Correio Braziliense

Luiz Carlos Azedo: Suspensão das emendas secretas foi um chega pra lá em Lira

Para Arthur Lira (PP-AL), agora, a única saída é dar transparência às emendas e pagar para o ver o resultado nas eleições

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Embora não tenha encerrado o julgamento até o fechamento da coluna, por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão provisória da ministra Rosa Weber (foto) que suspendeu as chamadas “emendas de relator” ao Orçamento da União, conhecidas como orçamento secreto, que estão sendo anabolizadas com aproximadamente R$ 20 bilhões pela PEC dos Precatórios. É jogo jogado, mesmo que o julgamento venha a ser interrompido. Tecnicamente, garantiram a maioria os seguintes ministros: Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes.

Foi um chega para lá no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que, na segunda-feira, solicitara uma audiência ao presidente do Supremo, Luiz Fux, para pressionar a Corte. Lira agiu como um velho “coronel” de Arapiraca (AL) a intimidar o juiz da comarca. Ao contrário das emendas individuais, que seguem critérios bem específicos e são divididas de forma equilibrada entre todos os parlamentares, as emendas de relator não seguem regras transparentes, são destinadas de forma arbitrária, no bojo de articulações de bastidor com propósitos eleitorais, sem fiscalização, o que também facilita superfaturamentos e desvios de recursos públicos. Arapiraca, reduto eleitoral do ex-senador Benedito Lira (PP), atual prefeito, e seu filho, que hoje preside a Câmara, foi o município mais contemplado com verbas federais.

A PEC dos Precatórios foi aprovada em primeira votação na semana passada, mas ainda restam emendas a serem apreciadas, além do segundo turno de votação (por se tratar de emenda constitucional, precisa ser aprovada duas vezes, na Câmara e, depois, no Senado).

Para obter 312 votos, quatro a mais do que os 308 necessários para modificar a Constituição, Lira contou com apoio de aliados nos partidos de oposição, o que provocou forte constrangimentos para suas lideranças nacionais, como Ciro Gomes, pré-candidato a presidente do PDT, que peitou os 15 dos 24 deputados que votaram a favor da PEC.

No PSDB, foram 22 dos 31 deputados, o que constrangeu os governadores de São Paulo, João Doria; e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que disputam as prévias da legenda para escolha do candidato tucano à Presidência. Houve reação da cúpula dos partidos, que pressionaram as respectivas bancadas a mudarem de posição. Se não houver ajustes na PEC, por meio de destaques, a emenda constitucional pode morrer na praia.

Um dos ajustes, por exemplo, foi a manutenção da chamada “regra de ouro”, que impede o governo de contrair dívida para pagar despesas correntes, como salários de servidores e benefícios previdenciários, além de outros gastos da máquina pública, que era um tremendo trem da alegria embarcado na PEC.

Ancoragem

Ou seja, o governo só pode fazer novas dívidas para pagar dívidas antigas ou fazer investimentos, que podem depois se refletir em crescimento da economia e em aumento da arrecadação. Não pode ficar rolando dívidas de custeio e pessoal com novas dívidas, como se fazia antigamente, farra que acabou com a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada no final do governo de Fernando Henrique Cardoso. O xis da questão na PEC dos Precatórios é o rombo no teto de gastos, oficialmente estimado em R$ 86 bilhões, mas que pode chegar a R$ 100 bilhões, segundo estimativa dos especialistas em contas públicas. O teto de gastos ancora o equilíbrio das contas públicas, com reflexos em toda a economia.

O governo fez uma manobra no cálculo do teto, que era de junho a junho e passou a ser de janeiro a dezembro, e deu um calote no pagamento das dívidas judiciais da União, para criar do nada a folga fiscal de R$ 86 bilhões. Em termos de geração de riqueza, esses recursos não existem; a alternativa mais eficaz seria cortar despesas supérfluas de custeio e pessoal, o que seria perfeitamente possível em se tratando de um orçamento de R$ 1 trilhão.

O pano de fundo de tudo isso são as eleições. O maior interesse do governo é viabilizar recursos para o programa de Bolsonaro que vai substituir o Bolsa Família, herança do governo Lula, que deixou de existir, além de outros benefícios, com propósitos eleitorais, como o vale gás e o subsídio de R$ 400 para os caminhoneiros.

Acontece que o Centrão também quer uma parte do “extra teto” para contemplar aliados políticos e redutos eleitorais. É um jogo desesperado, que pode virar uma rajada no próprio pé: mais inflação, juros mais altos, dólar mais caro, menos crescimento e menos empregos. Para Arthur Lira (PP-AL), agora, a única saída é dar transparência às emendas, ou seja, revelar seus acordos de bastidores, e pagar para o ver o resultado nas eleições, inclusive em Alagoas.

Em tempo: Mesmo derrotado no Supremo, que deve concluir o julgamento hoje, na Câmara, com os destaques, Lira conseguiu aprovar a PEC dos Precatórios em segunda votação, por 323 votos a 172, ou seja com mais votos do que na primeira. A PEC agora segue para apreciação do Senado.

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Luiz Carlos Azedo: Lira pressiona Fux para liberar emendas secretas

Encontro foi considerado constrangedor e inoportuno nos meios jurídicos

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), esteve ontem com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, para discutir a PEC dos Precatórios. Na véspera da sessão extraordinária do plenário virtual da Corte, que se inicia hoje, e que vai referendar ou não a liminar da ministra Rosa Weber, que suspendeu a execução das chamadas “emendas do relator”, o encontro foi considerado constrangedor e inoportuno nos meios jurídicos.

Lira também marcou para hoje a segunda votação da PEC, que foi aprovada na primeira por 312 votos a 144, com uma estreita margem de quatro votos em relação ao mínimo de 308 exigido por uma emenda constitucional.

Rosa Weber determinou a suspensão do pagamento das “emendas do relator” porque fazem parte de um orçamento secreto, sem transparência nem fiscalização dos órgãos de controle. Em liminar, a ministra determinou que a execução seja paralisada até a conclusão do julgamento pela Corte de uma ação apresentada pelo PSol, pelo PSB e pelo Cidadania, que deve terminar amanhã. Se houver um pedido de vista, o julgamento será suspenso. As chamadas “emendas do relator” são relativas aos Orçamentos de 2020 e 2021 e servem de instrumento de controle do governo sobre sua base e também para cooptação de integrantes dos partidos de oposição, sem que ninguém tenha que assumir publicamente o toma lá dá cá.

Outra ação sobre o mesmo tema no Supremo é de iniciativa do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que pede a suspensão da tramitação da PEC dos Precatórios, em razão de suposta irregularidade na aprovação em primeiro turno, ao se permitir que deputados pudessem votar a distância. Antes da segunda votação do mérito, a Câmara ainda precisa votar 11 destaques, o que pode levar ao adiamento da segunda votação para amanhã. Tanto Lira como o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), se empenham para mobilizar a base governista, principalmente os deputados do chamado Centrão. Também tentam neutralizar as pressões dos dirigentes dos partidos de oposição sobre seus deputados infiéis.

Levantamento feito pelo site Jota mostra que a média de apoio ao governo entre os 112 deputados que aprovaram a PEC na primeira votação é de 88,6%; entre os 144 deputados contrários, a taxa de adesão é de 47,3%. Essa infidelidade nas bancadas de oposição criou constrangimentos para a cúpula do PSB, PDT, PSDB, principalmente. A primeira reação veio do pré-candidato à Presidência do PDT, Ciro Gomes, que anunciou a suspensão de sua candidatura e exigiu um reposicionamento da bancada do PDT: 15 dos 24 deputados votaram a favor da PEC. No PSDB, foram 22 dos 31 deputados; e no PSB, 10 dos 32 integrantes da bancada.

Orçamento paralelo

Havia uma maioria no Congresso comprometida com o teto de gastos, mas tudo mudou com Lira no comando da Câmara. Aliado de Bolsonaro e líder do “baixo clero”, o presidente da Casa não está nem aí para o equilíbrio fiscal, seu foco é a distribuição das emendas secretas ao Orçamento, cumprindo os acordos que fez na eleição com os colegas de Câmara e o Palácio do Planalto. Com o controle do Orçamento, Lira mantém ampla maioria na Câmara, mas o apoio ao governo na Casa vem decaindo por várias razões, a principal é o enfraquecimento eleitoral de Bolsonaro, principalmente no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. O ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou a toalha, apesar de a equipe econômica considerar o teto de gastos a âncora fiscal do governo.

Na PEC dos Precatórios, o rombo no teto de gastos, oficialmente estimado em R$ 86 bilhões, pode chegar a R$ 100 bilhões. O maior interesse do governo é viabilizar recursos para o Auxílio Brasil, o programa de Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, além de outros benefícios, como o vale-gás e o subsídio de R$ 400 para os caminhoneiros abastecerem os tanques de seus veículos.

O mercado reagiu negativamente porque os analistas de contas públicas sabem que é possível obter esses recursos num Orçamento de mais de R$ 1 trilhão cortando despesas supérfluas, a começar pelos gastos secretos com cartões de crédito da Presidência (o mau exemplo vem de cima). Já o interesse de Lira são as “emendas do relator” ao Orçamento, que correspondem a R$ 20 bilhões em verbas destinadas a prefeituras e instituições ligadas aos parlamentares de sua base, sem nenhuma transparência e controle, o que a ministra Rosa Weber considera inconstitucional.

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Luiz Carlos Azedo: Precatórios, ética e segurança jurídica

Emenda constitucional dos precatórios legitima ilegalidades flagrantes e gera grande insegurança jurídica

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara representou o alinhamento da Casa com o presidente Jair Bolsonaro e, também, a recidiva de velhas práticas políticas bastante conhecidas e estudadas. Três clássicos da nossa literatura política que nos dão a dimensão do atraso: Raízes do Brasil (Editora Globo), de Sérgio Buarque de Holanda; Coronelismo, enxada e voto (Companhia das Letras), de Vitor Nunes Leal; Os Donos do Poder (Editora Globo), de Raymundo Faoro.

Buarque nos mostrou, em 1936, o peso do colonialismo ibérico, da escravidão e do compadrio na formação de uma elite política patrimonialista, personalista e despótica; em 1948, Nunes Leal desnudou as relações de poder na base do “é dando que se recebe”, da Presidência aos estados, nos quais o coronelismo garantia existência de “currais eleitorais”, através de favores e da intimidação nos grotões do país; já em 1958, além das raízes lusitanas do nosso patrimonialismo, Faoro também demonstrou como o poder público é utilizado em benefício privado.

Há um choque permanente no Congresso entre o moderno, protagonizado pelos setores liberais e social-democratas, e o atraso, representado pelo chamado “baixo clero”, o conjunto de parlamentares fisiológicos e patrimonialistas, do qual o presidente Jair Bolsonaro é egresso. Na Constituinte, o “Centrão” representou a aliança de lideranças conservadoras e reacionárias com esse “baixo clero”. Destrinchar esse jogo nas votações nem sempre é fácil, porque há conservadores que querem a modernização do país, ainda que por uma via elitista, e setores transformistas de esquerda, com retórica nacional-libertadora e estatizante.

Antes, o chamado Centrão dominara a Casa no governo Itamar Franco, com o deputado Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), de 1993 a 1994, que não cometeu nenhum grande desatino; e no governo Lula, com Severino Cavalcanti (PFL-PE), em 2005, em razão de uma disputa interna na base governista. Cavalcanti renunciou ao cargo, em setembro do ano seguinte, após denúncia de que exigira propina de R$ 10 mil mensais de um concessionário de cantina na Câmara.

Agora, a ascensão de Lira foi possível devido à mudança na composição da Câmara, na onda da eleição do presidente Jair Bolsonaro, e aos desgastes do deputado Rodrigo Maia (DEM) no comando da Câmara. Expoente da velha oligarquia de Alagoas, Lira é um dos caciques do PP, ao lado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI), e do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PR). Recebeu apoio maciço do “baixo clero” e contou com o jogo bruto do Palácio do Planalto, temeroso de que o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado por Maia, viesse a abrir um processo de impeachment.

Julgamento

A moeda de troca de Lira são os recursos do Orçamento da União, proveniente das emendas parlamentares, e os cargos do governo federal. Entretanto, parte de sua base de apoio é formada por deputados dos partidos de oposição, seduzidos na surdina por verbas e cargos. Lira mantém na gaveta mais de uma centena de pedidos de impeachment e aprovou uma Lei Orçamentária na qual o relator controla, sozinho, quase R$ 20 bilhões em emendas secretas. Cobrando lealdades, Lira conseguiu aprovar, por uma margem de quatro votos, a chamada PEC dos Precatórios, que dá um calote no pagamento das dívidas judiciais e aumenta o teto de gastos do governo em quase R$ 100 bilhões, a pretexto de conceder o Auxílio Brasil.

Na sexta-feira, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão integral e imediata da execução dessas “emendas do relator”, até que seja julgado o mérito das ações que questionam a prática no Congresso Nacional. Estima-se que esses recursos correspondam a quase R$ 20 bilhões. A relatora determinou, ainda, que sejam tornados públicos os documentos que embasaram a distribuição desses recursos (identificados apenas pela rubrica RP 9). Além do fisiologismo, saltam aos olhos as inconstitucionalidades na votação da emenda constitucional (deputados votaram do exterior, inclusive). Decisões que buscam legitimar ilegalidades flagrantes geram grande insegurança jurídica e institucional para cidadãos, empresas e investidores.

A liminar foi concedida em ação impetrada pelo PSOL, pelo PSB e pelo CIdadania. Também estabelece que todas as demandas de parlamentares voltadas à distribuição de emendas do relator-geral do orçamento, independentemente da modalidade de aplicação, sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada, mantida pelo órgão central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal, em conformidade com os princípios constitucionais da publicidade e da transparência. Terça-feira e quarta, o plenário do Supremo julgará a questão.

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Deputados pedem anulação da votação da PEC dos Precatórios no STF

Parlamentares questionam manobras adotadas por Arthur Lira (PP-AL), para garantir a aprovação da matéria

Luana Patriolino / Correio Braziliense

Seis deputados de diferentes partidos entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar anular a votação da Proposta de Emenda à Constituição 23/21, conhecida como PEC dos Precatórios. O projeto foi aprovado em primeiro turno em sessão da Câmara dos Deputados na última quarta-feira (3/11) para permitir o remanejamento de gastos do governo federal para alocá-los em programas de cunho eleitoral, como o Auxílio Brasil.

Os parlamentares avaliam que o governo só conseguiu a votação necessária porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adotou manobras controversas na votação. Assinaram o documento: Alessandro Molon (PSB-RJ), Fernanda Melchionna (PSol-RJ), Joice Hasselmann (PSDB-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP), Marcelo Freixo (PSB-RJ) e Vanderlei Macris (PSD-SP).

A PEC foi aprovada em primeiro turno, por 312 votos a 144, na madrugada de quinta-feira (4). Eram necessários 308 votos favoráveis. De acordo com a manifestação, uma das manobras adotadas pela Mesa Diretora da Câmara foi a validação de votos de parlamentares licenciados por exercício de missão diplomática, o que contraria o Regimento Interno, para aprovar emendas para as quais não haveria quórum. A publicação do ato saiu no Diário Oficial da Casa minutos antes do início da sessão, ainda na noite de quarta-feira.

Para a deputada federal Fernanda Melchionna, Lira tem agido para elevar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. “Lira está fazendo de tudo para possibilitar a continuidade do governo Bolsonaro e tornar viável a reeleição do presidente. Para isso, está usando manobras que são evidentemente ilegais e abre precedentes perigosos”, destaca.

Melchionna aponta que o comportamento do presidente da Câmara tem sido recorrente. “Ele tem atropelado e mudado o regimento para diminuir a possibilidade de resistência da oposição. Não aceitaremos isso calados. A PEC dos Precatórios é vendida por Bolsonaro como uma possibilidade de ajudar os mais pobres, mas é uma mentira. Ela vai apenas abrir ainda mais espaço no orçamento público para as emendas secretas, que estão sendo usadas para comprar votos", aponta.

A deputada Joice Hasselmann afirma que o documento impetrado pretende questionar supostas irregularidades. “Houve um desrespeito flagrante ao regimento, que, em seu artigo 235, especifica em quais casos o parlamentar está licenciado, afastado. No caso de viagens internacionais, o parlamentar está licenciado, está afastado. Se ele está afastado, ele não pode votar”, pontua.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/11/4960898-deputados-pedem-anulacao-da-votacao-da-pec-dos-precatorios-no-stf.html


Aprovação da PEC dos Precatórios gera crise na oposição do governo

Legendas entram em conflito, e há ameaça de retaliação interna caso sejam mantidos os votos a favor da proposta

Jorge Vasconcellos e Cristiane Noberto / Correio Braziliense

Fiadores da vitória do governo na aprovação em primeiro turno da PEC dos Precatórios, partidos de oposição mergulharam em disputas internas e estão sob ameaça de retaliação caso mantenham a posição na próxima votação, marcada para terça-feira.https://02604e809207b55412fa69f703cb1783.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

A PEC muda a correção do teto de gastos, que limita o avanço de despesas à inflação. O texto libera R$ 91,6 bilhões de espaço no Orçamento de 2022 e é estratégico para tirar do papel o Auxílio Brasil de R$ 400 como quer o presidente Jair Bolsonaro. Parlamentares contrários à proposta reclamam que a folga fiscal pode ser usada para turbinar as "emendas de relator" a aliados do governo via orçamento secreto.

Partidos geralmente alinhados em temas econômicos, como MDB e PSDB, racharam, e o governo recorreu à oposição. Articulador da PEC, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) obteve 10 votos dos 32 da bancada do PSB, e 15 votos dos 24 do PDT.

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Expoentes das duas legendas reagiram. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, avisou que a sigla pode fechar questão contra a matéria para o segundo turno — o que deflagraria punição a deputados infiéis. Já o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) anunciou a suspensão de sua pré-candidatura ao Planalto até que seu partido "reavalie" sua posição.

Os deputados da oposição que votaram de forma favorável argumentam que houve negociação para flexibilizar a PEC, garantindo a prioridade de pagamento aos estados dos precatórios do Fundef (extinto fundo de educação).

O placar da votação de ontem foi bem apertado, já que uma proposta de emenda à Constituição precisa, para ser aprovada na Câmara, dos votos favoráveis de pelo menos 308 deputados — o equivalente a três quintos dos parlamentares da Casa. Além disso, são necessários dois turnos de votação.

Traições

No PDT, a orientação da liderança da bancada foi pela aprovação da proposta, mas seis deputados deram votos contrários: Idilvan Alencar (CE), Túlio Gadelha (PE), Gustavo Fruet (PR), Chico D'Angelo (RJ), Paulo Ramos (RJ) e Pompeo de Mattos (RS).

Já no PSB, apesar da orientação da liderança ter sido pela rejeição da PEC, 10 deputados votaram a favor da proposta: Emidinho Madeira (MG), Júlio Delgado (MG), Cássio Andrade (PA), Aliel Machado (PR), Luciano Ducci (PR), Liziane Bayer (RS), Rodrigo Coelho (SC), Jefferson Campos (SP), Ricardo Silva (SP) e Rosana Valle (SP).

No Cidadania, a orientação era contrária à PEC, mas dois deputados votaram em sentido oposto: Carmen Zanotto (SC) e Da Vitória (ES). No DEM, Luis Miranda (DF) e Kim Kataguiri (SP) votaram contra a PEC, contrariando a orientação do partido.

A liderança do MDB orientou pela rejeição do texto, porém 10 deputados votaram em sentido oposto: Fábio Ramalho (MG), Hercídio Diniz (MG), Newton Cardoso Júnior (MG), Daniela Waguinho (RJ), Gutemberg Reis (RJ), Vinícios Farah (RJ), Lucio Mosquini (RO), Osmar Terra (RS), Rogério Peninha (SC) e Fabio Reis (SE).

Entre partidos governistas, o PL é um que também enfrentou traições. Os deputados Marcelo Ramos (AM), que é vice-presidente da Câmara; e Fernando Rodolfo (PE) votaram contra a PEC, descumprindo a recomendação da liderança.

No Avante, dois deputados da sigla votaram contra a PEC, na contramão da orientação da liderança da bancada: Pastor Isidório (BA) e André Janones (MG). No PSC, em que a recomendação também era pela aprovação da proposta, Paulo Martins (PR) votou contra.

Manobras

Lira lançou mão de vários artifícios para conseguir aprovar a PEC, em meio ao temor de uma possível derrubada da matéria. Uma das manobras foi a edição de um ato da Mesa Diretora da Casa permitindo que deputados em missão na COP26, em Glasgow, na Escócia, votassem na sessão — conforme o regimento, parlamentares nessa situação ficam automaticamente liberados da obrigação de participar das votações.

Os bastidores envolveram, também, o empenho de um volume recorde, em 2021, de recursos previstos nas emendas do relator-geral do Orçamento, as chamadas RP9. Foram empenhados R$ 1.967.751.844,83, como reserva para pagamento de obras, serviços e equipamentos em redutos eleitorais de parlamentares. Diferentemente das outras modalidades de emendas, as RP9 não contam com transparência sobre os congressistas beneficiados e a destinação das verbas. (com Agência Estado).

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/11/4960797-aprovacao-da-pec-dos-precatorios-gera-crise-na-oposicao-do-governo.html


Luiz Carlos Azedo: Governo ganhou, mas pode não levar os precatórios

A PEC dos Precatórios subiu no telhado. Corre risco de ser barrada na segunda votação da Câmara, ou mesmo pelo Senado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O gesto do ex-ministro Ciro Gomes, ao comunicar ao PDT que sua pré-candidatura a presidente da República está suspensa, em razão do adesismo da sua bancada federal na votação da PEC dos Precatórios, teve um efeito saneador em toda a oposição, que votou muito dividida na madrugada de ontem, quando a proposta foi aprovada pela Câmara, em primeiro turno, por uma margem estreita de quatro votos. A votação desnudou as contradições existentes nas bancadas dos principais partidos de oposição, principalmente as relações perigosas com o esquema secreto de distribuição de emendas ao Orçamento comandado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Como sempre acontece nas votações polêmicas, a PEC dos Precatórios foi aprovada na calada da noite, 312 votos a 144. O texto-base da PEC dos Precatórios, a principal aposta do governo para viabilizar o Auxílio Brasil de R$ 400, esconde um butim de R$ 20 bilhões acima do teto de gastos, a serem distribuídos por Lira durante o ano eleitoral, diretamente para prefeituras e instituições ligadas aos parlamentares que participam do seu esquema, sem controle efetivo dos órgãos fiscalizadores sobre a execução desses recursos em bases, digamos, republicanas.

É uma espécie de “mensalão” — o esquema de desvio de recursos públicos montado na Comissão de Orçamentos que foi investigado pela CPI dos Correios —, porém legalizado pelas regras estabelecidas no próprio Orçamento, que cria uma flagrante distorção no processo eleitoral, porque os “amigos do rei” passam a contar com um instrumento de barganha de apoio muito superior aos recursos de financiamento que advém do fundo eleitoral.

Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com Arthur Lira (PP-AL), que disse ao que veio na campanha para presidente da Câmara, com o líder do Centrão, o bloco de partidos que aderiu ao governo quando o “toma lá dá cá” passou a ser a regra do jogo da articulação da base parlamentar do presidente Jair Bolsonaro. Foi a vitória da “pequena política”, do velho fisiologismo e da iminente recidiva do patrimonialismo. Quando o presidente da Casa era o deputado Rodrigo Maia (sem partido), a disputa entre a Câmara e o Palácio do Planalto se dava no âmbito da “grande política”, que havia voltado ao Congresso. Agora, quando a “transa” predomina, a “grande política” foi para o ralo, porque não há mais quem a defenda com a força que a sociedade exige, nem a oposição, ainda mais enfraquecida pelo adesismo de parte de suas bancadas.

A equipe econômica de Paulo Guedes, o ministro da Economia que abriu mão da blindagem fiscal e do controle da inflação, deve até ter saudades dos embates com Rodrigo Maia. Derrotada pela ala política do Palácio do Planalto — os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Fábio Farias (Comunicações) —, a equipe econômica hoje é residual, porque seus principais quadros já se afastaram, com a exceção do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que tem mandato e autonomia.

A PEC abre um espaço no Orçamento de 2022 de R$ 91,6 bilhões, dos quais R$ 44,6 bilhões são decorrentes do limite a ser estipulado para o pagamento das dívidas judiciais do governo federal (precatórios); e R$ 47 bilhões foram criados artificialmente, gerados mudança no fator de correção do teto de gastos, incluída na mesma PEC., que passou a ser calculado de janeiro a dezembro, em vez de junho a junho.

Reação negativa

O Auxílio Brasil, novo programa social do governo, deve tomar cerca de R$ 50 bilhões dessa folga orçamentária; também serão contemplados o ajuste dos benefícios vinculados ao salário-mínimo; a elevação de outras despesas obrigatórias (onde entram as emendas parlamentares ao orçamento); as despesas de vacinação contra a Covid-19; e as vinculações do teto aos demais poderes e subtetos. A divisão exata do espaço liberado pela proposta no teto de gastos só será definida na votação do Orçamento de 2022, o que abrirá outra rodada de barganhas.

O valor do Auxílio Brasil, estimado em R$ 400, também não foi definido na PEC e pode ser aumentado para até R$ 600, como deseja o PT, que votou contra a emenda. A rigor, o auxílio foi criado para substituir o Bolsa Família e está sendo utilizado como pretexto para “furar” o teto de gastos, porque o governo poderia perfeitamente encontrar os recursos para o auxílio cortando outras despesas, não-prioritárias, de um Orçamento de mais de R$ 1 trilhão.

Entretanto, por causa da reação da sociedade e da cúpula dos partidos de oposição, a PEC dos Precatórios subiu no telhado. Corre risco de ser barrada na segunda votação da Câmara, ou mesmo pelo Senado, mais sensível às pautas majoritárias da sociedade. O sinal de que a vaca estranhou o bezerro foi a reação do mercado. Mesmo com a leilão do 5G, da maior importância, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) fechou o dia em queda de 2,09%, aos 103.412 pontos, e o dólar terminou em alta de 0,29%, vendido a R$ 5,606.

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Luiz Carlos Azedo: O “fogo amigo” do Banco Central e da Petrobras

Desde o Plano Real até hoje, o controle da inflação foi pré-condição para a preservação do poder

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Qualquer que seja o desfecho da votação da PEC dos Precatórios, o governo Bolsonaro já foi desenganado pelo mercado. Sua única alternativa, no contexto atual, seria mudar a lógica da atuação: em vez de reeleição a qualquer preço, equilíbrio das contas públicas e controle da inflação, mesmo com o novo mandato em risco. Vozes mais sensatas diriam a Bolsonaro que a segunda hipótese tornaria sua reeleição menos improvável, mas isso é exigir muito do “estado-maior” do Mito. Nem o ministro da Economia, Paulo Guedes, é capaz de sustentar essa posição.

Na trajetória da economia brasileira, desde o Plano Real até hoje, o controle da inflação foi precondição para a preservação do poder. Foi assim na eleição e reeleição de Fernando Henrique Cardoso, no primeiro e segundo mandatos de Lula e no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Quando a inflação saiu do controle, a vaca foi para o brejo. Hoje, a inflação está tão descontrolada que a ata do Copom, divulgada ontem, sinalizou para o mercado uma taxa Selic de 12%. Cada ponto percentual na taxa de juros tem um impacto de até R$ 40 bilhões na dívida pública.

O presidente da República gosta de transferir responsabilidades e terceirizar os problemas. Por exemplo, no caso dos combustíveis, culpava reiteradamente os governadores, por causa do ICMS, que no caso da gasolina e do diesel é arrecadado no destino. Pela regra, o imposto corresponde a um percentual entre 25% e 34% incidente sobre o preço da venda da gasolina e de 12% a 25% sobre o diesel. A alíquota incide sobre o chamado Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) — valor de referência calculado a cada 15 dias, mas as tarifas foram congeladas pelos governadores, enquanto a nova regra proposta pelo governo, o ICMS fixo, calculado com base no preço médio dos combustíveis nos dois anos anteriores, aguarda votação no Senado. A arrecadação não poderia exceder, em reais por litro, o valor da média dos preços ao consumidor final usualmente praticados no mercado, considerado ao longo dos dois exercícios imediatamente anteriores.

Patinhos feios

O congelamento da tarifa pelos governadores escancarou as contradições de Bolsonaro com a Petrobras, que não tem como deixar de acompanhar a alta do preço do petróleo no mercado mundial, que vem impactando fortemente o nosso câmbio. A empresa virou o patinho feio para Bolsonaro. Ele não perde uma oportunidade de criticá-la, por causa da pressão dos caminhoneiros de sua base eleitoral. Agora, parece decidido a vendê-la, apesar da resistência dos militares e dos setores nacionalistas de sua base eleitoral. O presidente da República considera os aumentos de combustível uma espécie de “fogo amigo” da empresa, que é presidida pelo general Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa do governo Michel Temer.

Segundo o general, há uma espécie de “caça ao bode expiatório” pelo preço dos combustíveis. Ele diz que a empresa não controla o preço da gasolina e do diesel. “O fortalecimento do dólar em âmbito global e, em especial, no Brasil, tem alavancado os preços das commodities e incrementado a inflação. Mas essas incômodas verdades não parecem muito apelativas”, argumenta. Durante a reunião do G20, em Roma, Bolsonaro disse ao presidente da Turquia, Recep Erdogan, que a Petrobras era um problema. Também na cidade italiana, voltou a falar em privatizar a Petrobras e anunciou um aumento de combustível em 20 dias, mas acabou desmentido pela direção da empresa.

E o Banco Central (BC)? A Ata do Copom afirma que “questionamentos relevantes em relação ao futuro do arcabouço fiscal atual” resultaram em “elevação dos prêmios de risco” e “das expectativas de inflação”, o que implica “maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas”. Mais “fogo amigo”. Para o mercado, isso significa que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, pretende calibrar os juros de acordo com o tamanho do rombo no teto de gastos, mesmo que isso provoque recessão. Será outro patinho feio.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-fogo-amigo-do-banco-central-e-da-petrobras

Cristovam Buarque: “Não chegaremos com um candidato que unifique a terceira via”

À queima-roupa // Ex-senador Cristovam Buarque (Cidadania-DF)

Ana Maria Campos / Correio Braziliense

O Brasil piorou depois do impeachment da Dilma?
A pergunta é se piorou por causa do impeachment. E a resposta: não piorou por causa do impeachment. O Brasil vem piorando já há algum tempo e, a partir de 2014, a presidente adotou medidas que levaram a começar a recessão, a inflação, a irresponsabilidade fiscal… O presidente Temer tentou parar isso, com a PEC do Teto, que tem uma finalidade, trazer confiança. Os economistas levam em conta no mundo global que a confiança é um fator tão importante quanto o capital, a terra e a mão de obra. Aí veio o Bolsonaro que é o desastre completo porque ele destrói qualquer confiança em relação ao país e a nossa economia.

O senhor acredita numa terceira via que avance e consiga chegar no segundo turno?
Não. Eu não acredito na terceira via. Poderíamos dizer que temos uma terceira Praça, de tanta gente que tem. Uma via seria uma pessoa e uma proposta. Nós temos 12 candidatos da terceira via e nenhuma proposta, a não ser a do nem um nem outro. Uma terceira via conduzida pelo nem nem. Não acredito que chegaremos no próximo ano com um candidato que unifique a terceira via e chegue no segundo turno no lugar de Lula ou de Bolsonaro.

E se ficar Lula e Bolsonaro, o senhor já está decidido?
Sem dúvida alguma. Eu votei no Haddad. Eu vou mais longe. Eu não apenas tenho essa posição clara de consenso em Lula, como defendo que deveríamos estar todos unidos apoiando Lula no primeiro turno.

As pessoas vão esquecer as denúncias que levaram à condenação do Lula?
Tem duas coisas aí: uma é contra o Lula pessoalmente e a outra é contra o governo do PT. O governo do PT ainda precisa explicar por que houve corrupção na Petrobras, nos Correios, fundos de pensão, devido ao aparelhamento. Agora o Lula especificamente… As condenações dele foram declaradas como promovidas por um juiz parcial. Eu nunca acreditei que o Lula pessoalmente tivesse se apropriado de um bem público.

O senhor pensa em concorrer nas próximas eleições?
Não está na minha cabeça. Eu era um político que usava o tempo vago para escrever e agora sou um escritor em tempo integral que usa as horas vagas para fazer política. E estou muito feliz assim. Eu não penso em ser candidato. A gente nunca pode garantir que não, mas não é minha intenção. Vamos esperar mais um pouco. Eu converso muito com a Leila, com o Reguffe, com o Joe. Um deles será candidato a governador. Eu quero ajudar. Sou candidato a ser um bom escritor. Aliás, quero dizer uma coisa de público: quando perdi a eleição, pensei: “o eleitor tem razão, está na hora de eu dar um tempo”. Hoje, acho que o eleitor acertou mais uma coisa: elegeu a Leila que é uma boa senadora.

O senhor fez as pazes com os antigos eleitores do PT?
Estou esperando que eles façam as pazes comigo. Porque, se para fazer as pazes, eu precise dizer que me arrependo do impeachment fica difícil. Eu votei pelo impeachment pela questão ética, moral. Eu denunciei durante dois anos a irresponsabilidade fiscal. Disse que levaria à recessão, ao desemprego, à inflação. Eu não queria votar pelo impeachment, mas se eu votasse contra estaria sendo incoerente com meu discurso anterior. É capaz de ter sido um grande erro pessoal, perdi amigos, eleitores, uma eleição, provavelmente. Foi um erro lógico, mas um acerto moral. E a gente tem que colocar a moral na frente do eleitoral.

E Bolsonaro merece o impeachment?
Merece mais do que a Dilma. Se eu estivesse no Congresso, lutaria pelo impeachment do Bolsonaro.

Qual é o maior pecado dele?
O primeiro pecado do Bolsonaro é a maneira demente como ele governa. É a falta de empatia dele com quem precisa ser querido, os que morrem, os que perdem pessoas, os perseguidos, como gays, mulheres… Ele não tem empatia do ponto de vista do comportamento e é um demente do ponto de vista da lógica. É algo que o Brasil terá de explicar por muito tempo, como é que nós elegemos Bolsonaro. O erro foi nosso, dos democratas progressistas. Nós elegemos Bolsonaro. O PT elegeu Bolsonaro, o PSDB elegeu Bolsonaro. Fomos todos nós democratas progressistas que frustramos o eleitorado.

Fonte: Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/eixocapital/2021/11/02/cristovam-buarque-nao-acredito-que-chegaremos-com-um-candidato-que-unifique-a-terceira-via/


Exército monitorou redes sociais para identificar detratores do PL 1645

Exército monitorou cidadãos, parlamentares e jornalistas. Documento afirma que é preciso "ganhar a narrativa" contra praças e partidos de oposição

Jorge Vasconcellos / Correio Braziliense

De 14 de agosto de 2019 a 20 de novembro do mesmo ano, o Exército brasileiro monitorou o comportamento, nas redes sociais, de cidadãos comuns, parlamentares, jornalistas e blogueiros. Os resultados dessa atividade estão nas 124 páginas dos relatórios de Acompanhamento e análise do PL 1645 nas mídias sociais, que foram repassados oficialmente ao Correio Braziliense pela própria força terrestre. Os documentos mostram também como a corporação traçou estratégias políticas para influenciar na tramitação do projeto de lei, que tratou da reestruturação das carreiras militares. A proposta, depois de aprovada no Congresso, foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2019.

Os relatórios foram elaborados pela Divisão de Produção e Divulgação do Centro de Comunicação Social do Exército (Ccomsex). O conteúdo informa que o trabalho de monitoramento das redes sociais teve o objetivo de “acompanhar e analisar a tramitação do Projeto de Lei 1645/2019”, “verificando o impacto das notícias na imagem do Exército Brasileiro”. Vários relatórios trazem um item intitulado “Classificação dos grupos monitorados”.

Na sequência são apresentados os alvos do monitoramento: “1) Grupo Cidadão — perfis de pessoas com pouco poder de influência nas redes; 2) Grupo político — perfis de políticos das esferas Federal, Estadual e Municipal (tags por função — Ex: Político Senador, Político Dep Federal); 3) Grupo Mídia e Grupo Blog — perfis de órgãos de mídia subdivididos e mídia (perfil de abrangência nacional), mídia local (perfil de abrangência regional) e blog (perfil de blog pessoal de jornalistas); 4) Forças Armadas — perfil de órgãos das Forças Armadas; 5) Forças Auxiliares — perfil de órgãos das Forças Auxiliares dos Estados; 6) Entidades Religiosas — perfil de órgão de entidade religiosa de abrangência”; 7) Grupo Associações de Militares — perfil de entidades agregadoras de militares da reserva.

O conteúdo desmente declarações feitas na semana passada pelo ministro da Defesa, general Braga Netto, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara. Irritado após ser questionado pelo deputado Glauber Braga (PSol-RJ) sobre o assunto, o militar negou que o Exército faça monitoramento de políticos. Na ocasião, o congressista disse ter informações de que ele foi um dos monitorados. “Não existe, nem vi o nome do senhor em nada, nem passa perto. Não existe monitoramento de parlamentares, não existe”, disse o ministro, ao lado dos comandantes das três Forças Armadas.

 Crédito: Camara dos Deputados/Divulgação.  Glauber Braga, deputado ( Psol RJ )
Glauber Braga, deputado ( Psol RJ ). Foto: Câmara dos Deputados/Divulgação

A tramitação do PL 1645 no Congresso foi marcada por muitas tensões e protestos de associações de praças da reserva das Forças Armadas. Representantes dessas entidades consideram que o projeto concedeu os maiores benefícios aos oficiais de altas patentes, em detrimento dos soldados, cabos, sargentos e suboficiais. Durante os debates sobre a proposta, foram parlamentares da oposição, e não governistas, que prestaram apoio às demandas dos praças.

Oposição ao PL 1645

A apuração do Correio começou depois que a revista Sociedade Militar publicou uma série de relatórios que teriam sido produzidos pelo Exército e que trazem os nomes de vários parlamentares supostamente monitorados. Os textos publicados pela revista, também intitulados Acompanhamento e análise do PL 1645 nas mídias sociais, apontam como um dos congressistas mais influentes o deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), que, à época da tramitação do PL 1645, era filiado ao PSol. “Cabe ressaltar que o Dep. Marcelo Freixo é um forte influenciador de massas radicais no Twitter e possui expressão com seus mais de 1 milhão de seguidores”, diz um trecho publicado por Sociedade Militar.

O conteúdo afirma também que “o PSol, ainda com as manobras regimentais e destaques, apresenta-se como o maior detrator da Comissão” onde tramitava o projeto de lei. “Fato relevante a ser ressaltado neste campo de poder foi a articulação do Psol, ator que assumiu o protagonismo da oposição do governo dentro da Comissão Especial”, diz o texto.

Outro político do Psol que, segundo o material divulgado pela Sociedade Militar, atraiu as atenções do Exército, é o deputado Glauber Braga (RJ). O texto cita uma entrevista concedida pelo parlamentar à mesma revista. “A notícia apresenta o alinhamento dos integrantes das Associações de praças e inativos com deputados do Psol”, diz o conteúdo. Além disso, está escrito que o parlamentar “mostrou-se contra a posição do relator e avocou para si e seu partido a responsabilidade pelos direitos de igualdade das praças das Forças Armadas”.

Há ainda citações a outros 19 deputados federais, entre eles Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), relator do PL. “Ele explicou com muita propriedade as gratificações de Altos Estudos propostas no PL”, diz o texto publicado pela Sociedade Militar.

Correio, depois de apurar junto à revista que o material divulgado foi recebido de uma fonte militar, fez contato com o Centro de Comunicação Social do Exército (Ccomsex) e questionou se o conteúdo era autêntico. Como resposta, a assessoria negou a autenticidade. Além disso, encaminhou algumas explicações sobre o assunto, mas nada é informado sobre o monitoramento de políticos e de outros alvos. A assessoria também enviou uma série de relatórios apresentados como oficiais. Os textos são semelhantes aos divulgados pela revista, mas têm várias partes omitidas por tarjas pretas, principalmente nomes de parlamentares e outras autoridades, partidos políticos, veículos da mídia, jornalistas e blogueiros.

Ainda assim, os trechos que não foram omitidos dizem muito sobre a natureza desse trabalho. O texto de um dos relatórios, elaborado a partir de monitoramento feito entre os dias 1 e 4 de novembro de 2019, mostra como o Exército agiu para favorecer a aprovação do PL 1645.

No documento, os militares afirmam que “a tentativa de ganhar a narrativa em busca de uma proposição positiva nas Redes Sociais pode se tornar desgastante e ineficiente, quando se usa apenas os próprios meios”. Eles orientam que “é preciso que influenciadores atuem nas redes social (sic), pois são estes que detém (sic) maior capacidade de reverberar a linha narrativa que se deseja propagar. Perfis pessoais possuem uma capacidade representativa na rede muito superior a perfis institucionais".

Em outro trecho, o documento afirma que, “no cenário político, é preciso esvaziar o discurso do (tarja) e dar visibilidade ou chamar a participação, os atores políticos favoráveis ao PL 1645”.

Monitoramento reflete uma preocupação especial com os partidos de oposição no COngresso. Foto: Pedro França / Agência Senado

Influenciadores

Um outro relatório, elaborado a partir de monitoramento realizado no período de 13 a 20 de novembro de 2019, reflete uma preocupação especial com os partidos de oposição. “Nesse momento, dado o cenário político polarizado somado o acirramento da pressão da opinião pública sobre o Congresso influenciando em decisões das Casas legislativas, é preciso que influenciadores com uma narrativa favorável ao PL atuem nas redes sociais com o intuito de que não ocorra ações semelhantes às propostas pela bancada do (tarja) durante a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, quando parlamentares de oposição se aproveitaram da pauta criada pelas associações de praças para atacar o projeto de lei”.

Em outro trecho, os militares afirmam que, “com o objetivo de informar o público interno é preciso coordenar entre as três forças e o (tarja) a divulgação de palestras que, se for o caso, sejam ministradas para todos os públicos, ativa e reserva, e que os sites institucionais e perfis nas plataformas digitais contenham conteúdos informativos sobre o tema”.

O documento diz ainda que “cabe avaliar a possibilidade de ser mantida uma rotina de postagens informativas sobre a tramitação do PL durante os dias de atividade parlamentar no Senado elencando os principais fatos da semana, tudo com a finalidade de evitar a construção de narrativas falsas”.

Em um outro relatório, produzido com base em monitoramento realizado entre 4 e 6 de novembro de 2019, os militares alertam que “os perfis de esquerda, principalmente no Twitter, já atuam de forma coordenada para desclassificar a pauta econômica do (tarja) podendo ser claramente verificado entre os políticos (tarja) e seus partidos satélites (tarja), perfis de jornalistas e blogs de esquerda, bem como personalidades alinhadas com a causa lulista a referida postura digital”.

O texto diz ainda que “durante a tramitação na Câmara os partidos de oposição se aproveitaram da instabilidade causada pelas associações de praças e militares da reserva para tumultuar a caminhada do projeto na casa”. “Mais uma vez os partidos de oposição poderão se unir à causa das associações militares reforçando a narrativa de que o projeto é desigual em suas medidas entre oficiais e praças”, afirma o documento. Os analistas destacaram também que a “esquerda tentará qualificar a reforma como desmonte do serviço público e aprofundadora das desigualdades do país”.

Silêncio

Correio teve acesso a um Requerimento de Informação que o deputado Marcelo Freixo enviou ao Ministério da Defesa, em 23 de agosto. No documento, o parlamentar pede uma série de esclarecimentos, sobre a organização do monitoramento, o valor pago pelo Exército e a modalidade da contratação dos serviços, entre outros. "Os fatos são graves e podem representar a quebra da harmonia e independência entre os Poderes da República, além de uma afronta à inviolabilidade das opiniões, palavras de votos dos Deputados Federais”, escreveu Freixo. Porém, até o momento, o deputado não recebeu resposta do ministério.

Segundo as informações encaminhadas pelo Exército ao Correio, o Acompanhamento e análise do PL 1645 nas mídias sociais foi feito com o uso das ferramentas V-tracker, a busca avançada do Twitter (gratuita e oferecida pela plataforma) e o Google Alerts (gratuita e disponibilizada pelo Google). Conforme a força terrestre, “todas são amplamente conhecidas e fazem o acompanhamento de fontes abertas, não havendo, portanto, qualquer grau de sigilo”.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4959486-exercito-monitorou-redes-sociais-para-identificar-detratores-de-projeto-de-lei.html


Luiz Carlos Azedo: A crise da social-democracia

No Brasil, sob forte influência das ideias positivistas, que aqui sempre muito foram heterodoxas, nunca houve uma tradição social-democrata propriamente dita

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O título da coluna nos remete ao começo de tudo. A social-democracia tem sua origem no século 19, como resultado de um movimento político associado aos sindicatos operários e a ideias marxistas. A sua ascensão ao poder se deu em 1910, na Alemanha, após 20 anos de lutas vigorosas, que garantiram conquistas políticas, como o amplo direito de voto, a liberdade de expressão, de imprensa e de organização, e sociais, como a redução do horário de trabalho, contratos coletivos, educação básica, assistência médica e previdência, na onda da segunda revolução industrial.

Com quase 1 milhão de filiados, a Social-Democracia chegou ao poder ao obter 30% dos votos, tornando-se o principal partido do parlamento alemão, com uma liderança que reunia líderes operários e grandes intelectuais. A Revolução Russa de 1905 e a Revolução Mexicana (1910), além do prestígio de socialistas na França e trabalhistas na Inglaterra, transformaram a Segunda Internacional (a primeira teve vida efêmera) no mais vigoroso movimento político do começo do século XX. Mas veio a Primeira Guerra Mundial e isso pôs tudo a perder, porque os social-democratas alemães e trabalhistas apoiaram a guerra
O nacionalismo implodiu a Segunda Internacional. Na Rússia, o líder bolchevique Vladimir Lênin agarrou a bandeira da paz com as duas mãos e tomou o poder, criando a Internacional Comunista. Após a II Guerra Mundial, a social-democracia voltou ao poder em vários países da Europa Ocidental, enquanto os comunistas, apoiados ampliaram seu poder para o chamado Leste europeu, até o colapso da União Soviética, além da China, de Cuba e do Vietnã, onde permanecem no poder.

No Brasil, sob forte influência das ideias positivistas, que aqui sempre foram heterodoxas, nunca houve uma tradição social-democrata propriamente dita. O Partido Comunista, fundado por Astrojildo Pereira em 1922, foi obra de nove anarquistas. O Partido Socialista criado por tenentistas, em apoio a Getúlio Vargas, em 1932, fracassou, por razões óbvias.  Somente 1947, sob a liderança de João Mangabeira, viria a ser criado o Partido Socialista Brasileiro, por políticos e intelectuais da chamada Esquerda Democrática.
O PSB se contrapunha aos comunistas, liderados por Luís Carlos Prestes, e aos dois partidos criados por Getúlio Vargas em 1945, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), formado por políticos e líderes ligados aos sindicatos oficiais, e o Partido Social Democrático, constituído por antigos interventores do governo Vargas. Como se vê, nada a ver com a social-democracia, que emergia da II Guerra mundial como uma força política importante em vários países da Europa, que aceitava o capitalismo e atuava para mitigar seus efeitos considerados perversos.

Quem é quem?

A Internacional Socialista defende as liberdades civis, os direitos de propriedade e a democracia representativa, na qual os cidadãos escolhem os rumos do governo por meio de eleições regulares com partidos políticos que competem entre si. Na economia, as teorias do economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) lhe caíram como uma luva, mas foram progressivamente mitigadas por ideias social-liberais. No Brasil, com a reforma partidária de 1979, antes mesmo da redemocratização, houve uma corrida para representar a social-democracia por aqui.

Quem chegou primeiro foi o trabalhista Leonel Brizola, graças às ligações com o líder socialista português Mario Soares, que patrocinou a entrada do PDT na organização internacional, deixando o ex-governador Miguel Arraes e o PSB a verem navios. Entretanto, após a vitória eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Internacional Socialista realizou em São Paulo, em 2003, o seu 22º congresso, o que foi uma espécie de reconhecimento do PT como uma força social-democrata. Recentemente, Lula foi a estrela do Congresso do Partido Socialista-Operário Espanhol, liderado por Pedro Sanchez.

Aquela reunião, porém, fora esvaziada: o alemão, Gerhard Schröder (social-democrata); o britânico, Tony Blair (trabalhista; e o sueco, Göran Persson (social-democrata), todos então no poder, se identificavam muito mais com o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Como o Brasil é um país de ideias fora de lugar, como já disse Roberto Schwarz, ao mostrar como as ideias liberais foram solapadas pela realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, o ideário social-democrata, mesmo enviesado, continua sendo disputado por diferentes partidos. De certa forma, as prévias do PSDB, com a disputa entre os governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, dois políticos liberais, são mais um lance desse tortuoso caminho das ideais políticas no Brasil.

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Luiz Carlos Azedo: Qual é a agenda de Pacheco?

Presidente do Senado é o primeiro pré-candidato de centro a sinalizar um projeto nacional

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas/ Correio Braziliense

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que a eleição para a Presidência da República precisa ser “fulanizada”, ou seja, é uma disputa entre indivíduos que encarnam alguma coisa e não entre partidos. Traduzindo para a chamada “terceira via”, uma alternativa de poder que se contraponha ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas de opinião, e ao presidente Jair Bolsonaro, que se movimento em função da reeleição, não depende apenas de um nome. Para chegar ao segundo turno, o candidato precisaria encarnar um projeto nacional que se contraponha a ambos.

Na política brasileira, na base da “transa” eleitoral, a “pequena política” obscurece a grande. Quem observa as articulações em curso ainda não consegue identificar um pré-candidato de centro com um projeto robusto para o país. Se sobram candidatos, falta uma plataforma política, muito mais do que uma narrativa. O debate sobre a PEC dos Precatórios, em discussão na Câmara, ilustra bem como há um vazio programático ao centro. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro estão se lixando para o chamado equilíbrio fiscal na campanha eleitoral.

Ministro da Economia, Paulo Guedes detonou sua equipe do Tesouro, para viabilizar o chamado Auxílio Brasil, no valor de R$ 400,00, avaliado pelo Centrão e pelo Palácio do Planalto como um instrumento capaz de recuperar a popularidade de Bolsonaro junto aos eleitores pobres, que derivaram de volta às bases eleitorais de Lula, principalmente no Nordeste. O petista não é bobo e está defendendo que o valor do auxílio seja aumentado para R$ 600. Não será surpresa alguma se a Câmara aprovar esse aumento de 50% na proposta original, como aconteceu com o auxílio emergencial concedido na pandemia. Os deputados também estão correndo atrás de votos.

Muitos analistas de mercado e agentes econômicos arrancam os cabelos com o impacto da medida na economia, por causa da desvalorização do Real e da queda do valor das ações nas bolsas. Entretanto, sempre há ganhadores numa economia capitalista. O setor exportador, por exemplo, ganha muito com isso. Também ganham megainvestidores, que aproveitam a baixa para comprar ações ou mesmo empresas em dificuldades. E “la nave va”…

Desenvolvimentismo
A novidade da semana é o possível lançamento da pré-candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), que amanhã se filiará ao PSD, num grande ato no Memorial JK. Simbolicamente, é o primeiro candidato de centro a sinalizar um projeto nacional, inspirado no governo de Juscelino Kubitschek. No Brasil da década de 1950, como agora, era preciso ousar. JK prometeu 50 anos de progresso em 5 anos de realizações, com pleno respeito às instituições democráticas.

Seu projeto desenvolvimentista, com 30 objetivos, ficou conhecido como Plano de Metas. De última hora, tirou da cartola mais um: a construção de Brasília e a transferência da capital federal. Ao contrário de Pacheco, cuja carreira meteórica tem seu leito no Legislativo, graças ao binômio energia e transportes, Juscelino deixava o governo de Minas (1951-1955) com um perfil desenvolvimentista. Não era um projeto nacionalista, suas diretrizes foram herdadas da famosa Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que funcionou de entre 1951 e 1953, no governo Vargas.

Os estudos indicavam a necessidade de eliminar “pontos de estrangulamento” da economia brasileira: por exemplo, fabricar tratores para mecanizar a nossa agricultura. Quando Lucas Lopes deixou a presidência do BNDE para assumir o Ministério de Fazenda, em agosto de 1958, seu lugar foi ocupado por ninguém menos do que o economista liberal Roberto Campos. Não por acaso a esquerda atacava a sua “política de conciliação” e não queria, de forma alguma, que voltasse ao poder nas eleições de 1965, que acabaram canceladas pelos militares no poder. Mas essa já é outra história.

O Plano de Metas mencionava cinco setores básicos da economia, para os quais os investimentos públicos e privados deveriam ser canalizados. Os mais aquinhoados foram energia, transportes e indústrias de base, num total de 93% dos recursos. Alimentação e educação foram preteridos; Brasília não integrava nenhuma delas. Apesar da inflação, com a industrialização, JK mudou o Brasil.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-qual-e-a-agenda-de-pacheco

Benito Salomão: Uma âncora para a inflação

Brasil terá um longo período de baixo crescimento do PIB e elevada inflação

Benito Salomão / Correio Braziliense

O ano de 20121 caminha para o final, e as projeções mais recentes apontam para um cenário bastante pessimista. O Brasil terá um longo período com a combinação indesejada de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e elevada inflação. Muitos fatores podem explicar essa deterioração macroeconômica súbita, que se deu em um intervalo de poucos meses. A economia brasileira começou 2021 com previsões demasiadamente otimistas. A pesquisa Focus, divulgada semanalmente pelo Banco Central (BC), apontava, em janeiro, previsões medianas de crescimento elevado, inflação próxima ao centro da meta e taxa Selic em torno de 3,25% ao ano. O que aconteceu para que, poucos meses depois, o país estivesse aprisionado em um debate sobre estagflação?

É possível começar constatando que não é possível jogar a conta da deterioração macroeconômica exclusivamente nos modelos mal calibrados do começo do ano. Inúmeros erros de políticas acometeram o país ao longo de todo o ano, a começar, os erros no enfrentamento da pandemia. A sabotagem às medidas de isolamento social quando necessárias e o atraso da vacinação fizeram que os efeitos da covid-19 se ampliassem no tempo, levando às quarentenas intermitentes, que retardam a recuperação e o emprego, além do prolongamento excessivo de medidas de socorro aos vulneráveis como auxílio emergencial.PUBLICIDADE

Outros equívocos se somaram aos erros da pandemia. Como não mencionar o fato de o governo federal ter aprovado a sua Lei Orçamentária Anual (LOA) apenas em abril de 2021? O impasse que atrasou a construção da peça orçamentária se deu envolvendo a dificuldade de conciliar as emendas paroquiais do baixo clero do Congresso Nacional, obstruídas pelo teto de gastos, que está com os dias contados no Brasil.

O consenso político que parece cristalizado nos interesses dos poderes Executivo e Legislativo (predominantemente da Câmara dos Deputados) é de que uma regra fiscal, fruto de um intenso esforço legislativo no passado e muito importante para disciplinar o gasto público, sobretudo obrigatório, pode ser desperdiçada para o atendimento de interesses eleitorais de curtíssimo prazo dos mandatários das duas casas da praça dos três poderes.https://22022f16ea280c4c3474ad784dcf48db.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Mas não se enganem, o populismo carrega em seu DNA o gene da autodestruição. Em clássico ensaio de 1990, Rudiger Dornbusch e Sebastian Edward narram as fases do populismo na América Latina. O texto tem, em determinados trechos, aspectos de profecia. No Brasil, as consequências parecem não estarem dispostas a esperar a próxima legislatura para cobrar a fatura do voluntarismo irresponsável que ocupa Brasília. A inflação chegou aos dois dígitos e tem exercido um impacto avassalador na renda das famílias que tendem a radicalizar contra os responsáveis.

O Banco Central, embora sinalize que fará o “possível” para guiar esta inflação novamente para a meta, tem poucos instrumentos para isso em um cenário cuja política fiscal não colabora. Voltamos ao teto de gastos e aos interesses paroquiais dos populistas de Brasília. No afã de sinalizar medidas para aliviar o sofrimento da carestia provocado pela inflação, a Câmara tem elaborado propostas que fragilizam o equilíbrio fiscal, desancoram as expectativas e alimentam a própria inflação que não cede, apesar de toda contração monetária em curso patrocinada pelo BC.

Inflações elevadas e persistentes são frutos de maus fundamentos macroeconômicos e também da falta de credibilidade do governo de plantão. Desde o Plano Real, os períodos de inflação estável têm estado atrelados a alguma âncora macroeconômica. Entre 1995 e 1998, essa âncora foi o câmbio fixo e em paridade com o dólar. Após 1999 e até o desastre da nova matriz heterodoxa, em meados de 2012, os juros e as metas de inflação funcionaram como âncora. Após 2016, o regime de metas que ancorava as expectativas de inflação ganhou ajuda da política fiscal por via do teto de gastos, que deu ao país uma esperança quanto ao equilíbrio de longo prazo das contas públicas.

Executivo e Legislativo têm sabotado continuamente o teto de gastos, e o Brasil todo está colhendo as consequências da inflação cheia do IPCA, nos índices de difusão de preços e nos núcleos de inflação que têm elevado o custo de vida em todo o território nacional. Uma consequência secundária da irresponsabilidade é a política monetária, extremamente contracionista, que o BC terá que empreender para atenuar os efeitos do populismo político e fiscal sobre os preços. É preciso reancorar a macroeconomia do país.

*Mestre em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU)

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/10/4957764-artigo-uma-ancora-para-a-inflacao.html