todos os magistrados que o condenaram até agora — o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba; os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4); e os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) — não têm a menor chance de dar certo. Lula está fora da disputa eleitoral por causa da lei da Ficha Limpa, é irreversível.

Manifestações como a de ontem, em Guarujá, quando militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo (FPSM) ocuparam o triplex atribuído a Lula no processo que o condenou, somente servem para agravar sua situação do ponto de vista jurídico. De igual maneira, o acampamento nas imediações da Superintendência Polícia Federal em Curitiba, que motivou um pedido da Prefeitura da cidade para que Lula seja transferido de local de prisão, somente serve para afrontar a Justiça.

Mas o maior erro estratégico é a tática de caracterização da prisão de Lula como um ato político da Justiça contra sua candidatura, que está sendo mantida. A pesquisa deste fim de semana estimula a permanência da “candidatura” de Lula, mas fragiliza a legenda na hora de substituí-lo, pois, seus votos não migram facilmente para os petistas Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, e Jaques Wagner, ex-governador da Bahia. O mesmo pode se dizer quanto aos parlamentares que acreditam que sua reeleição estará garantida à sombra da prisão de Lula, principalmente os enrolados na Lava-Jato.

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Luiz Carlos Azedo: Como um vídeo game

O clima de “guerra fria” é ainda mais perigoso porque as guerras, cada vez mais, precisam de menos soldados e mais tecnologia, apesar das crises humanitárias que provocam

O ataque combinado dos Estados Unidos, Inglaterra e França, principais potências do Tratado do Atlântico Norte, a supostos depósitos e uma fábrica de armas químicas da Síria, nos subúrbios de Damasco e na cidade de Horms, sexta-feira à noite, foi anunciado pelo presidente Donald Trump na semana passada pelo Twitter, como quem desafiava o presidente russo Vladimir Putin para uma partida de vídeo game. O motivo foi um suposto ataque do governo Sírio com armas químicas na cidade de Duma, em 7 de abril. O regime sírio nega o uso dessas armas, que são proibidas por convenções da ONU.

Os mísseis foram lançados por volta das 22h, durante o pronunciamento de Trump na Casa Branca. A ação foi apoiada pela premiê britânica Theresa May e pelo presidente francês Emmanuel Macron, que ligou para o presidente russo Vladimir Putin para explicar que o ataque foi “restrito a capacidades do regime sírio de armas químicas”. Os sistemas de defesa da Síria atingiram 13 mísseis em Al Kiswah, nos subúrbios de Damasco, mas não conseguiram evitar a destruição de suas instalações militares. A Rússia afirmou que a defesa antiaérea síria interceptou 71 mísseis, mas o Departamento de Defesa dos EUA garante que nenhum dos 105 mísseis disparados sofreu interferência.

Como em toda guerra, há choque de versões. As primeiras avaliações são no sentido de que a ação foi calculada para evitar uma reação militar da Rússia, aliada do governo do presidente sírio Bashar al-Assad. O presidente russo solicitou uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU e aparentemente assimilou o golpe. Mas suas boas relações com o Trump foram para o espaço: “A Rússia precisa decidir se continuará nesse caminho sombrio ou se se unirá aos países civilizados como uma força de estabilidade e paz. Com esperança um dia nos daremos bem com a Rússia e talvez até com o Irã, mas talvez não”, disse o presidente norte-americano, que é investigado por suposto envolvimento com a Rússia na campanha eleitoral em que derrotou a democrata Hilary Clinton.

Putin acusa as três potências ocidentais de armarem uma grande farsa e sustenta que o suposto ataque químico é uma encenação patrocinada pelos serviços secretos britânicos. O contencioso vem numa escalada, desde a tentativa de envenenamento de um ex-espião russo na Inglaterra. A diplomacia russa compara a acusação àquela que motivou a invasão do Iraque, no regime de Saddam Hussein. Nunca se comprovou a existência de armas químicas, denúncia dos serviços secretos britânicos. Entretanto, o mais provável é que a reação russa seja semelhante às de outras crises: aproveitará a situação para reforçar sua presença militar, como aconteceu na Crimeia e na região ucraniana de Donets, que foram anexadas à federação Russa.

O grande jogo
O ataque tem muito significado para a opinião pública norte-americana e europeia em relação às suspeitas de envolvimento de Trump com os russos na campanha eleitoral, mas militarmente não tem o poder de alterar a correlação de forças internas na Síria. Com apoio da Rússia, do Irã e do Hezbollah, grupo xiita libanês historicamente ligado ao regime sírio, Assad controla quase todas as cidades do país. O ataque foi apoiado pela Alemanha, Japão, Turquia e Israel, mas condenado pela China. O mundo árabe, desde o fim do Império Otomano, é palco uma grande jogo entre as potências. A Rússia e a Inglaterra disputam influência na chamada Eurásia e no Oriente Médio há 200 anos. Afeganistão e antiga Pérsia, atual Irã, foram os centros dessa disputa.

A Síria é a ligação da Eurásia como o Oriente Médio para a Rússia, por causa da sua frota naval no Mediterrâneo. No fim do ano passado, a Síria assinou um acordo militar com a Rússia para ampliar a base de Tartus, que poderá abrigar até 11 navios militares russos, incluindo um de propulsão nuclear. O acordo vigorará por 49 anos com a possibilidade de seu prolongamento automático por períodos de 25 anos. Tão logo foi anunciado o ataque por Trump, os navios da Marinha russa deixaram o porto e foram para o mar, restando apenas um submarino da classe Kilo, apelidados de “buraco negro no oceano” pela Marinha dos EUA, porque eles são quase indetectáveis quando submersos. Tartus era apenas um posto de abastecimento e manutenção da frota do Mediterrâneo; será transformado numa base naval de verdade pelos russos. Os ataques ao regime de Assad reforçam sua dependência militar, econômica e diplomática em relação à Rússia e à China.

É preciso contextualizar o ambiente em que ocorre o conflito. Há uma disputa pelo controle do comércio no Pacífico, novo eixo da economia mundial, na qual Trump protagoniza uma guerra comercial com a China. O ataque de sexta-feira sinaliza para o mundo que as potências do Ocidente não vão abrir mão do controle militar e comercial do Mediterrâneo, espaço no qual a Inglaterra sempre teve forte influência. O clima de “guerra fria” é ainda mais perigoso porque as guerras, cada vez mais, precisam de menos soldados e mais tecnologia, apesar das crises humanitárias que provocam nos territórios onde ocorrem. Além disso, alimentam tendências autoritárias, que estão se fortalecendo no mundo inteiro, mesmo nos países democráticos. Nesse aspecto, pode ser que os russos é que estejam ganhando.

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