coronavirus
Ricardo Noblat: [Des] governo de Bolsonaro ignora o vírus, Biden e a China
À caça de novos conflitos
Uma vez que desistiu, não se sabe por quanto tempo, de bater de frente com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro, que só vive à base de conflitos, saiu à procura de novos alvos. E, no momento, elegeu pelo menos três de grande porte: a pandemia, o futuro governo Joe Biden e a China.
Uma segunda onda, ou o recrudescimento da primeira, bate às portas do país segundo todos os indicadores conhecidos até agora. E o que faz o [des] governo? Por ora, nada. Estoca quase 7 milhões de kits de testes do Covid-19 por ser incapaz de distribuí-los com os Estados. Ou simplesmente porque não quer distribuir.
Arrasta-se no processo de compra de vacinas suficientes para imunizar toda a população do país. Persiste em discriminar a vacina chinesa que será produzida pelo Instituto Butantã, em São Paulo, Estado governado por seu arqui-inimigo João Doria (PSDB). E sequer tem um plano para a vacinação em massa.
Joe Biden, candidato do Partido Democrata, foi eleito presidente dos Estados Unidos há duas semanas. Estados onde ele venceu recontaram os votos e confirmaram sua vitória. Donald Trump, o tutor de Bolsonaro, ordenou o início da transição de governo. Nem assim, Bolsonaro cumprimentou Biden até hoje.
Difícil imaginar que os filhos Zero de Bolsonaro ajam à revelia do pai. Jamais ousariam desafiar um patriarca tão mão de ferro, e que os educou para que obedecessem às suas ordens. Carlos, o Zero Dois, quando foi para cima do general Santos Cruz, então ministro da Secretaria de Governo, tinha sinal verde do pai.
Eduardo, o Zero Três, teve o aval para escrever no Twitter que a adesão do Brasil ao programa Clean Netwok, dos Estados Unidos, sobre a tecnologia 5G, reforça a “aliança global por um 5G seguro, sem espionagem da China”. Verdade que Eduardo apagou o que havia escrito 24 horas depois, mas aí já era tarde.
Em uma longa e dura nota oficial, a embaixada da China no Brasil acusou Eduardo e “algumas personalidades” de produzirem “uma série de declarações infames que, além de desrespeitarem os fatos da cooperação sino-brasileira solapam a atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil”.
E disse também: “Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da direita americana e cessar as desinformações e calúnias sobre a China. […] Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil.”
A China é o maior parceiro comercial do Brasil no mundo. O tal programa americano citado por Eduardo quer convencer governos estrangeiros a somente permitir em suas redes 5G equipamentos de fornecedores não chineses. As principais empresas brasileiras já usam tecnologia chinesa em suas redes 4G.
O que Bolsonaro pensa ganhar com o avanço da Covid-19, a falta de cortesia com Biden e a hostilidade à China? Votos o bastante para se reeleger em 2022? É apostar que um raio é capaz de cair duas vezes num mesmo lugar. As chances disso acontecer são desprezíveis.
Merval Pereira: Pressão pela vacina
O governo, que pensava ter escapado de apresentar um plano de vacinação contra a COVID-19 exigido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), alegando questões burocráticas, agora não tem mais desculpas. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski deu um mês, a partir da decisão final do plenário virtual, para que apresente um plano de vacinação que “deve seguir critérios técnicos e científicos pertinentes, assegurada a maior cobertura vacinal possível, no limite de suas capacidades operacionais e orçamentárias".
Ao que tudo indica, o governo não tem nem mesmo um projeto de plano, pois, ao ser exigido pelo TCU, a Advocacia-Geral da União (AGU) valeu-se de uma alegação tecnocrática para se esquivar de apresentá-lo. Alegou que a decisão do TCU está equivocada, pois o tribunal não deveria ter listado a Casa Civil ao lado do Ministério da Saúde como um dos órgãos responsáveis pelo planejamento da vacinação.
Essa atribuição, de acordo com a AGU, é exclusiva do ministério, e por isso o governo pediu que o Tribunal alterasse a decisão. A AGU alega que seria “uma ingerência da Casa Civil nas competências institucionais próprias do ministério da Saúde”. Essa alegação esdrúxula não foi levada em conta pelo TCU, que deverá se reunir brevemente para rejeitá-la.
Mesmo com o uso do “data venia”, não é aceitável que o governo se escude em uma suposta falha burocrática para deixar de cumprir seu dever, que era o de apresentar um plano detalhado do planejamento para compra, produção e distribuição das doses da vacina. O TCU pedia também informações sobre a logística da vacinação, supostamente uma especialidade do ministro Eduardo Pazzuelo.
As mesmas exigências foram feitas ontem pelo ministro Ricardo Lewandowski, analisando ações de partidos políticos sobre a atuação do governo em relação à vacina Coronavac, do laboratório chinês Sinovac que estará sendo produzida no Brasil pelo Instituto Butantã em São Paulo. Os partidos pedem ainda que o governo seja obrigado a anunciar o plano de vacinação nacional, para obrigá-lo a não vetar a vacina chinesa, que está sendo testada também no Brasil.
Lewandowski deu 30 dias, a partir da decisão do plenário virtual que julgará o caso entre 4 a 11 de dezembro. Se o voto do relator for aprovado pelo plenário, o governo terá, a partir daí, o prazo fixado ontem para apresentar ao STF "um plano compreensivo e detalhado acerca das estratégias que está colocando em prática ou que pretende desenvolver para o enfrentamento da pandemia, discriminando ações, programas, projetos e parcerias".
O ministro do STF Ricardo Lewandowski ponderou que, diante da possibilidade concreta de que as diversas vacinas, em breve, completarão com sucesso os respectivos ciclos de testes, mostrando-se eficientes e seguras (…) “constitui dever incontornável da União considerar o emprego de todas elas no enfrentamento do surto da Covid-19, não podendo ela descartá-las, no todo ou em parte, salvo se o fizer - e sempre de forma motivada - com base em evidências científicas sobre a sua eficácia, acurácia, efetividade e segurança, bem assim com fundamento em avaliação econômica comparativa dos custos e benefícios".
Os dois movimentos, do TCU e do STF, destinam-se a obrigar o governo a não se submeter à vontade pessoal do presidente Bolsonaro, que se declarou contrário à compra da vacina desenvolvida na China, mesmo que ela fosse aprovada pela Anvisa, a agência brasileira que controla os medicamentos.
As reações foram tão contundentes que Bolsonaro deixou de insistir no assunto, mas a Anvisa teve uma atuação discutível na suspensão dos testes da vacina devido à morte de um dos vários voluntários brasileiros. O caso, porém, foi de suicídio, e nada tinha a ver com a eficiência da vacina, tanto que em 24 horas os testes foram retomados.
Mesmo assim, Bolsonaro chegou a insinuar que a vacina poderia ter produzido efeitos colaterais que levara o voluntario à morte. Diante de um ministério da Saúde e de uma Anvisa totalmente dominados pelo presidente, os órgãos de controle, como TCU e Supremo, estão exigindo o planejamento para a vacinação em massa, sempre o apoio científico para as decisões.
Carlos Andreazza: A torcida de Bolsonaro
O governo torce pela segunda onda
O governo de Jair Bolsonaro é muito ruim, do que deriva um país paralisado, anestesiado, suscetível a qualquer desvio-isca de atenção, de súbito chocado com a revelação, surpresa só na terra dos incautos, de que a tal moderação do vice-presidente — fã do torturador Ustra e para quem não haveria racismo no Brasil — nunca passou de cálculo político por meio do qual se distinguir do presidente e seduzir as manchetes.
Mourão, um descartável, carona de chapa a ser trocado por qualquer Kassab, é a frustração possível — a falsa — num país que vegeta e que, portanto, habituou-se a ver um general da ativa como cavalo para que o único ministro da Saúde possível a Bolsonaro exercesse o cargo: o próprio Bolsonaro.
Para que não se pense que o misto de submissão e incompetência de Pazuello seja exceção no forte apache, veja-se o caso do titular da Casa Civil, de loas tão cantadas por haver liderado uma intervenção federal no Rio de Janeiro cujas escolhas, por efeitos práticos para segurança, só resultaram em que as milícias tivessem tranquilidade para se expandir sobre territórios do tráfico enfraquecido.
Um país paralisado, que só agora descobre que a presença de militares no governo, pelo menos esses que lá estão, uma coleção de ajudantes de ordens de Sílvio Frota, jamais significou qualidade de gestão e compromisso com a democracia. Nada teremos aprendido com o general Villas Bôas e sua tentativa de intimidar o Supremo em 2018.
Este péssimo governo é eficientíssimo em promover a dilapidação das instituições republicanas — e que não pensem os do alto-comando que estarão livres as suas armas.
Um país paralisado por um governo muito ruim, que envelheceu rapidamente, que vai cansado antes mesmo da metade, e cuja política econômica, outrora ao menos voluntarista, nem mais chega a oferecer trombadas — o que pressuporia a ocorrência de algum movimento. Não há movimento. Só desculpa. Um país paralisado de todo. Condição em que já estava quando a peste baixou sobre nós.
Ao contrário da propaganda feiticeira liberal-guedista, que tenta imputar efeitos retroativos ao vírus, o Brasil já tinha travado quando a pandemia se impôs; daí por que, findo o estoque de iniciativas herdadas de Temer, até Rogério Marinho e seus tarcísios, os que ainda andavam, passaram a inaugurar qualquer meia dúzia de quilômetros de asfalto. O blá-blá-blá das reformas — que não avançam (desde 2019) porque projeto não há — sendo apenas a face mais visível de uma administração que vai perdida; e que tem como símbolo um Ministério da Economia inchado e engessado, entregue a um marqueteiro, notável palestrante, tão pretensioso quanto inexperiente em gestão pública, cuja credibilidade erodida se afere nos já inexpressivos impactos de suas bravatas.
É mirando o castelo de cera de Guedes, diante do qual o bolinho de areia de Braga Netto parecerá engenharia de estadista, que se capta o melhor retrato deste governo; o que tem, à frente da pasta em que se empilharam as maiores responsabilidades, um poderoso ex-ministro em atividade.
O governo Bolsonaro é hoje o auxílio emergencial. E só. Um programa de natureza provisória, que lhe caiu ao colo para se tornar ao mesmo tempo dependência e constituição; donde pouca dúvida deveria restar sobre a prorrogação da assistência para além de dezembro. Esta será a agenda, a que garante a existência do governo, daqui até o final do ano: assegurar a rolagem do auxílio adiante, até que se desembaracem as eleições na Câmara e no Senado, em seguida ao que teremos, ao custo do teto de gastos, e com CPMF, o novo Bolsa Família.
Tudo será mais fácil se houver a segunda onda do vírus entre nós — gatilho para a extensão do orçamento de guerra. Havendo dinheiro, serão mais dois anos de campanha eleitoral legitimada pelo combate à pandemia.
O governo Bolsonaro não tem corpo para a normalidade. É como a segurança institucional ofertada por general Heleno. Nem projeto nem competência para executar. Para existir, precisa do ambiente de exceção, gerado artificialmente pela forja de conflitos e teorias da conspiração, ou imposto por um evento como a pandemia. Precisa de crises. A peste foi um presente.
A circulação do vírus, o caráter imprevisível do bicho, sustenta este governo. Mantém agudas todas as condições para que Bolsonaro, golpista essencial, alimente-se como líder sectário e amarre ainda mais a parceria oportunista com o Centrão; a costura populista pelo único interesse do presidente: a reeleição. O governo torce pela segunda onda.
Seria o paraíso. A garantia do chão de instabilidade. Terreno para cultivar, por meio da pregação antidistanciamento, a batalha com governadores, ao mesmo tempo fato novo para lavar o discurso contra as vacinas e passar a admiti-las, e escada para camuflar a incapacidade de formular o tal Renda Cidadã e justificar a continuidade do auxílio, empurrando para amanhã — questão de tempo — a queda do teto de gastos.
Um país paralisado por um governo muito ruim — de um presidente, um populista-autoritário, que prospera no caos e tende a ser altamente competitivo em 2022. Governo ruim — muito ruim — não é governo morto.
Luiz Carlos Mendonça de Barros: A covid-19 contra-ataca
Esforço fiscal adicional precisa recair sobre as classes de renda mais elevada
Neste final de 2020, as incertezas sobre a perenidade da recuperação econômica em curso nos países mais importantes do mundo voltaram a crescer com a chegada da chamada segunda onda da pandemia. Inicialmente associada ao inverno no hemisfério norte, ela atinge também países, como o Brasil, situados abaixo da linha do Equador. Um “castigo” para as sociedades que não trataram a pandemia com o devido respeito. Felizmente a vacina contra a covid-19 será uma realidade ainda no primeiro trimestre de 2021 evitando que uma segunda rodada do isolamento social jogue a economia em nova recessão. O comportamento dos mercados nos últimos dias é uma prova desta afirmação.
Conhecemos hoje o cronograma desta batalha mortal entre o ser humano organizado em sociedade e a natureza representada pelo vírus. Surpreendidos pela rapidez e mortalidade com que o vírus se espalhou, os governos reagiram com as armas que o conhecimento científico coloca à sua disposição em momentos como este. E elas vieram tanto do campo das ciências, em especial da medicina, como da gestão da economia. O primeiro movimento foi o de definir um protocolo multidisciplinar de ações para enfrentar esse inimigo desconhecido e perigoso.
Gostaria de refletir neste espaço do Valor sobre os resultados deste protocolo na Economia, área em que me sinto profissionalmente mais qualificado. Os economistas e governantes já viveram momentos em que novos protocolos de ações tiveram que ser construídos para enfrentar situações inesperadas, mas com efeitos sociais e políticos explosivos. No caso da covid-19 os governantes foram buscar no passado ensinamentos para orientar suas ações emergenciais. O mesmo ocorreu aqui no Brasil e, na minha opinião, foi um dos mais exitosos e eficientes entre os que foram acionados por países emergentes e mesmo os desenvolvidos.
O Banco Central teve uma ação decisiva no mercado de crédito para as empresas, o que levou a uma expansão vigorosa ao longo do ano. Da mesma forma, via Copom, agiu rapidamente na acomodação das condições monetárias e na redução dos juros sob seu controle direto. Paralelamente o Ministério da Economia tomou várias medidas de expansão fiscal, tanto na ajuda financeira para Estados como para empresas e a parcela mais vulnerável da sociedade, compensando com seus recursos parte da brusca redução de renda criada pelo afastamento social e a recessão que se seguiu. Os números são hoje conhecidos e chegam a mais de 10% do PIB.
Além destas ações institucionais, as reações de consumidores e empresas vieram em ajuda no enfrentamento da crise. As economias de mercado têm esta capacidade de reagir de forma espontânea quando atingidas por eventos como a chegada da covid-19. Dois mecanismos merecem ser citados no caso do Brasil: de um lado a reação defensiva dos consumidores à recuperação rápida da atividade econômica sob os estímulos do governo criando um imenso pool de poupança privada adicional e que representa uma reserva de consumo para ser utilizada no ciclo de recuperação em 2021.
Outro estímulo natural criado no Brasil pela reação dos mercados foi a desvalorização de mais de 50% do real nos últimos seis meses, em um momento em que os salários privados ficaram praticamente estáveis em função da inflação baixa e do aumento do desemprego. Isto foi particularmente importante nos setores exportadores, mas também ajudaram a indústria com baixa exposição aos mercados internacionais pelo aumento de sua competitividade em relação as importações. Isto ocorre pois a folha de salários em US$ caiu praticamente 50% neste período, o que representou na prática a criação de um imposto de importação da ordem de 12% em vários mercados importantes. Como resultado, a produção industrial brasileira já é hoje 2% superior à de 2019 e um dos setores que mais rapidamente voltaram a crescer.
A recuperação rápida da atividade econômica no Brasil foi conseguida principalmente em função de uma expansão vigorosa dos gastos do governo em um momento em que a arrecadação corrente de tributos era reduzida pela recessão. Portanto era natural - e necessário - que seu déficit fiscal tivesse um grande aumento no período mais agudo da crise. Somente com o retorno do crescimento econômico sustentado a partir de 2021 é que o governo poderá voltar a uma situação orçamentaria de superávits primários que estabilize a curva da dívida pública.
A partir daí seria desejável que, junto com o Congresso, o governo criasse um protocolo de ações emergenciais para reduzir a corcova na dívida pública criada pelo enfrentamento da covid-19 e sinalizasse uma linha descendente de crescimento para o futuro. A dependência estrutural de nossa economia em relação à poupança externa nos obriga a trabalhar com um protocolo que incorpore valores aceitos pelos investidores internacionais. E deste protocolo fazem parte métricas sobre a expansão da dívida pública em uma linha do tempo de prazo mais longo. Dele deriva a importância do nível da dívida pública bruta em relação ao PIB e a perenidade do superávit primário como parâmetros a serem seguidos.
Mas este esforço fiscal adicional e temporal precisa recair sobre as classes de renda mais elevada na sociedade e que foram diretamente as mais beneficiadas pela recuperação rápida da economia. O mais justo seria o aumento da faixa superior do IR dos rendimentos de salário e a tributação com IR dos dividendos pagos pelas empresas privadas e públicas por um período finito de alguns anos.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Benito Salomão: Após o vírus, a dívida
O título deste artigo é uma alusão à capa da revista britânica The Economist da última semana de abril de 2020, quando já se sabia que a doença que ganhou escala de pandemia no mundo exigiria um elevado esforço financeiro dos Tesouros mundo afora. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o esforço para fortalecer os serviços de saúde, proteger pobres e desempregados, além de salvar negócios da bancarrota somam US$12 trilhões em todo o mundo. Se considerarmos o PIB mundial de US$87.7 trilhões em 2019, o esforço fiscal empenhado em salvar as economias consiste em 13,6% do PIB Global. Isto fatalmente levará o mundo a uma nova dinâmica macroeconômica sobre a qual ainda se sabe pouco.
Olhando para a economia brasileira, o panorama é ainda mais desanimador. As medidas de expansão do gasto público e o consequente endividamento que isto causa, não foram capazes de evitar as mais de 150 mil mortes pelo COVID-19, ou ainda de evitar uma queda histórica de aproximadamente 6% no Produto Interno Bruto. Entre fevereiro e agosto de 2020, o Tesouro Nacional já gastou R$366.4 bilhões em despesas relacionadas ao Coronavírus e autorizadas em caráter excepcional pela PEC 10/2020 popularmente conhecida como “orçamento de guerra”. Isto deslocou a dívida pública do governo brasileiro de 76,1% do PIB em janeiro, para 88,8% do PIB em agosto deste ano.
Uma projeção em um dado cenário base da dívida pública, mostra que ela deve estar em 95,6% do PIB em dezembro de 2020. Para 2021 ainda não está claro para onde vai a política fiscal e, portanto, a dívida pública, isto porque ela depende de um conjunto de fatores. Primeiro, ela depende do resultado primário do governo que segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), o déficit de 2021 deve ser de aproximadamente R$265 bilhões. Segundo, a dívida pública depende da taxa de juros pela qual o Tesouro conseguirá financiar novas dívidas. A SELIC está em mínimos históricos, no entanto, é uma taxa meramente de curto prazo e o custo financiamento de títulos do Tesouro com vencimentos mais a longo prazo estão subindo. Terceiro, a relação dívida/PIB depende também do comportamento do PIB e o histórico das previsões relacionadas a este indicador não são confiáveis, ano após ano, o mercado financeiro “vende” comportamentos do produto que não se verificam.
Há ainda, outros complicadores. O governo não inspira confiança no que se refere à condução da política fiscal, o programa de renda mínima parece ter se tornado uma obsessão a ser perseguida a qualquer custo pelo executivo em Brasília. Para viabiliza-la, o governo sugere manobras que drenam a transparência da política fiscal, tais como a inclusão da renda mínima no FUNDEB e o atraso do pagamento de precatórios. O governo não demonstra firmeza também no que se refere ao futuro institucional da política fiscal, normas institucionais recentes fundamentais para a sustentabilidade da dívida pública como o teto de gastos, recebe um tratamento hostil por parte da “ala desenvolvimentista” do Planalto e não estão garantidas. Ademais, parte da equipe econômica flerta com a ideia da recriação da CPMF, o que poderia exercer um efeito positivo de curto prazo sobre o resultado primário e, consequentemente, a dívida, porém pode também exercer um efeito prejudicial ao crescimento do PIB e ter um efeito dívida/PIB negativo por vias da queda no denominador.
Prever, portanto, um cenário para a dívida pública em 2021 não é tarefa trivial, ainda assim vale a pena tentar. No melhor cenário (e pouco provável), supondo manutenção e respeito ao teto de gastos, que o governo não tenha que socorrer inesperadamente Estados e municípios, e que a taxa de financiamento dos títulos públicos seja pelo menos igual ao crescimento do PIB, a relação dívida/PIB de 2021 deverá depender exclusivamente do resultado primário, o que a levaria para algo próximo de 98% do PIB. Infelizmente o mundo não é o ideal e nada garante que novos programas assistenciais não sejam incluídos no orçamento, que socorros a Estados e municípios não sejam necessários e que o custo de financiamento do Tesouro não exceda a taxa de crescimento do PIB. Portanto, é possível haver uma relação dívida/PIB próxima dos 105% em dezembro de 2021.
Se isto acontecer, o Brasil entrará em 2022 (ano eleitoral) como entrou em 2014, precisando imprimir uma agenda de ajuste fiscal ainda mais dura e com o chefe do executivo buscando ampliar gastos públicos buscando sua reeleição. Na linguagem weberiana, 2022 deverá ser um ano de choque entre a ética da responsabilidade de realizar um ajuste mesmo que isto custe a reeleição versus a ética da convicção do Presidente em que a expansão eleitoreira de gastos é o atalho mais curto para permanecer no emprego, ainda que a conta seja paga no futuro. Não é difícil prever qual será a escolha do mandatário do Poder Executivo.
*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia.
Merval Pereira: Os fatores de evolução
A consultoria Macroplan, do economista Claudio Porto, especializada em cenários prospectivos, mapeou os dez fatores que vão influenciar os rumos do país na próxima década no estudo recém lançado “O que será do Brasil pós-COVID: um Ensaio Prospectivo até 2030”. O resultado é baseado em uma pesquisa junto a 139 pessoas qualificadas, entre executivos, gestores, acadêmicos e especialistas dos setores privado, público e do 3º setor.
Os “aceleradores de transformações” têm, na visão da Macroplan, um forte potencial de impacto sobre Brasil nos próximos 10 anos. Se forem bem compreendidos e manejados por lideranças racionais e progressistas, o país tem grande chance de retomar uma rota saudável de recuperação sustentada.
O fato é que “nenhum executivo ou agente público, privado ou do terceiro setor terá chance de sucesso se ignorar esses vetores de mudança em sua navegação nos negócios públicos ou privados no Brasil ao longo desta década”, conclui Claudio Porto.
Os 10 vetores que, na visão da Macroplan, vão influenciar drasticamente o futuro do Brasil até 2030 são:
1) O endividamento público e privado. Até 2030 a dívida bruta do Governo Federal ( Em 2020 pouco superior a 90% do PIB) alcançará a proporção de 112% no cenário base ou 156% no pessimista, segundo projeções da IFI-SEnado.
2) O desemprego e a pobreza no país: mantidas as condições que prevaleceram nos últimos cinco anos e nos dias de hoje (14,4% desempregados), para o decênio de 2020-2030, a taxa média de desemprego provavelmente será maior do que na década passada. Para que a média seja similar à do período 2012-2019, será preciso que a taxa caia em torno de 5% ao ano até 2030 - o que não se dará naturalmente.
3) A segurança sanitária: há indícios de uma crescente valorização das medidas sanitárias e da saúde pública por parte da população, o que pode favorecer a ampliação de investimentos e a performance do sistema único de saúde (SUS). Um sinal relevante foi o bom desempenho eleitoral dos governantes e candidatos que mostraram melhor dedicação na prevenção ou mitigação da COVID-12 nos seus espaços administrativos, confirmando que a boa oferta de saúde pública gera votos.
4) A evolução da Educação: Até 2030, o modelo educacional brasileiro será mais diverso e integrado devido às inovações tecnológicas. O ensino a distância (ou semipresencial) deve consolidar-se. Desde 2010, o EAD vem crescendo a taxas de 20% ao ano sinalizando uma oportunidade para acelerar o passo e reduzir o enorme atraso do país neste campo.
5) Os investimentos em dados, Big-Data e Analytics: para 2020-2022, estima-se um investimento de R$ 142,7 bilhões (23% a.a) em computação em nuvem e R$ 68,8 bilhões (13% a.a) em Big Data e Analytics. O digital se consolidará como a plataforma dominante, mesmo com todas as nossas precariedades.
6) O trabalho remoto: até setores com trabalho humano intensivo, como o agrícola, aderiram ao novo modelo. A tendência mais provável é que o “modelo home office” reflua e um modelo híbrido passe a se constituir um novo padrão.
7) Os negócios digitais no país: o acesso à internet do Brasil já alcançou 70% da população em 2020, e irá ampliar o alcance dos negócios digitais principalmente Fintechs, Streamings e Marketing de conteúdo.
8) Os investimentos em automação e robotização - Internet 5G e impressoras 3D serão comuns até 2030. E robôs vêm sendo utilizados em trabalhos anteriormente feito por humanos, sobretudo nas indústrias.
9) A aceleração do comércio eletrônico- Até 2030, o faturamento do comércio eletrônico no Brasil alcançará a marca de R$ 315 bilhões, mantida a taxa média de 16% crescimento anual entre 2011 e 2019.
10) Os impactos das conexões virtuais e das redes sociais na sociedade - Os brasileiros estão entre as populações mais conectadas do mundo (mais de nove horas por dia), e nas primeiras colocações entre os que mais usam plataformas de mídia social. Um fato portador de futuro que está emergindo é a aceleração da melhoria dos filtros críticos da sociedade em relação às chamadas “fake news”. Neste terreno, a mídia convencional está sendo revalorizada e tem desempenhado um papel educacional de massa muito construtivo e decisivo.
Hélio Schwartsman: O doce sonho do infectologista
Um infectologista otimista talvez sonhasse com uma vacina contra a Covid-19 com 95% de eficácia, mas acho que nem o mais panglossiano deles esperaria dois imunizantes que oferecessem tais níveis de proteção. Não obstante, foi exatamente o que vimos nos últimos dias, com dois laboratórios, Pfizer/ BioNTech e Moderna, anunciando resultados dessa magnitude em seus ensaios de fase 3. Bônus leibniziano extra: ambos os produtos parecem funcionar bem também para idosos, o que era uma preocupação.
Coincidentemente, os dois fármacos se valem de uma tecnologia genética nova na produção de vacinas, a de RNA mensageiro. Resta saber se ela é muito superior às outras ou se o Sars-CoV-2 é um vírus facilmente “vacinizável”. Vamos saber em breve, assim que forem divulgados os resultados dos testes de imunizantes que empregam outras técnicas.
Ainda falta conhecer detalhes importantes, mas, havendo vacinas com tais níveis de eficácia, dá para pensar em controlar a pandemia em escala global ao longo dos próximos dois anos. Tudo dependerá da logística de produção, distribuição e aplicação, que não é trivial. Estamos falando de bilhões de doses, bilhões de seringas (será que não é o caso de reavivar as velhas pistolas de vacinação?) e de enorme mobilização de pessoal.
As vacinas genéticas, diferentemente das que utilizam outras técnicas, precisam ser conservadas sob temperaturas muito baixas — 70°C negativos no caso da da Pfizer. Não chega a ser um impeditivo, já que é possível fazer o transporte final, de poucos dias, em gelo seco, mas é uma dificuldade, que exige ainda mais dos planejadores.
Há boas notícias até para o presidente Jair Bolsonaro, que age como um inimigo jurado das vacinas. Com 95% de eficácia, inclusive entre idosos, imunizar-se se torna mais uma questão de proteção individual do que um dever comunitário. Fica mais fraco o caso da obrigatoriedade da vacinação.
Jamil Chade: Eras pós-pandemias trouxeram sementes do nazismo e novas geopolíticas. E agora?
Em 2020, há uma diferença fundamental entre tudo o que ocorreu na história da humanidade e a atual crise: temos a nosso alcance o avanço inédito da ciência e mais consciência dos erros passados
2019 foi o ano dos protestos. Do Chile à Catalunha, de Paris ao Sudão as ruas arderam. Mas muitos desses movimentos foram silenciados pela pandemia e o cheiro da morte que o vírus deixou. Entre líderes políticos, movimentos sociais e mesmo serviços de inteligência, a pergunta que permanece é uma só: esses protestos serão retomados uma vez superado o vírus e quais abalos políticos serão sentidos como eco da crise sanitária? Ao longo dos séculos, surtos e epidemias transformaram países, populações e o destino de guerras. Basta dizer que nas cidades mais afetadas pela pandemia da gripe espanhola de 1918 na Alemanha, há indícios de que os primeiros brotes do nazismo tomaram forma, como mostrou um estudo realizado pelo FMI.
O resgate da história também nos revela que não são raras as ocasiões em que pandemias foram seguidas por revoltas e distúrbios sociais, além de uma nova ordem mundial.
Em 2020, há uma diferença fundamental entre tudo o que ocorreu no passado e a atual crise: o avanço inédito da ciência. Em um tempo recorde, o mundo terá mais de uma vacina, no que está sendo considerado dentro da OMS como a vitória definitiva da ciência contra a ideologia. Também ficou claro que o populismo mostrou suas limitações nas urnas - tanto no Brasil como nos EUA - e que lideranças robustas como a de Angela Merkel ou Jacinda Arden se fortaleceram.
Mas, ainda assim, resgatar a história pode servir de guia, principalmente diante de um mundo profundamente desigual que ameaça, uma vez mais, deixar bilhões de pessoas às margens do avanço da medicina. Uma dessas vacinas, por exemplo, exige que seja estocada em um local com uma temperatura de -70 graus Celsius. Um desafio que mais parece um capítulo de ficção científica para 900 milhões de pessoas pelo mundo que ainda fazem suas necessidades básicas ao ar livre por falta de simples privadas e banheiros.
Susan Wade, professora de história da Keene State College, traça um paralelo entre a situação atual e a revolta na Inglaterra de 1381. Naquele momento, a peste bubônica havia feito milhares de mortes, um tragédia que se somava a uma exploração do trabalho de camponeses. “E como hoje, a maioria da riqueza era detida por uma elite que compreendia cerca de 1% da população”, disse. Quando uma doença mortal começou a alastrar, foi pedido aos mais vulneráveis e impotentes que pagassem a conta da crise. “Eventualmente, os camponeses decidiram responder”, apontou. Essa, portanto, foi a origem da revolta camponesa na Inglaterra.
Entre historiadores, há ainda um acirrado debate sobre o papel de uma epidemia como um dos fatores que poderiam ter contribuído para uma destruição final do Império Romano e jogado a Europa em sua era da escuridão. A partir do ano 541, uma peste ganhou força no Egito, atingiu Alexandria e outras cidades, até chegar à região palestina e subir até Constantinopla, a então capital do Império Romano Oriental.
O imperador Justiniano, que havia chegado ao trono com a ambição de resgatar a glória do Império Romano, foi um dos infectados. Ele sobreviveu. Uma parcela dos especialistas, porém, aponta que o que não sobreviveu foi seu império, derrotado em parte por um micro-organismo. Sem soldados diante da peste e com a fome que se alastrava, ele viu territórios conquistados serem tomados por revoltas e seu poder minado em todas essas regiões.
Para o historiador Procopius, no auge da crise sanitária a cidade de Constantinopla - atualmente Istambul - perdia dez mil pessoas por dia. A capital teria perdido 40% de sua população e, pelo império, 25% dos habitantes não sobreviveram.
Nos últimos anos, o relato de Procopius é considerado como exagerado. Historiadores da Universidade de Jerusalém e de Princeton, por exemplo, insistem que não existem evidências para provar o que a narrativa construída ao longo de séculos estabeleceu em termos de mortes. Para eles, portanto, não se pode atribuir à peste o fim do Império Romano. A realidade, porém, é que por quase duzentos anos a peste assolou a região em diferentes ondas e gerou diferentes revoltas. Quando finalmente desapareceu, o mundo vivia uma nova geopolítica.
Na Itália, um outro estudo traça uma ligação entre pandemia, surtos e eclosão de rebeliões. “Em diferentes graus, a maioria das grandes epidemias do passado parecem ter sido incubadoras de agitação social”, apontou Massimo Morelli, professor de ciência política na Universidade de Bocconi, e Roberto Censolo, professor da Universidade de Ferrara.
Num estudo publicado na revista acadêmica Peace Economics, Peace Science and Public Policy, os especialistas analisaram protestos e agitações sociais no período próximo a 57 epidemias pelo mundo. Isso incluiu desde a Peste Negra em no século 14 até a pandemia de gripe espanhola de 1918.
Desses 57 casos, apenas quatro revoltas não estariam claramente relacionadas com os respectivos surtos, o que leva os especialistas a acreditarem que existe uma possível relação entre as epidemias e distúrbios na sociedade civil.
No caso específico da covid-19, os acadêmicos deixam claro que as restrições e o impacto econômico “estão causando um sentimento latente de descontentamento público”. Para Morelli e Censolo, teorias de conspiração em torno do vírus e o seu apoio por parte de alguns líderes políticos são “sintomas de fricções potencialmente perigosas dentro da sociedade”.
Onda de ódio
Já Samuel K. Cohn, professor de história medieval da Universidade de Glasgow, confirmou que “a doença mais mortal e devastadora da Europa, a Peste Negra de 1347-51, desencadeou violência em massa: o assassinato de catalães na Sicília, e de clérigos e mendigos em Narbonne e outras regiões”, além de ataques contra judeus, com mais de mil comunidades na Renânia, na Espanha e França".
Antes mesmo do final da atual pandemia, a ONU já alerta que a crise sanitária abriu uma onda de violência. Num alerta com forte tom de desespero, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, afirmou que a pandemia está gerando um “tsunami de ódio e xenofobia”, além da criação de bodes expiatórios e ataques contra médicos, enfermeiras e jornalistas.
Segundo os levantamentos da entidade, a atual crise aprofundou o sentimento contra estrangeiros e que, das redes sociais, o ódio passou para as ruas. Entre os fenômenos estão atos anti-semitas com teses de conspiração, além de ataques contra muçulmanos. Em alguns países, Guterres aponta que os migrantes e refugiados foram apontados como os culpados pela proliferação do vírus, inclusive com serviço médicos negando acesso aos tratamentos médicos.
Outra dimensão do ódio tem sido os ataques contra idosos. Contra essa população surgiram memes desprezíveis, sugerindo que eles também são os mais dispensáveis.
Os estudos de Cohn revelam que, de fato, a xenofobia foi também uma marca da peste negra, com judeus “trancados em sinagogas ou reunidos em ilhas fluviais e queimados até à morte” por serem os supostos responsáveis pela crise sanitária. “Cruelmente, os tribunais de justiça condenaram coletivamente os judeus por envenenamento de poços e de alimentos”, destacou.
Já nos séculos XVI e XVII, a crise sanitária na Europa desencadeou mais uma vez rumores de propagação maliciosa da peste. Desta vez, o alvo da ira eram médicos e mesmo coveiros, acusados de perpetuarem a doença por uma variedade de razões, incluindo para se enriquecerem.
Cohn conta como a praga de 1575 levou que “ciganos, negros, cantores de rua, atores e prostitutas” fossem proibidos de entrar em determinadas cidades.
Logo vieram ainda as acusações mútuas. Fora de Nápoles e pelo território que hoje se designa como Itália, o surto era conhecido como a doença napolitana. Na Alemanha, ela era chamada de doença polonesa, enquanto na Polônia era conhecida como a doença alemã.
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A Gripe Espanhola de 1918 e 1919 também deixou suas marcas sociais e políticas. Em seu livro de 2017, Pale Rider, a escritora Lauren Spinney revela como a pandemia pode ter sido fundamental para a instabilidade entre as duas guerras mundiais. Um dos aspectos que a crise ressaltou naquele momento foi o egoísmo como forma de sobrevivência. Uma vez terminada a crise, muitas sociedades fizeram a opção deliberada por esquecer o que havia ocorrido.
Entre os impactos, historiadores estimam que os ataques da população branca contra afro-americanos no verão de 1919 em várias cidades dos EUA ainda têm uma relação direta com a doença. Aquele período de violência ficou conhecido como “Red Summer”.
Um estudo realizado pelo FMI correlaciona as cidades mais afetadas pela pandemia de 1918 na Alemanha, as sementes do nazismo que derivaram na Segunda Guerra Mundial. O levantamento indicou que as cidades com o maior número de vítimas pela doença registraram cortes em gastos sociais. E, em seguida, foram nesses locais que se viu um “aumento na parcela de votos conquistados por extremistas de direita”. “As mortes causadas pela pandemia de gripe de 1918-1920 moldaram profundamente a sociedade alemã”, diz o documento, que ainda sugere que a doença pode ter mudado as “preferências sociais” das camadas mais jovens da sociedade, além de ter despertado um sentimento contra estrangeiros.
O estudo não é conclusivo. Mas foi amplamente usado por Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, para apelar aos governos que destinem tudo o que puderem para aliviar o impacto do vírus.
Hoje, mesmo com a vacina, o mundo pós-pandemia também é alvo de um redesenhar. Se bilhões de pessoas estiveram fechadas por meses, a disputa por poder não foi colocada em quarentena em nenhum momento. A história do século 21 é, de fato, radicalmente diferente das pandemias da Idade Média ou do início do século 20. Mas o que ela mostra é que abandonar populações inteiras diante de uma sensação de que a crise está solucionada para uma parcela privilegiada do mundo é o caminho mais seguro para a tradução do profundo mal-estar em protestos e revoltas.
‘Trump nega regras democráticas que funcionam há séculos’, afirma Paulo Baía
Em artigo publicado na Política Democrática Online de novembro, sociólogo diz que comportamento de Bolsonaro é ‘espelho’ de presidente dos EUA
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Eleição norte-americana escancarou o negacionismo de Donald Trump e, por tabela, do presidente Jair Bolsonaro, avalia o sociólogo e cientista político Paulo Baía, em seu artigo na revista Política Democrática Online de novembro, em que analisa o bolsonarismo na visão de Jairo Nicolau, autor do livro O Brasil dobrou à Direita. “Em tempos de negacionismo, a maior democracia mundial vive momentos em que o poder nas mãos de um populista de extrema-direita questiona o sistema eleitoral, negando as regras democráticas do país, que funcionam da mesma forma há séculos”, criticou o autor do artigo.
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A revista Política Democrática Online é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Em sua análise, Baía chamou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de “espelho ao Sul da América do Sul” de Trump. “[Bolsonaro] deixa de ser representante de uma nação para virar cabo eleitoral e torcedor fervoroso daquele que acredita ser seu amigo”, observou.
Na avaliação do cientista político, o interessante é que o atual presidente da República do país representante da liberdade, garantidor dos valores liberais e iluministas é aquele que deseja ser reeleito no tapetão, suspendendo a contagem de votos dos que não votaram nele. “É o retrato da negação. Nas terras de cá, negam-se os mais de 14 milhões de desempregados, o aumento da pobreza extrema, a crise fiscal por causa da pandemia, a inflação nos produtos da cesta básica por conta do aumento do dólar e o empresariado preferindo vender para o mercado externo do que o interno, diminuindo a oferta e aumentando a procura”, afirmou Baía.
O sociólogo disse, ainda, que “todos os graves problemas por que passa o Brasil são reflexos de uma disputa partidária, criados pelos adversários para roubar seu poder”. No artigo, ele lembrou que o professor de ciência política Jairo Nicolau acabou de lançar o livro O Brasil dobrou à Direita. Nesta obra, ele compila uma série de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
“Cruzando dados como idade, gênero, religião, educação etc., o pesquisador chega a conclusões muito interessantes sobre os eleitores de Bolsonaro”, afirmou, para continuar: “Ele foi o primeiro candidato que rompeu a ideia de que, para vencer, o presidente precisa de uma máquina eleitoral. Bolsonaro foi o preferido nas três faixas de ensino: fundamental, médio e ensino superior. Em 2018, foi a primeira vez em que o fator gênero se fez presente”.
Bolsonaro também foi o preferido de 2 a cada 3 homens, batendo o adversário em 10% a mais. E teve, respectivamente, 53% votos das mulheres e 64% dos homens; já Haddad obteve 47% dos votos dos homens e 36% das mulheres. “Outro fator diz respeito ao cruzamento entre dados de homens e instrução: Bolsonaro ganhou em todos os níveis de ensino, todavia, quanto maior a instrução, menor a aceitação”, acentuou.
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Cristiano Romero: A nova onda
Enfrentamento da pandemia agora será muito mais difícil
A segunda onda da pandemia no Brasil já é uma realidade. Em São Paulo, segundo revelou a esta coluna o secretário de Fazenda do governo estadual, Henrique Meirelles, o número de internações nas redes hospitalares pública e privada em São Paulo cresceu 18% neste mês. Isso já caracteriza uma retomada forte do contágio da população pelo novo coronavírus. Aparentemente, a faixa da população mais afetada tem sido as classes A e B, mas não surpreenderá ninguém se, em breve, as estatísticas mostrarem o aparecimento massivo de casos de covid-19 também entre as camadas menos favorecidas da população.
O que é ruim para os Estados Unidos, onde a segunda onda da pandemia tem feito a nação mais rica do planeta bater recordes seguidos de novos casos por dia e mortes, não deveria sê-lo para o Brasil, o vice-campeão no desonroso torneio de quem dá mais vexame nesta crise sanitária. Meirelles afiança que São Paulo adotou os mais rigorosos protocolos de segurança do país, antes de autorizar o relaxamento do isolamento social, especialmente, para as empresas interessadas em voltar o mais rapidamente possível às atividades normais, o que inclui o trabalho presencial.
A nova onda, pelo menos em São Paulo, estaria sendo provocada pelo comportamento das pessoas fora do trabalho, ou seja, na vida privada. De fato, depois de conviver _ e respeitar, em sua maioria _ as restrições impostas pelo isolamento social, paulistanos voltaram às ruas para celebrar a vida. O motivo é justificável, uma vez que o novo coronavírus tem se mostrado muito mais perigoso do que se dizia no início da pandemia e infectar-se ou não é jogar na loteria, mas o fato é que aglomerações, em locais abertos e fechados, são vistas em todos os lugares e não apenas nos bairros boêmios da capital paulista.
O resultado será trágico tanto em número de perdas de vidas quanto em seus impactos na economia brasileira, que passa por situação muito delicada, o que significa que o espaço para minorar os efeitos econômicos de uma nova onda da crise sanitária é diminuto. A pandemia chegou ao país no momento em que a situação das contas públicas começava a melhorar, mas ainda estava muito longe de dobrar o Cabo da Boa Esperança.
Operando com déficits primários (receitas menos despesas, excluído o gasto com juros da dívida pública) desde 2014, o setor público consolidado (União, Estados e municípios) obrigou o Tesouro Nacional a ir ao mercado endividar-se, via emissão de títulos públicos, para poder pagar as contas. Quando gerava superávits no conceito primário, o setor público usava os recursos para honrar os juros da dívida e, se possível, reduzir seu estoque.
O controle da evolução da dívida não é uma abstração. É um expediente que, levado a sério, melhora com o tempo a vida de todos os brasileiros. Senão, vejamos: quanto menor é a dívida de um governo, menor é sua despesa com os juros dessa dívidas e menor também é o seu custo de rolagem (ver tabela). Isso faz com que sobre mais dinheiro no orçamento para o Estado usar no que realmente interessa, numa democracia cujo regime econômico é o livre-mercado: igualar oportunidades por meio de políticas afirmativas que procurem compensar as distorções sociais provocadas pelo racismo, da oferta de ensino fundamental público de qualidade e de saúde universal.
O Brasil quebrou em 1982, nos anos seguintes centralizou o câmbio, aplicou calotes no pagamento das dívidas externa e interna, tornando-se um pária no mercado de crédito internacional. Só recebia dinheiro de instituições multilaterais de crédito e olhe lá. Sucessivos governos depois, sendo que cada um deu sua contribuição para melhorar a situação fiscal, obteve, em 2008, o grau de investimento (o equivalente ao selo de bom pagador) das agências de classificação de risco.
Antes de obter o grau de investimento em maio de 2008, registre-se, o país concluiu a renegociação da dívida externa durante o governo Itamar Franco (1992-1994), promoveu também a federalização das dívidas dos Estados em 1997 na gestão Fernando Henrique Cardoso _ uma medida crucial para a consolidação das contas do setor público e, por que não dizer, para o fechamento de uma das principais fontes inflacionárias da economia brasileira _ e, no governo Lula, antecipou a quitação da dívida do país com o Fundo Monetário Internacional.
Aquele momento teve uma carga simbólica, embora muitos não tenham prestado atenção, até porque, justiça seja feita, o tsunami da crise mundial deflagrada pouco menos de um ano antes nos Estados Unidos já se avistava no horizonte. Mas o fato é que foi justamente a disciplina fiscal dos anos anteriores, consagrada no grau de investimento obtido em maio de 2008, que deu ao Brasil as condições de enfrentar bem aquela que é considerada a maior crise da história do capitalismo. O país sofreu uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de PIB negativo) e, por causa do espaço para adotar estímulos fiscais, saiu da crise rapidamente e, no ano seguinte, expandiu-se à taxa de 7,5%, a mais alta em 24 anos.
Tudo isso virou pó em apenas sete anos. De 2008 a 2015, o gasto corrente da União cresceu 50% acima da variação da inflação no período, enquanto as receitas avançaram 17%. O descompasso provocou a explosão da dívida. Desde então, as contas não saíram mais do vermelho. Com a pandemia e a justificável necessidade de o governo conceder estímulos fiscais para ajudar pelo menos uma parte das empresas afetadas pela crise e dar meios de sobrevivência a um universo de 67 milhões de brasileuiros em situação vulnerável, a dívida chegou, em setembro, ao equivalente a 90% do PIB.
Nova onda de Covid-19 na Europa divide governadores no Brasil sobre volta às aulas
Reportagem especial da Política Democrática Online de novembro mostra situação em cada Estado no país
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Ao menos 16 redes públicas estaduais de ensino retomaram parte das aulas presenciais ou têm previsão de retorno às salas de aula, ainda em 2020, oito meses após o fechamento das escolas por causa da pandemia do novo coronavírus, em março deste ano. O risco de a segunda onda de Covid-19 chegar ao país aumenta o alerta para governadores.
Em outros oito estados, governadores já se posicionaram pela volta das atividades escolares presenciais somente no ano que vem. No Distrito Federal e em Minas Gerais, professores, sindicatos, governos e Ministério Público travam briga até na Justiça para o retorno das aulas nas escolas.
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O sinal verde para a volta às aulas tem como parâmetro portaria do Ministério da Educação (MEC) publicada em julho e que define diretrizes para a retomada das atividades presenciais. Entre elas, está a obrigatoriedade do uso de máscaras, distanciamento social de 1,5 metro e afastamento de profissionais que estejam em grupos de risco. No entanto, governos estaduais e municipais têm autonomia para definição do calendário pedagógico a fim de reorganizar as aulas nas escolas.
Nos estados que já reabriram as salas de aula gradativamente, as escolas devem seguir uma série de protocolos sanitários estabelecidos em portarias dos governos e continuarem oferecendo ensino a distância aos alunos que optarem por essa modalidade. Nessa lista estão Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
Em geral, os governadores sustentam suas decisões na diminuição do número de casos de Covid-19 nos respectivos estados. As estruturas hospitalares emergenciais passaram a ser desmobilizadas. Dos leitos clínicos e de UTI do Sistema Único de Saúde (SUS) abertos a partir do início da pandemia, 65% já foram fechados. Por outro lado, o Brasil é o segundo país com mais mortes – atrás dos Estados Unidos – e o terceiro com maior quantidade de contaminações registradas – atrás dos Estados Unidos e da Índia.
A segunda onda de Covid-19 na Europa é um alerta importante aos governadores que decidiram optar por cautela e autorizar retorno às aulas presenciais somente em 2021 ou após a confirmação de uma vacina para imunizar a população. Nesse grupo, estão Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Roraima. Bahia e Rondônia ainda não firmaram posição sobre o assunto.
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Roberto Romano: A pandemia do ódio, Trump e o Brasil
A governança é arte de promover a amizade entre cidadãos, laço essencial do Estado
Tristes povos os que suportam mal perigos naturais e rompem os laços de sociedade. Coletivos bem constituídos no campo civil enfrentam doenças em melhores condições do que os carentes de elos internos sólidos. Uma via para entender o caso é o livro de Tucídides sobre a catástrofe militar do Peloponeso.
Espartanos invadem o solo onde governa Péricles, cuja política, mesmo apoiada pela Assembleia, enfrenta a desunião social. A pandemia também ameaça o líder. Deixando o poder, logo ele morre como vítima. A narrativa de Tucídides mostra como os atenienses reagem à peste. O mal biológico acelera a fragmentação do regime. No início, “nem os médicos puderam debelar a praga, por ignorância do que era ela. Eles próprios morreram mais rápido pela proximidade dos enfermos” (The Peloponnesian War, tradução de Th. Hobbes, Livro II, 47).
O termo para designar a ignorância dos médicos e sua morte é agnoia (ausência de saber, erro). Cidadãos morrem por agir “normalmente” na moléstia. Muitas lições a passagem traz hoje aos médicos, políticos, militares, empresários, trabalhadores. Raros aprendem com a pandemia política ou biológica. O “normal” reside em ignorar o perigo.
“O aspecto mais terrível da doença é a apatia das pessoas atingidas (…). O contágio ocorre nos cuidados de uns doentes para com os outros e os mata em rebanho. É a maior causa da mortandade, pois se os doentes se abstêm por medo de visitar uns aos outros, todos perecem por falta de cuidados (…). Quem sobrevive com maior frequência se compadece em face dos enfermos e moribundos, pois conhecem a doença por experiência própria e confiam na imunidade. O mal nunca atacaria a mesma pessoa duas vezes com efeitos letais. Eles recebem elogios de todos e, no entusiasmo alegre daquelas circunstâncias, alimentam a esperança frívola de que pelo resto da vida não serão atingidos por outras doenças.”
Quem vive no campo vem para a cidade e perece espremido. Mortos postos em pilhas, cada um enterra os seus como pode. Corpos para serem incinerados são lançados em fogueiras alheias. Não existe a polis, a sociedade, a vergonha (Aidós), o respeito. Mesmo as aves carniceiras fogem dos corpos apodrecidos.
Elias Canetti comenta a passagem de Tucídides para evidenciar o fenômeno das massas que perdem o sentido da vida social e a visão política (Massa e Poder). Quando regimes políticos sucumbem à anomia, doenças oportunistas corroem suas bases e ressurge o estado de natureza. Vemos o interesse de Hobbes pela Guerra do Peloponeso: Tucídides permite entender o pacto proposto no Leviatã. (cf. Mario Ricciardi, Le retour du Léviathan. Peur, contagion, politique). Sob Péricles, brilhante estadista, embora tisnado pela demagogia, Atenas perde forças vitais em razão da inimizade crescente, não apenas em face dos atacantes externos, mas nas lutas internas. Quando a epidemia chega, o corpo cívico já está fragmentado, sem defesas.
A governança é arte de tecer elos entre cidadãos, promover a sua amizade, laço essencial do Estado. Tal doutrina é posta no diálogo Político de Platão. Se, pelo contrário, o dirigente divide as pessoas, a tirania surge com o signo da morte. Segundo Platão, a polis é ligada internamente pela philia. “O maior bem para a cidade é o que a une e a torna una”(República, 462 a-b). Tal elo faz dos múltiplos indivíduos um conjunto poderoso. “Entre amigos tudo é comum” (República 424 a). O Estado pertence a todos e cada um deve respeitar os concidadãos. No século 20 um jurista inverte a tese platônica e proclama que a política é arte de gerar inimigos internos e externos. Carl Schmitt morreu, mas sua doutrina vive em cabeças ignaras e poderosas. “Não se pode razoavelmente negar: os povos se unem conforme a oposição amigo/inimigo. Tal oposição é uma realidade atual e virtual em todo povo que existe politicamente” (Der Begriff des Politischen, 1927).
A passagem foi usada, de modo infeliz, por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Regimes tirânicos criam o inimigo interno, e assim temos o Holocausto e muitos genocídios. Até o fim da vida Schmitt insiste sobre a inimizade política: “Um povo só está seguro de sua identidade quando, de modo claro e sem equívoco, ele tem um inimigo” (Sobre a Tele-democracia, 1970, in Machiavel/Clausewitz).
Se a democracia grega falece com Péricles e ignora os conselhos platônicos, o que poderíamos dizer ontem dos Estados Unidos dominados por Trump e agora da nossa pátria, cujo presidente fomenta a divisão, gera inimigos, despreza a ciência médica e a própria ameaça da pandemia? Os norte-americanos exorcizaram o pesadelo político que desnorteia seu Estado. Será difícil ali retomar a via da comunidade, estratégica para garantir a força de um povo.
Aqui, infelizmente, as portas da UTI democrática se fecham, a moléstia do ódio e da ignorância corroem os pulmões do País E a liderança política não chega ao calcanhar de Péricles… Ou de qualquer outro estadista digno do título. Aqui d’el-rey!
*Professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de Estado e outros estados da razão’ (Perspectiva)