Correio Braziliense

Pesquisa: desaprovação do governo Bolsonaro bate recorde, com 61%

Desempenho do presidente também atingiu a pior fase, com 64% dos entrevistados desaprovando Bolsonaro

Estado de Minas

Um dia antes das manifestações que prometem tomar às ruas neste 7 de Setembro, pesquisa divulgada pelo Instituto Atlas, nesta segunda-feira (6/9), aponta que o percentual de brasileiros que consideram o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ruim ou péssimo chegou a 61%. É o maior índice registrado até o momento.

O desempenho pessoal do presidente também atingiu a pior fase. De acordo com o levantamento, 64% dos entrevistados desaprovam o presidente.

Ainda segundo a pesquisa, o percentual de pessoas que avaliam o governo como ótimo/bom é de 24%. Aqueles que consideram Bolsonaro regular somam 14%, e 1% não soube responder.

Em julho, na sondagem anterior, 59% consideravam o governo Bolsonaro ruim/péssimo, 26% ótimo/bom, 15% regular e 1% não soube responder. A desaprovação do presidente foi representada por 62% das respostas.

"A tendência continua sendo de deterioração. No entanto, há um núcleo-duro do bolsonarismo que continua muito resiliente, e essa tendência de erosão será cada vez mais lenta", avalia o cientista político Andrei Roman, CEO do Atlas Intel.

O Instituto Atlas coletou respostas de 3.146 pessoas por meio de questionário on-line, entre 30 de agosto e 4 de setembro. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

O 7 de SetembroPUBLICIDADE

As manifestações do 7 de Setembro foram inflamadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Nos últimos meses, ele vem falando para apoiadores que ganhou as eleições presidenciais de 2018 em primeiro turno.

Para o presidente, as eleições foram fraudadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As declarações ampliaram as tensões entre Bolsonaro e o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, também ministro do STF.

Barroso defende que as eleições são justas e que as declarações do presidente não passam de fake news.

Após diversos xingamentos do presidente direcionados a Barroso, ao TSE e também ao STF, o ministro Alexandre de Moraes incluiu Bolsonaro no inquérito das fake news.

A ação implodiu uma verdadeira “guerra” contra o Supremo. Agora, apoiadores do presidente marcham a Brasília para protestar contra a Corte, pedir o voto impresso e auditável, o impeachment de Barroso e Moraes, e caso a Corte não seja extinta, a implantação de um regime militar.

Fonte: Correio Braziliense / Estado de Minas
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4948039-pesquisa-desaprovacao-do-governo-bolsonaro-bate-recorde-com-61.html


Benito Salomão: Crescimento e confiança no mundo real

Benito Salomão / Correio Braziliense

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE) divulgou, recentemente, os dados do Produto Interno Bruto (PIB) da economia brasileira, referente ao segundo trimestre de 2021. O resultado põe fim ao frenesi dos crentes na tese de que a economia poderia apresentar um crescimento sustentado, alheia ao que acontece no front da política nacional. A queda de 0,1% reflete, objetivamente, dois problemas: o péssimo ambiente político e institucional do governo brasileiro, representado em seus Três Poderes, e a ausência de políticas de estímulo ao crescimento econômico.

No que se refere à instabilidade institucional, é preciso deixar claro que, enquanto as autoridades brasileiras perdem tempo e se desgastam com teses irrelevantes como voto impresso, as coisas acontecem (ou deixam de acontecer) no mundo real. As decisões econômicas, dentre elas a de investir na produção, tida como a principal decisão de uma economia capitalista, dependem das expectativas quanto às condições futuras da economia. Para Keynes, essas expectativas dependem do estado de confiança dos empresários quanto à possibilidade de seus investimentos retornarem na forma de lucro. Em outras palavras, uma economia empresarial moderna precisa de estabilidade para que investimentos ocorram.

No livro Animal Spirits, os Prêmio Nobel de economia Robert Shiller e George Arkelof discorreram sobre fatores que afetam a confiança: corrupção, injustiça, falta de transparência por parte das autoridades causando ilusão monetária, típica de economias com inflação elevada, são fatores que afetam a confiança e os investimentos. É importante salientar, que, em momentos de elevada instabilidade, as políticas macroeconômicas perdem a eficácia, em outras palavras, é difícil estimular a economia com quedas na taxa de juros ou expansão dos gastos públicos se os agentes não confiam na retomada. Diante disso, os autores argumentam acerca da importância de guiar a economia de um equilíbrio inicial de baixa confiança para um novo equilíbrio de alta confiança.PUBLICIDADE

Para Arkelof e Shiller, a confiança (ou a falta dela) se espalha em uma economia aos moldes de uma epidemia, isto é, quanto mais pessoas confiam que a economia irá crescer, mais pessoas tendem a também confiar e a confiança se espalha. Este ciclo de otimismo desencadeia novos investimentos, ampliando o produto e a renda. O inverso também é verdadeiro, quanto mais pessoas deixam de confiar no desempenho da economia, mais esse pessimismo contagia outras tantas pessoas, e os investimentos não ocorrem. Sem confiança não há investimento e, portanto, os dados do PIB tendem a seguir uma trajetória modesta. Sob predominância de pessimismo, a crença em um mau desempenho na economia coloca os agentes em posições defensivas tornando a esperança de recessão uma profecia autorrealizável.

O outro ponto a ser levantado para explicar o baixo crescimento econômico verificado no Brasil nos últimos anos é a escassez absoluta de políticas econômicas capazes de estimular o crescimento. As agendas apresentadas até aqui, apelidadas de reformas, têm pouco, ou nenhum, efeito sobre o crescimento econômico de curto e de longo prazos. Se, no campo da macroeconomia, não é possível haver grandes estímulos à economia, porque a inflação elevada requer aperto na política monetária e os níveis elevados da dívida pública sugerem restrições fiscais que inviabilizam a expansão do gasto público. Do lado da microeconomia, os estímulos ao crescimento podem se dar em duas frentes: medidas pró-concorrência e medidas pró-competitividade.

Pode-se detalhar melhor as agendas pró-concorrência e pró-competitividade em artigo futuro. No que se refere à primeira, medidas no sentido de redução de barreiras à entrada em mercados oligopolizados, abertura econômica, incentivo à inovação e diversificação em pequenas e médias empresas são bons exemplos. No que tange à segunda agenda, simplificação tributária, investimento em ciência de fronteira e capital humano, melhora do ambiente regulatório estimulando segurança jurídica, estímulo ao capital físico, sobretudo na área de logística e energia, são soluções que podem contribuir.

Na ausência de medidas efetivas de estímulo ao crescimento, que não devem ser pautadas no curto prazo, a harmonização institucional e política do país já traria enormes ganhos para a economia pelo canal da confiança e da previsibilidade. A convivência harmônica entre os Poderes tem que ser o foco das autoridades para que a população não pague o preço na forma de baixo crescimento e elevada inflação, ou seja, estagflação.

*Economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFU

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/09/4947598-crescimento-e-confianca.html


Luiz Carlos Azedo: Queiroga saiu? Uma vírgula!

A última do ministro da Saúde foi retirar a CoronaVac, a vacina do Butantã, do programa de reforço da imunizaçao, a chamada terceira dose

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A notícia de que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, havia pedido demissão foi a sensação nas redes sociais, ontem, até ser desmentida pelo próprio. Em se tratando daquela pasta, cuja atuação na pandemia de covid-19 é investigada pela CPI do Senado, tudo poderia acontecer, ainda mais uma troca de ministros, porque três já passaram pelo cargo. A notícia era uma “barriga”, ou seja, uma notícia falsa no velho jargão jornalístico, geralmente publicada de forma involuntária, ou seja, algo muito diferente de uma maldosa fake news. Se bem que não é incomum um fato como esse se confirmar somente algumas semanas depois, por puro capricho de quem demite, porque a informação “vazou”.

A história toda começou por causa de uma vírgula, na coluna publicada pelo jornalista Matheus Leitão, no site da revista Veja, intitulada “Queiroga, pede para sair”. O texto faz um balanço da atuação do ministro e conclui: “Assim como todos os ministros da Saúde que já passaram pelo governo de Jair Bolsonaro, Queiroga demonstra fraqueza e apatia no cargo. Ninguém supera os erros de Eduardo Pazuello, mas talvez seja hora de Queiroga cogitar sua saída da liderança da pasta que se tornou o foco e a responsável por administrar a crise no país nos últimos meses”.

Houve leitura apressada do texto, ignorando a pontuação, ou seja, concluíram que Queiroga havia pedido demissão, transformando o vocativo no sujeito da ação: “Queiroga pede para sair”. Quem checou com alguma fonte dadivosa, provavelmente teve a confirmação antes de publicar a notícia. Tropeçar na vírgula é um dos cavacos do ofício de jornalista, daí a antológica campanha realizada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), ao completar 100 anos:

”A vírgula pode ser uma pausa… ou não:

Não, espere.
Não espere.

Ela pode sumir com seu dinheiro:
R$ 23,4.
R$ 2,34.

Pode criar heróis:
Isso só, ele resolve!
Isso, só ele resolve!

Ela pode ser a solução:
Vamos perder, nada foi resolvido!
Vamos perder nada, foi resolvido!

A vírgula muda uma opinião:
Não queremos saber!
Não, queremos saber!

A vírgula pode condenar ou salvar:
Não tenha clemência!
Não, tenha clemência!

Uma vírgula muda tudo!
ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.”

Mais uma dose
São funções da vírgula: (1) representar uma pausa ou uma mudança na entonação; (2) separar palavras ou orações que precisam
de destaque; (3) eliminar ambiguidades e esclarecer o conteúdo da frase. Há situações em que é imprescindível empregar a vírgula, como nas orações explicativas, e outras em que ela não deve ser usada, como nas orações restritivas. Por isso, ao anunciar o nome do pre- sidente da República, Jair Bolsonaro, usa-se vírgula; para falar do ex-presidente José Sarney, porém, não, porque outros também exerceram o cargo: Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer.

A vírgula é terminantemente proibida quando separa o sujeito do verbo e seus complementos. Quando há apenas um substantivo simples no sujeito, fica mais fácil: João saiu de casa à meia-noite. A mesma lógica se aplica ao verbo e seus complementos: João pediu a Maria que fosse visitá-lo. No caso Queiroga, realmente, a vírgula faz sentido, deve- ria pedir pra sair. Não é competente como sanitarista, está no cargo porque atende aos caprichos de Bolsonaro, um negacionista, que até hoje não se vacinou contra a covid-19 ou o fez escondido, como o general Luiz Ramos, secretário-geral da Presidência.

A última do Queiroga foi retirar a CoronaVac, a vacina do Butantã, do programa de reforço da vacina, a chamada terceira dose. Foram aplicadas, até agora, 57,4 milhões de doses dessa vacina. Os que a tomaram não terão direito ao reforço? Ontem, o The New England Journal of Medicine publicou o resultado de uma pesquisa realizada no Chile sobre a eficácia da vacina chinesa, que usa o método tradicional, mas contra a qual Bolsonaro até hoje faz campanha.

Realizada de 2 de fevereiro a 1o de maio de 2021, alcançou 10,2 milhões de pessoas vacinadas acima de 16 anos, com uma média de 600 mil pessoas/dia. Entre as que foram totalmente imunizadas, a eficácia da vacina ajustada foi de 65,9% para a prevenção contra a covid-19; de 87,5% para a prevenção de hospitalização; 90,3% para a prevenção de admissão na UTI; e de 86,3% para a prevenção de morte relacionada a covid-19. “Nossos resultados sugerem que a vacina SARS-CoV-2 inativada preveniu efetivamente a covid- 19, incluindo doença grave e morte”, concluiu o relatório.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-queiroga-saiu-uma-virgula/

STF suspende julgamento sobre marco temporal até 8 de setembro

A Corte já ouviu 39 sustentações orais e nenhum ministro proferiu seu voto ainda. Indígenas devem permanecer em Brasília

Israel Medeiros / Correio Braziliense

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o julgamento da tese do “marco temporal” após mais uma sessão nesta quinta-feira (2). A retomada está prevista apenas para o próximo dia 8, após o feriado de 7 de setembro, quando são esperadas manifestações a favor e contra o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Uma decisão sobre o tema é aguardada por centenas de indígenas que permaneceram na capital federal, remanescentes do grupo de mais de 6 mil que chegou a Brasília na semana passada. Até o momento, nenhum ministro proferiu seu voto. O relator, ministro Edson Fachin, no entanto, já apresentou seu parecer sobre a matéria e deu a entender que rejeitará a tese.

Isso deixou os representantes dos indígenas esperançosos. Não é possível prever, no entanto, como os demais ministros da Corte votarão. Desde ontem (1º), o tempo das sessões foi quase que integralmente ocupado por representantes das partes interessadas, incluindo advogados ligados à causa indígena, aos agricultores e ao governo.

Segundo fontes de dentro do movimento dos indígenas que acampam em Brasília, uma parte deles permanecerá na capital até, pelo menos, o dia 9. Isso porque, na próxima semana, está prevista uma marcha das mulheres indígenas e uma série de atividades ligadas ao evento, com organização da Articulação Nacional dos Povos Indígenas (Apib) junto a entidades locais.

A ideia é que os indígenas não participem de atos no dia 7 para garantir a segurança deles e daqueles que chegarão especificamente para os eventos da próxima semana. A expectativa é que o ministro Kássio Nunes, do STF, peça vistas – mais tempo para avaliar a matéria.

A postergação da decisão para a semana que vem, no entanto, é vista com bons olhos por membros do movimento, já que permitirá um maior debate e a antecipação de votos de ministros sem a pressão do dia 7 de setembro.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/09/4947378-stf-suspende-julgamento-sobre-marco-temporal-ate-o-dia-8-de-setembro.html


Com 'Ilustre clandestino', Vladimir Carvalho fala sobre sua obra

Documentário de Vladimir Carvalho, entra em cartaz na plataforma streaming e será exibido também amanhã no Canal Brasil

Ricardo Daehn / Correio Braziliense

“Brasília foi, para mim, e continua sendo, uma ampla e inesgotável temática, porque, atuando como uma caixa de ressonância de toda problemática brasileira, me oferece oportunidade de conhecer e explorar cada aspecto deste país”, observa o cineasta Vladimir Carvalho, vinculado, pela vida, aos ideais utópicos irradiados pela capital. Precedido por debate (no Instagram do Canal Brasil, amanhã, às 18h) com participação dos pesquisadores Amir Labaki e Ana Cecília Costa, Giocondo Dias- Ilustre clandestino será apresentado, às 20h, no Canal Brasil, na faixa É Tudo Verdade.

A política toca o novo filme, detido na figura do baiano comunista, em muito, sufocado pela clandestinidade. Curiosamente, o atual massacre às artes não desencoraja o diretor, que detecta um estimulante culto (de nicho) à vivência cineclubista. “Quanto ao descaso pela cultura neste momento, penso que temos de nos municiar de paciência histórica e chegarmos à outra margem em 2022! Vejo, no cinema, um surto de renovação nos métodos: na Lapa (RJ) há um cineclube que só passa filmes inéditos, da moçada nova que vai ali com seu filme debaixo do braço para ser submetido a debates que são tremendamente calorosos. É uma novidade na área, um neocineclubismo”, celebra.

Como o senhor se remodelou aos tempos virtuais? Como vê o streaming?
Penso que conquistamos um espaço infinitamente maior e a adaptação se impôs a todos que lidam com os meios de comunicação. Mesmo agora, com as restrições impostas com a suspensão do modo presencial, os que fazem cinema, como seria previsível, logo se encaixaram no novo cenário. Entendo que o streaming não significa a morte da forma clássica e costumeira de se colocar uma produção no mercado. Pelo contrário, o streaming representa uma sobrevida para o cinema e será uma convivência proveitosa. Sempre curti a sala de cinema como um forma de circulação social dos espectadores, até como possibilidade de diálogo com seus pares. É o velho animal gregário que o homem carrega, em busca de convívio com o outro.

O que na atualidade fica de inspiração do Giocondo Dias?
O Giocondo, personagem de meu documentário, a ponta para as transformações que já no seu tempo davam um sinal de alerta àqueles que sabiam interpretar os sinais do tempo. Giocondo, na juventude, foi alcunhado de Cabo Vermelho, uma vez que, na Intentona de 1935, tomou de assalto o quartel ao qual servia em Natal (RN), e disse a seu comandante: “O senhor está preso em nome do general Luis Carlos Prestes”. Nesse lance heroico, levou vários, e, por milagre, não morreu. Essa lição lhe calou fundo. E, ao longo do tempo, durante dois terços de sua vida, dedicou-se à luta para convencer os seus companheiros que a saída para o Brasil não era a luta armada, mas a conquista do povo em geral, pelos caminhos do voto prescrito pelo regime democrático. Por isso, ele virou pelo avesso a história do Partido Comunista no Brasil e tanto se destacou com seu jeito manso e humano que chegou ao ponto de substituir Prestes no comando do Partido. E, depois de intermináveis batalhas ideológicas, nos anos 1980, reconduziu o partido à legalidade.

O que a visão do Giocondo Dias representa para os tempos de fissuras sociais de hoje?
Nos nossos tempos, adotei para o filme o slogan “Um adeus às armas e um apelo ao diálogo” (presente no cartaz) em reverência à postura histórica de Giocondo. Em virtude disso, esperava que o lançamento do filme de Wagner Moura sobre a figura de Marighella estreasse ao mesmo tempo que o nosso. Tudo para termos um prélio junto ao público porque Marighella era tão lendário (enquanto o Giocondo era o seu oposto), ao “pelear” pela luta armada como meio de chegar ao poder. Nada contra o filme do Moura em si, mas para provocar, quem sabe, um salutar debate. Numa hora em que o nosso presidente se esmera na tentativa de armar o povo indiscriminadamente. O seu partido chegou a confeccionar uma bandeira composta toda ela de balas de fuzil! Nesse ponto meu filme é superatual!

Os 90 anos de Ruy Guerra, quatro décadas sem Glauber Rocha e sete anos sem Eduardo Coutinho: o que efemérides significam para quem esteve, ombro a ombro, ao lado desses gigantes?
Glauber, Coutinho e Ruy são inexpugnáveis de nossa história cinematográfica. Não são simplesmente ícones, são os artífices de um legado de transformação, com o movimento do chamado Cinema Novo, que agrega à cultura brasileira um capítulo último e definitivo do nosso modernismo. Deveríamos, para celebrar essas efemérides, deflagrar um movimento em defesa, não só do cinema, mas de toda a cultura tão vilmente atacada pelo governo de Jair Bolsonaro. Talvez ainda possamos recompor as estruturas de sustentação de nosso patrimônio e apagar o fogo maligno que visa destruí-lo.

Como vê, aos 86 anos, ter uma obra estreando? Como mantém a vitalidade?
Você me suscitou uma lembrança que faz parte de minhas circunstâncias: sou o último sobrevivente da pequena equipe do seminal Aruanda (filme de 1960) e rendo aqui minhas homenagens a Linduarte Noronha (diretor), João Ramiro Mello (assistente de direção) e Rucker Vieira (produtor), saudosos companheiros. E, a propósito, também recordo que da equipe de criação do Cabra marcado para morrer só Antonio Carlos da Fontoura sobrevive. Portanto, reverencio a memória de Eduardo Coutinho, Marcos Farias e Cecil Thiré. Tive a sorte de demorar mais um pouco por aqui e poder tocar meu barco em frente e esse filme que estreia (Giocondo Dias) me trouxe um suplemento extra de energia para continuar na faina de sempre. Penso que devo isso à boa cepa que vem do meu avô Esperidião Figueiredo da Silva, descendente dos índios cariri de São João do Rio do Peixe, na Paraíba. Tinha a cor do bronze e uma saúde de ferro.

Numa revisão de obra, qual o filme indispensável? Se arrepende de alguma escolha ou sequência feita em algum filme do passado?
Minha atividade como documentarista tem, inconscientemente, me levado a uma espécie de compasso binário: fiquei nesses mais de 60 anos de ofício entre o campo e a cidade, que coincidentemente, ou não, compõem a estrutura da sociedade brasileira, e tem promovido um fluxo e refluxo mais visível no migrante nordestino sempre em demanda do sul maravilha. Nesse sentido, o meu filme Conterrâneos velhos de guerra (1992) é como se fosse uma súmula de tudo o que tenho feito, ora com filmes realizados no campo, sobretudo no Nordeste, ora no âmbito urbano. Conterrâneos é uma somatória. Sobre revisões e olhares pelo retrovisor: não tenho do que me arrepender, mas no caso de Giocondo Dias só lamento não ter alcançado ele com vida, de forma que pudesse entrevistá-lo e filmá-lo como bem merecia.

Quais são os seus projetos futuros?
Estou justamente nesse momento trabalhando todo um arquivo resultado das filmagens que venho realizando desde mais de meio século em Brasília. Penso que vivenciei boa parte de sua história, ou pelo menos fiz um esforço para assimilar, mesmo que de forma canhestra. Quero usar esse material para contar parte da história política do país, a partir de uma imagem-mãe, a da Esplanada onde se situam os três poderes e os ministérios, imortalizados pela obra de gênio de Oscar Niemeyer, num espaço para o qual o grande Burle Marx idealizou, esse é o termo, um panorama bem diferente do monótono relvado que domina, mas desestimula a vista do cidadão que o contempla. Era algo colorido e poético, como quase tudo em que pensou o velho jardineiro, pintor e paisagista. Tenho planos de jogar dialeticamente com esses elementos, sem dispensar crueza dos dias tenebrosos de hoje! Será meu próximo filme.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2021/08/4946753-com-o-filme-ilustre-clandestino-vladimir-carvalho-fala-sobre-sua-obra.html


Mourão diz que racionamento de energia no país não está descartado

Vice-presidente diverge do ministro de Minas e Energia e disse que racionamento no país pode acontecer devido à crise hídrica

Augusto Fernandes / Correio Braziliense

O vice-presidente Hamilton Mourão disse, nesta quarta-feira (1º/9), que o país corre o risco de passar por algum racionamento de energia em função da crise hídrica que afeta o nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas do país.

A situação crítica dos reservatórios fez com que o governo federal anunciasse, na terça-feira (31/8), uma nova bandeira tarifária para as contas de luz, intitulada de "escassez hídrica", que elevou a taxa extra cobrada na fatura de R$ 9,49 para R$ 14,20 a cada 100 quilowatts-hora (kW/h) consumidos. A tarifa será cobrada até abril do ano que vem.

Apesar disso, de acordo com Mourão, medidas mais drásticas para garantir o fornecimento de enegia não estão descartadas. "O governo tomou as medidas necessárias, criou uma comissão para acompanhar e tomar as decisões a tempo e a hora no sentido de impedir que haja um apagão. Agora, pode ser que tenha que ocorrer algum racionamento", afirmou o vice-presidente.



O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Alan Santos/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão.  Foto: Alan Santos/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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A declaração de Mourão contradiz o que disse, também nesta quarta, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em entrevista à CNN Brasil. Segundo ele, o “risco de racionamento hoje é zero”. “Pelo contrário. Estamos tentando mostrar a gravidade da situação hídrica para que, de forma voluntária, os consumidores poupem energia", declarou Bento.

Em pronunciamento na noite de terça, o ministro falou em "um esforço inadiável de redução do consumo" e destacou que "precisamos, mais do que nunca, usar nossa água e nossa energia de forma consciente e responsável".

Governo não demorou

Além da nova bandeira tarifária, o governo anunciou um programa para estimular a população a economizar energia. Haverá concessão de bônus, nas contas de luz, no valor de R$ 50 para cada 100 kWh economizados em volume entre 10% a 20% entre setembro e dezembro de 2021.

O percentual de redução do consumo será aplicado sobre o montante apurado com base no consumo médio de cada unidade consumidora nas faturas referentes às competências de setembro a dezembro de 2020, desde que possuam histórico de medição.

Questionado se o governo demorou em estabelecer alguma medida que incentivasse a população a reduzir o consumo de energia, Mourão desconversou. “Os decisores tinham todos os dados disponíveis e se não tomaram uma decisão mais drástica antes é porque na análise de risco que fizeram, não era o caso. Eu veja dessa forma.”

O vice-presidente ainda disse que não acredita que o valor mais alto da energia vá aumentar a inflação. "Não vejo dessa forma. Os fatores que fazem a inflação aumentar e diminuir são sazonais. Os setores do governo encarregados do assunto estão trabalhando junto e acompanhando diuturnamente o que está acontecendo e adotando as medidas necessárias", analisou.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4947093-mourao-diz-que-racionamento-de-energia-nao-esta-descartado.html


Entidades do agronegócio divulgam manifesto em defesa da democracia

Sete associações publicam manifesto dizendo que "precisam de estabilidade, de segurança jurídica e de harmonia" para trabalhar

Correio Braziliense

Na tarde desta segunda-feira (30/8), sete entidades do setor agroindustrial divulgaram uma nota em defesa da harmonia político-institucional e revelando preocupação com a instabilidade econômica e social no país.

O texto afirma que o desenvolvimento do Brasil precisa de paz e tranquilidade para ser efetivo e sustentável e que o país não pode aceitar "qualquer tipo de de violência entre pessoas ou grupos".

Nos últimos meses, o Brasil assiste a uma grave crise entre os Poderes devido a ataques reiterados feitos pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ministros do STF, em especial Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, também foram alvos de declarações do presidente.PUBLICIDADE

"As amplas cadeias produtivas e setores econômicos que representamos precisam de estabilidade, de segurança jurídica, de harmonia, enfim, para poder trabalhar", dizem as entidades.

Segundo o manifesto, o país não pode se apresentar à comunidade internacional "como uma sociedade permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais". "O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter", diz a nota.

Assinam a carta a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), a Associação Brasileira de Produtores de Óleo De Palma (Abrapalma), a CropLife Brasil (entidade ligada a pesquisa, desenvolvimento e inovação nas áreas de germoplasma, biotecnologia, defesa vegetal e agricultura), o Instituto Brasileiro do Algodão (Ibá) e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg).

Segundo o grupo das indústrias do agronegócio, o atual cenário de instabilidade pode custar caro e levar muito tempo para ser revertido. "Em uma palavra, é de liberdade que precisamos. É o Estado Democrático de Direito que nos assegura essa liberdade empreendedora essencial numa economia capitalista, o que é o inverso de aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará."

Leia a íntegra da nota escrita pelas entidades

Manifestação de entidades do setor agroindustrial

As entidades associativas abaixo assinadas tornam pública sua preocupação com os atuais desafios à harmonia político-institucional e, como consequência, à estabilidade econômica e social em nosso país. Somos responsáveis pela geração de milhões de empregos, por forte participação na balança comercial e como base arrecadatória expressiva de tributos públicos. Assim, em nome de nossos setores, cumprimos o dever de nos juntar a muitas outras vozes responsáveis, em chamamento a que nossas lideranças se mostrem à altura do Brasil e de sua História agora prestes a celebrar o bicentenário da independência.

A Constituição de 1988 definiu o Estado Democrático de Direito no âmbito do qual escolhemos viver e construir o Brasil com que sonhamos. Mais de três décadas de trajetória democrática, não sem percalços ou frustrações, porém também repleta de conquistas e avanços dos quais podemos nos orgulhar. Mais de três décadas de liberdade e pluralismo, com alternância de poder em eleições legítimas e frequentes.

O desenvolvimento econômico e social do Brasil, para ser efetivo e sustentável, requer paz e tranquilidade, condições indispensáveis para seguir avançando na caminhada civilizatória de uma nacionalidade fraterna e solidária, que reconhece a maioria sem ignorar as minorias, que acolhe e fomenta a diversidade, que viceja no confronto respeitoso entre ideias que se antepõem, sem qualquer tipo de violência entre pessoas ou grupos. Acima de tudo, uma sociedade que não mais tolere a miséria e a desigualdade que tanto nos envergonham.

As amplas cadeias produtivas e setores econômicos que representamos precisam de estabilidade, de segurança jurídica, de harmonia, enfim, para poder trabalhar. Em uma palavra, é de liberdade que precisamos —para empreender, gerar e compartilhar riqueza, para contratar e comercializar, no Brasil e no exterior. É o Estado Democrático de Direito que nos assegura essa liberdade empreendedora essencial numa economia capitalista, o que é o inverso de aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará.https://8bb117bbd34f52d1fbfedb1863193f49.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Somos uma das maiores economias do planeta, um dos países mais importantes do mundo, sob qualquer aspecto, e não nos podemos apresentar à comunidade das Nações como uma sociedade permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais. O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter.

A moderna agroindústria brasileira tem história de sucesso reconhecida mundo afora, como resultado da inovação e da sustentabilidade que nos tornaram potência agroambiental global. Somos força do progresso, do avanço, da estabilidade indispensável e não de crises evitáveis. Seguiremos contribuindo para a construção de um futuro de prosperidade e dinamismo para o Brasil, como temos feito ao longo dos últimos anos. O Brasil pode contar com nosso trabalho sério e comprovadamente frutífero.

Abag
Abiove
Abisolo
Abrapalma
CropLife Brasil
Ibá
Sindiveg 

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4946734-entidades-ligadas-ao-agronegocio-divulgam-manifesto-em-defesa-da-democracia.html


Luiz Carlos Azedo: O braço armado de Bolsonaro

No establishment econômico, institucional e militar, a interrogação é se chegaremos em 2022 com Bolsonaro no poder”

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O imponderável da democracia brasileira, com eleições limpas e apuração instantânea, é o voto popular. Vem daí o medo que Jair Bolsonaro sente das urnas eletrônicas, porque sua reeleição subiu no telhado, em razão de o país estar à matroca — com inflação em alta, desemprego em massa, crise sanitária e risco de apagão. Por isso, ameaça tumultuar as eleições de 2022. O presidente da República teme não se reeleger, desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva despontou como favorito nas pesquisas de opinião, mesmo sabendo que ninguém ganha eleição de véspera. Outros postulantes querem romper essa polarização: João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Henrique Mandetta (DEM), quiçá Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, e Sérgio Moro, o ex-juiz que não se assume como candidato e continua pontuando nas pesquisas. Nas simulações de segundo turno, Bolsonaro perderia para todos. Obviamente, esse cenário ameaça até sua presença no segundo turno.

Pressionado psicologicamente, diante do próprio fracasso político-administrativo, a 14 meses das eleições, Bolsonaro aposta na polarização ideológica e na radicalização política extrema. Busca um atalho para se manter no poder. Apoiado por partidários fanatizados, escala um confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e trabalha para melar as eleições, ao levantar suspeitas sobre a integridade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na condução do pleito. Tenta intimidar a oposição, a imprensa e os ministros do Supremo, e arrastar as Forças Armadas para uma aventura golpista. Não obteve sucesso até agora. Quer transformar o Sete de Setembro, no qual pretende realizar duas grandes manifestações, uma em Brasília e outra em São Paulo, numa demonstração de que pode resolver no braço o que não consegue pelo convencimento, como fazem os valentões.

Os próximos meses serão complicados. Bolsonaro tem um pacto com os violentos. Primeiro, com as milícias do Rio de Janeiro, cujo modelo de atuação naturalizou e traduziu para a política. Aproveitando-se dos interesses corporativos de categoriais profissionais embrutecidas pelos riscos da própria atividade, mobiliza atiradores e indivíduos que cultuam a violência por temperamento ou ideologia, fundamentais para a formação de falanges políticas armadas, para as quais conta com a expertise de militares reformados e agentes de segurança pública. A violência sempre presente nos territórios dominados por atividades transgressoras ou na fronteira da economia informal, onde não existe título em cartório e as dívidas são cobradas sob ameaças, é o caldo de cultura de que se aproveita.

Establishment
Na Itália do jurista, político e ex-primeiro-ministro Aldo Moro, assassinado em 1978 pelas Brigadas Vermelhas, os terroristas escreveram nos muros da sede da Democracia Cristã: “Transformar a fraude eleitoral em guerra de classes”. Com sinal trocado, quando fala que o povo deveria comprar fuzil e não feijão, Bolsonaro sinaliza na direção de que pretende transformar as eleições numa guerra. Está armando os militantes que pretende mobilizar para tumultuar o pleito, como tentou Donald Trump nas eleições americanas, diante da impossibilidade de mobilizar as Forças Armadas para dar um golpe de Estado.

No establishment econômico, institucional e até mesmo militar do país, porém, a grande interrogação é se chegaremos às eleições de 2022 com Bolsonaro no poder. Sua escalada contra as regras do jogo democrático e contra o Supremo não tem como dar certo. No limite, propõe a discussão sobre a eventualidade de interdição por insanidade mental ou inelegibilidade por atentar contra a democracia. Talvez seja essa a aposta do presidente da República, para provocar uma crise institucional de desfecho violento.
A democracia é uma conquista civil da qual não se pode abrir mão precisamente porque, onde ela foi instaurada, substituiu a violenta luta pela conquista do poder por uma disputa partidária com base na livre discussão de ideias. Condenar as eleições, esse ato fundamental do sistema democrático, em nome da guerra ideológica, nos ensina o mestre Norberto Bobbio, significa “atingir a essência não do Estado, mas da única forma de convivência possível na liberdade e através da liberdade que os homens até agora conseguiram realizar, na longa história de prepotência, violência e cruel dominação”. Deixemos o povo resolver as disputas pelo voto, em clima de eleições pacíficas e ordeiras.

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Luiz Carlos Azedo: Onze teses negacionistas

Negacionismo utiliza preconceitos para construir teorias conspiratórias. Manipulação da informação explora a boa-fé e a ignorância

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Por definição, negacionismo é o ato de negar uma informação estabelecida em bases científicas, ou seja, amplamente estudada e comprovada. Suas características são a manipulação de informações, a utilização de falsos especialistas e as teorias conspiratórias. O negacionista assume uma postura irracional e ideológica, prefere acreditar em informações falsas e sem comprovação, despreza ciência e refuga as verdades inconvenientes. Na ciência, destacam-se o negacionismo do aquecimento global e o da esfericidade terrestre; na História, o do Holocausto. O Brasil vive uma onda negacionista, liderada pelo presidente Jair Bolsonaro e filhos.

O negacionismo utiliza os preconceitos e o senso comum para construir teorias conspiratórias. A manipulação da informação é fundamental, geralmente por falsos especialistas, que exploram a boa-fé e a ignorância. Com o advento das redes sociais, utiliza-se em larga escala das fake news, formando grandes correntes de propagação de mentiras. São teses negacionistas:

1. Gripezinha — desde o começo da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro adotou uma política negacionista em relação à gravidade da pandemia da covid-19 e defendeu a chamada “imunização de rebanho”, cuja consequência foi o descontrole sobre a propagação da doença. O número de mortos se aproxima de 600 mil.

2. Cloroquina — em vez de providenciar a imunização em massa da população, Bolsonaro defendeu o uso indiscriminado de um “coquetel” ineficaz contra a doença, formado por hidroxi- cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina, vitamina D e zinco. Uma CPI no Senado investiga a máfia que se formou no Ministério da Saúde para ganhar dinheiro sujo com a pandemia.

3. Vírus chinês — nas redes sociais, disseminou-se a tese de que o novo coronavírus, de procedência chinesa, teria sido produzido em laboratório e propagado propositalmente pela China para prejudicar a economia mundial, no contexto da guerra comercial com os Estados Unidos. A tese provocou um incidente diplomático com a China.

4. Coronavac — a eficácia da vacina produzida pelo Instituto Butantan ainda é questionada por Bolsonaro, muito embora tenha sido a principal alternativa para conter a pandemia. Nesta semana, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ao anunciar a terceira dose das vacinas, excluiu a CoronaVac, muito embora milhões de brasileiros tenham sido imunizados pelo produto de origem chinesa.

5. Voto impresso — Bolsonaro defende o voto impresso e dissemina a tese de que a urna eletrônica não é confiável, levantando suspeitas sobre a lisura das eleições de 2022, embora nunca tenha sido comprovado um caso sequer de violação da urna eletrônica. A proposta foi rejeitada pela Câmara, por ampla maioria, além de contestada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

6. Poder moderador — o artigo 142 da Constituição de 1988 estabelece que “as Forças Armadas (…) destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Com base nesse artigo, Bolsonaro atribui aos militares o papel de Poder Moderador, que não existe na Constituição, cuja interpretação cabe ao Supremo, e não ao “comandante supremo” das Forças Armadas.

7. Amazônia — o desmatamento da Amazônia é monitorado por instituições científicas de todo o mundo, sendo um dos fatores de aquecimento global, em consequência de atividades ilegais, como grilagem de terras, queimadas, derrubada da floresta, garimpo etc. Bolsonaro defende a exploração indiscriminada da Amazônia e acusa as ONGs ambientalistas de estarem a serviço de potências estrangeiras.

8. Marxismo cultural — os artistas, os intelectuais e a cultura estão sendo perseguidos pelo governo federal, a pretexto de que seriam agentes do chamado “marxismo cultural”. O cinema, o teatro, a música, as artes plásticas e até a memória cultural, hoje, são sufocados pelos dirigentes dos órgãos culturais.

9. Racismo estrutural — a Fundação Palmares, criada para preservar e valorizar a cultura afrobrasileira e promover políticas afirmativas de combate ao racismo, nega o racismo estrutural. Tornou-se um órgão que não reconhece as comunidades de origem quilombola e combate o movimento negro, cujos líderes históricos renega, como Zumbi dos Palmares.

10. Terras indígenas — o governo promove o desmonte da política indigenista, reconhecida internacionalmente e responsável pela sobrevivência da diversidade étnica das comunidades indígenas. A tese básica é de que há muita terra para poucos índios e de que a cultura indígena não tem nenhum valor civilizatório.

11. Diversidade — o presidente da República não reconhece e menospreza a diversidade de gênero e de orientação sexual. A comunidade LGBTQIA+ (qualquer pessoa não heterossexual ou não cisgênero, ou fora das normas de gênero pela sua orien- tação sexual, identidade, expressão de gênero ou características sexuais) sente-se ameaçada.

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Luiz Carlos Azedo: Dia de apaziguamento

As atitudes de Bolsonaro contra o STF estão fracassando, pois a radicalização provoca estranhamento dos aliados do Centrão

Dia do Soldado, 25 de agosto não foi bom para o presidente Jair Bolsonaro. Pela manhã, participou de solenidade militar na Avenida do Exército, no Setor Militar, em homenagem ao patrono da Força, Duque de Caxias. Ouviu um discurso moderado do comandante do Exército, general Paulo Sérgio, que reafirmou o compromisso da cúpula militar com a Constituição e o respeito aos Três Poderes da República. Bolsonaro decidiu não discursar, embora seu pronunciamento estivesse previsto pelo cerimonial. Não foi nada demais, pois não é mesmo de praxe o presidente da República falar como “comandante supremo” nessa solenidade.

O silêncio de Bolsonaro foi interpretado como um gesto cauteloso, tendo em conta que outras decisões importantes estavam para ocorrer no decorrer do dia. Não deu outra: no final da tarde, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou a ação de Bolsonaro que questionava a abertura de inquéritos na Corte sem aval do Ministério Público, com base no seu regimento interno. A mesma decisão foi aplicada a mais três processos, movidos pelo PTB, sobre o tema. Bolsonaro questionava o artigo no 43 do regimento interno do Supremo, que autoriza o presidente do STF a instaurar inquérito para investigar “infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”.

O pedido tentava barrar as investigações sobre a rede de fake news de extrema-direita utilizada para ameaçar o Supremo e integrantes da Corte, que estão sendo conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes. Essas investigações tiram o sono de Bolsonaro, porque, supostamente, aliados próximos e seus filhos Eduardo, deputado federal; e Carlos, vereador no Rio, estariam envolvidos. À noite, houve outra derrota de Bolsonaro: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decidiu rejeitar o pedido de impeachment apresentado pelo chefe do Executivo contra Moraes. O parecer da Advocacia-Geral do Senado considerou a representação improcedente, por não se amparar na legalidade. “Não há justa causa para o pedido”, fulminou o presidente do Senado, em entrevista coletiva. Pacheco havia recebido o pedido na sexta-feira. Apesar de fleumático por natureza, o senador mandou o pedido para o arquivo em decisão rápida e monocrática.

Os três episódios são um balde de água fria na agitação que está sendo feita pelos apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, clamando pelo impeachment de Moraes, pela aprovação do voto impresso e por uma intervenção militar. Com essas palavras de ordem, partidários de Bolsonaro estão sendo convocados para duas grandes manifestações, uma em São Paulo, para ocupar a Avenida Paulista, e outra em Brasília, na qual prometem cercar a capital e invadir o Supremo. O engajamento direto do presidente da República nessa mobilização, ao prometer comparecer aos dois eventos, havia criado um clima de instabilidade política em Brasília e insegurança no mercado financeiro. O movimento estava sendo considerado um balão de ensaio para um golpe de Estado.

Estranhamento
Tanto o questionamento do inquérito das fake news quanto o pedido de impeachment de seu titular, o ministro Alexandre de Moraes, serviam como plataforma de mobilização dos partidários de Bolsonaro, assim como servira, também, a proposta de voto impresso, que foi sepultada pela Câmara, em expressiva votação. A escalada de confrontação de Bolsonaro, porém, levou-o ao isolamento político.

As atitudes de Bolsonaro contra o Supremo estão fracassando, pois a radicalização provoca estranhamento dos aliados do Centrão e dos políticos moderados. É o caso do ex-presidente Michel Temer, que ontem e terça-feira circulou por Brasília, para conversas com a cúpula do seu partido e outras lideranças políticas. Interlocutor eventual de Bolsonaro, lançou o novo programa da legenda, uma espécie de atualização da Ponte do Futuro, no qual a MDB propõe o reposicionamento do centro político em torno de três eixos: defesa da democracia, desenvolvimento inclusivo e governo funcional.

Temer é uma espécie de oráculo das novas lideranças do MDB, às quais está recomendando não antecipar o processo eleitoral. “Precisamos aproveitar os próximos seis meses para sair da pandemia e retomar a atividade econômica, essa deve ser a prioridade”, argumenta.

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Cristovam Buarque: Réquiem ao Homo Sapiens

O homo sapiens é a mais surpreendente criação da natureza: capaz de inventar sapato e, 5.500 anos depois, deixar um bilhão de seus semelhantes descalços e outro bilhão se endividando para comprar mais do que consegue calçar. Neste período, deixou de jogar pedras com a mão e passou a fabricar bombas atômicas para jogá-las desde foguetes, com a mesma ética belicista do passado. Sua técnica agrícola passou da plantação manual no solo, para tratores robóticos e sementes manipuladas, mas no lugar de distribuir para quem tem fome, prefere jogar fora a comida que sobra do que podem comprar.

Capaz de contar centenas de milhões de votos em minutos, mas incapaz de tomar decisões que levem em conta os interesses de toda a humanidade do futuro. A natureza criou um animal que evoluiu na lógica ao ponto de manipular a natureza, mas demonstra ser incapaz de regular o uso de sua força de maneira sustentável e decente: um animal com inteligência, mas sem saber usá-la inteligentemente. 

O escritor Arthur Koestler parece ter razão com a hipótese de que o homo sapiens foi resultado de um erro de mutação, ao adquirir um cérebro com lógica que evolui, mas com uma moral que não evolui: a lógica da bomba atômica, a ética da política tribal. O resultado é que, para aumentar a produção, a racionalidade técnica provocou o aquecimento global, mas deixou a ética e a politica despreparadas para evitar a catástrofe. Para acertar, a mutação deveria ter impedido o surgimento da inteligência ou dado responsabilidade moral. 

Diferentemente dos insetos, que sem consciência da morte se organizam para a sobrevivência da espécie, o homo sapiens condena-se à extinção na busca de aumentar o tempo de sua vida pessoal com o máximo de riqueza e consumo. A maior maravilha criada pela natureza é uma espécie que marcha para o suicídio, ao usar o poder do cérebro lógico a serviço do individualismo com voracidade de consumir e ganância por lucro. 

A natureza que criou a inteligência é vítima dela, porque não é capaz de dominar sua própria força. É como se a evolução das espécies tivesse fabricado um animal que age com efeitos parecidos a um meteoro gigante vindo do espaço em direção à Terra. Outros meteoros estão a caminho há milhões de anos, mas o meteoro sapiens tem apenas 40.000 anos - menos 300, se levarmos em conta sua mutação para o homo sapiens industrial. 

A suspeita de que o homo sapiens é suicida parece confirmada pelo relatório das Nações Unidas que detalha as mudanças climáticas que aquecem o Planeta, com a consequente desarticulação da agricultura, elevação no nível do mar, extinção de animais. Apesar de que, há mais de 60 anos, a humanidade é alertada dos riscos, as políticas nacional e internacional não conseguiram até aqui barrar as catástrofes ecológicas e a desigualdade social em marcha. 

As mudanças climáticas mostram que voracidade de consumo, ganância de lucro, poder tecnológico, consciência da morte e política individualista conspiram contra o futuro da humanidade. Nada indica que o poder catastrófico em escala global será controlado pelo voto que reflete os interesses individuais e imediatos do eleitor, não do planeta e da humanidade. O homo sapiens, na sua forma industrial, parece caminhar para seu próprio fim.

Salvo se usar a biotecnologia e a inteligência artificial para promover nova evolução que fabrique um “neo-homo sapiens”, forte, inteligente e longevo, e deixe para trás bilhões de “neo-neandertais”, debilitados física e mentalmente, dessemelhantes e passíveis de extinção física, não apenas de exclusão social como atualmente. Se optar pela catástrofe ecológica da extinção ou pela catástrofe moral da ruptura da espécie, o atual homo sapiens e sua humanidade deixarão de existir. Koestler teria tido razão: por um erro de fabricação, o homo sapiens é a única espécie programada para o suicídio, afogado nos produtos de sua inteligência irresponsável. 

Felizmente, ainda há esperança de que a inteligência pode despertar sua própria irresponsabilidade moral, a falta de valores éticos comprometidos com a sobrevivência da espécie: o uso de tecnologia a serviço de todos buscando um desenvolvimento harmônico entre os seres humanos e deles com a natureza. Ainda há esperança, mas a história das últimas décadas parece dar razão a Koestler e justificar um réquiem ao homo sapiens. 

*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o futuro da Educação

Texto original: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/08/4945483-artigo-requiem-ao-homo-sapiens.html


Luiz Carlos Azedo: A violência à espreita

Um breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A Política como Vocação, do sociólogo alemão Max Weber, em 1918, na Universidade de Munique, publicada em livro no ano seguinte, é um clássico da ciência política e obra de referência para os jornalistas, cuja atividade é inseparável da política. Ele dizia que somos uma espécie de “casta de párias” e “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Com razão, afirmava que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte”, sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”.

“A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra apa-rentemente no mesmo pé de igualdade (…). Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders não suporiam facilmente”. Àquela época, as mulheres ainda não eram a maioria na categoria, mas, mesmo assim, mais de 100 anos depois, suas observações são atualíssimas e também servem para elas, principalmente as que estão em começo de carreira.

O tema da violência faz parte da vida dos jornais. Não raro, os jornalistas são as vítimas, como acontece agora no Afeganistão. Nos grotões do nosso país, ainda hoje, segundo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), são constantes as intimidações e os assassinatos de profissionais de imprensa. Na revolução digital, os jornalistas perderam o monopólio da notícia. Não há fato relevante que não seja registrado pelo celular de um cidadão comum. Mesmo assim, somos diariamente desafiados a desnudar a verdade e confrontados por fake news, poderosos instrumentos de luta política contra o Estado democrático. Nessa guerra entre a verdade e as mentiras, os jor- nalistas são a infantaria da democracia, com a missão de desarmar seus inimigos.

Voltemos a Weber. A expressão monopólio da violência (gewaltmonopol des staates) foi cunhada por ele, como atributo do Estado ocidental moderno — ou seja, o uso legítimo da força física dentro de um determinado território em defesa da sociedade. Esse poder de coerção é exercido pelo Estado por meio de seus agentes legítimos. O conceito tem origem hobbesiana, inspirado na figura do Leviatã, o mito fenício relatado no Livro de Jó: um monstro gigantesco, meio dragão, meio crocodilo, que vivia num lago e tinha como missão defender os peixes mais fracos dos peixes mais fortes. O inglês Thomas Hobbes, um dos pais do Estado moderno, fez essa analogia em 1651 (Leviatã), para responder duas questões: como as sociedades foram formadas e como devem ser governadas?

Lei do mais forte
É dele a famosa frase “homini lupus homini” (o homem é o lobo do homem), justamente por sermos egoístas e entrarmos em conflito uns com os outros. Apesar de egoístas, porém, temos racionalidade e “medo da morte violenta”. Para Hobbes, era possível abrir mão da liberdade total e fazer um pacto, o “contrato social”, para sair da vida solitária e selvagem — ou seja, do “estado de natureza” — e viver juntos, sob um poder soberano, no “estado civil” — ou seja, em sociedade. Entretanto, para isso, é preciso um poder que os obrigue a respeitarem o contrato.

O Estado sozinho, absoluto, porém, não resolve o problema. É preciso garantir liberdade e direitos aos cidadãos. É aí que John Stuart Mill, no século XIX, ou seja, dois séculos depois, entra em cena. Em Sobre a Liberdade (1859), Mill resumiu: o Estado deve preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a tirania da maioria. Tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros. Todas as pessoas podem desenvolver de maneira autônoma o seu projeto de vida; a sociedade deve proteger a liberdade de indivíduos se desenvolverem de modo autônomo e, em troca, os seus membros não devem interferir nos direitos legais alheios; os danos que são causados a outras pessoas têm como consequência uma punição proporcional.

Esse breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo no governo Bolsonaro, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos. E à perda do monopólio da violência pelo Estado em razão da venda indiscriminada de armas, da formação de milícias privadas e de falanges políticas armadas, além do engajamento de agentes armados do Estado em disputas políticas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-violencia-a-espreita