coronavirus
Bruno Carazza: Dinheiro na mão é vendaval
Do ponto de vista eleitoral, auxílio emergencial foi efêmero
Foram R$ 293 bilhões injetados no bolso de quase 70 milhões de pessoas. A maior transferência direta de recursos federais para o cidadão brasileiro na história rendeu dividendos fugazes para Bolsonaro. Foi só anunciar o fim dos pagamentos do auxílio emergencial que a sua reprovação voltou a subir.
É bem verdade que existem outros fatores para explicar a queda de popularidade neste início de ano. Houve também o recrudescimento das mortes pelo coronavírus, o colapso no sistema de saúde de Manaus e os erros do governo no começo da vacinação.
Mas há algumas evidências de que o auxílio emergencial influenciou bastante o humor da população durante a pandemia. Comparando-se o pior momento de Bolsonaro, em junho passado, quando o país sofria a primeira onda da covid-19 em sua força máxima, com dezembro (mês do pagamento da última parcela do benefício para a maior parte dos contemplados), a rejeição ao presidente reduziu-se significativamente em todos os segmentos sociais.
Entre os que se enquadravam como seu público-alvo, porém, o efeito foi mais intenso, com as notas de ruim e péssimo caindo mais fortemente entre os nordestinos (de 52% para 34%), as pessoas que recebem até 2 salários (de 44% para 27%) e quem possui apenas o ensino fundamental (de 40% para 26%). Porém, como diria o príncipe do samba, “dinheiro na mão é vendaval”.
Não se passou um mês do fim do alívio financeiro, e com algumas pessoas ainda recebendo um rescaldo de pagamentos atrasados, o apoio a Bolsonaro voltou a cair fortemente junto ao grupo que foi mais contemplado com os desembolsos. A avaliação negativa de seu governo em janeiro/2021 voltou a piorar junto aos mais pobres (41% de ruim/péssimo), menos escolarizados (35%) e no Nordeste (43%). Entre os desempregados, a desaprovação ao governo já bate em 48%; para se ter uma ideia, há um mês ela estava em 31%.
A deterioração repentina na imagem do presidente junto ao eleitorado aumenta a pressão por uma nova fase da ajuda governamental. Mas não é só isso: as perspectivas de demora na vacinação e as aterrorizantes notícias sobre as novas cepas do coronavírus indicam que a tal recuperação está mais para W do que para V. Assim, independentemente de quem vença as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado logo mais, o auxílio emergencial voltará a ser destaque na ordem do dia.
Três possibilidades parecem estar colocadas para Bolsonaro: I) obter um novo decreto de calamidade pública e contratar o gasto extra para reativar o benefício; II) conceder uma nova rodada tendo como contrapartida uma mini-reforma fiscal, aprovando a PEC Emergencial; e III) retomar a ideia inicial de Paulo Guedes, lançando um novo programa de transferência de renda com a extinção de políticas públicas já existentes.
Simplesmente repetir em 2021 a mesma tática do ano passado, como prevê a primeira opção, seria plantar vento para colher tempestade às vésperas do início da campanha para a reeleição. Com a dívida pública batendo em 89,3% do PIB, o espaço fiscal ficou extremamente limitado. Racionalmente, os potenciais efeitos sobre o câmbio, a inflação e aos juros nos próximos meses não justificam a concessão de novas prestações que, como vimos, têm efeitos efêmeros sobre a avaliação do governo.
Na última semana começou-se a discutir a alternativa de condicionar uma nova fase de transferência de renda, mais delimitada e diluída no tempo, à aprovação da PEC Emergencial. Essa opção, contudo, esbarra na falta de credibilidade do presidente em tomar medidas impopulares, como reduzir carga horária e cortar salários de servidores públicos para alocar recursos para o auxílio emergencial 2.0.
Restaria, então, a possibilidade de retomar a ideia inicial de Paulo Guedes, realocando recursos hoje comprometidos com programas sociais menos eficientes (como o auxílio-defeso, o abono salarial e a farmácia popular) num programa mais focalizado e perene que seria chamado de Renda Brasil ou Renda Cidadã. Apesar de Bolsonaro ter torpedeado a ideia em seu nascedouro, avisando que não iria “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”, essa poderia ser uma estratégia viável caso pretenda chegar forte em 2022 e sem explodir o teto. E ele não seria o primeiro a seguir esse caminho.
No final de 2003, Lula empacotou três políticas sociais assistenciais criadas ainda no governo FHC - Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio-Gás, cada qual com regras próprias, públicos-alvo diferentes e órgãos de execução distintos -, e as consolidou num único benefício social permanente: o Bolsa Família.
Graças a essa mudança - impulsionada também pela política de valorização do salário mínimo -, o líder petista conseguiu fazer a mais impressionante migração de eleitorado da história brasileira. Se no pleito de 2002 Lula extraiu a maioria dos seus votos das regiões metropolitanas do Centro-Sul, onde a população é mais rica e escolarizada, quatro anos depois seus eleitores estavam localizados entre os mais pobres, com menos anos de estudo e moradores do interior do Norte e do Nordeste do país.
Não por acaso, é justamente no público com perfil de beneficiário do Bolsa Família que Bolsonaro tem mais dificuldade de penetração - e onde a ajuda emergencial mais fez diferença.
Na semana passada, o colunista do New York Times Ezra Klein, analisando os desafios do governo Biden, escreveu que, em geral, um presidente nunca é reeleito por políticas que o eleitor não sabe que foi ele quem fez. Acredito que esse pensamento caiba perfeitamente na discussão sobre o dilema da ajuda aos mais atingidos pela pandemia. Um programa permanente, nos moldes de um Bolsa Família turbinado, seria muito mais bem avaliado pela população do que uma miríade de benefícios dispersos, como existem hoje.
Ao lançar-se abertamente na direção do Centrão, Bolsonaro demonstra que, para vencer em 2022, decidiu render-se ao pragmatismo. Ouvir a equipe econômica nesta questão do auxílio-emergencial deveria ser o próximo passo.
Felipe Frazão: Ernesto Araújo dorme prestigiado e acorda fritado
Demissão foi ‘lançada’ por Mourão mesmo após chanceler participar de cerimônia, na véspera, com Bolsonaro
BRASÍLIA – O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, dormiu prestigiado pelo presidente Jair Bolsonaro e acordou com a cabeça a prêmio, “fritado” (no linguajar político) pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Cogitada há meses, a demissão do chanceler foi lançada pelo general como passo do governo num futuro próximo, passada a eleição interna no Congresso, marcada para a próxima segunda-feira.
Antes de falar no Fórum Econômico Mundial para tentar limpar a imagem do País perante a nata do PIB mundial, Mourão citou nesta quarta-feira, 27, o ministro das Relações Exteriores como um dos possíveis demitidos na reforma ministerial que deverá acomodar a “nova composição política do governo”. “Talvez, nisso aí, alguns ministros sejam trocados, entre eles o próprio MRE (Ministério das Relações Exteriores). No caso específico das Relações Exteriores, é algo que fica na alçada do presidente”, afirmou Mourão, em entrevista à rádio Bandeirantes.
Mourão foi a primeira autoridade do governo a falar abertamente sobre o plano de demissão de Araújo. O vice reclama de ser cada vez menos ouvido por Bolsonaro e seus gabinetes trabalham sem coordenação, ao menos em matéria de política internacional. Mas Mourão não fala apenas por si. Ele vocalizou o apetite político do Centrão, grupo aliado em que Bolsonaro aposta para vencer a eleição da Câmara e no Senado e blindar seu mandato. No Palácio do Planalto, outros auxiliares do presidente já discutiram a substituição e, reservadamente, especularam nomes de substitutos, entre diplomatas e políticos. Araújo desagrada o meio militar desde o início do governo, quando generais palacianos recebiam embaixadores e tutelavam a condução da diplomacia.
A troca tem apoio de setores econômicos, como os ruralistas, parlamentares, acadêmicos e embaixadores aposentados. No Itamaraty, até diplomatas da ativa e em início de carreira perderam a inibição de comentar nos corredores a demissão. Por temerem retaliações, eles falam apenas sob anonimato e avaliam que, embora haja nomes experientes em alta conta com o discurso de Bolsonaro, como Maria Nazareth Farani Azevêdo e Luís Fernando Serra, cairia bem um político para dar à chancelaria a liberdade e a desenvoltura que Araújo demonstrou não ter.
O calendário que sugerem coincide com o do vice. A substituição ocorreria após as eleições na Câmara e no Senado, foco principal do governo, e algum tempo depois da posse de Joe Biden como presidente nos Estados Unidos. Seria uma forma de desvincular os episódios e de não parecer que Bolsonaro faz uma concessão ao democrata. O timing, porém, contrasta com atitudes recentes do presidente. Na noite de terça-feira, dia 26, o chanceler e sua mulher, a diplomata Maria Eduarda de Seixas Corrêa, sentaram-se à mesa presidencial na celebração do 72.º Dia da República da Índia. O país asiático é o novo queridinho de Bolsonaro por ter liberado, com atraso, a exportação de 2 milhões de vacinas AstraZeneca/Oxford contra a covid-19, fabricadas em laboratório indiano. A vacina é uma das apostas do governo para reduzir a pressão contra o impeachment.
O casal diplomático dividiu a mesa com Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o ministro da Casa Civil, general Braga Netto, e a mulher, Kathya Braga Netto. Além deles, só os anfitriões do convescote, o embaixador indiano, Suresh Reddy, e a embaixatriz, Sneha Reddy. PARA ENTENDERVeja o placar da eleição para presidente da Câmara dos DeputadosBaleia Rossi, candidato de Rodrigo Maia, e Arthur Lira, apoiado por Bolsonaro, lideram corrida pela presidência da Casa; siga distribuição de votos por deputado, partidos e Estados
“Ouso dizer que o Brasil cada vez mais fortalece suas relações exteriores, nos projetando num cenário de muita prosperidade para esses países e para nós”, disse Bolsonaro ao lado de Araújo na recepção concorrida entre ministros e diplomatas no Clube Naval. O chanceler depois cumprimentou convidados e conversou de pé com outros expoentes ideológicos do governo, como Filipe Martins, assessor internacional do Palácio do Planalto, e o diplomata Roberto Goidanich, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Itamaraty.
Na quinta-feira passada, mais um sinal de prestígio às gestões diplomáticas. Bolsonaro escalou o chanceler para ir pessoalmente receber e ciceronear, com o embaixador Reddy, e os ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Fábio Faria (Comunicações), o lote de vacinas enviadas pela Índia nos aeroportos de Guarulhos (SP) e do Galeão (RJ). Também convidou o ministro para aparecer na live semanal, momento em que fortaleceu sua atuação, ao citar a política externa como “excepcional”.
“Quem demite ministro sou eu”, afirmou Bolsonaro, rechaçando a especulação de que a China teria cobrado sua demissão, algo considerado improvável e inaceitável por diplomatas de todos os lados. Em verdade, parlamentares com trânsito na embaixada chinesa, como Fausto Pinato (PP-SP), cobram há meses a saída de Araújo, ecoando a insatisfação de Pequim. Além do atraso na vacina da Índia, Araújo foi questionado nas últimas semanas pelos percalços em conseguir a liberação de insumos chineses para produção de vacinas no Brasil, pela Fiocruz e pelo Instituto Butantan.
O governo Bolsonaro disputou o protagonismo na negociação e liberação com o governador João Doria (PSDB), de São Paulo. Doria disse que o empenho foi das autoridades estaduais e chamou Bolsonaro de “parasita”. Secretários do Itamaraty afirmam, porém, que a rede diplomática estava envolvida nos trâmites desde dezembro do ano passado, a pedido da Anvisa. Eles dizem que nunca houve problema político afetando a relação com a China, mas sim de burocracias chinesas para importação e que a embaixada em Pequim atuou ativamente para conseguir os insumos.
O presidente, mais uma vez, usou as redes sociais para elogiar e fortalecer Araújo, que possui pouca interlocução com os chineses e chegou a ser isolado de conversas. Em defesa dele, auxiliares ponderam que, na praxe diplomática, o chanceler costuma se relacionar com governos estrangeiros, cujos representantes em Brasília têm liberdade e credenciais para lidar diretamente com os demais ministros e autoridades do governo brasileiro. Dessa forma, Araújo não participaria de algumas negociações, nem atenderia com frequência a todos os embaixadores estrangeiros. Ele, no entanto, sempre prestigiou embaixadores que representam presidentes alinhados a Bolsonaro.
Outra operação mal sucedida foi o pedido de ajuda para o abastecimento de oxigênio no Amazonas. O empréstimo de aviões cargueiros militares dos EUA e de remessa de oxigênio hospitalar não prosperou. Houve apelos diplomáticos em Brasília e Washington, além de um telefonema de Ernesto Araújo ao então secretário de Estado Mike Pompeo, já fora do cargo com a saída de Trump. Chegou primeiro o socorro liberado pela Venezuela, onde a empresa fornecedora White Martins localizou uma carga disponível. O regime do presidente Nicolás Maduro, com quem Bolsonaro não mantém relações, liberou o apoio, o que gerou um constrangimento ao Planalto.
A demissão de Ernesto Araújo tem um custo para o presidente. Ao desalojá-lo do Palácio Itamaraty, Bolsonaro corre risco de desapontar apoiadores radicais que veem no embaixador um dos últimos ministros olavistas da Esplanada. Ele é cada vez mais popular nesses grupos nas redes sociais e difunde discursos que caem no gosto da nova direita conservadora. A militância reclamou da demissão a contragosto do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub. Exonerado por disparar ameaças contra ministros do Supremo, ele ganhou uma saída honrosa ao ser indicado para cargo no Banco Mundial.
O chanceler deu palanque a blogueiros e youtubers bolsonaristas, que ganharam espaço e divulgação oficial por meio de seminários e debates promovidos pela Fundação Alexandre de Gusmão. “O legado do Barão (do Rio Branco, patrono da diplomacia) está bem guardado: soberania, segurança, grandeza da nação. Só estamos ameaçando o legado da política terceiro mundista, muito ‘pragmática’ em financiar tiranos e facilitar criminosos, obsequiosa ao multilateralismo antinacional, desdenhosa do povo brasileiro”, escreveu o chanceler, em recado há três dias.
Atritos com embaixador chinês
Araújo ficou marcado ainda por se indispor com o embaixador chinês, Yang Wanming, ao intervir em atritos criados por comentários entendidos como ofensivos do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Araújo não questionou Eduardo e repreendeu o chinês. Em textos, o ministro também classificou o ex-presidente Donald Trump como potencial “salvador” do Ocidente e usou o termo “comunavírus”, numa referência que ecoou as acusações de negligência de Pequim e especulações sem prova de que o vírus teria sido criado e ocultado pelo Partido Comunista Chinês.
A manutenção de Araújo, por outro lado, se torna mais cara com mudança na Casa Branca, onde é visto como “trumpista”. A divergência com o discurso de Biden é evidente. Enquanto o presidente norte-americano condenou a invasão do Capitólio por “terroristas domésticos”, como chamou extremistas incitados por Trump, o chanceler brasileiro lamentou as mortes de 6 de janeiro, mas escolheu outras palavras. Falou em “cidadãos de bem” e cogitou a hipótese de haver elementos “infiltrados”. Para ele, parte do povo americano se sentiu “agredida e traída pela classe política”.
O embaixador Todd Chapman, dos Estados Unidos, mudou o tom com a derrota de Trump e, num recado ao Palácio e ao Itamaraty, pediu “atenção às palavras” nas comunicações entre Bolsonaro e o gabinete democrata de Joe Biden. Com trânsito livre no governo brasileiro, ele também falou em “respeito” e pediu adesão à realidade. Questionado sobre a narrativa de fraude eleitoral nos EUA endossada por Bolsonaro, respondeu em conversa com jornalistas que não é correto espalhar informações falsas.
O chanceler tem promovido algumas moderações para ganhar sobrevida. Um exemplo foi a carta em tom diplomático enviada por Bolsonaro a Biden. Os americanos entenderam o tom da missiva como “construtivo”, mas cobram avanços concretos em questões de atrito, como a política do meio ambiente. Diplomatas ponderam que Araújo é profissional de carreira e, como tal, está acostumado a transições de governo, podendo moldar o discurso e se adaptar às circunstâncias políticas. Além disso, fez carreira ligado a temas de EUA, serviu no país e conhece a política de Washington.
Na última sexta-feira, Araújo disse ao SBT sentir-se feliz e tranquilo no cargo. “Abundam fake news de maneira impressionante em Brasília”, respondeu, quando indagado sobre sua demissão. Afirmou que Bolsonaro lhe dá segurança desde o primeiro dia no cargo e confia no seu trabalho. Aproveitou para se colocar como capaz de permanecer à frente do Itamaraty, dizendo ter “condições de implementar a política externa que o presidente quer”.
Rolf Kuntz: Presidente dos EUA se torna um novo desafio para Bolsonaro
Com a política de Biden, a relação entre comércio e meio ambiente poderá ganhar uma importância desconhecida até agora. Quem cuidará disso no governo?
O combate à mudança climática será um dos pontos centrais da diplomacia, da política de segurança nacional e dos planos econômicos do governo americano, anunciou ontem o presidente Joe Biden. O mesmo recado foi transmitido em sessão do Fórum Econômico Mundial pelo representante especial da Casa Branca para questões do clima e do ambiente, John Kerry, secretário de Estado no governo do presidente Barack Obama. Não há escolha, disse Kerry, entre criar empregos pelo crescimento econômico e cuidar do ambiente. Grandes empresários, acrescentou, já apontam o caminho. Em seguida citou, entre outros, o bilionário Elon Musk, fabricante de carros elétricos.
O anúncio dá uma nova dimensão à advertência feita pelo candidato Joe Biden, num debate eleitoral, sobre a devastação da Amazônia. Eleito, poderia contribuir com bilhões de dólares para a preservação da floresta ou impor restrições comerciais ao Brasil. Resposta do presidente Jair Bolsonaro: “Depois que acaba a saliva, tem de ter pólvora. Não precisa nem usar a pólvora, mas tem de saber que tem”.
O enviado John Kerry nem sequer mencionou o Brasil. Mas citou uma grande potência econômica e militar, a China, responsável, segundo ele, por 30% das emissões de carbono. Nenhuma rivalidade comercial, afirmou, ofuscará a união dos governos americano e chinês a favor de políticas sustentáveis. Dois dias antes do enviado da Casa Branca, o presidente da China, Xi Jinping, havia discursado em defesa do multilateralismo, da cooperação econômica, do respeito às normas internacionais e da colaboração contra a covid-19 e na busca de grandes objetivos comuns.
Os dois pronunciamentos afirmaram valores muito diferentes daqueles proclamados pelo presidente Donald Trump, seguidos por seu discípulo Jair Bolsonaro incorporados na diplomacia executada pelo ministro Ernesto Araújo. A reunião do Fórum de Davos, nesta semana, foi em parte uma celebração de uma era pós-Trump: proteção do ambiente, multilateralismo, cooperação contra a covid-19 e ação coordenada para uma economia mais verde foram bandeiras defendidas em várias sessões, a partir de vários ângulos.
Malsucedido em sua única participação numa reunião anual do Fórum, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro decidiu novamente faltar. Foi substituído pelo vice-presidente Hamilton Mourão, escalado para uma sessão sobre a Amazônia.
Foi um evento morno, com presença de vários brasileiros, do presidente da Colômbia, Iván Duque, e do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Mauricio Claver-Carone. Falou-se de planos para preservação da floresta, comentou-se o potencial econômico da região e o presidente do BID prometeu ajuda. Não houve críticas nem autocríticas.
O presidente Bolsonaro evitou os incômodos de participação no Fórum, mas terá de reconhecer, no dia a dia, os desafios da nova política americana. Muito ocupado com a reeleição e com seus assuntos familiares, provavelmente deixará as questões econômicas e diplomáticas para outras pessoas. Com a política de Biden, a relação entre comércio e meio ambiente poderá ganhar uma importância desconhecida até agora. Quem cuidará disso no governo?
*É JORNALISTA
Conrado Hübner Mendes: Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional
Corte tem no procurador-geral a omissão de que precisa
Jurista leão de chácara é aquele que empresta vocabulário, gravata e biografia à violência. Não lhe falta vontade de servir e sujar as mãos. Regimes autocráticos alugam esse bando para organizar, sob o verniz do direito, a repressão e a mútua proteção. O lugar da profissão jurídica na história universal da infâmia política varia entre servidão e complacência. Descontadas as exceções.
Augusto Aras integra o bando servil. Enquanto colegas de governo abrem inquéritos sigilosos e interpelam quem machuca imagem do chefe, Aras fica na retaguarda: omite-se no que importa; exibe-se nas causas minúsculas; autoriza o chefe a falar boçalidades mesmo que alimente espiral da morte sob o signo da liberdade.
Na sua teoria de Estado, presidente tem liberdade de infectar, incitar violência e praticar charlatanismo da cura. Quando subprocuradores, no início da crise, representaram para que o PGR recomendasse ao presidente se abster de propagar mentira e desinformação, arquivou. Alegou liberdade de expressão e citou precedente aleatório do STF.
Também entendeu que a conta de Bolsonaro no Twitter é privada, uma zona franca da delinquência presidencial onde pode agredir a China, celebrar cloroquina e bloquear usuário; que o presidente não pode ser investigado por ameaça a jornalistas; que tem direito de se opor a medidas da política sanitária.
Aras não economiza no engavetamento de investigações criminais: contra Damares por agressão a governadores; contra Heleno por ameaça ao STF; contra Zambelli por tráfico de influência; contra Eduardo Bolsonaro por subversão da ordem política ao sugerir golpe.
Aras não só se omite. Quando age, tem um norte: contra a lei, inviabilizou que procuradores enviassem recomendações de praxe ao Ministério da Saúde; contra a lei, recomendou a membros do MPF que não cobrassem gestores da saúde em caso de "incerteza científica". Nem vamos falar de como desmontou forças-tarefa de combate à corrupção para concentrar em si arsenal de informações privadas com infinito potencial de intimidação.
Também faz blindagem processual de Bolsonaro: requisitou inquérito do porteiro que suscitou eventual elo entre família Bolsonaro e assassinato de Marielle; deu parecer contra as provas colhidas no inquérito das fake news no STF; contra a apreensão do celular presidencial; a favor de Flávio Bolsonaro em contradição com precedente do STF sobre foro privilegiado.
Não parou: pediu rejeição da denúncia por corrupção que ele mesmo havia oferecido contra Arthur Lira, após este se aliar a Bolsonaro; viabilizou processo relâmpago contra o inimigo Wilson Witzel, governador afastado do Rio; deu parecer contra estabelecimento de prazo para presidente da Câmara posicionar-se sobre pedidos de impeachment.
Poderia continuar, mas encerro a lista com a obstrução que promove diante das representações por crime comum de Bolsonaro. Sob pressão, escreveu que estaríamos na "antessala do estado de defesa". Não explicou a ameaça.
Diante da reação de outros procuradores e à representação criminal encaminhada contra ele mesmo ao Conselho Superior do MPF, resolveu "agir". Abriu inquérito contra prefeito de Manaus e governador do Amazonas. Abriu outro contra Pazuello, que nunca escondeu sua vocação de obedecer. Não incluiu quem manda em Pazuello e assegurou que só se investigue crime de prevaricação, nenhum outro mais grave contra saúde pública.
Aras não se deixa constranger pela submediocridade verbal e teatral que floreia seu colaboracionismo. Aderiu à hermenêutica declaratória, fraude interpretativa que atribui validade do argumento jurídico à autoridade de quem fala, faceta autoritária comum à magistocracia.
Aras é a antessala do fim do Ministério Público tal como desenhado pela Constituição de 1988. "A Constituição é o meu guia, a PGR não se move por interesses partidários." A Constituição-guia de Aras é a ditatorial de 1967. Ali, o PGR era empregado do presidente.
Se contra Bolsonaro cabe um impeachment Pró-Vida, contra Aras cabe um impeachment Pró-MP.
Afinal, PGR também pode cometer crimes de responsabilidade. Seu repertório de omissões é tão holístico que prejudica Jair onde menos se espera: é a prova que o Tribunal Penal Internacional exige de que instituições domésticas se omitem e liberam o presidente para o crime.
*Conrado Hübner Mendes é professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.
Cora Rónai: A sensação de alívio com o silêncio de Trump
'New York Times' publicou lista dos insultos que o ex-presidente postou na hoje banida conta do Twitter
Na semana passada, na esteira da posse de Biden, o “New York Times” publicou uma extensa lista dos insultos que o ex-presidente postou, desde a sua campanha, na hoje banida conta do Twitter: “The complete list of Trump’s Twitter insults (2015-2021).” É uma lista imensa, dividida por assuntos e nomes de desafetos, que pode ser consultada cronologicamente ou em ordem alfabética — e é um documento histórico inestimável, não tanto pela espantosa capacidade de um único homem em produzir desaforos, mas pela não menos espantosa paciência do corpo político em tolerá-los.
Algum dia, no futuro — isso se tivermos futuro, e chegarmos a tempos menos distópicos —, alguém vai se deparar com essa lista e vai se perguntar como um país do tamanho e da grandeza dos Estados Unidos aceitou tanta besteira, tanta estupidez e tanto ódio; mais ou menos como hoje nos indagamos como os romanos toleraram figuras como Calígula, Nero ou Domiciano. (Ou nos indagávamos, pelo menos, na época em que se estudava o Império Romano; mas o nosso passado anda tão distante hoje quanto qualquer futuro.)
No momento, a melhor coisa a fazer é aproveitar a sensação de alívio que reina nas redes sociais livres da presença nefasta do ex-presidente. Ela me lembra o momento em que as obras do metrô terminaram aqui perto de casa, depois de um tempo interminável de britadeiras. Não é um silêncio real, apenas o fim de um barulho insuportável.
Emissoras de televisão jamais repetem nomes de estabelecimentos ou marcas comerciais porque sabem o valor da publicidade, e não estão aí para fazer propaganda de graça para ninguém. O público frequentemente se irrita com a prática — “um hotel da Zona Sul do Rio de Janeiro”, “um shopping de São Paulo” — mas ela continua, assim como a pixelização de logotipos e de etiquetas. Deve haver um bom motivo para isso.
Nomes próprios, porém, são marcas.
(No caso do ex-presidente dos Estados Unidos, literalmente, e hoje ainda afixada a dez hotéis, 19 clubes de golfe e mais de 30 prédios residenciais ao redor do mundo: vai ser curioso observar os efeitos da política sobre esse mundo cafona de ostentação e dourados.)
Eu me pergunto se nós, jornalistas, não deveríamos seguir o exemplo das emissoras em relação a produtos, e deixar de mencionar com tanta frequência os nomes dos idiotas perversos que nos governam.
Será que precisamos mesmo repercutir tudo, sempre, o tempo todo? Será que precisamos repetir à exaustão nomes que se tornaram tóxicos?
Quando um decreto é assinado pelo presidente da República, por exemplo, é óbvio de quem se trata: só há um presidente em exercício. Só há um governador em exercício em cada estado, um prefeito em cada cidade e assim por diante.
Um antigo samba de Ataulfo Alves já resumia o caso:
“Fale mal / Mas fale de mim / Não faz mal
Quero mesmo assim / Você faz cartaz pra mim / O despeito seu / Me põe no apogeu.”
Eu sei, eu sei. A sugestão não é prática nem exequível; mas bem que podíamos tentar diminuir a cacofonia e retomar as rédeas das nossas pautas sequestradas.
No fundo, só estou pensando em voz alta, sonhando com o dia em que as britadeiras vão ser desligadas aqui também.
O Globo: Confira a estratégia do governo para atrair apoio a Arthur Lira
Parlamentares das legendas têm indicações no governo Bolsonaro e temem retaliações
Natália Portinari, Paulo Capelli e Bruno Góes, O Globo
BRASÍLIA - A pressão do governo federal com oferta de cargos e verbas e ameaças de retaliação estão por trás do crescimentos de dissidências a favor da candidatura de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara no DEM de Rodrigo Maia e no PSDB do governador paulista João Doria. As cúpulas das duas legendas acertaram o apoio a Baleia Rossi (MDB-SP).
Entenda: O racha no DEM, que fez Maia cobrar ACM Neto
Maia chegou a dizer nesta semana a ACM Neto, presidente de seu partido, que o DEM corria o risco de ficar conhecido como “partido da boquinha” se cedesse à pressão do governo. Segundo ele, estava repassando o que um empresário havia dito. Neto afirma que há apoio institucional a Baleia, mas não pretende punir dissidentes.
Os apoiadores de Lira nas duas legendas têm diversos cargos no governo federal. Elmar Nascimento (DEM-BA) mantém um indicado na presidência da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco), Marcelo Andrade Moreira Pinto. Arthur Maia (DEM-BA) tem indicações na Codevasf, Incra e Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Paulo Azi (DEM-BA) indicou o superintendente do Incra na Bahia, Paulo Emmanuel Macedo de Almeida Alves. Ele assumiu o posto em setembro do ano passado. José Mario Schreiner (DEM-GO), também contabilizado pelos apoiadores de Lira como um voto no candidato governista, tem um apadrinhado à frente da superintendência da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) em Goiás.
Leur Lomanto Jr. (DEM-BA) tem a indicação de um superintendente do Ibama na Bahia. O próprio ACM Neto é tido como responsável pela recondução de José Carlos Aleluia (DEM) ao conselho de Itaipu.
Cota tucana
Os deputados do PSDB também já tiveram direito a indicações. Adolfo Viana (PSDB-BA) apadrinhou Lucas Maciel Lobão Vieira, coordenador do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) na Bahia. O superintendente do Ministério da Agricultura em Goiás é indicado de Célio Silveira (PSDB-GO). Luiz Carlos (PSDB-AP), por sua vez, indicou um coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena.
Reunião com deputados: Bolsonaro diz que espera influenciar na eleição da Câmara
Como revelou o GLOBO anteontem, diversos deputados já foram retaliados pelo governo. Flaviano Melo (MDB-AC), Hildo Rocha (MDB-MA), Fabio Reis (MDB-SE) e Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) perderam seus indicados por apoiar Baleia Rossi.
Além de manter os cargos que já têm, deputados ouviram de Arthur Lira a promessa de que receberão verbas “extra” liberadas pelo governo. Nesse tipo de negociação, o Executivo paga valores para um município indicado pelo deputado de forma informal, e não com emendas parlamentares.
Embora o governo tenha sinalizado que pode pagar R$ 636 milhões em verbas para os deputados, não há como cumprir essa promessa agora, já que o Orçamento de 2021 não foi aprovado pelo Congresso. Arthur Lira, portanto, fica restrito a prometer valores pagos “a prazo”, depois da eleição.
Ontem, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acusou o governo de prometer R$ 20 bilhões em verbas desse tipo, “emendas extraorçamentárias”, em troca de votos. Ele ressaltou, no entanto, que esse seria um valor inexequível para o Orçamento previsto para 2021.
— Pela conta que eu fiz, e pelo orçamento que nós teremos para 2021, pelo que eu já vi que o governo está prometendo junto com o seu candidato, vai dar pelo menos uns R$ 20 bilhões de emendas extraorçamentárias. Eu quero saber em que orçamento para o ano de 2021, com todo o problema do teto de gastos, (terá espaço). (Como) eles poderão cumprir, se vitoriosos, essa promessa? — questionou.
No DEM, há 13 deputados com apoio declarado a Arthur Lira. É preciso 16 para definir a posição na eleição à presidência. Apoiadores de Lira pressionam ACM Neto para que o partido possa aderir ao bloco governista. ACM é resistente à ideia e argumenta que uma “guerra de listas” deixaria o partido desmoralizado.
Disputa: Rossi intensifica atuação para evitar votos em Lira dentro do próprio bloco
Maia tem criticado ACM Neto nos bastidores por não ter agido de forma enérgica para impedir as traições. Para Elmar Nascimento, apoiador de Lira, ACM Neto não deve isso a Rodrigo Maia.
— Ele (Maia) se julga credor de todo mundo. Por que é que o Neto vai fazer um trabalho em prol da candidatura do Baleia, do MDB, quando ele é presidente do partido e tem que enxergar o todo? O Neto já está fazendo demais pelo Rodrigo ficando neutro. O certo era ele ficar do nosso lado.
Dissidência no PSDB
O líder do DEM, Efraim Filho (PB), deve convocar uma reunião para que a bancada debata de que lado quer estar. Assim, evita a “guerra de listas”, mas dá espaço para que os deputados a favor de Arthur Lira virem o jogo.
No PSDB, que terá 29 votantes, o líder do partido, Rodrigo Castro, declarou voto em Baleia Rossi, mas ao menos quatro integrantes da legenda afirmam abertamente que votarão em Arthur Lira: Luiz Carlos (AP), Célio Silveira (GO), Celso Sabino (PA) e Mara Rocha (AC). Há expectativa de dissidências também na bancada mineira. Deputados da legenda ouvidos em caráter reservado avaliam que, apesar do discurso, Baleia deve compor com Bolsonaro em caso de vitória e, por isso, é melhor melhor se antecipar e já costurar essa proximidade com o Planalto.
DW Brasil: Brasil fez a pior gestão do mundo na pandemia, diz estudo
Instituto australiano elabora ranking global com 98 países de acordo com a resposta que deram à crise da covid-19. Nova Zelândia lidera
Nenhum país do mundo lidou de forma tão ruim com a pandemia do novo coronavírus como o Brasil, segundo um estudo publicado nesta quinta-feira (28/01) por um instituto australiano.
O Instituto Lowy, baseado em Sidney, abordou a reposta à crise em 98 países, com base em seis critérios: mortes confirmadas; casos confirmados; casos por cada milhão de habitantes; mortes por milhão de habitantes; casos em proporção à testagem; testes por cada mil habitantes.
Dentro desses critérios, o instituto colocou a Nova Zelândia como o país que deu a melhor resposta à covid-19, com fechamento de fronteiras, lockdowns pontuais e um estrito programa de testagem por parte do governo da social-democrata Jacinda Ardern.
Do outro lado da tabela, em último lugar, aparece o Brasil, com mais de 220 mil mortes confirmadas, provável subnotificação de casos e um governo de extrema direita que, durante toda a pandemia, minimizou seus perigos e ignorou as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na parte debaixo do ranking, antes do Brasil, aparecem México, Colômbia, Irã, Estados Unidos e Bolívia. Na de cima, a Nova Zelândia é seguida por: Vietnã, Taiwan, Tailândia, Chipre, Ruanda, Islândia e Austrália.
O melhor país latino-americano no ranking é o Uruguai, em 12º. Da União Europeia (UE), a mais bem colocada é a Letônia, na nona colocação. A Alemanha, maior economia do bloco e que conseguiu controlar a primeira onda da covid-19 com relativo sucesso, viu as mortes dispararem desde o fim de 2020 e ocupa apenas a 55ª posição na lista dos 98 países avaliados.
"Alguns países administraram a pandemia melhor que outros, mas a maioria se destacou apenas por um desempenho insatisfatório", diz o estudo.
"Democracias tiveram um sucesso relativamente maior"
A China - onde o vírus surgiu - não foi incluída no ranking. O motivo é, segundo o instituto, a falta de dados disponíveis sobre testes.
Durante a pandemia, Pequim tentou controlar a percepção externa sobre sua gestão da crise e mostrar que seu sistema, de controle estrito de movimentação, muitas vezes com supressão de liberdades e cerceamento a vozes críticas, seria preferível às democracias ocidentais, muitas das quais falharam durante a crise.
"Em média, os países com modelos autoritários não tiveram nenhuma vantagem prolongada na supressão do vírus. De fato, apesar de um início difícil e algumas exceções notáveis, incluindo os EUA e o Reino Unido, as democracias tiveram um sucesso relativamente maior do que outras formas de governo no tratamento da pandemia durante o período examinado. Em contraste, muitos regimes híbridos, como a Ucrânia e a Bolívia, parecem ter sido menos capazes de enfrentar o desafio", observa o estudo.
O Instituto Lowy diz que não houve um vencedor claro quando se tratou de qual sistema político lidou melhor com a pandemia. Mas países pequenos, com populações abaixo de 10 milhões de pessoas, mostraram ter algumas vantagens.
"Em geral, países com populações menores, sociedades coesas e instituições capazes têm vantagem em lidar com uma crise global, como uma pandemia", diz o relatório.
No total, os casos já ultrapassaram 100 milhões no mundo inteiro. Cerca de 2,2 milhões de pessoas morreram devido ao novo coronavírus desde que o coronavírus causador da covid-19 foi detectado pela primeira vez, em dezembro de 2019.
O Globo: Entenda as mudanças que Bolsonaro avalia no primeiro escalão do governo
Onyx deve assumir Secretaria-Geral; Mourão pressiona por saída de Araújo
Jussara Soares, Natália Portinari e Adriana Mendes, O Globo
BRASÍLIA — Discutida desde o fim do ano passado nos bastidores do governo, a aguardada reforma ministerial foi tornada pública ontem pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Mesmo admitindo estar alijado das decisões, o vice afirmou que trocas no primeiro escalão podem ocorrer após a eleição no Congresso marcada para a próxima segunda-feira.
Uma das alterações avaliadas pelo presidente Jair Bolsonaro é a volta do atual ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, para o Palácio do Planalto. Ex-chefe da Casa Civil, ele deve ficar com a Secretaria-Geral da Presidência. Assim, a pasta da Cidadania, que controla o Bolsa Família e pagou o auxílio emergencial, fica disponível para ser entregue ao centrão. Parlamentares de partidos aliados, incluindo o candidato do Planalto à presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendem a continuidade do benefício pago durante a pandemia- da Covid-19, o que turbinaria ainda mais a pasta.
A declaração de Mourão foi dada em entrevista à Rádio Bandeirantes. Ele estimou que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, pode ser um dos substituídos na reforma ministerial.
— Não tenho bola de cristal, nem esse assunto foi discutido comigo. Mas em um futuro próximo, depois da eleição dos novos presidentes das duas Casas do Congresso, poderá ocorrer uma reorganização do governo para que seja acomodada uma nova composição política que emergir desse processo. Talvez com isso aí alguns ministros sejam trocados, entre eles, o próprio Ministério das Relações Exteriores — disse Mourão.
Auxiliares diretos de Bolsonaro negam que há intenção de demitir Araújo, mesmo com as pressões sofridas pelo chanceler. Para eles, a declaração do vice-presidente externou apenas um desejo do núcleo militar do governo.
Em um almoço ontem com cantores sertanejos em uma churrascaria de Brasília , Bolsonaro disse que está “fazendo o melhor” escolhendo ministros. No discurso, elogiou os auxiliares presentes, e fez uma deferência especial a Araújo:
— Temos também outro importante ministro das Relações Exteriores, o Ernesto Araújo. Se leva tiro o tempo todo dessa imprensa que está aí, é sinal que está no caminho certo.
A possibilidade de reacomodar Onyx no quarto andar do Planalto, a alguns passos do gabinete presidencial, passou a ser cogitada após ele, que é filiado ao DEM, ter articulado para que Arthur Lira ganhasse apoio dentro da legenda na disputa pela presidência da Câmara. O movimento criou um racha no partido do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (RJ), que apoia Baleia Rossi (MDB-SP). ACM Neto, presidente do partido, conversou com Onyx recentemente e, ouvindo os apelos da ala governista do partido, optou pela neutralidade.
Com esta movimentação, Onyx ganhou Lira como aliado, que a interlocutores critica o excesso de militares com assento no governo. Bolsonaro também vem relatando reservadamente que está sentindo falta de auxiliares políticos mais próximos.
Atualmente, três generais ocupam pastas no Planalto: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto, que substituiu Onyx na Casa Civil em fevereiro do ano passado. Já a Secretaria-Geral está sendo comandada interinamente por Pedro Cesar Nunes, subchefe de Assuntos Jurídicos, desde que Jorge Oliveira tomou posse como ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) no fim do ano passado.
“99% certo”
Dois integrantes do governo disseram ao GLOBO que a decisão da volta de Onyx para o Planalto já é tratada como definitiva. Outro, por sua vez, diz que a situação é considerada “99% certa” e lembrou que neste governo “nada está totalmente acertado até estar no Twitter.”
Onyx se reuniu anteontem com Bolsonaro no gabinete presidencial. Foi o terceiro encontro neste ano. Ontem, em entrevista à Rádio Bandeirantes, o ministro foi questionado sobre mudar de pasta e respondeu:
— A camiseta que ele me der eu vou jogar. A gente tem um objetivo de ajudar o Brasil e transformar o Brasil. Então, onde ele julgar que eu possa ajudar mais eu vou estar lá.
Também conta a favor de Onyx o fato de ele ter sido um dos principais articuladores políticos da candidatura de Bolsonaro em 2018. E, segundo interlocutores do governo, poderia novamente ser aproveitado para organizar o projeto da reeleição de 2022.
O ministro iniciou a gestão como o homem forte do governo, mas aos poucos foi sendo esvaziado e até pouco tempo era dado como certo que perderia a pasta da Cidadania e voltaria para a Câmara.
Eugênio Bucci: Fora, Bolsonaro
Presidente que lidera campanhas contra a imprensa é um atentado ambulante à Constituição
O xingamento “Globolixo”, com o qual as falanges bolosonáricas agridem reiteradamente a Rede Globo, tem duas origens malignas: uma superficial, de ocasião, e outra histórica, profunda.
Em sua origem superficial, “Globolixo” resulta de um trocadilho que faz troça da marca publicitária “Globeleza”, que a própria empresa adota em suas ações de marketing. À primeira vista, parece apenas um tipo de molecagem inconsequente. Nesse plano, temos a sensação de que o xingamento, um sinal de repúdio à programação e à linha editorial da maior rede de televisão do Brasil, poderia ser empregado por adolescentes de qualquer coloração ideológica, de direita ou de esquerda, indistintamente.
Mas não é assim. O palavrão guarda mais identidade com as milícias virtuais da direita antidemocrática, esse pessoal que, à moda do chefe, elogia torturadores, prega o fechamento do Supremo Tribunal e diz que o uso de máscara é coisa de maricas. Mais que uma tirada ignara, “Globolixo” é uma peça de retórica fascista. Mais do que ofender uma organização de mídia em particular, seu propósito é desacreditar toda a imprensa e todo o sistema de que as sociedades democráticas dispõem para separar o que é verdade factual do que é mentira. A palavra “Globolixo” concentra uma campanha insuflada diretamente pelo Planalto contra a imprensa livre.
Isso fica mais claro quando vamos atrás das origens históricas do termo espúrio. Essas origens remontam a palavra alemã Lügenpresse, algo como “imprensa mentirosa”. O termo frequentou o vocabulário de variadas correntes políticas a partir do século 19. No mais das vezes, servia a forças conservadoras ou ultraconservadoras para atacar órgãos de imprensa mais ou menos liberais, anticlericais e críticos, embora tenha atendido também a facções de esquerda que tentavam denunciar hipocrisias nos jornais burgueses. Entre tantas invocações, vindas de atores tão diversos, foi com os nazistas que a palavra Lügenpresse marcou lugar na história no século 20. Por meio dela os seguidores de Adolf Hitler produziram um estigma contra os judeus que estariam por trás das redações jornalísticas e uma ponta de lança para a propaganda massiva que mobilizaram para desacreditar todos os métodos independentes de verificação dos fatos.
Por que os nazistas rechaçavam o jornalismo? Muito simples. Para eles, só havia verdade nos enunciados do partido – tudo o que não fosse a palavra do partido era mentira potencial ou consumada. Um fato só era fato quando declarado fato pelo partido. Um fato não reconhecido pelo partido não era fato. Tudo muito chapado, muito estreito, bem ao gosto das massas que têm sede de tirania (massas que estão por aqui até hoje).
Em seus diários, Josef Goebbels, o ministro da propaganda do 3.º Reich, afirmou que gostaria de transformar o nazismo na religião do povo. A suástica funcionava, na imaginação dele, como a essência primordial, um sopro inaugural ou, ainda, o DNA insubstituível de todo discurso verdadeiro. Segundo essa dogmática, qualquer forma de expressão ou de representação que pretendesse conter ou indicar alguma verdade teria de carregar em seu código interno a inscrição da suástica. Dizendo Lügenpresse, os nazistas generalizavam seu juízo sobre a atividade jornalística – que seria por inteiro, e em absoluto, uma atividade de produção de falsidades – e rejeitavam de antemão a credibilidade de qualquer voz que não fosse a do próprio Führer.
Nos nossos dias, os fascistinhas de Facebook que repetem o xingamento “Globolixo” ecoam a campanha nazista baseada na palavra infamante Lügenpresse. Eles tentam minar a confiança do público na imprensa para matar o jornalismo de inanição (uma redação que não recebe o alimento da confiança do público morre à míngua). O pacto autoritário e antidemocrático que chegou ao poder com Bolsonaro sabe perfeitamente que para não desabar depende de eliminar a função social de verificação dos fatos, encarnada na imprensa independente – essa instituição social que está nos diários, como este aqui, nos telejornais de respeito, como o Jornal Nacional, e numa série de pequenas redações profissionais destemidas que investigam os acontecimentos com método e honestidade intelectual. O projeto de poder que aí está tem consciência de que só sobreviverá se matar o espírito livre da imprensa. Coerentemente, encoraja seus seguidores gritar “Globolixo”.
Em recente levantamento da entidade Repórteres Sem Fronteiras, constatou-se que 80% dos ataques contra a imprensa nas redes sociais em 2020 vieram diretamente do presidente da República ou de um de seus filhos. Em outra pesquisa, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) registrou um aumento do número de agressões ao jornalismo no mesmo ano e provou que o campeão das aleivosias é Jair Bolsonaro.
Um presidente liderando campanhas anti-imprensa é um atentado ambulante à Constituição. Os jornalistas brasileiros não se afastariam do seu dever de objetividade e independência se exigissem, em bloco, a destituição de Jair Bolsonaro.
*Jornalista, é professor da ECA-USP
José Serra: Batalha sem trégua contra a vacinação
O povo brasileiro está sendo privado do acesso livre às vacinas eficazes contra a covid-19
Existe amplo consenso na maioria dos países quanto ao diagnóstico de uma tríplice ameaça, política, econômica e sanitária, que aflige a estabilidade das democracias representativas. O Brasil não escapa a essa crise, que se alastra na maioria dos países das Américas. Tenho reiterado, como em artigo publicado em dezembro, que em nosso país a crise de legitimidade do sistema político precede a crise econômica, que, por sua vez, precede a crise sanitária e é por ela agravada.
Há consenso, também, em todos os países atingidos gravemente pela pandemia – com exceção dos que se omitem em combatê-la e frequentemente se empenham em combater os que não se omitem –, em que a economia não se recupera sem que o vírus da covid-19 seja posto sob estrito controle. Diversas políticas de mitigação da disseminação do vírus foram empregadas pelos diferentes países afetados.
Elas incluem, entre outras, a simples aposta na autodisciplina da população, o menor ou maior grau de restrição da circulação de pessoas e das atividades econômicas ou até o toque de recolher. Entretanto, a pandemia não dá sinais de regredir, nem sequer de arrefecer, portanto, não há receita feita a escolher.
Em nosso país, o Executivo criou deliberadamente mais uma crise, de cuja solução depende o desfecho de todas as outras: a crise da vacinação. Não há receitas 100% eficazes para o controle estrito da disseminação da doença, mas existe um número significativo de vacinas com alta eficácia cientificamente comprovada. Por conseguinte, os países poderão ser capazes de controlar a pandemia o suficiente para normalizar a atividade econômica se se empenharem em distribuir vacinas à população, com eficiência.
Não o Brasil. Vítima de uma guerra sem trégua de grupos entorpecidos pelo ópio do populismo de direita – com apoio explícito do Executivo –, o povo brasileiro está sendo privado do acesso livre e irrestrito às vacinas eficazes contra a covid-19. Ora, o cumprimento desse direito é a condição sine qua non de todos os outros consignados na Constituição: o direito à vida.
Passo a passo, essa guerra sem trégua começou combatendo todas as iniciativas dos Estados e municípios e das corporações médicas, que demandavam medidas eficazes de mitigação. Tão logo o Ministério da Saúde alertou sobre os riscos de disseminação da doença, a reação do Executivo foi minimizar e ridicularizar o vírus e sua disseminação, travando batalhas diárias contra a razão, os fatos e a ciência. Tendo comandado o Ministério da Saúde (o que muito me orgulha, não pelas honrarias que recebi, mas pela qualificação de seu corpo técnico, seu empenho e sua dedicação ao povo brasileiro), esse aviltamento do nosso maior instrumento de proteção da saúde causou-me indignação, como à maioria da Nação.
Quando o Ministério da Saúde anunciou a adoção de medidas protetivas das pessoas e restrições de atividades econômicas, e assim que foram previstas medidas de distribuição e estocagem de equipamentos de pronto-atendimento e de cuidados intensivos, de instrumentos de detecção da infecção etc., o Executivo federal criou um cenário de dupla personalidade. De um lado, Dr. Jekyll tentava, em vão, salvar vidas, enquanto, do outro, Mr. Hyde demitia, em menos de um mês, dois ministros da Saúde porque resistiram a permitir que o chefe do Executivo “receitasse” remédios inócuos no tratamento da doença, que apresentam efeitos colaterais graves.
A batalha decisiva pela sobrevivência da sociedade, da economia e do modo de vida brasileiro, tal como os conhecemos, está sendo travada em torno da vacinação. Isso porque existe hoje um consenso involuntário sobre o papel central da vacinação na cadeia causal que torna possível o controle da pandemia, que, por sua vez, torna possível a retomada da atividade econômica, com impactos positivos na mitigação da crise política.
Os que buscam a normalização da economia e o fim do radicalismo percebem que não há saída sem a vacinação em massa da população. Para os que suspeitam, ainda que inconscientemente, que sua sobrevivência política depende de manter um ambiente radicalizado, a economia sem rumo e o povo acuado pelo vírus, é necessário impedir uma vacinação em massa bem-sucedida.
De outra maneira, como entender a proporção de mentiras sobre a vacina, disseminadas sistematicamente, além dos obstáculos opostos à compra de vacinas já disponíveis no Brasil? Como explicar as dificuldades burocráticas para os testes de segurança e eficácia de vacinas no Brasil e a recusa a negociar a compra de vacinas já em pleno uso nas principais potências mundiais? Como explicar que uma vacina não possa ser aplicada sem ser testada no Brasil e outra não obtenha licença para teste no País?
Como explicar que um alto oficial da Intendência do Exército improvise tudo o que lhe toca, não planeje a aquisição de vacinas, não tire proveito do Plano Nacional de Imunização, criado há quase 50 anos, e tampouco seja capaz de pôr algo no lugar? A não ser que esteja em modo de guerra sem trégua... contra a vacinação.
*Senador (PSDB-SP)
Ascânio Seleme: Nova sugestão contra o vírus
O melhor caminho é a imprensa parar de cobrir a atividade dos três zeros de Bolsonaro
No dia 7 de maio do ano passado, uma quinta-feira como hoje, publiquei nesta página um artigo dando três sugestões para combater o bolsovírus, praga mais infectante e perigosa que o corona. Uma delas era parar de cobrir os faniquitos do presidente na porta do Palácio da Alvorada. Ali, diante daquele grupelho de apoiadores cegos que se reúnem para babar seus ovos, Bolsonaro dá vazão aos seus instintos, com mentiras aos quilos, grosserias aos montes e, sobretudo, ataques à imprensa. Claro que não foi para atender à minha recomendação, mas muitos veículos deixaram de cobrir aquela triste rotina, e apenas os mais mansos e amigos seguem dando microfone para as asneiras matinais ou vespertinas de Bolsonaro.
Esta semana, a ONG Repórteres Sem Fronteiras divulgou o número de ataques que jornalistas brasileiros sofreram em 2020, e não deu outra. Os Bolsonaros lideram com folga o ranking nacional. Os dados são estarrecedores para um país que se quer democrático. Das 580 ofensas contra jornalistas contabilizadas pela ONG, 85% (469) foram proferidas pelo presidente da República e seus três zeros. O mais ignóbil é o golpista (um cabo e um soldado bastam para fechar o Congresso) Eduardo, com 208 impropérios. O mais leve é o Flávio das rachadinhas, autor de 69 agressões. De Carlos, chefe do gabinete do ódio, partiram 89 ataques.
Da boca de Jair, saíram 103 ofensas a jornalistas. Um absurdo se analisado de qualquer ponto de vista. Os ataques dessa gangue se devem ao fato de seus membros não suportarem críticas. Julgam que podem fazer ou dizer o que bem entenderem e que ninguém tem o direito de lhes contestar. Eles carregam em seu organismo o germe do autoritarismo e da intolerância, por isso a avalanche de barbaridades que pronunciam sistematicamente contra jornais e jornalistas, na média de 1,28 a cada dia.
Todo mundo sabe que atacar jornalistas é igual a combater o mensageiro. O problema não é quem traz a notícia, mas quem a produz. No Brasil, quem fabrica as notícias negativas que incomodam a família presidencial é o próprio chefe do clã ou o seu governo. Não foram jornalistas que encaminharam à Câmara 62 pedidos de impeachment do presidente. Em média, o imóvel Rodrigo Maia recebeu um pedido de afastamento de Bolsonaro a cada 12 dias. Trata-se de um recorde que merecia entrar para o Guinness. Esta semana, 380 líderes religiosos cumpriram o ritual. Eles querem o afastamento do presidente por suas ações e omissões durante a pandemia.
Enquanto isso, o capitão e seus filhos agridem jornalistas com suas costumeiras baixarias. O que se deve fazer diante desse descalabro? O melhor caminho é a imprensa parar de cobrir a atividade dos três zeros. Eles importam pouco. Claro que são mais do que filhos do homem, são parlamentares. Mas conte nos dedos quantos deputados e senadores merecem a atenção dos jornalistas. Alguém já ouviu falar do deputado Júnior Marreca Filho (Patriotas-MA) ou do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR)? Pois é. Sugiro dar aos zerinhos a mesma atenção dedicada a Mecias (com c mesmo) e a Marreca.
A história sempre foi boa conselheira. Vejam o espaço que a imprensa deu aos filhos de presidentes no passado, fora os escândalos que são de cobertura obrigatória. Os filhos de Sarney, Roseana e Zequinha, eram parlamentares e só foram notícia por esporádicas ações políticas, todas legais, ou por denúncias. Não se metiam no governo do pai, embora se projetassem com seu sobrenome. Os filhos de Fernando Henrique também não eram protagonistas e não tinham mandatos eletivos. Os de Lula, da mesma forma, não davam pitaco e só apareceram em escândalos. A única filha de Dilma sempre se manteve discretamente afastada. A filha de Temer só virou notícia por causa de uma denúncia, e Michelzinho era um menino quando o pai governou.
Impossível impedir que os bozinhos continuem atacando jornalistas nas suas redes. Mas seria inteligente se os jornalistas de verdade não lhes dessem eco.
Maria Hermínia Tavares: Combate sem comando na luta contra o vírus
A dimensão da catástrofe não deve impedir que se veja o que tem sido feito apesar do presidente
Na luta contra a Covid-19, Bolsonaro tomou o partido de costume —da irresponsabilidade, da ignorância e da morte. Consagrando a incompetência, disseminando a mentira, estimulando o egoísmo e nutrindo a discórdia, ele só fez agigantar a tragédia nacional. Beirando os 220 mil óbitos, o país tem o perverso privilégio de ser o vice-campeão mundial na categoria.
Mas a dimensão da catástrofe não deve impedir que se veja o que tem sido feito, à revelia ou a contragosto do presidente, para evitar que a pandemia imponha à nação danos talvez irreparáveis. Graças ao Congresso, um robusto pacote emergencial protegeu os rendimentos dos mais pobres e a capacidade das empresas de produzir e empregar. Segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), o socorro foi o maior e mais amplo da região, contendo o avanço da pobreza e da desigualdade de renda.
Governadores e prefeitos fizeram o possível para que o SUS pudesse dar conta, com menos ou mais êxito, da imensa tarefa de atender os cerca de 150 milhões de brasileiros que dele dependem. O horror de Manaus não pode asfixiar o fato de o Brasil ser o 12º país em mortes por 100 mil habitantes —em situação melhor que México, Colômbia, Argentina e Peru, para não falar de Inglaterra, Itália, EUA, Espanha e França, segundo o Corona Virus Resource Center, da Universidade Johns Hopkins (EUA).
Finalmente, graças ao patrimônio científico do Instituto Butantan e da Fiocruz foi possível fechar acordos de cooperação com empresas estrangeiras, dando a partida ao inevitavelmente longo processo de imunização dos brasileiros. Caso único na América Latina, tais acordos permitirão, a prazo curto, o domínio da técnica de feitura de vacinas contra a Covid-19 --respiro para o presente e aprendizado para o futuro.
Estivesse a cargo de um titular minimamente alfabetizado na matéria, o Ministério da Saúde teria feito a sua parte, complementando o esforço daqueles institutos com a importação de vacinas prontas. A situação seria outra, e a angústia, bem menor.
Governos subnacionais, no espaço de autonomia que a federação lhes proporciona, bem como o sistema público de saúde e a capacidade científica construídos ao longo de décadas, vêm se demonstrando aptos a conter e, em parte, a circunscrever a lava destrutiva que jorra do centro do poder. Ainda assim, não podem substituir de todo uma liderança nacional que, além de ser dotada de alguma racionalidade, infunda ânimo, robusteça a confiança nas instituições, estimule a solidariedade e restaure o sentimento de união dos cidadãos.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.