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Vinicius Torres Freire: Irmã da 'vacina do Doria' tem 79% de eficácia, mas faltam muitos dados

Irmã da Coronavac, a vacina do Doria, tem 79% de eficácia, mas falta informação

Uma das vacinas da estatal chinesa Sinopharm teria 79,34% de eficácia, segundo afirmou a empresa nesta quarta-feira (30) em uma nota de escassas e frustrantes vinte linhas. O produto é irmão da Coronavac, comprada pelo governo paulista e que já está sendo produzida pelo Instituto Butantan.

As vacinas são muito semelhantes; é possível esperar resultado similar da Coronavac, em uma especulação esperançosa, mas razoável, dizem dois imunologistas brasileiros ouvidos por este jornalista. As duas irmãs chinesas são feitas da mesma maneira, com vírus inativados.

O vírus é multiplicado em uma cultura de células, na mesma linhagem de células originadas do rim do macaco-verde africano e usadas faz quase 60 anos em pesquisa biotecnológica. O vírus depois é inativado (perde o poder de se replicar e causar doença) com a mesma substância, beta-propriolactona, mas mantém sua estrutura e, assim, ainda pode suscitar uma reação do sistema de defesa (imunológico). Os vírus inativados são misturados ao mesmo tipo de adjuvante, algum composto de alumínio, que facilita a ação da vacina. A diferença entre as duas pode ser a dosagem e o tempo entre as duas injeções necessárias.

Estudos sobre as fases 1 e 2 dessas duas chinesas foram publicados em duas revistas científicas de peso (“Jama” e “The Lancet”), mas nada que preste saiu sobre a fase 3.

Os Emirados Árabes Unidos disseram que seu teste fase 3 da Sinopharm deu 86% de eficácia. Aprovaram a vacina e começaram a aplicá-la no povo, assim como o Bahrain. Mas apenas nesta quarta-feira a Sinopharm pediu a aprovação da Anvisa deles, embora a China já tenha aplicado o imunizante em centenas de milhares de pessoas sob alto risco de infecção.

A Turquia abriu resultados preliminares e precários da fase 3 da Coronavac, que teria tido por lá eficácia de 91,75%. No Brasil, como soubemos pelo anúncio do governo paulista, a eficácia teria sido de mais de 50% e menos de 90%, uma distância amazônica. Por “eficácia” entenda-se por ora a capacidade de evitar doença sintomática. Não sabemos ainda se qualquer vacina para Covid-19 impede que um vacinado e doente assintomático transmita a doença.

A vacina americana da Moderna tem 94% de eficácia; a anglo-turco-alemã da Pfizer/BioNTech, 95%. São imunizantes feitos com tecnologia inédita. As chinesas usam técnicas testadas com sucesso faz pelo menos 70 anos, como na vacina da pólio, por exemplo.

Apesar de fabricadas da mesma maneira, faltam informações básicas sobre as duas chinesas. Por que os dados de eficácia da Coronavac e da vacina da Sinopharm são diferentes em cada país? Pode ser por causa do número de pessoas que participaram do teste, do tamanho da epidemia em cada país, do período de observação (duração) do experimento. Não sabemos.

Como os dados sobre a Coronavac e do produto da Sinopharm devem ser publicados em revistas científicas, não é razoável esperar mutreta no estudo técnico ou que os dados divulgados agora tenham sido turbinados. Mas vimos como foram bagunçados os dados da vacina da AstraZeneca/ Oxford. É o produto comprado pelo governo federal e aprovado também nesta quarta-feira pelo governo britânico, o que é bom sinal, embora até agora não saibamos também da eficácia precisa desse imunizante.

Isso quer dizer que as vacinas são ruins? Não. Quer dizer que ainda não temos os resultados finais. Quando tivermos os dados e as injeções, ainda teremos de enfrentar o governo e os generais da morte.


Ascânio Seleme: Bolsonaro criminoso

Presidente mentiu categoricamente ao afirmar que a CoronaVac causava morte

A contabilidade passava de uma dúzia de crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República quando ele deu uma freada por orientação do Centrão. Não porque não tivesse outras barbaridades para dizer, mais ameaças a proferir, novos crimes para cometer. Mas sim porque precisava dar uma envernizada no seu perfil para que o agrupamento mais fisiológico do Congresso pudesse dele se aproximar. Há dois dias, o escorpião venenoso não conseguiu se conter e voltou a seu estado natural de irresponsável maior da República. Desta vez, o alvo do seu atentado criminoso não foi o Congresso, o Supremo ou a democracia. Agora, ele preferiu golpear a saúde do povo brasileiro.

Além de festejar um hipotético fracasso da vacina que está sendo testada pelo Instituto Butantan, órgão do governo de São Paulo, onde identifica um inimigo na figura do governador, disse em rede social que ganhava mais uma sobre João Doria. E mentiu categoricamente ao afirmar que a CoronaVac causava morte, invalidez e anomalias. Foi um crime contra a dignidade, a honra e o decoro do cargo que ocupa, previsto na lei do impeachment. Mas deste mato não sai cachorro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, único com poder para dar andamento a pedidos de afastamento do presidente, já sentou em cima de mais de 30. Se um novo ocorrer, vai ser aquecido sob a mesma pilha gorda.

Talvez o Tribunal de Contas da União possa identificar um outro crime, de interferência indevida do presidente numa agência reguladora, se tocar para valer a investigação solicitada pelo Ministério Público. Difícil não enxergar essa interferência diante do que se viu antes e logo depois da decisão da Anvisa de suspender as pesquisas do Butantan. Para começar, a nota noturna da Anvisa suspendendo os testes já apontava o caminho pelo qual transitaria o capitão logo em seguida. Ao afirmar que houve um evento adverso grave, e mesmo já sabendo se tratar de possível suicídio, listou o que podem ser esses eventos (morte, invalidez, anomalias), dando munição a Bolsonaro.

Todos os erros cometidos pela Anvisa parecem deliberados. 1) A agência não esperou nem sequer o amanhecer para tomar a decisão de suspender a pesquisa. 2) A Anvisa não aceitou a ponderação do Butantan sobre a morte do homem que testara a vacina por não a considerar formal (queria um boletim de ocorrência da polícia), ao contrário do Comitê Internacional Independente e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. 3) O contra-almirante Antônio Barra Torres, presidente da agência, disse não ser parceiro do Butantan. Patético. Os responsáveis pelos testes mereciam confiança, e o BO poderia se ver depois; claro que a Anvisa poderia esperar mais detalhes antes de suspender os testes. E, evidentemente, todos deveriam estar do mesmo lado contra a pandemia.

O contra-almirante e os dois subordinados que deram entrevista explicando a decisão apressada foram instrumentos do presidente. O que Bolsonaro queria era ter um ganho político sobre Doria na reta final da eleição municipal. Seu candidato a prefeito de São Paulo, Celso Russomanno, vai tão mal que talvez nem chegue ao segundo turno. Doria, por sua vez, torce para que ele avance e seja o adversário de Bruno Covas, para dar uma coça em Bolsonaro. As explicações da trinca da Anvisa, Barra Torres, Alessandra Bastos Soares e Gustavo Mendes, na entrevista de terça-feira foram ridículas. Mesmo sabendo desde a véspera que a morte não se devia à vacina, insistiram que o aspecto formal era inevitável. Não era. Tanto que recuaram 24 horas depois.

Sabia-se desde sempre que o contra-almirante era um bolsonarista sem máscaras. Nos bastidores da Anvisa comenta-se que o mandato da diretora Alessandra Bastos Soares vence em abril do ano que vem, e ela busca sua recondução para o cargo. Talvez isso explique a condescendência com decisão baseada em premissas tão frágeis. Sobre o papel do técnico Gustavo Mendes, que disse na entrevista estar falando em nome de todos os seus colegas sem apresentar procuração, sabe-se na Anvisa que ele é daqueles quadros em que os chefes podem sempre confiar.


Bernardo Mello Franco: A captura da Anvisa

O bolsonarismo já havia capturado a Polícia Federal, a Receita Federal, a Procuradoria-Geral da República e a Abin. Agora chegou a vez da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Numa decisão exótica, a Anvisa ordenou a suspensão dos testes da CoronaVac, vacina desenvolvida pela chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan. A agência atribuiu a medida à morte de um voluntário. Era um pretexto enganoso. De acordo com a polícia, o homem cometeu suicídio.

O presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, disse que a decisão de interromper os estudos clínicos foi “técnica”. Ele é contra-almirante e aliado próximo de Bolsonaro no governo. Em março, acompanhou o presidente numa manifestação golpista em frente ao Planalto. Os dois desfilaram sem máscara, desrespeitando as recomendações sanitárias.

O capitão trava uma guerra contra a CoronaVac. No fim de outubro, ele humilhou o ministro Eduardo Pazuello, que havia anunciado a compra de 46 milhões de doses do imunizante. Mandou cancelar o negócio e disse que não bancaria a “vacina chinesa de João Doria”.

Ontem a desfaçatez foi ainda maior. Bolsonaro festejou a suspensão dos testes — e a morte do voluntário — como se comemorasse um gol na arquibancada. “O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, celebrou.

Na campanha, o presidente prometeu acabar com o “aparelhamento” no governo federal. No poder, ele submete órgãos de Estado para proteger os filhos e atingir adversários políticos. Na guerra das vacinas, o alvo é o governador de São Paulo. A Anvisa mirou Doria e acertou o Butantan, que tem 119 anos de serviços prestados à ciência e à saúde.

Enquanto a oposição sonha com 2022, o capitão avança com seu projeto de destruição nacional. Ontem ele definiu o Brasil como um “país de maricas”. Em seguida, ameaçou declarar guerra aos Estados Unidos. Depois de 19 minutos de surto, deixou escapar duas frases sensatas: “Não estou preocupado com a minha biografia. Se é que eu tenho biografia”.


Míriam Leitão: Um presidente que atormenta

O Brasil está vivendo a maior tragédia de saúde pública em um século, e o presidente comemora. Há 162 mil mortos, e o presidente diz “mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Não há vitória para qualquer pessoa num país que conta seus mortos. Esta é uma guerra pela vida que deveria unir, que tinha que seguir o comando apenas da ciência e da medicina. O drama que levou uma pessoa de apenas 33 anos não pode ser vitória de ninguém. Esta não é a primeira vez que Bolsonaro atenta contra a saúde pública espalhando descrédito contra uma vacina que pode vir a ser aprovada, não é a primeira vez que ele trata essa calamidade nacional como se fosse uma disputa de egos ou o palanque antecipado de 2022.

Até quando as instituições vão ignorar o fato de que há crime envolvido nisso? Vários crimes. Tipificados e arrolados no Código Penal para quem ameaça a saúde pública e o faz dessa forma, insistente e cotidianamente. Desde o início da pandemia, o presidente Bolsonaro cometeu inúmeros absurdos como o de combater a proteção contra o vírus. Ontem o país amanheceu com mais um tormento criado por ele.

Ele postou que a vacina que está sendo pesquisada pelo Instituto Butantan e a Sinovac na China traz “morte, invalidez e anomalia”. Não há qualquer comprovação. A postagem delinquente diz ainda que essa é a vacina que o “Dória queria obrigar a todos os paulistanos a tomá-la”. Com essas palavras ele está considerando a suspensão da Anvisa como definitiva? E termina com a frase horrenda, dadas as circunstâncias envolvidas, a de que é “mais uma que Bolsonaro ganha”.

A consequência foi lançar sobre a Anvisa a dúvida da politização. Os brasileiros precisam da Anvisa técnica, mais do que nunca. Os servidores certamente vão seguir seus protocolos com responsabilidade. Mas o evento cria uma névoa sobre a agência. Em nenhum momento, na entrevista de ontem, a Anvisa esclareceu que não considera que a vacina cause o que o presidente insinuou. O contra-almirante Antonio Barra Torres, para defender a agência que preside, deveria negar o que o presidente disse. Preferiu a tangente, ao dizer que não teceria comentários sobre questões políticas. Mas o que Bolsonaro tinha dito era um diagnóstico: “morte, invalidez e anomalia.” Se causa tudo isso, ele tem que dizer. Se não há qualquer indício, ele tem que dizer.

E por que ele não diz? Não é para proteger a Anvisa de contaminação política. Ele é o caminho dessa contaminação. Barra Torres foi o mesmo que participou de uma manifestação antidemocrática ao lado de Bolsonaro, sem máscara, gerando aglomeração no meio de uma pandemia.

Os testes com uma das vacinas mais promissoras foram suspensos pela Anvisa numa decisão que ainda não foi completamente esclarecida. A agência diz que seguiu o protocolo, já que houve um “evento adverso grave”. O Instituto Butantan disse que enviou o comunicado no dia 6, e que na segunda-feira, dia 9, às 20h40, recebeu a resposta de que os testes estavam suspensos. A Anvisa diz que o ataque de hacker impediu que ela recebesse no dia 6. O Instituto disse que como a agência havia convocado a reunião para a manhã de ontem, poderia ter esperado a conversa. A causa da morte do voluntário, segundo o IML, foi suicídio, portanto, sem relação com a vacina em si. Tudo isso poderia ser apenas — e já seria grave no contexto de uma pandemia — desentendimento burocrático entre o regulador e o produtor de vacinas. Mas o presidente da República tornou tudo mais grave.

Numa pandemia, o Brasil precisa manter a confiança na Anvisa e no Instituto Butantan. Se a Anvisa autorizar e o instituto produzir, a credibilidade dos dois órgãos será fundamental para que os brasileiros se imunizem. Da mesma forma o país precisa ter confiança no imunizante a ser produzido pela Fiocruz. Ou qualquer outro que seja importado pelo governo.

O Brasil tem um presidente que atormenta, que escolheu fazer parte do problema e não da solução. Ele politizou o Ministério da Saúde e o transformou numa sombra do que já foi, brincou com essa doença como se ela não tivesse a seriedade que tem, inoculou em seus seguidores a desconfiança na ciência e nas vacinas, prescreveu remédios sem comprovação científica, estimulou aglomeração e maus hábitos. O que falta para Jair Bolsonaro entender a dor do Brasil?


William Waack: A cor da vacina

Bolsonaro ignora que o eleitor é mais pragmático do que ele pensa

Por ter muita raiva da China ou de João Doria, o rompante de Jair Bolsonaro prometendo que não vai comprar a vacina chinesa – desautorizando o general da Saúde – ajuda a entender a razão de capitães comandarem uma companhia, enquanto generais comandam divisões, exércitos, grupos de exércitos. É a falta de visão de conjunto.

Bolsonaro submeteu tudo ao projeto de reeleição, confundindo seu destino político com o do País. É postura comum a políticos de várias colorações, mas, no caso de Bolsonaro, a obsessão com o ganho eleitoral de curtíssimo prazo paradoxalmente ameaça seu próprio projeto de reeleição. A popularidade desse presidente, como a de outros, está diretamente ligada ao desempenho da economia, e esse desempenho (até o fim de 2022, digamos) é função de uma série de decisões políticas difíceis que ele está protelando – em nome do conforto da popularidade no curto prazo.

Da mesma maneira, mais atrapalha do que ajuda a economia brasileira, que depende em grande parte do agronegócio, que depende em grande parte da China, alinhar-se à agenda pessoal do atual presidente americano, Donald Trump. Nem é o caso de se perguntar se esse personagem estará ainda na Casa Branca daqui a menos de duas semanas. Mesmo que Trump produza um excepcional milagre eleitoral e se reeleja, ao abraçá-lo da forma subserviente e bajuladora, Bolsonaro comete um erro básico de política externa: ignorar o fato de que países não têm amigos, só têm interesses.

Ao que tudo indica, está perdida a aposta bastante simplória de que o “laço pessoal” com o homem mais poderoso do mundo presidindo o país mais rico do mundo traria ao Brasil imediatas vantagens em acesso a tecnologia, mercados, instituições multilaterais e projeção no cenário internacional. No caso específico da China (que hoje é quem tem o homem mais poderoso do mundo e a maior economia), a pressão de Trump sobre o Brasil evidentemente leva em conta apenas os interesses dos Estados Unidos, enquanto Bolsonaro sacrifica um vantajoso ponto de partida, que é a possibilidade de jogar entre os dois no grande confronto do século.

Aqui entra também a questão da “diplomacia da vacina”, na qual os chineses já demonstram notável vantagem sobre os americanos. Ao contrário dos Estados Unidos, a China está anunciando “acesso preferencial” à vacina produzida pela Sinovac a países em desenvolvimento. Washington tem à disposição produtos semelhantes desenvolvidos por empresas privadas de sólida reputação mundial, mas demonstrou pouco interesse em distribuir vacinas fora dos EUA.

O Brasil é parte dessa abrangente ofensiva chinesa, com a qual Xi Jinping pretende ampliar ainda mais peso e influência do país, mas o que parece motivar Bolsonaro a falar mal da vacina comandada pelo governo comunista chinês não é o espectro (sim, esse absurdo transita em franjas do bolsonarismo) de uma “inoculação” de ideias esquerdistas via vacina. Ele teme uma candidatura para competir com ele “pela direita” e, seja qual for a razão, enxerga em Doria esse personagem.

Essa visão de túnel considerando apenas a reeleição é o que faz Bolsonaro ignorar um provérbio… chinês. Usado, aliás, de maneira célebre por um importante dirigente comunista, Deng Xiaoping, iniciador das reformas que fizeram da China o que ela é hoje, e que virou lição de pragmatismo. “Não me importa a cor do gato, contanto que pegue o rato”, respondeu, quando indagado sobre o melhor sistema econômico.

Para uma parcela importante do eleitorado também no Brasil, assustada com pandemia, pouco importa a origem da vacina, contanto que ajude a resolver uma questão literalmente de vida ou morte. Bolsonaro parece ignorar que o eleitor é mais pragmático do que ele pensa.

*JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN