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Cartão bolsa família | Foto: Agência Brasil

Pedro Fernando Nery: Defenda o Bolsa Família

Programa tem expertise e capilaridade para ser usado como instrumento contra a crise

Ele foi responsável por 10% da redução de desigualdade entre 2001 e 2015, e por tornar menos insuportável a pobreza de milhões – segundo estudo do Ipea e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. É um feito notável para um programa que custa menos de 0,5% do PIB. Principal mecanismo de proteção de renda de informais e desempregados, o Bolsa Família chega já em crise para atender à crise do coronavírus.

Ele custa um décimo do gasto com funcionários públicos, e cerca da metade da isenção de lucros e dividendos que beneficia a elite que não paga imposto de renda na pessoa física. Mas tem enfrentado cortes. As filas são antigas: Temer conseguiu zerar, mas já à custa de exclusões. Elas voltaram, em meio à recuperação econômica desigual.

No atual governo, o Bolsa Família recebeu um 13.º maldito. Um pagamento adicional, promessa de campanha, seria louvável – desde que houvesse orçamento adicional. Sem a complementação, o 13.º implicou exclusão: famílias comprovadamente pobres ficaram sem receber nada para que outras recebessem o pagamento adicional.

Para piorar a falta de complementação, os escassos novos pagamentos de 2020 se centralizaram nas regiões mais ricas, apesar de filas gigantes no Nordeste. É que o critério de concessão ignora completamente as filas, e usa estimativas de pobreza baseadas no Censo de 2010. De lá para cá, o País viveu a recessão de 2015-16, que afetou mais o Nordeste, quando a recuperação favoreceu mais o Centro-Sul.

Por isso, dos 100 mil novos benefícios concedidos em janeiro, Santa Catarina – com o menor desemprego do País – recebeu 6 mil, o dobro de toda a Região Nordeste. O Piauí recebeu 86. Se 12% da fila catarinense foi atendida, somente 0,1% da fila piauiense o foi. Três milhões e meio de brasileiros esperam para receber os benefícios: já estão habilitados, o que quer dizer que são reconhecidamente pobres.

Fisicamente, a fila do Bolsa poderia ocupar a distância entre Brasília e São Paulo. Ela vem depois da renda dos 5% mais pobres ter caído 40% entre 2014 e 2018 – segundo a FGV Social. É um risco político desnecessário à agenda de reformas.

Já passou da hora da fila ser zerada: é inclusive questionável que haja discricionariedade na concessão do benefício para quem já está habilitado. Nos termos da Constituição, é prioridade absoluta assegurar o direito à alimentação e à saúde das crianças – principais destinatárias do programa.

Mesmo zerar a fila é pouco agora, porque o Bolsa é o instrumento mais efetivo para repor a perda de renda da quarentena da epidemia. Primeiro, porque não exige carteira assinada, podendo ser recebido pelos informais. Até por essa focalização, é a despesa pública com maior multiplicador conhecido em curto prazo sobre o consumo e o PIB. Segundo, porque atende a crianças, um público que fica em insegurança alimentar quando as escolas fecham.

Em terceiro lugar, porque dado o grau de incerteza da evolução da epidemia, a resposta econômica à covid-19 precisa ser desejável por si. Boas propostas de reforma do Bolsa Família já tramitavam desde o ano passado. Elas miram a constitucionalização antifilas e o combate à pobreza intermitente, flexibilizando as linhas duras para acesso ao programa (que também desincentivam portas de saída).

O debate da sustentação da renda dos informais durante a pandemia vai apresentar a muitos brasileiros a modéstia dessa rede de proteção. O Bolsa Família paga benefícios de R$ 89 por mês, para as famílias que vivem com menos de R$ 89 por pessoa (extrema pobreza). As famílias que estão “só” na pobreza (menos de R$ 178 por pessoa) apenas recebem se tiverem crianças ou grávidas. O valor é de R$ 41 por dependente, um milésimo do teto remuneratório no serviço público.

O programa conta com capilaridade e expertise para ser usado como instrumento importante contra a crise: só o seu estigma pode explicar os que pedem uma nova transferência de renda para a pandemia. Mas ele precisa de recursos. Hoje, de cada real do Orçamento, o Bolsa leva só dois centavos. Defenda.

*Doutor em economia


Eliane Cantanhêde: Salve-se quem puder!

O mundo em guerra contra o coronavírus, mas Bolsonaro mira seus inimigos particulares

Já que o presidente Jair Bolsonaro vive sua realidade paralela, os três Poderes declaram trégua e traçam ações comuns contra os efeitos do novo coronavírus apesar dele. Com isolamento médico ou não, Bolsonaro está se isolando dos demais Poderes e ontem não participou de uma videoconferência de presidentes da América do Sul sobre a doença e a crise econômica. Enquanto isso, o vírus vai se multiplicando dentro e fora do Brasil.

Presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo se reuniram com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para ouvi-lo, traçar planos de ação e contornar a fogueira política diante do problema maior. Foi Rodrigo Maia, aliás, quem primeiro estendeu a bandeira branca, apesar de ter sido o principal alvo do presidente e dos bolsonaristas no domingo.

Bolsonaro já disse que a crise é uma “fantasia”, uma “histeria”, e considerou que tudo é “superdimensionado”, ora por “interesses econômicos”, ora pela “luta pelo poder”. Das palavras aos atos, tirou a máscara, deu de ombros para o Ministério da Saúde, abandonou o monitoramento, não esperou o segundo teste e foi confraternizar com manifestantes em frente ao Planalto.

“Se eu me contaminei, ninguém tem nada a ver com isso”, disse ontem, mas não é bem assim. O problema não é apenas ele se contaminar, é o risco de ter contaminado as 272 pessoas com quem teve contato, de acordo com levantamento do Estado. E, depois, todo mundo tem muito a ver, sim, com a saúde do presidente da República.

Ele não é uma pessoa privada, é a autoridade pública número um.

O próprio ministro da Saúde classificou protestos e eventos culturais neste momento como “completamente equivocados”. O governador Ronaldo Caiado, um dos raros a apoiar Bolsonaro, foi vaiado por manifestantes em Goiás ao lembrar, como médico, que “não se mostra apoio a governo colocando em risco sua população”. Se eles queriam pôr a própria saúde em risco, problema deles, mas sem o direito de pôr a dos outros. Cada contaminado tem poder de multiplicação do vírus.

A reação de Bolsonaro à contaminação da saúde e da economia tem sido errática, de quem não está entendendo nada nem parece muito interessado. Na terça-feira passada, declarou que era “fantasia da grande mídia”. Dois dias depois, deixou de ser fantasia e ele fez o primeiro teste e uma live com máscara. Mais dois, tirou de novo a máscara e lá se foi, sorridente, cumprimentar manifestantes contra o Supremo e o Congresso. Os contaminados da sua comitiva aos EUA já chegavam a 12.

Diante da perplexidade de Rodrigo Maia e do senador Davi Alcolumbre, abandonou de vez o vírus, a disseminação, a crise do mercado, a previsão do PIB esfarelando para bater boca pela TV com os presidentes da Câmara e do Senado. “Está em jogo uma disputa política por parte desses caras”, disse, resumindo tudo isso a uma “luta pelo poder”. Vocês sabem quem são “esses caras”.

Irritado, Bolsonaro disse que está “há 15 meses calado, apanhando”, e vai passar a revidar. O curioso foi ele dizer que passou todo o mandato calado, o que, absolutamente, não é verdade. E o mais intrigante foi ele anunciar que vai atacar e antecipou os alvos: “Grande parte da mídia, chefes do Legislativo e alguns governadores”. O mundo está em guerra contra o novo coronavírus, mas o presidente brasileiro abre uma guerra particular contra instituições e críticos.

Com o autoisolamento do presidente, são os ministros Mandetta e Paulo Guedes, além de Maia, Alcolumbre e Dias Toffoli, do STF, que vão ter de segurar a onda, ou o tsunami. Mandetta sobrevive bem, mas o conceito de Guedes já foi melhor e o dos demais vem sendo sistematicamente atingido pelo presidente, seu entorno e a tropa bolsonarista. Logo, salve-se quem puder!


Agência Fapesp: Cientistas brasileiros estão desenvolvendo vacina contra o coronavírus

Pesquisa financiada pela Fapesp utiliza estratégia diferente da indústria farmacêutica e de outras equipes do exterior. Meta é começar testes em animais já nos próximos meses

Pesquisadores do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) estão desenvolvendo uma vacina contra o coronavírus causador da síndrome respiratória aguda grave, o Sars-CoV-2.

Por meio de uma estratégia diferente da adotada por indústrias farmacêuticas e grupos de pesquisa em diversos países, os cientistas brasileiros esperam acelerar o desenvolvimento e conseguir chegar, nos próximos meses, a uma candidata a vacina contra o novo coronavírus que possa ser testada em animais.

“Acreditamos que a estratégia que estamos empregando para participar desse esforço mundial para desenvolver uma candidata a vacina contra a Covid-19 é muito promissora e poderá induzir uma resposta imunológica melhor do que a de outras propostas que têm surgido, baseadas fundamentalmente em vacinas de mRNA”, disse à Agência FapespJorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Incor e coordenador do projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Utilizada no desenvolvimento da primeira vacina experimental contra o Sars-CoV-2, anunciada no fim de fevereiro nos Estados Unidos, a plataforma tecnológica de mRNA se baseia na inserção na vacina de moléculas sintéticas de RNA mensageiro (mRNA) ― que contêm as instruções para produção de alguma proteína reconhecível pelo sistema imunológico.

A ideia é que o sistema imunológico reconheça essas proteínas artificiais para posteriormente identificar e combater o coronavírus real. Já a plataforma que será utilizada pelos pesquisadores do Incor é fundamentada no uso de partículas semelhantes a vírus (VLPs, na sigla em inglês de virus like particles).

As VLPs são estruturas multiproteicas que possuem características semelhantes às de um vírus e, por isso, são facilmente reconhecidas pelas células do sistema imune. Porém, não têm material genético do vírus, o que impossibilita a replicação. Por isso, são seguras para o desenvolvimento de vacinas.

“Em geral, as vacinas tradicionais, baseadas em vírus atenuados ou inativados, como a do influenza [causador da gripe], têm demonstrado excelente imunogenicidade, e o conhecimento das características delas serve de parâmetro para o desenvolvimento bem-sucedido de novas plataformas vacinais”, afirmou Gustavo Cabral, pesquisador responsável pelo projeto.

“Mas, neste momento, em que estamos lidando com um vírus pouco conhecido, por questões de segurança é preciso evitar inserir material genético no corpo humano para evitar eventos adversos, como multiplicação viral e possivelmente reversão genética da virulência. Por isso, as formas alternativas para o desenvolvimento da vacina anti-Covid-19 devem priorizar, além da eficiência, a segurança”, ressaltou Cabral.

A fim de permitir que sejam reconhecidas pelo sistema imunológico e gerem uma resposta contra o coronavírus, as VLPs são inoculadas juntamente com antígenos ― substâncias que, ao serem introduzidas no corpo humano fazem com que o sistema imune produza anticorpos.

Dessa forma, é possível unir as características de adjuvante dos VLPs com a especificidade do antígeno. Além disso, as VLPs, por serem componentes biológicos naturais e seguros, são facilmente degradadas. “Com essa estratégia é possível direcionar o sistema imunológico para reconhecer as VLPs conjugadas a antígenos como uma ameaça e desencadear a resposta imune de forma eficaz e segura”, explicou Cabral.

Plataforma de antígenos
Especialista em imunologia, Gustavo Cabral fez nos últimos cinco anos pós-doutorados nas universidades de Oxford, na Inglaterra, e de Berna, na Suíça, onde desenvolveu candidatas a vacinas utilizando VLPs contra doenças, como a causada pelo vírus zika. Por meio de um projeto apoiado pela Fapesp, retornou ao Brasil onde iniciou no laboratório de imunologia do Incor, no começo de fevereiro, um estudo voltado a desenvolver vacinas contra Streptococcus pyogenes ― causador da febre reumática e da cardiopatia reumática crônica ― e chikungunya utilizando VLPs. Com a pandemia do Covid-19, o projeto foi redirecionado para desenvolver uma vacina contra o novo coronavírus.

O projeto também teve a participação de Edécio Cunha Neto, professor do Incor e pesquisador do Laboratório de Imunologia da instituição, que participou da decisão da abordagem do Covid-19 no projeto de Cabral e do delineamento experimental da vacina. “O objetivo é desenvolver uma plataforma de entrega de antígenos para células do sistema imune de forma extremamente fácil e rápida e que possa servir para desenvolver vacina não só contra a Covid-19, mas também para outras doenças emergentes”, ressaltou Cabral.

Os antígenos do novo coronavírus estão sendo produzidos a partir da identificação de regiões da estrutura do vírus que interagem com as células e permitem a entrada dele, as chamadas proteínas spike. Essas proteínas, que são protuberâncias pontiagudas ao redor do envelope viral, resultam um formato de coroa que conferiu o nome corona a esse grupo de vírus.

Após a identificação dessas proteínas spike, são extraídos fragmentos delas que são conjugadas às VLPs. Por meio de testes com o plasma sanguíneo de pacientes infectados pelo novo coronavírus é possível verificar quais fragmentos induzem uma resposta protetora e, dessa forma, servem como potenciais candidatos a antígenos. “Já estamos sintetizando esses antígenos e vamos testá-los em soro de pacientes infectados”, afirmou Cabral.

Após a realização dos testes em camundongos e comprovada a eficácia da vacina, os pesquisadores pretendem estabelecer colaborações com outras instituições de pesquisa para acelerar o desenvolvimento. “Após comprovarmos que a vacina neutraliza o vírus, vamos procurar associações no Brasil e no exterior para encurtarmos o caminho e desenvolver o mais rápido possível uma candidata a vacina contra a Covid-19”, disse Kalil. O pesquisador é coordenador do Instituto de Investigação em Imunologia, sediado no Incor – um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) apoiados pela Fapesp e pelo CNPq no Estado de São Paulo.


Luiz Carlos Azedo: Faça a coisa certa

“Bolsonaro faz tudo ao contrário. Depois de quebrar o isolamento e apertar as mãos de mais de duzentos manifestantes, disse que, se contrair o coronavírus, ninguém tem nada com isso”

Qualquer coisa para dar certo precisa do conceito correto, o método adequado e um ambiente favorável. O esforço para evitar que a pandemia de coronavírus se transforme numa tragédia social e em longa recessão não foge à regra. A externalidade mais negativa é a anunciada recessão da economia mundial, cujo impacto já está sendo sentindo no câmbio, com o dólar acima dos R$ 5, e a Bovespa despencando 14%, ontem. A pandemia de coronavírus já é uma realidade interna, pois a chamada “transmissão comunitária” começou em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O crescimento da epidemia é exponencial: no balanço de ontem, o Ministério da Saúde confirmou a existência de 234 casos, sendo 152 em São Paulo, o estado mais populoso, mais rico e mais aparelhado; no Rio, são 31. A idade média dos infectados é 40 anos. O cenário de “transmissão comunitária” ocorre quando não se sabe quem foi o transmissor da doença. O Ministério da Saúde está trabalhando com o conceito correto para enfrentar a doença, como a maioria dos governadores e prefeitos, que estão tomando medidas para aumentar o distanciamento social e assim “achatar” a curva da epidemia, ou seja, fazer com que a propagação ocorra de forma mais lenta e seja interrompida.

Essa é a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), adotada com base nos casos asiáticos, sobretudo da China e da Coreia do Sul. No primeiro exemplo, houve tudo, por isso mesmo, os estudos mostram situações muito diferenciadas e não somente o caso dramático de Wuhan; no segundo, uma epidemia com a menor taxa de letalidade: 0,6%. Na Europa, as autoridades relutaram em adotar a estratégia de distanciamento social, mas o caso da Itália e a propagação da doença nos demais países fizeram com que a ficha caísse. Ontem, o presidente da França, Emmanuel Macron, em pronunciamento dramático e exemplar, conclamou os franceses a lutarem contra o coronavírus como quem vai à guerra.

Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump corre atrás do prejuízo. Ontem, admitiu que ainda é impossível prever quanto tempo vai durar a crise do coronavírus e que os EUA podem caminhar para uma recessão por causa disso. O governo adotou novas recomendações para os próximos 15 dias, entre elas a de evitar qualquer tipo de reunião social com mais de 10 pessoas. Os governadores foram instruídos a fechar escolas em todas as áreas próximas a qualquer sinal de que uma comunidade tenha sido afetada por algum caso. Nesses locais, deverão ser fechados bares, restaurantes, praças de alimentação, academias e outros ambientes fechados onde haja reuniões de grupos. Trump pediu ainda que as pessoas estudem em casa, evitem viajar e comer fora.

Fator de risco
No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro faz tudo ao contrário. Depois de cumprimentar mais de 200 apoiadores e endossar as manifestações realizadas no domingo passado, em entrevistas, chegou a dizer que, se contrair o coronavírus, ninguém teria nada a ver com isso, que as pessoas não podem ser impedidas de ir às ruas, e por aí vai. Manteve o foco nos seus interesses políticos mais imediatos. Bolsonaro trabalha com o conceito errado. Ao contrário do que disse, a sociedade inteira tem a ver com o que o presidente da República fala e faz, não apenas seus apoiadores de extrema direita mais fanáticos. Cabe a Bolsonaro liderar o esforço do governo para conter o coronavírus.

Não é preciso entrar no mérito das razões subjetivas ou psicológicas que levam um presidente da República a tomar atitudes que não são pautadas pela racionalidade, o importante é identificar a razão da falta de foco na verdadeira solução dos problemas: Bolsonaro não acredita na ciência. Não há nenhuma questão nacional relevante na qual suas concepções ideológicas e religiosas não subordinem as evidências científicas. A situação somente não é mais grave porque o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, vem fazendo a coisa certa. Um alento, porém, foram as medidas anunciadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes: serão empregados R$ 147,3 bilhões em medidas emergenciais para socorrer setores da economia e grupos de cidadãos mais vulneráveis, além de evitar a alta do desemprego.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/faca-a-coisa-certa/


El País: Bolsonaro insiste que crise do coronavírus é “histeria”, e ex-aliados sugerem seu afastamento

El P

O presidente Jair Bolsonaro comprou para si uma crise extra com a sua saída do Palácio do Planalto, no último domingo, para abraçar e tirar selfies com populares em uma manifestação de apoio ao seu Governo. Se ficou bem com aqueles que não se importaram em estender a mão para cumprimentá-lo —apesar de 13 pessoas da comitiva que o acompanhou aos Estados Unidos terem sido contagiadas com o coronavírus— Bolsonaro perdeu o respeito de antigos aliados. Entre elas, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), que quase foi sua candidata a vice durante as eleições de 2018.

Nesta segunda, Paschoal propôs que Bolsonaro deixasse o poder para alguém “capaz de conduzir a nação.“ "As autoridades têm de se unir e pedir para ele [Bolsonaro] se afastar. Não temos tempo para um processo de impeachment”, afirmou Paschoal, que fez um discurso na tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo. “Estamos sendo invadidos por um inimigo invisível [o coronavírus]. Precisamos de gente capaz de conduzir a nação. Quero crer que [o vice-presidente Hamilton] Mourão pode fazer isso por nós”, completou.

Se a deputada rejeita a ideia de impeachment, outros desafetos do presidente veem nesse processo o caminho natural para Bolsonaro depois de seu gesto de indiferença com a crise do coronavírus neste domingo. O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), seu ex-aliado, promete entregar nesta terça-feira um pedido de afastamento do presidente ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Bolsonaro, contudo, não acredita que será afastado por acreditar que tem “o povo” ao seu lado e os atos de populares a seu favor neste domingo seriam a prova. O mandatário teima em enxergar que cometeu erros, inclusive ao cumprimentar pessoalmente os seus apoiadores. Em entrevista ao jornalista Luiz Datena, na rádio Bandeirantes, o presidente falou por longos 50 minutos, e admitiu que fará um segundo teste esta semana para o coronavírus. Em momento algum cogitou que pudesse ele mesmo transmitir o vírus para os populares que foram celebrá-lo na porta do Palácio do Planalto. Ao contrário, insinua que se colocou ele mesmo em risco para respeitar o público. “Se eu me contaminei, é responsabilidade minha. Ninguém tem nada com isso”, afirmou Bolsonaro.

Mantendo o tom desafiador, minimizou as críticas que lhe são atribuídas e tratou novamente como “histeria” a preocupação com a expansão do coronavírus. “Você tem um caos muito maior. Se economia afundar, afunda o Brasil. E qual é o interesse? Dessas lideranças políticas [que o criticam]? Se afundar a economia, acaba o meu Governo”, diz ele, que atribui a preocupação com o coronavírus a uma guerra de poder. Perguntado se poderia fechar fronteiras, como o fizeram outros países, entre eles alguns com menos casos do vírus que o Brasil, Bolsonaro disse que o Brasil não tem espaço de lei para fechar.

Questionado sobre a postura do presidente diante da crise, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo Reis, negou-se a comentar. “O Ministério da Saúde não avalia manifestações do presidente. Vou falar sobre qualquer coisa que diga respeito à saúde pública, não vou falar sobre comportamento das pessoas, muito menos do presidente”.

Apesar de classificar de “histeria” a preocupação com o coronavírus, o Governo decidiu criar um gabinete de crise, que avalia em tempo real a evolução da doença —já são 234 casos no país—, e anunciou um pacote de medidas econômicas que pretende injetar 147 milhões de reais na economia. A ideia é atenuar a oscilação nos mercados. A Bovespa acionou o circuit breaker (uma interrupção automática dos negócios após queda vertiginosa das ações) pela quinta vez este mês, fechando com redução de quase 13%. Pela primeira vez no ano, o dólar fechou em 5 reais nesta segunda.

Isolamento
Se o presidente fez pontos com seus apoiadores mais radicais que foram às ruas, entre a cúpula dos poderes a tentativa é de isolá-lo para deixar seus técnicos trabalharem. Um exemplo disso foi uma reunião de emergência que ocorreu na tarde desta segunda-feira no Supremo Tribunal Federal, do qual participaram o presidente e o vice da Corte, Dias Toffoli e Luiz Fux, além dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. O Executivo foi representado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Alcolumbre e Maia se queixaram de que Bolsonaro tem estimulado o acirramento entre os poderes, o que foi reforçado por sua participação na manifestação de domingo e em uma entrevista dada à CNN Brasil, na qual ele diz que esses dois parlamentares deveriam ir para as ruas para ouvir a população.

Na esfera regional, Bolsonaro também demonstrou que não está interessado em unir forças com outros países sul-americanos. Desde Santiago, no Chile, o presidente Sebástian Piñera coordenou uma reunião do Prosul (Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Guiana e Chile). Com exceção do Brasil, os presidentes dos demais países do grupo participaram da reunião por teleconferência. Bolsonaro determinou que Mandetta e o chanceler Ernesto Araújo o representassem. Nesse encontro, o grupo concordou em coordenar a adoção de medidas para a proteção de fronteiras, facilitar os retornos dos nacionais a seus respectivos países, estabelecer políticas de compras conjuntas de insumos médicos e aumentar a capacidade de diagnósticos dos possíveis infectados.

Na contramão de outros países da América do Sul, o Brasil não deverá fechar suas fronteiras para evitar a disseminação do novo coronavírus. Peru, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai impuseram restrições para a entrada de estrangeiros. Segundo o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo Reis, o país está se preparando para receber estrangeiros que precisem de assistência, como quatro argentinos e dois uruguaios que estão em um cruzeiro atracado em Recife com casos suspeitos de coronavírus. O ministro Luiz Henrique Mandetta declarou ser contrário à medida. “Se for partir para fechar tudo, sai todo mundo correndo”.


Leandro Colon: Gesto de Bolsonaro deveria envergonhar ministros que combatem coronavírus

Presidente quebra os protocolos de combate à doença e dá os piores exemplos

Enquanto o planeta Terra acelera o processo de confinamento de sua população para estancar a disseminação do coronavírus, Jair Bolsonaro quebra os protocolos de combate à doença e dá os piores exemplos ao país que preside.

Neste domingo (15), ele saiu do isolamento recomendável a quem fará novo teste. Ao menos 12 pessoas ligadas à comitiva presidencial da viagem aos EUA contraíram o vírus.

Bolsonaro cumprimentou pessoas, juntou-se a aglomeração, tirou selfies, pegou em celulares, ferramenta de fácil contágio, de desconhecidos.

Antes, passeou com a estrutura oficial do comboio da Presidência, com direito a ambulância médica de acompanhamento, para inflar o buzinaço da carreata de manifestantes.

Embora grave, o componente político do gesto do presidente de estar em um ato anti-Congresso fica até menor diante da irresponsabilidade em ignorar medidas básicas para estancar a escalada do coronavírus.

Bolsonaro ainda compartilhou em suas redes imagens de protestos pró-governo, respaldando que as pessoas corram riscos, coloquem a vida de outras em perigo, na linha contrária do que os demais países têm feito para impedir a contaminação.

Já chegam a 200 os casos no Brasil. Até a conclusão deste texto, 24 eram somente no Rio de Janeiro. Pouco depois das 11h, Bolsonaro divulgou vídeo de pessoas aglomeradas em Copacabana. “Brasil acima de tudo!”, escreveu. De tudo mesmo, inclusive da pandemia assustadora.

Ato contínuo, ele publicou imagens de uma carreata em Brasília, onde há seis episódios de coronavírus.

Há pelo menos 2.000 suspeitos. O ministro Mandetta tem dado aulas de serenidade e planejamento mesmo tendo sob sua pasta uma estrutura de saúde precária para enfrentar o tsunami que vem por aí com a explosão previsível do vírus.

O ministro Paulo Guedes (Economia) estava sem rumo até sexta (13), quando anunciou algumas medidas, ainda que insuficientes, de curto prazo. Os gestos de Bolsonaro deveriam envergonhar os seus subordinados.


Luiz Roberto Nascimento Silva: A peste

A lembrança da maior epidemia da humanidade surge como memória involuntária. A “Peste Negra”no século XIV começou na Eurásia e invadiu a Europa com as caravanas de comércio do Mar Mediterrâneo e foi transmitida por ratos negros indianos. Estima-se que entre 70 a 200 milhões de pessoas morreram entre 1343 a 1353. O historiador Jacques Le Goff indica que para cada três europeus vivos, um morreu.

A medicina ocidental nesse período era mais rudimentar que a oriental. Em Veneza por exemplo, a peste encontrou um ambiente ideal por ser construída sobre as águas permitindo a propagação com rapidez. Os relatos dos autores transmitem a certeza do fim do mundo. Dramaticamente a cidade hoje é de novo das mais atingidas.

Além dos reflexos sobre a própria preservação da vida, o coranavírus causa estragos em todo ambiente econômico. As bolsas de valores renovam circuit breaks paralisando os negócios. Os juros fecham suas curvas criando rendimentos negativos. As moedas perdem seus parâmetros de referência. A crise na China, importante supridora de peças e componentes do mundo e grande compradora de commodities, interrompe enormes cadeias produtivas. Perdem-se produção, distribuição e consumo.

Impossível também não lembrar de “A Peste”, de Camus, publicado em 1947. Trata-se de um relato preciso de como uma epidemia age sobre uma cidade e sua população. A cidade de Oran, na Argélia, é de repente assolada por uma peste bubônica. Um narrador onisciente descreve a luta do Dr. Bernard Rieux e de outros personagens em auxiliar a população que reage primeiro com desinteresse e descrédito e depois com pavor, desespero e dor. Está tudo lá, vivo e atual.

Os habitantes descobrem que “a primeira coisa que a peste trouxe aos cidadãos foi o exílio... Chegava sempre um momento em que nos dávamos conta que os trens não chegavam”. O exílio e a segregação instalam-se.

A cada dia aumenta a pilha de ratos mortos e também de seres humanos. O desespero aumenta conforme as mortes vão se sucedendo e a separação dos entes queridos se prolonga. A cidade é isolada. Quem está dentro não pode mais sair, quem está fora não pode mais entrar. Paralelamente de outro lado surge solidariedade entre os trabalhadores. O personagem de Rieux deixa seus problemas pessoais para socorrer os moribundos. Num dos diálogos há uma frase que serve de advertência para todos nós. Camus lamenta que “a única maneira de juntar as pessoas ainda é mandar-lhes a peste”.

Os voos entre a Europa e os Estados Unidos estão suspensos. A Itália está sitiada; ninguém pode entrar ou sair como em Oran. Os grandes espetáculos artísticos e esportivos estão suspensos. Navios ancorados em quarentena nos portos. Os setores de serviços como restaurantes, turismo e entretenimento estão devastados.

Num mundo cada vez mais protecionista preocupado com suas fronteiras, chega a ser irônico que o inimigo não venha de fora, mas do próprio país. Não é estrangeiro que ao entrar no país traz a doença, mas o próprio cidadão. Não há muro que impeça essa invasão bárbara. O nacionalismo mostra-se impotente para conter e controlar essa nova forma de desorganização da atividade econômica.

Os países precisam aproximar-se da ciência e da informação para enfrentar o coronavírus. Seria ótimo que o mundo pudesse, além de lutar com a pandemia, buscar formas mais civilizadas de convivência que já existiram em passado recente. Isso poderia ser uma consequência benéfica do que estamos passando. Já que estamos conectados em tempo real e que, além do comércio e da comunicação, as doenças também possuem velocidade digital poderíamos refazer a frágil fronteira entre as nações.

*Luiz Roberto Nascimento Silva é advogado e foi ministro da Cultura no governo Itamar Franco


Cacá Diegues: Um alerta contemporâneo

O coronavírus é uma formação natural de um mundo que ainda não conhecemos, equivalente ao que foi a Gripe Espanhola

O planeta nunca foi o mesmo. Ao longo do tempo, temos passado ao largo dessa questão, como se ela não nos importasse para entendermos melhor onde estamos. E o que enfrentamos, a cada momento, para existir. Um simples dado ignorado sobre o planeta pode nos revelar alguma coisa fundamental sobre nós mesmos. Talvez esse simples dado, sobre a existência do que não conhecemos, nos explique o que não conseguimos explicar até agora.

O calor excessivo na Europa, as cheias no continente asiático, as recentes chuvas de inverno durante o nosso verão devem ser uma reação da natureza ao que temos feito de errado no mundo. É como se fôssemos room mates num Airbnb apertado, reclamando do comportamento um do outro. Embora não saibamos quem é esse “outro”, formado no mesmo espaço que nós. Cada fenômeno daqueles é um gesto de nossos parceiros para nos chamar a atenção para o que deve estar errado. Ou então uma simples declaração de guerra, sei lá de que tipo.

Quando nossos erros se concluem antes de um desastre final, nossos parceiros deixam pra lá, esperam que desvendemos o fracasso de nossas más ideias. Outro dia, um daqueles príncipes do Oriente Médio ofereceu ao Brasil fazer parte da Opep, a organização dos países exportadores de petróleo. O cara deve ter feito o convite porque quase ninguém mais quer saber da Opep, por causa das novas fontes de energia.

No nosso recente leilão de pré-sal, não apareceu quase ninguém. Ninguém está mais a fim de gastar fortunas na exploração de petróleo, quando o mundo desenvolve a mil, e já usa, novas fontes limpas de energia, como a a eólica e a solar. Só a Petrobras adquiriu reservas.

O novo coronavírus é um sinal desse confronto entre o que foi vantagem no passado e hoje não é mais. Ele representa uma parte da natureza que não tem nada a ver com o que é inteligente ou não, como costumamos opor os seres em nossa cultura. O coronavírus é uma formação natural de um mundo que ainda não conhecemos, equivalente ao que foi a Gripe Espanhola, no final da Primeira Guerra Mundial. Um alerta contemporâneo.

No dia 11 de novembro de 1918, era assinado o tratado de paz que encerrava a Grande Guerra. Com mais de 16 milhões de vítimas e histórias de arrepiar qualquer um de tanta violência e crueldade, essa Guerra seria responsável por um número de mortes que acabou sendo pinto perto de outra tragédia simultânea: a chamada Gripe Espanhola, que muitos acreditam ter acabado com de 30 a 50 milhões de vidas, em todos os continentes. Curiosamente, como o coronavírus, a trágica epidemia não era uma gripe, mas o resultado do surgimento e multiplicação de um vírus até então desconhecido.

Segundo historiadores da época, apesar do nome da epidemia, o vírus tinha sido trazido da costa leste americana para a Europa, pelos combatentes dos Estados Unidos, que haviam entrado na Guerra em abril de 1918. Da Europa, os navios americanos e os de seus aliados o levaram para o resto do mundo, chegando ao Rio de Janeiro no mês de setembro daquele ano, num navio britânico que deixou aqui a Gripe que não era gripe, espalhada entre as meninas da Praça Mauá. E elas a transmitiram ao resto da cidade, onde a epidemia atingiu 600 mil habitantes, mais da metade da população. Como no caso do coronavírus, os que praticavam viagens transcontinentais eram os responsáveis por espalhar o vírus fatal pelo mundo afora.

A insanidade da Guerra, agravada no último ano pela Gripe devastadora, se reflete, por exemplo, no grito de guerra dos soldados balcânicos: “Apaguem a luz e saquem as facas!”. A destruição impiedosa do Império Alemão que, segundo seus fiéis, “tinha sido forjado para durar por toda a Eternidade”, foi depois decisiva na consolidação do revanchismo nazista de Adolf Hitler. Alma Mahler, que fora casada com o pintor Gustav Klimt, depois com o músico Gustav Mahler e ainda com o arquiteto Walter Gropius, envolvida portanto com gente artística e politicamente revolucionária, odiava de tal modo as revoluções, sejam de que natureza fossem, que, no fim da vida, escreveu em sua biografia que sonhava com “a volta do esplendor vindo de cima, a submissão silenciosa da estrutura escravagista da humanidade. (...) O grito das massas é uma música infernal”.

O coronavírus, como a Gripe Espanhola, é uma espécie de resistência da natureza às nossas barbaridades. Uma resistência que ajudamos a tornar de caráter global graças ao progresso e ao poder, como se fôssemos estimulados por forças que não compreendemos, nem somos capazes de enfrentar. É claro que o coronavírus nos faz mal e por isso devemos combatê-lo. Mas sempre lembrando que ele vem de um mundo ao qual também pertencemos e ao qual devemos atenção e respeito, até conhecê-lo melhor.


Eliane Cantanhêde: Isolamento

Presidente, bananas não salvam vidas e não reduzem danos numa economia já combalida!

Tudo o que este mundo enlouquecido precisava para um freio de arrumação era um inimigo comum a toda a Humanidade, mas veio o novo coronavírus e o que se vê, assustadoramente, é o contrário: os líderes aproveitando para reforçar fronteiras e se isolar ainda mais, enquanto o presidente Jair Bolsonaro se ocupa em dar bananas para jornalistas, incorrigível, entre um teste e outro para o vírus.

A história está cheia de exemplos comprovando que é nos piores momentos que se forjam os grandes líderes, mas o inverso também é verdadeiro: nas crises, líderes ou emergem ou desaparecem. Há décadas não se vê uma crise da dimensão atual. Vamos ver quem sobrevive e quem sucumbe.

O novo coronavírus contamina as pessoas e as economias de países de todos os continentes. Nos dois casos é potencialmente letal e ele veio com tudo justamente num ambiente de desaquecimento global e quando a migração é uma das questões mais graves na agenda internacional. É hora de testar os líderes, saber quem tem ou não visão estratégica e grandeza pessoal. Restarão poucos, nesses tempos de Trump, Putin, Erdogan e tantos outros.

No Brasil, o presidente deveria aproveitar o isolamento para deixar de lado a obsessão por bananas, parar de atacar tudo e todos e refletir sobre sua imensa responsabilidade. O mundo está em crise, o Brasil está em crise, os casos de coronavírus vão disparar, a Bolsa teve a maior queda desde 2008, são 12,5 milhões de desempregados. E, antes mesmo do tsunami, o pibinho já foi de 1,1%.

A economia brasileira não tem margem para piorar. E vai piorar. As previsões de crescimento já não eram animadoras e agora não param de cair, deixando no ar a sensação – ou o pavor – de uma nova recessão. Logo, o governo precisa fazer um malabarismo estonteante para dar suporte a setores estratégicos sem explodir as contas públicas.

Quem tem a caneta e o poder de decisão é o presidente e, goste-se ou não, lamente-se ou não, trata-se de Jair Bolsonaro. Como ele não tem conhecimento e não manifesta interesse, significa que é o ministro Paulo Guedes quem está no centro do furacão.

Na Saúde, como dito aqui desde o início, a forte cultura e os quadros de excelência da saúde pública, mais a grata surpresa que é Luiz Henrique Mandetta, estão fazendo sua parte. Ao contrário do que ocorreu, por exemplo, na Itália e nos EUA, onde as mortes já passavam de 40 e não havia nem estatísticas sobre contaminados quando Donald Trump enfim anunciou emergência e abriu as torneiras.

Distante de disputas partidárias, o ministro da Saúde prepara o País para a rebordosa. Contratou leitos de UTI à disposição dos Estados, encomendou 17 milhões de máscaras hospitalares da China para o pessoal de Saúde, antecipou a maior operação de vacinação do mundo, com 75 milhões de doses contra a influenza.

Na economia, todos parecem atordoados, mas a expectativa é de um pacote de medidas amanhã. Assim como Mandetta, Guedes precisa agir para reduzir danos. A diferença é que um foi mais previdente e o outro corre atrás do prejuízo, sem que o presidente demonstre real compreensão da situação. Guedes bate na tecla das reformas e Bolsonaro bate no Congresso, até mesmo ao desarticular as manifestações previstas para hoje.

Assim como não há vacina nem tratamento específico para a covid-19, só paliativos, também na economia não havia como impedir a crise e não há tratamento sem dor para um país parado, com as pessoas evitando viajar, circular, comprar, os serviços esvaziando e as empresas esfarelando nas bolsas ou em solo, como as companhias aéreas. Mas há, sim, como evitar um número maior de vítimas e um prejuízo maior. O presidente, se não consegue ajudar, deve aproveitar o isolamento para não atrapalhar.


Bernardo Mello Franco: Na epidemia, cortes de Guedes vão cobrar uma conta amarga

O coronavírus chegou e Paulo Guedes insiste na conversa das reformas. Para a professora Monica de Bolle, o ministro está perdido e não entende a gravidade da crise

Em visita à Fiesp, o ministro da Economia foi questionado sobre o risco de o dólar ultrapassar a marca dos R$ 5. A resposta foi puro Paulo Guedes: “É um câmbio que flutua. Se fizer muita besteira, pode ir para esse nível”.

A profecia levou apenas uma semana para se realizar. Na quinta-feira, a moeda americana chegou a ser negociada a R$ 5,02. A semana terminou com a cotação em R$ 4,81, maior valor nominal desde o Plano Real.

Seria injusto culpar Guedes pelo derretimento do câmbio. A guerra do petróleo e a chegada do coronavírus produziram um estrago maior que a sua capacidade de autossabotagem.

No entanto, as besteiras do ministro não ajudam o país a sair da crise. Além de tumultuar o ambiente com falas desastradas, ele resiste a tomar medidas para amenizar o tombo anunciado.

Na quinta, Guedes tentou empurrar responsabilidades para os outros. Retomou a conversa das privatizações e cobrou a aprovação de reformas que ainda nem foram enviadas ao Congresso.

A atitude irritou parlamentares que o ajudaram a mexer na Previdência. O deputado Rodrigo Maia disse que o ministro pensa de forma “medíocre”. A reação indicou que o estoque de paciência com o “Posto Ipiranga” do bolsonarismo pode estar prestes a se esgotar.

A economista Monica de Bolle, da Universidade John Hopkins, tem despontado entre os insatisfeitos com Guedes. Ela defende a revisão do teto de gastos e a adoção de medidas contracíclicas, duas ideias que causam calafrios no ultraliberal de Chicago. Para a professora, o ministro está preso numa “camisa de força ideológica” e vê a regra do teto como “vaca sagrada”.

“Guedes está completamente perdido, não compreende a gravidade da crise. No meio de um incêndio, você não propõe uma reforma tributária”, critica. “Esta é uma crise inédita, que vai gerar uma paralisia nunca vista. O mundo todo está flexibilizando regras fiscais, e o Brasil está atrasado”.

Na quinta, o ministro reincidiu nas besteiras. Num dia em que a Bolsa acionou duas vezes o circuit breaker, ele disse que o país “estava em pleno voo, começando a decolar”. “Não existe pleno voo com PIB de 1%. A economia brasileira está frágil, com crescimento baixo, desemprego alto e redes de proteção esgarçadas”, rebate De Bolle.

A professora alerta que o pior ainda está por vir. Nas próximas semanas, o coronavírus tende a se espalhar entre os brasileiros mais pobres, que só contam com a rede pública de saúde. Quando isso ocorrer, os cortes no social devem cobrar uma conta amarga.


Míriam Leitão: Democracia na armadilha

Bolsonaro espalha o vírus da dúvida na democracia em vários dos seus atos e palavras, e as instituições não sabem responder

A democracia brasileira está numa armadilha. Autoridades de outros poderes tentam manter o decoro diante de um presidente que as afronta, e desta forma se enfraquecem. Mais fracas ficariam se imitassem o destempero presidencial. Os governadores reagem com cartas conjuntas aos ataques de Bolsonaro, mas o sentido delas não chega à população. A imprensa segue a pauta aleatória jogada sobre ela a cada manhã de desatino do mandatário. Os ministros têm medo do presidente e só ganham prestígio os que imitam o estilo do chefe.

Os eventos se repetem. Os ministros do TSE reagiram em nota contra a acusação do presidente de que houve fraude na eleição de 2018. A ministra Rosa Weber superou a alergia que tem às entrevistas e falou com os jornalistas. Isso é suficiente? Não. Se algum cidadão sabe de um crime, tem que comunicá-lo ao Ministério Público. Bolsonaro disse: “Minha campanha, eu acredito que, pelas provas que eu tenho em mãos, que vou mostrar brevemente, eu fui eleito no primeiro turno, mas no meu entender teve fraude. E nós temos não apenas palavras, nós temos comprovado, brevemente eu quero mostrar, porque nós precisamos aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos. Caso contrário, passível de manipulação e de fraudes.”

Ficou claro, apesar da costumeira oscilação. Ele disse que tem provas. E depois diz que no seu “entender, houve”. Horas depois, desconversou. “Eu quero que você me ache um brasileiro que confia no sistema eleitoral.”

Essa é uma das artimanhas que Bolsonaro usa. Para agitar os seguidores virtuais e alimentar os bots, ele jogou uma isca: “Houve fraude”. Para as instituições, ele diz que “confia no sistema eleitoral”. E as autoridades respondem com uma nota formal. “Eleições sem fraudes foram uma conquista da democracia” e há “absoluta confiabilidade do sistema”. A resposta foi divulgada, mas o tom é fraco e incapaz de neutralizar o efeito do vírus da dúvida que o presidente quis deliberadamente espalhar.

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, formulou uma resposta para agradar a todos. Disse que não recebeu qualquer prova de fraude, mas defendeu a “implantação da caixa coletora do voto impresso”.

O assunto atravessou um céu cheio de nuvens carregadas pelas crises externas, incompetência do governo em diversas áreas, um PIB estagnado, indícios de relação da família presidencial com a fábrica de fakenews e conflitos criados pelo governo com o Congresso. Surge assim extemporâneo porque é uma manobra para criar outro centro de atenção, colocar o vencedor das eleições como vítima de uma suposta conspiração, enfraquecer a confiança no voto.

No episódio da briga de Bolsonaro com os governadores, seu truque funcionou. Ele disse que poderia retirar os impostos federais sobre os combustíveis. Não poderia. São R$ 30 bilhões em um cofre exaurido. Mas desafiou os governadores dizendo que retiraria se eles também tirassem os seus. Repetiu em todos os canais de divulgação que usa e por vários dias. A equipe econômica ficou muda, apesar de nos bastidores admitir que era impossível abrir mão dessa receita. Grande parte da população acredita que ele só não reduziu os preços porque os governadores não deixaram.

Na crise do orçamento, a manobra foi tortuosa. O executivo fez um acordo verbal com os líderes do parlamento, o general Heleno acusou o Congresso de chantagem, houve a crise, entraram os bombeiros, foi formalizado o acordo nos moldes que havia sido negociado. O presidente garantiu que não fez o acordo que de fato fez. Tudo isso tendo como pano de fundo uma manifestação contra o Congresso estimulada pelo presidente e financiada por seus amigos empresários. Na quinta-feira, com a manifestação murchando, ele foi à TV em cadeia nacional. Era para falar sobre a pandemia de coronavírus, mas a ela Bolsonaro dedicou apenas 82 palavras. Depois, disse que a recomendação das autoridades é a de evitar grandes concentrações. A partir daí, ele dedicou 120 palavras para defender a manifestação que pedia para ser “repensada”. Em outra transmissão disse que o “recado” havia sido dado ao Congresso. Nas democracias, o povo é livre para ocupar a rua. Mas governos não estimulam atos contra outros poderes.

As instituições olham as leis, seguem os rituais, respeitam o decoro. Bolsonaro pisoteia onde bem entende. E a democracia brasileira vai caindo na armadilha.


Roberto Simon: Coronavírus deixou claro risco geopolítico que Trump representa

Apagão de liderança agravou pandemia

A política internacional, nos últimos anos, parecia guiada pela massa de pessoas anônimas. Da Praça Tahrir ao Occupy Wall Street.

Mais recentemente, das ruas de Hong Kong às do Chile. Dos tuítes, retuítes, likes e bots das redes sociais. E, agora, dos gráficos de curvas ascendentes de casos de coronavirus.

No entanto, a pandemia da Covid-19 mostra como, em um momento de crise sistêmica, as escolhas de algumas poucas pessoas com enorme poder, em certas capitais, determinarão o destino de incontáveis vidas e o futuro da economia global. Líderes, afinal, importam.

Essa virada é particularmente assustadora quando, à frente da maior potência da história da humanidade, está Donald Trump.

O risco geopolítico que Trump representa foi normalizado nos últimos anos.

Mas com o abismo do coronavírus a olhar dentro de nós, começa-se a entender o custo real de se ter, em Washington, um governo disfuncional, anticientífico, em guerra contra as instituições democráticas e a imprensa, e sem credibilidade internacional.

O mecanismo da negação foi simples. Trump herdou uma economia em expansão e pisou no acelerador cortando impostos (as consequências do déficit americano, um dia saberemos).

Em uma situação de pleno emprego e com a bolsa batendo recordes, o setor privado passou a vê-lo como uma distração excêntrica.

Apesar de tensões na Coreia do Norte, Crimeia ou Irã, o risco de guerra permaneceu baixo. E a pujança da economia americana reduziu o impacto das guerras comerciais com a China, e de outros disparates.

Com céu de brigadeiro, ninguém pensa no piloto. Agora, entramos na tempestade.

Trump continua a repetir que há testes suficientes para todos, apesar do consenso entre especialistas de que isso não é verdade. Diz que o vírus —até pouco, fake news para roubá-lo a reeleição— deve ser levado a sério.

A falta de credibilidade do governo e as mensagens truncadas agravaram a situação no mercado.

No primeiro tombo da bolsa, no dia 24, Trump decretou que o coronavírus estava “sob controle nos EUA”.

O país contava 14 casos em 6 estados. Em duas semanas, a cifra, apesar das restrições de exames, saltou a 1.600 em 49 estados.

Além de algumas ideias soltas de eficácia questionável, como descontos em folha de pagamento, ninguém sabe ainda como a Casa Branca reagirá ao choque econômico.

E o histórico de ofensas a líderes mundiais, hostilidade a aliados e o enfraquecimento de organismos multilaterais começa a cobrar seu preço.

Em um pronunciamento na TV na quarta-feira, Trump anunciou bloqueio a viagens e produtos da Europa.

Europeus não haviam sido informados de nada. Depois, descobriram que as duas informações estavam erradas. A crise de 2008 foi respondida no âmbito do G20. Difícil imaginar algo semelhante hoje.

São óbvios os paralelos de Trump com Jair Bolsonaro –que, dias atrás, chamava o vírus de “fantasia” e ajudava a convocar manifestações de rua–, mas eles param nas assimetrias de poder entre EUA e Brasil no mundo.

São óbvios também os contrastes entre Trump e Bolsonaro com outros líderes globais.

Com serenidade, compaixão e franqueza, a chanceler Angela Merkel admitiu aos alemães que “milhões” serão contaminados.

Emmanuel Macron falou à nação a verdade e agradeceu, em nome da França, aos profissionais de saúde na linha de frente.

A pergunta agora é o que virá depois da tempestade, se ficar claro que decisões desastrosas tiveram um custo econômico e em vidas humanas. Será que o mecanismo da negação sobreviverá?

*Roberto Simon, é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.